Inicialmente visto como uma questão social e, em
seguida, como um problema de idade, o abuso de
idosos, tal como outras formas de violência em família,
tornou-se um problema de saúde pública e de justiça
criminal. E, em grande medida, esses dois campos –
saúde pública e justiça criminal – ditaram o modo como
o abuso de idosos é visto e analisado, e a maneira de
lidar com ele. Este capítulo focaliza o abuso de idosos
por membros da família ou por outras pessoas
conhecidas, seja em suas casas, asilos ou outras
instituições. Não abrange outros tipos de violência
que possam vitimar idosos, tais como violência
cometida por estranhos, crimes de rua, guerra de
gangues ou conflitos militares.
Maus-tratos cometidos contra idosos –
denominados “abuso de idosos” – foram descritos
pela primeira vez em l975, em revistas científicas
britânicas, como “espancamento de avós” (1, 2).
Como uma questão social e política, entretanto, foi o
Congresso dos Estados Unidos que abordou o
problema pela primeira vez, seguido mais tarde por
pesquisadores e especialistas. Na década de l980,
pesquisas científicas e ações governamentais foram
relatadas da Austrália, Canadá, China (Hong Kong
SAR [Special Administrative Region – Região
Administrativa Especial]), Estados Unidos, Noruega
e Suécia e, na década seguinte, da África do Sul,
Argentina, Brasil, Chile, Índia, Israel, Japão, Reino
Unido e outros países europeus. Embora o abuso de
idosos tenha sido identificado primeiro em países
desenvolvidos, onde tem sido desenvolvida a maior
parte da pesquisa existente, evidências empíricas e
outros relatórios de alguns países emergentes têm
demonstrado que se trata de um fenômeno universal.
O fato de que agora o abuso de idosos está sendo
levado muito mais a sério reflete uma preocupação
crescente, de abrangência mundial, em relação aos
direitos e à igualdade de gêneros e, também, em
relação à violência doméstica e ao envelhecimento
da população.
O fato de ainda não se ter uma definição precisa
de quando se começa a ser “idoso”, torna difíceis as
comparações entre estudos e países. Nas sociedades
ocidentais, o começo da velhice geralmente coincide
com a idade da aposentadoria, aos 60 ou 65 anos de
idade. Na maioria dos países emergentes, contudo,
tem pouco significado esse conceito socialmente
construído, com base na idade da aposentadoria.
Nesses países, são mais significativos os papéis
atribuídos às pessoas durante sua vida. A velhice é,
então, considerada como a fase da vida em que as
pessoas, por causa do declínio físico, não podem
mais desempenhar suas funções na família ou no
trabalho.
As preocupações com maus-tratos de idosos
aumentaram com a conscientização de que nas
próximas décadas, tanto nos países desenvolvidos
como naqueles em desenvolvimento, haverá um
aumento dramático na população do segmento idoso
– que em francês é denominado de le troisième âge (a
terceira idade). Está previsto que, por volta de 2025, a
população global de pessoas com 60 anos de idade e
mais velhas será mais que o dobro, passando de 542
milhões, em l995, para cerca de l,2 bilhão (ver Figura
5.l). O total de idosos vivendo em países emergentes
também será mais que o dobro por volta de 2025,
atingindo 850 milhões (3) – l2% da população total
do mundo em desenvolvimento – embora se estime
que em alguns países, dentre os quais Colômbia,
Indonésia, Quênia e Tailândia, o aumento seja quatro
vezes maior ou mais. Em todo o mundo, um milhão de
pessoas atinge a idade de 60 anos por mês, dos quais
80% encontram-se nos países emergentes.
Crescimento projetado na população global de
pessoas com 60 anos de idade e mais velhas, 1995-
2025
FIGURA 5.1
Fonte: Divisão de Populações das Nações Unidas, 2002.
Em quase todos os países do mundo, ricos e
pobres, as mulheres sobrevivem aos homens (3).
Entretanto, esta diferença entre os gêneros é
consideravelmente menor nos países emergentes,
principalmente por causa dos altos índices de
mortalidade materna e, em anos recentes, também
devido à epidemia da AIDS.
Nos países emergentes, essas mudanças
demográficas estão acontecendo juntamente com a
crescente mobilidade e mudança nas estruturas da
família. A industrialização está corroendo os padrões
duradouros de interdependência entre as gerações
de uma família, o que geralmente resulta em privação
material e emocional para os idosos. Em muitos países
emergentes, as redes de família e comunidade, que
antes davam apoio às gerações mais velhas, foram
enfraquecidas, e freqüentemente destruídas, pelas
rápidas mudanças sociais e econômicas. A epidemia
da AIDS também está afetando consideravelmente a
vida dos idosos. Em muitas partes da África
subsaariana, por exemplo, em grande número,
crianças estão ficando órfãs porque seus pais morrem
da doença. Os idosos, que esperavam o apoio dos
seus filhos na velhice, estão na situação de
responsáveis principais e sem uma família para ajudá-
los no futuro.
Apenas 30% dos idosos do mundo têm cobertura
de sistemas previdenciários. Na Europa Oriental e
nos países da antiga União Soviética, por exemplo,
como resultado das mudanças da economia planejada
para a economia de mercado, muitos idosos ficaram
sem a pensão de aposentadoria e os serviços de
saúde e previdência social que eram garantidos pelos
antigos regimes comunistas. Tanto na economia dos
países desenvolvidos como na dos países
emergentes, as desigualdades estruturais têm sido
freqüentemente a causa, entre a população em geral,
de baixos salários, alta taxa de desemprego, serviços
de saúde precários, falta de oportunidades de
educação e discriminação contra mulheres – o que
tende a tornar os idosos mais pobres e mais
vulneráveis.
Nos países emergentes, os idosos ainda
enfrentam um risco significativo de doenças
contagiosas. À medida que aumenta a expectativa de
vida nesses países, os idosos ficarão sujeitos às
mesmas doenças duradouras, possivelmente
incuráveis, e, em geral, àquelas doenças associadas
à velhice que causam invalidez, predominantes nos
países desenvolvidos. E também enfrentarão perigos
ambientais e a probabilidade de violência em suas
sociedades. Não obstante, os avanços na medicina e
no bem-estar social garantirão que muitos idosos
desfrutem de longos períodos de velhice sem
invalidez. As doenças serão evitadas ou terão seu
impacto reduzido mediante melhores estratégias de
cuidados com a saúde. O grande número de idosos
resultante será uma explosão para a sociedade, o que
constituirá uma grande reserva de experiência e
conhecimento.
Como é definido o abuso de idosos?
Geralmente, concorda-se que o abuso de idosos
é um ato de acometimento ou omissão (neste caso é
comumente descrito como “negligência”), que pode
ser tanto intencional como involuntário. O abuso
pode ser de natureza física ou psicológica
(envolvendo agressão emocional ou verbal), ou pode
envolver maus-tratos de ordem financeira ou material.
Qualquer que seja o tipo de abuso, certamente
resultará em sofrimento desnecessário, lesão ou dor,
perda ou violação de direitos humanos, e uma redução
da qualidade de vida para o idoso (4). Se o
comportamento é denominado abusivo, negligente
ou explorador dependerá, provavelmente, da
freqüência com que os maus-tratos ocorrem, sua
duração, gravidade e conseqüências, e, sobretudo,
do contexto cultural. Entre os Navajos, nos Estados
Unidos, por exemplo, o que poderia parecer, para um
pesquisador de fora, exploração econômica por
membros da família era visto pelos mais velhos da
tribo como sua obrigação cultural, e de fato privilégio,
compartilhar os bens materiais com suas famílias (5).
Outras tribos indígenas nos Estados Unidos viam o
abuso de idosos como um problema da comunidade
e não individual (6).
A definição dada pela instituição Action on Elder
Abuse [Ação sobre Abuso de Idosos] no Reino Unido
(7) e adotada pela International Network for the
Prevention of Elder Abuse [Rede Internacional para
Prevenção do Abuso de Idosos] estabelece que: “o
abuso de idosos é um ato simples ou repetido, ou
ausência de ação apropriada, que ocorre no contexto
de qualquer relacionamento em que haja uma
expectativa de confiança, que causa dano ou tensão
a uma pessoa idosa”. Tal abuso, em geral, se divide
nas seguintes categorias:
· abuso físico – inflicção de dor ou lesão, coação
física, ou domínio induzido pela força ou por
drogas;
· abuso psicológico ou emocional – inflicção de
angústia mental;
· abuso financeiro ou material – exploração ilegal
126 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 127
ou imprópria, ou uso de fundos ou recursos do
idoso;
· abuso sexual – contato sexual não consensual,
de qualquer tipo, com o idoso;
· negligência – recusa ou falha em desempenhar
a obrigação de cuidar do idoso. A negligência
pode ou não envolver uma tentativa consciente
ou intencional de infligir sofrimento físico ou
emocional no idoso.
Esta definição de abuso de idosos foi muito
influenciada pelo trabalho desenvolvido no Canadá,
Estados Unidos e Reino Unido. Estudos
desenvolvidos na África do Sul, China (Hong Kong
SAR), Finlândia, Grécia, Índia, Irlanda, Israel, Noruega
e Polônia enfocaram o tema de maneiras distintas
(8). Pesquisadores noruegueses, por exemplo,
identificaram o abuso com um “triângulo de violência”
que inclui uma vítima, um perpetrador e outros que –
direta ou indiretamente – observam os atores
principais. Em países como a China, que enfatizam a
harmonia e o respeito no contexto da sociedade,
negligenciar nos cuidados de uma pessoa idosa é
considerado um ato de abuso de idoso. Se os membros
da família falham no desempenho de suas obrigações
de parentesco de prover alimentação e moradia, isto
também constitui negligência.
Sociedade tradicionais
Muitas sociedades tradicionais do passado
consideravam a harmonia da família um fator
importante de orientação dos relacionamentos em
família. Essa reverência pela família era reforçada pelas
tradições filosóficas e políticas públicas. Na
sociedade chinesa, a reverência era incutida por um
sistema de valores que ressaltava a “piedade filial”.
Maus-tratos de idosos eram desconhecidos e
certamente não relatados. Essas tradições têm
influência até hoje. Estudos feitos nos Estados
Unidos, de atitudes relativas ao abuso de idosos,
revelam que cidadãos de origem coreana acreditavam
que a supremacia da harmonia da família sobre o bemestar
do indivíduo era um padrão para determinar se
um comportamento peculiar era visto como abusivo
ou não (9). Do mesmo modo, pessoas de origem
japonesa consideravam o “grupo” superior, e que o
bem-estar do indivíduo deveria ser sacrificado pelo
bem do grupo (10).
Destituir idosos da função de chefes de família e
privá-los de sua autonomia em nome da afeição são
normas culturais mesmo em países onde a família é a
instituição principal e o senso de obrigação filial é
forte (11). Tal infantilização e superproteção podem
deixar o idoso isolado, deprimido e desmoralizado, e
podem ser consideradas formas de abuso. Em
algumas sociedades tradicionais, viúvas, idosas são
abandonadas e suas propriedades são tomadas. Em
algumas partes da África e Índia, os ritos de passagem
de luto para viúvas incluem práticas que em outros
lugares seriam consideradas cruéis, tais como, por
exemplo, violência sexual, casamento forçado por
levirato (em que um homem é obrigado, pelos
costumes, a casar-se com a viúva sem filhos de seu
irmão) e expulsão de seus lares (12). Em alguns
lugares, acusações de bruxaria, em geral relacionada
com acontecimentos inexplicáveis na comunidade
local, tais como uma morte ou perda de colheita, são
feitas a mulheres isoladas e idosas (13). Na África
subsaariana, acusações de prática de bruxaria têm
levado muitas mulheres idosas a deixar suas casas e
comunidades para viver na pobreza em áreas urbanas.
Na República Unida da Tanzânia, cerca de 500
mulheres idosas, acusadas de bruxaria, são
assassinadas todos os anos (14). Esses atos de
violência tornaram-se costumes sociais arraigados e
podem não ser considerados localmente como “abuso
de idosos” (ver Quadro 5.l).
Um seminário sobre abuso de idosos, realizado
na África do Sul em l992, estabeleceu uma diferença
entre “maus-tratos” (tais como abuso verbal,
negligência ativa e passiva, exploração financeira e
excesso de medicação) e abuso (incluindo violência
física, psicológica e sexual, e apropriação indébita)
(8). Desde então, grupos focais têm sido organizados
na África do Sul, com idosos recrutados de três
distritos historicamente “negros”, para determinar o
nível de conhecimento e entendimento sobre abuso
de idosos nessas comunidades. Além do típico
esquema ocidental que abrange abuso físico, verbal,
financeiro e sexual, e negligência, os participantes
quiseram acrescentar à definição o seguinte:
— perda de respeito por idosos, que foi
equiparada à negligência;
— acusações de bruxaria;
— abuso por parte dos sistemas (maus-tratos
em clínicas e proveniente de órgãos
burocráticos).
Os grupos produziram as seguintes
definições (l5):
· abuso físico – surra e brutalidade física;
· abuso emocional e verbal – discriminação
com base na idade, insultos, palavras
injuriosas, difamação, intimidação, acusações
falsas, sofrimento psicológico e crueldade
QUADRO 5.1
Na República Unida da Tanzânia, cerca de 500 mulheres idosas são assassinadas todos os anos por
serem acusadas de bruxaria. O problema é particularmente sério em Sukumaland, no norte do país.
Grande número de mulheres idosas são forçadas a deixar suas casas e comunidades por medo de serem
acusadas de bruxaria e acabam vivendo na pobreza em áreas urbanas.
A crença na bruxaria existe há séculos em Sukumaland, embora a violência que a envolve tenha
aumentado sensivelmente nos últimos anos. Em parte, isso talvez seja devido à pobreza crescente
causada pelo fato de muitas pessoas tirarem seu sustento de uma terra pequena demais, como também
a uma total falta de educação. À medida que pessoas pobres e não educadas tentam explicar os infortúnios
que recaem sobre elas – doenças e morte, perdas de colheita e cacimbas que secam – elas procuram um
bode expiatório, e a bruxaria parece explicar acontecimentos que elas não podem entender ou controlar
de outra maneira.
Algumas vezes, os homens são acusados de bruxaria, embora o baixo status social das mulheres
signifique que elas são, na maioria esmagadora, o alvo principal. Entre alguns dos modos peculiares
pelos quais as mulheres são acusadas de bruxaria nessa região estão os seguintes:
disputas por terra são uma causa comum de violência contra viúvas. De acordo com as leis da
herança, as viúvas devem continuar a viver na terra de seus maridos, sem ser proprietárias. Quando
elas morrem, a terra se torna propriedade dos filhos de seus maridos. Então, acusações de bruxaria
são usadas para se livrarem de viúvas que vivem na terra como inquilinas, bloqueando a herança de
outros;
curandeiros tradicionais são freqüentemente instigados pelos membros da família ou vizinhos a
fazerem acusações de bruxaria contra mulheres. Um garoto matou a mãe depois de um curandeiro
tradicional dizer a ele que ela era a causa dos seus problemas;
mitos a respeito da aparência física das bruxas – que elas têm olhos vermelhos, por exemplo – também
provocam em geral as acusações de bruxaria. Os olhos de muitas mulheres idosas são vermelhos em
virtude de terem passado a vida cozinhando em fogões enfumaçados, ou de problemas de saúde, tais
como conjuntivite.
Líderes comunitários em Sukumaland estão pedindo ajuda ao Governo. Um deles teria dito: “trata-se
de uma questão de educar o povo. Em outras regiões do país, onde as pessoas são mais educadas, não
enfrentamos esse problema”.
Até recentemente, o Governo estava relutante em reconhecer que a crença em bruxaria ainda existia.
Agora o assunto está sendo amplamente discutido e oficialmente condenado. Em l999, o Governo da
Tanzânia escolheu a bruxaria como tema para o Dia Internacional da Mulher.
Uma ONG local e a HelpAge International [“Ajuda Internacional a Idosos”] também estão adotando
medidas para melhorar a segurança das mulheres idosas na República Unida da Tanzânia. Essas medidas
têm como objetivo a mudança de atitudes e crenças que envolvem a bruxaria e orientar algumas das
questões práticas, tais como a pobreza e habitação precária, que têm ajudado a manter vivas tais crenças.
Bruxaria: a ameaça da violência na República Unida da Tanzânia
128 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
mental;
· abuso financeiro – extorsão e controle do dinheiro
da pensão, apropriação de bens móveis e imóveis,
e exploração de idosos para forçá-los a tomar conta
dos netos;
· abuso sexual – incesto, estupro e outras formas
de coação sexual;
· negligência – perda de respeito por idosos,
recusa de afeto e falta de interesse pelo bem-estar
dos idosos;
· acusações de bruxaria – estigma e ostracismo;
· abuso proveniente dos sistemas – o tratamento
desumano a que os idosos estão sujeitos nas
clínicas de saúde e repartições encarregadas das
pensões, e marginalização pelo governo.
Essas definições, produzidas pelos participantes
e classificadas pelos pesquisadores, foram o
resultado de um esforço inicial feito na África do Sul
para obter informações sobre abuso de idosos. Elas
também são a primeira tentativa de classificar o abuso
de idosos em um país emergente, com base no modelo
ocidental, mas trazendo fatores que são relevantes
para a população nativa.
A extenção do problema
Cenários domésticos
Como a maior parte das nações emergentes
apenas recentemente está se tornando consciente
do problema, as informações sobre a freqüência do
abuso de idosos basearam-se em cinco levantamentos
realizados na década passada, em cinco países
desenvolvidos (l6 – 20). Se forem incluídos abusos
físicos, psicológicos, financeiros e negligência, os
resultados mostram um índice de abuso de 4 a 6%
entre idosos. Uma das dificuldades em se fazer
comparações entre os estudos é a variação entre seus
tempos. Os estudos desenvolvidos no Canadá, nos
Países Baixos e nos Estados Unidos referem-se ao
“ano anterior”. O estudo realizado na Finlândia
investigou o abuso desde a “idade da aposentadoria”,
enquanto o estudo na Grã-Bretanha examinou casos
dos “últimos anos”. O primeiro conjunto de estudos
(do Canadá, dos Estados Unidos e dos Países Baixos)
não encontrou diferença significativa nas taxas
prevalecentes de abuso por idade ou sexo; o estudo
na Finlândia revelou uma proporção mais alta de
vítimas femininas (7%) do que vítimas masculinas
(2,5%), enquanto no estudo britânico nenhuma
referência por idade ou sexo foi apresentada. Por
causa das diferenças na metodologia utilizada nos
cinco levantamentos e do número relativamente
pequeno de vítimas, não se justifica uma análise
comparativa adicional.
Um levantamento feito recentemente no Canadá
sobre violência em família revelou que, nos últimos
cinco anos, 7% dos idosos sofreram alguma forma de
abuso emocional, 1% de abuso financeiro e 1% de
abuso físico ou agressão sexual nas mãos de crianças,
de pessoas que cuidam de idosos ou de companheiros
(21). Homens (9%) foram mais propensos do que
mulheres (6%) a relatar que sofreram abuso emocional
ou financeiro. Por causa de diferenças nas questões
do levantamento e diferenças de tempo, essas
constatações não podem ser comparadas com o
estudo anterior realizado no Canadá, que tinha
encontrado uma proporção de abuso emocional muito
menor (1,4%) e um índice maior de abuso financeiro
(2,5%) (17).
Cenários institucionais
Há um quarto de século atrás, a proporção de
idosos vivendo em instituições nos países
desenvolvidos tinha atingido cerca de 9% (22). Desde
aquela época, houve uma mudança na ênfase em
relação à assistência na comunidade e ao uso de
cenários residenciais menos restritivos. Os atuais
índices de utilização de instituições asilares estão na
faixa de 4 a 7% em países como a África do Sul (4,5%),
o Canadá (6,8%), os Estados Unidos (4%) e Israel
(4,4%). Na maioria dos países africanos, os idosos
podem encontrar-se por longos períodos nas
enfermarias de hospitais, asilos para indigentes e
deficientes, e – em alguns países subsaarianos – em
campos de bruxas. Mudanças sociais, econômicas e
culturais que estão acontecendo em algumas das
sociedades em desenvolvimento estão tornando as
famílias menos capazes de cuidar de seus parentes
frágeis e, desse modo, prognosticam uma demanda
crescente por assistência institucional. Na China, a
expectativa de assistência institucional para idosos
está se tornando a norma. Em Taiwan, China, a
assistência institucional rapidamente superou a
atenção da família pelos idosos (AY Kwan, dados
inéditos, 2000).
Na América Latina, os índices de institucionalização
de idosos variam de l a 4%. A assistência institucional
não é mais considerada inaceitável para um idoso,
mas é vista como uma alternativa para as famílias. Os
asilos mantidos pelo governo, grandes instituições
que lembravam as antigas casas de trabalho inglesas *
,
foram convertidos em instituições menores, com
equipes profissionais multidisciplinares. Outras
instituições asilares são administradas por
comunidades religiosas de origem imigrante. Não há
dados disponíveis referentes aos índices de
institucionalização nos países do antigo bloco
europeu oriental, porque, à época, as autoridades
não permitiam a publicação de tais informações.
Apesar de existir uma vasta literatura sobre a
qualidade da assistência em cenários institucionais,
e de que, em relatórios de enquetes governamentais,
estudos etnográficos e históricos pessoais, têm sido
bem documentados casos de abuso de idosos, não
há dados nacionais disponíveis sobre a prevalência
ou incidência de abuso, mas apenas dados locais
provenientes de estudos de escala menor. Um
levantamento sobre o pessoal de instituições asilares
em um estado dos Estados Unidos revelou que 36%
da equipe geral e de enfermeiros relatou ter
testemunhado pelo menos um incidente de abuso
físico cometido por outros membros da equipe no
ano anterior, enquanto 10% admitiram ter cometido,
eles próprios, pelo menos um ato de abuso físico. Da
amostra no ano anterior, 8l% tinha observado pelo
menos um incidente de abuso psicológico contra um
residente, e 40% admitiu também ter cometido atos
dessa natureza (23). Essas descobertas sugerem que
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 129
130 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
o número de maus-tratos contra residentes idosos
em instituições pode ser muito mais extenso do que
geralmente se acredita. Os índices de abuso de idosos,
tanto na comunidade como nos cenários
institucionais, podem ser maiores do que indicariam
as estatísticas sobre atos violentos coletadas por
países. Algumas das disparidades provêm do fato de
que o abuso de idosos permaneceu desconhecido
até a década de l970. Mortes de idosos, tanto em
cenários institucionais como na comunidade, têm
sido freqüentemente atribuídas a causas naturais,
acidentais ou indeterminadas, quando na verdade
foram conseqüência de comportamento abusivo ou
negligente.
Quais os fatores de riscos para o abuso
de idosos?
Dos primeiros estudos sobre o abuso de idosos,
a maior parte era limitada a cenários domésticos e
realizados nos países desenvolvidos. Ao buscarem
explicações para o abuso de idosos, os pesquisadores
as encontraram na literatura, nas áreas da psicologia,
sociologia, gerontologia e no estudo da violência em
família. A fim de conciliar a complexidade do abuso
de idosos com os muitos fatores a ele relacionados,
os pesquisadores se voltaram para o modelo
ecológico, que foi aplicado primeiro ao estudo do
abuso infantil e da negligência (24), e mais
recentemente ao abuso de idosos. O modelo ecológico
pode levar em consideração as interações que ocorrem
entre diversos sistemas. Conforme descrito no
Capítulo 1, o modelo consiste de uma hierarquia que
se estabelece em quatro níveis do ambiente:
indivíduo, relacionamento, comunidade e sociedade.
Fatores individuais
Os primeiros pesquisadores nesse campo não
deram importância a distúrbios de personalidade de
indivíduos como agentes causais da violência em
família em favor de fatores sociais e culturais (27).
Mais recentemente, entretanto, pesquisas sobre
violência em família demonstraram que os agressores
que são fisicamente agressivos são mais propensos
a ter distúrbios de personalidade e problemas
relacionados com alcoolismo do que a população em
geral (28). Do mesmo modo, estudos restritos à
violência contra idosos em cenários domésticos
revelaram que os agressores provavelmente têm mais
problemas de saúde mental e de abuso de substâncias
[drogas] do que os membros da família ou pessoas
que cuidam dos idosos, que não são violentos nem
abusivos (29-31).
Nos primeiros estudos, foram fortemente
identificados como fatores de risco para o abuso
haver debilidade cognitiva e física dos idosos vítimas
de abuso. Entretanto, um estudo posterior de uma
série de casos realizado por uma agência de serviço
social revelou que os idosos que tinham sido
maltratados não estavam mais debilitados do que
seus companheiros que não haviam sofrido abuso e
talvez o estivessem até menos, particularmente nos
casos de abuso físico e verbal. Em outros estudos,
uma comparação de amostras de pacientes com
doença de Alzheimer demonstrou que o grau de
debilidade não era um fator de risco para serem vítimas
de abuso (33-34). Contudo, entre os casos de abuso
relatados às autoridades, aqueles envolvendo os mais
idosos e que estão mais debilitados geralmente
constituem uma grande proporção.
O gênero tem sido proposto por alguns como um
fator característico no que diz respeito a abuso de
idosos sob a alegação de que mulheres idosas podem
ter sido sujeitas à opressão e desvantagens
econômicas durante toda a vida (35). Entretanto,
segundo estudos que têm por base a comunidade,
parece que homens idosos correm o risco de abuso
pelas esposas, jovens e outros parentes na mesma
proporção que mulheres (l6, l7).
Embora a renda dos idosos não constituísse um
fator significativo num estudo sobre ocorrência de
abuso de idosos nos Estados Unidos, as dificuldades
financeiras por parte do agressor apareceram de fato
como um importante fator de risco. Às vezes, o abuso
de idosos estava relacionado a um problema de abuso
de substâncias por parte de jovens, levando-os a
extorquir dinheiro, possivelmente um cheque de
pensão do idoso. O abuso dessa natureza também
pode ser influenciado, em parte, por indignação de
membros da família por terem de gastar dinheiro com
cuidados da pessoa idosa.
Fatores de relacionamento
Nos primeiros modelos teóricos, o nível de
estresse das pessoas que cuidam dos idosos era visto
como um fator de risco, que associava o abuso de
idosos com os cuidados a um parente idoso (36,37).
Enquanto a imagem popular de abuso retrata uma
vítima dependente e uma pessoa superestressada que
cuida de idosos, há evidência crescente de que
nenhum desses fatores conta propriamente para os
casos de abuso. Embora o componente estresse não
seja negado pelos pesquisadores, agora eles tendem
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 131
a vê-lo num contexto mais amplo, em que a qualidade
do relacionamento é um fator causal (30, 34, 38).
Alguns dos estudos que envolvem estresse de
pessoas que cuidam dos idosos, a doença de
Alzheimer e o abuso de idosos indicam que a natureza
do relacionamento entre a pessoa que cuida do idoso
e o próprio idoso, antes de o abuso começar, pode
ser um importante indício de abuso (34, 39, 40). Hoje,
entretanto, acredita-se que o estresse pode ser um
fator que contribui em casos de abuso, mas não
contribui por si só para o fenômeno.
Trabalhos com pacientes demenciados têm
demonstrado que atos violentos praticados pelas
pessoas que recebem cuidados podem funcionar
como “gatilhos” para a violência recíproca por parte
da pessoa que cuida do idoso. Pode ser que a
violência seja o resultado da interação de vários
fatores, incluindo o estresse, o relacionamento entre
a pessoa que cuida do idoso e o próprio idoso, a
existência de comportamento violento e agressividade
por parte da pessoa que recebe os cuidados, e a
depressão da pessoa que cuida (42).
Arranjos relacionados à moradia, particularmente
no que diz respeito a condições de superpopulação e
falta de privacidade, têm sido associados a conflitos
dentro da família. Embora o abuso possa ocorrer
quando o agressor ou o idoso vítima do abuso vivem
separados, o idoso pode correr mais risco se morar
com a pessoa que cuida dele.
As primeiras teorias sobre o assunto também
procuraram associar a dependência ao aumento de
risco de abuso. A princípio, foi enfatizada a
dependência da vítima em relação à pessoa que cuida
dela ou o agressor, embora mais tarde trabalhos de
caso tenham identificado agressores que eram
dependentes do idoso – comumente, jovens que
dependem de pais idosos para ter casa e assistência
financeira (32). Em alguns desses casos uma ” teia
da interdependência” era evidente – uma forte ligação
emocional entre a vítima do abuso e o agressor, que
freqüentemente impedia esforços de intervenção.
Fatores comunitários e sociais
Em quase todos os estudos de fatores de risco, o
fator comunitário de isolamento social aparece como
um fator significativo nos maus-tratos de idosos (17,
29, 43, 44). Assim como ocorre com as mulheres que
são constantemente maltratadas, o isolamento de
idosos pode tanto ser uma causa como uma
conseqüência de abuso. Muitos idosos são isolados
por causa de enfermidade físicas ou mentais. Além
disso, a perda de amigos e membros da família reduz
as oportunidades de interação social.
Embora haja agora pouca evidência empírica
sólida, fatores sociais são normalmente considerados
importantes como fatores de risco para o abuso de
idosos, tanto nos países emergentes como nos
industrializados; no passado, enfatizava-se, em geral,
os atributos individuais ou interpessoais como fatores
potenciais da causa do abuso de idosos. Hoje,
reconhece-se que normas culturais e tradições – tais
como discriminação etária, discriminação sexual e uma
cultura de violência – também desempenham um
importante papel subjacente. Os idosos
freqüentemente são retratados como frágeis, fracos
e dependentes, algo que os fez parecer menos dignos
de receber recursos governamentais ou até mesmo
cuidados da família do que outros grupos e os
apresentou como alvos prontos para exploração.
No que diz respeito à África subsaariana em
particular, os fatores sociais e comunitários incluem
(12):
— os sistemas de herança e direitos sobre a terra,
patrilineares e matrilineares, que afetam a
distribuição do poder;
— o modo como as sociedades vêem o papel da
mulher;
— o desgaste dos laços estreitos entre as
gerações de uma família, causado pela migração
rural-urbana e o crescimento da educação formal;
— a perda, devida ao processo de modernização,
dos papéis domésticos, de rituais e de autoridade,
tradicionais na família, desempenhados pelos
idosos.
De acordo com o grupo de estudo focal na África
do Sul anteriormente mencionado, a maioria dos
abusos – e particularmente a violência doméstica –
ocorreram como resultado de desordem social
exacerbada pelo crime, alcoolismo e drogas.
Conclusões semelhantes se originaram de um
exercício conduzido por sete líderes comunitários
masculinos do campo de posseiros de Tamago
Katlehong, África do Sul (15). Estabelecendo uma
relação entre pobreza e violência, eles descrevem
como a vida desregrada das famílias, a falta de dinheiro
para o essencial e a falta de educação e de
oportunidades de trabalho contribuíram para uma
vida de crime, tráfico de drogas e prostituição de
jovens. Nessa sociedade, os idosos são vistos como
alvo para abuso e exploração, sendo sua
vulnerabilidade o resultado da pobreza que se
distingue pela falta de suporte previdenciário e
132 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
oportunidades de trabalho, higiene precária, doenças
e má-nutrição.
As transformações políticas na Europa Oriental
pós-comunista também criaram condições para o
aumento do risco de abuso de idosos. Os fatores lá
indicados como responsáveis por afetar o bem-estar
geral de saúde e psicossocial, particularmente dos
idosos, cuja vulnerabilidade aos maus-tratos
aumentou, incluem:
— o crescente empobrecimento de partes
significativas da sociedade;
— alto índice de desemprego;
— falta de estabilidade e segurança social;
— expressão visível de agressividade,
especialmente entre os jovens.
Nas sociedades chinesas, várias razões foram
apontadas (45) para os maus-tratos de pessoas
idosas, incluindo:
— falta de respeito por parte das gerações mais
jovens;
— tensão entre as estruturas de famílias,
tradicionais e novas;
— reestruturação das redes básicas de apoio para
os idosos;
— migração de casais jovens para novas cidades,
deixando os pais idosos em áreas residenciais que
estão em deterioração nos centros das cidades.
Estudos sobre abuso de idosos têm se voltado
principalmente para problemas interpessoais e de
família. Entretanto, um modelo integrado – que abranja
perspectivas individuais, interpessoais, comunitárias
e sociais – é mais adequado e reduz alguns dos
desvios evidentes nos primeiros estudos. Tal modelo
leva em consideração as dificuldades enfrentadas
pelos idosos, especialmente mulheres idosas. Essas
pessoas em geral vivem na pobreza, sem as
necessidades básicas da vida e sem apoio da família,
fatores que aumentam o risco de abuso, negligência
e exploração.
As conseqüências do abuso de idosos
Para os idosos, as conseqüências do abuso
podem ser particularmente sérias. Os idosos são
fisicamente mais fracos e mais vulneráveis do que os
jovens, seus ossos são mais frágeis e a convalescença
é mais longa. Mesmo uma lesão relativamente
pequena pode causar danos sérios e permanentes.
Muitos idosos sobrevivem com rendas limitadas, o
que faz com que a perda de uma pequena quantia de
dinheiro tenha um impacto significativo. Eles podem
ficar isolados, solitários ou perturbados por doenças
e, nesses casos, tornam-se mais vulneráveis como
alvo de esquemas fraudulentos.
Cenários domésticos
Poucos estudos empíricos têm sido
desenvolvidos para determinar as conseqüências de
maus-tratos, embora haja muitos relatórios clínicos e
de estudos de caso sobre distúrbio emocional grave
sofrido por idosos maltratados. Nos estudos
realizados em países desenvolvidos, há algumas
evidências que demonstram que, mais do que seus
pares que não sofreram abuso, um grande número de
idosos vítimas de abuso sofre de depressão ou
distúrbio psicológico (31, 46, 47). Visto que esses
estudos tiveram um desenho transversal, não é
possível dizer se essa condição existia antes ou foi
uma conseqüência dos maus-tratos. Outros sintomas
que têm sido propostos como sendo relacionados a
casos de abuso incluem sentimentos de desamparo,
alienação, culpa, vergonha, medo, ansiedade,
negatividade e estresse pós-traumático (48, 49).
Efeitos emocionais também foram citados pelos
participantes no estudo do grupo focal na África do
Sul, juntamente com problemas de saúde e, nas
palavras de um participante, “doença do coração”.
(15)
Num estudo seminal desenvolvido em New
Haven, CT, Estados Unidos, dados provenientes de
um estudo anual abrangente sobre saúde e bem-estar,
de uma amostra representativa de 2.812 idosos, foram
confrontados com o banco de dados anual da agência
local responsável pela verificação de abusos de
adultos em cada ano, durante um período de nove
anos (50). Informações para o levantamento sobre
saúde foram registradas por enfermeiros que
cuidaram dos idosos num hospital durante o primeiro
ano de coleta de dados, e a cada três anos depois
disso. Nos anos intermediários, os dados foram
atualizados pelo telefone. Pessoas que trabalham com
os casos obtiveram as informações sobre abuso e
negligência usando os protocolos existentes, após
investigar reclamações de maus-tratos, comumente
por uma visita doméstica. O banco de dados
incorporado possibilitou aos pesquisadores
identificar aquelas pessoas da amostra que durante
o levantamento de nove anos foram confirmadas como
vítimas de abuso físico ou negligência. Os índices de
mortalidade foram então calculados, começando com
o primeiro ano do levantamento, e por doze anos a
partir de então, tanto em relação àqueles que sofreram
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 133
abuso ou negligência como também em relação ao
grupo dos que não sofreram abuso. Quando os
índices de mortalidade em relação aos dois grupos
foram comparados, treze anos depois que o estudo
começou, 40% do grupo que não sofreu abuso ou
negligência ainda estavam vivos, comparados com
9% daqueles que tinham sofrido abuso físico ou
negligência. E, depois de controlar todos os fatores
possíveis que poderiam afetar a mortalidade (por
exemplo, idade, sexo, renda, condições funcionais e
cognitivas, diagnóstico e grau de apoio social) e não
encontrar relações significativas nesses fatores
adicionais, os pesquisadores concluíram que maustratos
causam estresse interpessoal extremo que pode
representar um risco adicional de morte.
Instituições
Os maus-tratos em relação aos idosos têm sido
identificados em instituições de cuidados
continuados (tais como instituições asilares,
residential care*, hospitais ou instituições-dia), em
quase todos os países onde tais instituições existem.
Várias pessoas podem ser responsáveis pelo abuso:
um membro remunerado da equipe, outro residente,
um visitante voluntário, parentes ou amigos. É
possível que, uma vez que o idoso esteja sob cuidados
institucionais, um relacionamento abusivo ou
negligente entre o idoso e a pessoa que cuida dele
em casa não termine necessariamente, pois o abuso
pode continuar no novo cenário.
Deve ser feita uma distinção entre atos individuais
de abuso ou negligência em cenários institucionais e
abuso institucionalizado – onde o regime prevalecente
da própria instituição é abusivo ou negligente. Na
prática, entretanto, normalmente fica difícil dizer se
as razões para abuso ou negligência ocorridos num
cenário institucional foram decorrentes de atos
individuais ou de falhas institucionais, uma vez que
ambos freqüentemente são encontrados juntos.
O espectro do abuso e negligência dentro das
instituições tem uma amplitude considerável (51), e
pode ser relacionado a qualquer dos seguintes
aspectos:
— provisão de assistência – por exemplo,
resistência à mudança nos remédios geriátricos,
debilitação da individualidade na assistência,
alimentação inadequada e enfermagem deficiente
(tal como falta de cuidado com escaras);
— problemas com pessoal – por exemplo, estresse
relacionado com trabalho, estafa do pessoal,
condições físicas de trabalho precárias,
treinamento insuficiente e problemas
psicológicos entre o pessoal;
— dificuldades de interação entre o pessoal e os
residentes – por exemplo, comunicação precária,
agressividade por parte dos residentes e
diferenças culturais;
— ambiente – por exemplo, falta de privacidade
básica, instituições dilapidadas, uso de repressão,
estímulo sensorial inadequado, propensão a
acidentes dentro da instituição;
— políticas organizacionais – por exemplo,
aquelas que operam em benefício da instituição
dando aos residentes poucas escolhas em
relação à vida diária; atitudes burocráticas ou
antipáticas em relação aos residentes; redução
ou alta rotatividade de pessoal; fraudes
envolvendo bens ou dinheiro de residentes; e
falta de um conselho de residentes ou conselho
de famílias de residentes.
Evidências empíricas provenientes da Índia
indicam que o abuso institucional em geral é
perpetuado pelo pessoal mediante um sistema
regimental inquestionável – em nome da disciplina
ou proteção imposta – e exploração da dependência
do idoso; e isso é agravado pela falta de
administração treinada profissionalmente.
Com o atual nível de conhecimento, é impossível
saber quão arraigadas são essas condições. De
acordo com levantamento de quinze mil instituições
de idosos (52), realizado pelo governo dos Estados
Unidos em 1997, as dez deficiências principais,
citadasem categorias mais abrangentes, eram:
1. preparação de alimentos (21,8%);
2.avaliação ampla – uma avaliação documentada
de todas as necessidades, incluindo assistência
médica, enfermagem e assistência social (17,3%);
3. planos de assistência amplos – em geral na
forma de um documento especificando as
necessidades diárias de assistência de um
indivíduo e indicando quem é o responsável por
elas, com comentários sobre o progresso e
mudanças requeridas (17,1%);
4. acidentes (16,6%);
5. escaras (16,1%);
6. qualidade da assistência (14,4%);
7. dominação física (13,3%);
8. serviços de manutenção (13,3%);
9. falta de dignidade (13,2%);
10. prevenção de acidentes (11,9%).
Abuso e negligência podem ocorrer em muitos
tipos de instituição, inclusive aquelas que parecem
fornecer assistência de alta qualidade para os
134 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
pacientes. Uma questão crucial identificada no exame
de pesquisas sobre escândalos em asilos sugeriu que,
com pouca mudança identificável na situação
aparente, um regime de assistência aceitável ou bom
poderia ser transformado fácil e rapidamente num
regime abusivo de assistência (53).
O que pode ser feito para evitar o abuso
de idosos?
O impacto que a violência física e psicológica têm
na saúde de um idoso é exacerbado pelo processo de
envelhecimento e pelas doenças da velhice. Em
decorrência da deterioração física e cognitiva que
geralmente acompanha a velhice, é mais difícil para
os idosos deixar um relacionamento abusivo ou tomar
decisões corretas. Em alguns lugares, obrigações de
parentesco e o uso da rede prolongada de família
para resolver dificuldades podem também diminuir a
capacidade do idoso, particularmente das mulheres,
de escapar de situações perigosas. Freqüentemente,
o agressor pode ser a única companhia da pessoa
que é vítima de abuso. Por causa dessa e de outras
considerações, prevenir o abuso de idosos apresenta
inúmeros problemas para os especialistas. Na maioria
dos casos, o maior dilema é encontrar o equilíbrio
entre o direito do idoso à autodeterminação e a
necessidade de adotar medidas para acabar com o
abuso.
Respostas em nível nacional
No mundo, encontram-se em estágios variados
de desenvolvimento os esforços para incentivar
medidas sociais contra o abuso de idosos em nível
nacional e para elaborar legislação e outras iniciativas
políticas. Alguns autores (54,55) têm usado o modelo
de problemas sociais de Blumer (56) para descrever
os estágios do processo:
— emergência de um problema;
— legitimação do problema;
— mobilização de ações;
— formulação de um plano oficial;
— implementação do plano.
Os Estados Unidos são os mais avançados em
termos de uma resposta em nível nacional, com um
sistema totalmente desenvolvido para relatar e tratar
casos de abuso de idosos. Esse sistema opera em
nível estadual, sendo que o governo federal limita-se
a apoiar o National Center on Elder Abuse [Centro
Nacional de Abusos de Idosos] que dá assistência
técnica e uma pequena quantia de fundos aos
estados para seus serviços de prevenção de abuso
de idosos. Um ponto focal em nível nacional também
é disponibilizado pelo National Committee for the
Prevention of Elder Abuse [Comitê Nacional para a
Prevenção de Abuso de Idosos], uma organização
sem fins lucrativos criada em 1988, e a National
Association of State Adult Protective Services
Administrators [Associação Nacional de
Administradores dos Serviços Estaduais de Proteção
a Adultos], instituída em 1989.
Na Austrália e no Canadá, algumas províncias e
estados estabeleceram sistemas para lidar com casos
de abuso de idosos, mas nenhuma política oficial
federal foi anunciada. A Nova Zelândia estabeleceu
uma série de projetos-piloto por todo o país. Esses
três países possuem grupos nacionais. O New
Zealand National Elder Abuse and Neglect Advisory
Council [Conselho Consultivo sobre Abuso e
Negligência de Idosos da Nova Zelândia] foi
instituído no começo da década de 1990, para criar
um panorama nacional para a assistência e proteção
de idosos.
A Australian Network for the Prevention of Elder
Abuse [Rede Australiana para a Prevenção de Abuso
de Idosos], foi estabelecida em 1998 como um ponto
de contato e troca de informações para os que
trabalham com idosos em situações de abuso. Em
1999, a Canadian Network for the Prevention of Elder
Abuse [Rede Canadense para a Prevenção de Abuso
de Idosos] foi criada com objetivos semelhantes –
encontrar meios de desenvolver políticas, programas
e serviços para eliminar o abuso de idosos.
No Reino Unido, a Action on Elder Abuse [Ação
sobre Abuso de Idosos], uma organização nãogovernamental
nacional, ajudou a voltar a atenção
do governo para o abuso de idosos, dando destaque
a documentos das políticas do Departament of
Health [Departamento de Saúde] e da Social Services
Inspection [Inspeção de Serviços Sociais]. A Noruega
lidera os países escandinavos, tendo obtido
aprovação do Parlamento para um projeto de serviço
em Oslo e um centro de recursos para informação e
pesquisa sobre violência, sendo este último em
grande parte o resultado da ação de campanhas contra
o abuso de idosos. Outros países europeus –
incluindo Alemanha, França, Itália e Polônia –
encontram-se no estágio de “legitimização” do
modelo de Blumer. As atividades para a prevenção
de abuso de idosos são limitadas principalmente a
pesquisadores individuais e alguns programas locais.
O Latin American Committee for the Prevention
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 135
of Elder Abuse [Comitê Latino-Americano para
Prevenção de Abuso de Idosos] fez uma forte
campanha para chamar a atenção para o problema de
abuso de idosos nos países latino-americanos e
caribenhos, e oferece treinamento por ocasião das
reuniões internacionais e nacionais. Para alguns
países – incluindo Cuba, Uruguai e Venezuela – a
conscientização do problema está ainda iniciando, e
as atividades consistem principalmente de reuniões
de profissionais e estudos de pesquisa. Outros países
da região, tais como Argentina, Brasil e Chile, se
mobilizaram para a legitimização e ação. Em Buenos
Aires, Argentina, a organização “Proteger”, que lida
exclusivamente com casos de abuso de idosos, foi
estabelecida em 1998 como um dos programas do
Departament for the Promotion of Social Welfare
and Old Age [Departamento para a Promoção do BemEstar
Social e da Terceira Idade]. Profissionais e outras
pessoas que trabalham nesse programa recebem um
treinamento de seis meses em gerontologia, voltado
principalmente para a prevenção da violência e
intervenção em casos de abuso de idosos. A
“Proteger” também dispõem de um serviço de ajuda
por telefone.
No Brasil, o apoio oficial ao treinamento para
abuso de idosos foi disponibilizado pelo Ministério
da Justiça, Saúde e Bem-Estar*. No Chile, como
resultado do trabalho da Interministerial Commission
for the Prevention Intrafamiliar Violence [Comissão
Interministerial para Prevenção de Violência em
Família], foi aprovada em 1994 (57) uma lei contra a
violência em família. A lei abrangia todos os atos de
violência em família, inclusive aqueles dirigidos aos
idosos.
Na Ásia, estudos desenvolvidos por
pesquisadores na China (Hong Kong SAR), Índia,
Japão e República da Coréia chamaram a atenção para
o problema do abuso de idosos, mas isso não foi
seguido, até agora, de nenhuma ação oficial, em termos
de políticas ou desenvolvimento de programas.
Relatórios sobre abuso de idosos na África do
Sul surgiram pela primeira vez em l98l. Em l994, um
programa preventivo sobre abuso institucional foi
estabelecido conjuntamente pelo estado e o setor
privado (58). Ativistas que trabalhavam para prevenir
o abuso de idosos promoveram fortemente a idéia de
uma estratégia nacional sobre abuso de idosos, que
o governo está considerando agora, e lutaram pela
inclusão do abuso de idosos na declaração final da
Southern Africa Development Community
Conference on the Prevention of Violence Against
Women [Conferência da Comunidade de
Desenvolvimento Sul Africana para a Prevenção da
Violência contra as Mulheres], realizada em Maseru,
Lesoto, em dezembro de 2000. A Nigerian Coalition
on Prevention of Elder Abuse [Coalizão Nigeriana
para a Prevenção de Abusos contra Idosos] reúne
todas as agências e grupos que trabalham com e para
os idosos. Para muitas outras nações africanas, os
esforços para lidar com abuso de idosos são
ofuscados por outras preocupações que
aparentemente exercem maior pressão – tais como
conflitos, pobreza e dívida.
Em 1997, com uma rápida expansão das atividades
mundiais sobre o abuso de idosos, foi criada a INPEA
(International Network for the Prevention of Elder
Abuse [Rede Internacional para a Prevenção de
Abusos Contra Idosos]), com representação dos seis
continentes. Os objetivos da INPEA são: aumentar a
consciência do público; promover educação e
treinamento; fazer campanha em defesa do idoso
vítima de abuso e negligência; e promover pesquisas
sobre causas, conseqüências, tratamentos e
prevenções de abuso de idosos.
Durante o primeiro estágio de desenvolvimento
da INPEA, os seminários foram o principal meio de
treinamento e foram conduzidos em reuniões de
profissionais na Austrália, Brasil, Canadá, Cuba,
Estados Unidos e Reino Unido. Foram criados um
boletim informativo trimestral e um site na Internet. A
INPEA também serviu de modelo para as redes
australiana e canadense.
Respostas locais
A maioria dos programas estabelecidos para
combater o problema do abuso de idosos encontrase
nos países ricos. Eles geralmente são conduzidos
sob os auspícios dos serviços sociais e de saúde ou
sistemas legais, ou em associação com programas
para combater a violência em família. Embora tenha
sido provado que o abuso de idosos existe em vários
países pobres ou emergentes, têm sido instituídos
poucos programas específicos. Nesses países, casos
de abuso de idosos são geralmente tratados pelas
agências de serviço social, governamentais ou não
governamentais, mesmo que o pessoal de tais
agências nem sempre seja instruído sobre o assunto.
A Costa Rica, que tem um forte programa local
adequado, é uma exceção (11). Em alguns países não
existem serviços sociais ou sistemas de assistência à
saúde para lidar com o abuso de idosos.
136 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Serviços sociais
Em geral, países que prestam serviços a idosos
vítimas de abuso, negligência ou exploração, fazem
isso por meio da rede existente de serviços sociais de
saúde. Tais casos freqüentemente envolvem questões
médicas, legais, éticas, psicológicas, financeiras,
policiais, e questões ambientais. Para ajudar pessoas
que trabalham com casos de abuso, têm sido
desenvolvidos protocolos e diretrizes e, em geral, há
para elas treinamento especial disponível. A
assistência normalmente é planejada por equipes
multidisciplinares de consultores. Normalmente, tais
serviços operam em estreita colaboração com forçastarefa
que geralmente representam órgãos legais e
organizações privadas, voluntárias e de caridade, que
oferecem serviços de consultoria, treinamento,
desenvolvem legislação modelo e identificam pontos
fracos no sistema. Uma característica freqüente de
tais sistemas são as linhas diretas disponíveis para
receber denúncias de maus-tratos (59, 60) e
atualmente elas estão operando no Reino Unido e em
comunidades locais na Alemanha, França e Japão
(ver Quadro 5.2). Apenas os Estados Unidos e algumas
províncias canadenses criaram um sistema para lidar
exclusivamente com denúncias sobre maus-tratos de
adultos. Nesses serviços de proteção aos adultos,
como são conhecidos, as pessoas que trabalham com
casos vão investigá-los e avaliá-los, desenvolvendo
planos para assistência adequada e monitorando os
casos até que eles possam ser entregues às agências
existentes de serviços sociais para idosos.
Há um interesse crescente em disponibilizar
serviços para vítimas de abuso de idosos na mesma
linha daqueles desenvolvidos para mulheres
espancadas. São relativamente novos os abrigos de
emergência e grupos de apoio especificamente para
idosos vítimas de abuso. Eles propiciam um ambiente
onde as vítimas de abuso podem compartilhar
experiências, fortalecer-se psicologicamente para lidar
com seus medos, insegurança, estresse e ansiedade,
e levantar a auto-estima. Um exemplo de como o
modelo de violência doméstica foi adaptado para o
abuso de idosos é o programa estabelecido pela
Finnish Federation of Mother and Child Homes and
Shelters [Federação Finlandesa de Casas e Abrigos
para Mães e Filhos], em colaboração com uma
instituição asilar local e o sistema finlandês de
assistência à de saúde. Esse projeto disponibiliza
camas de abrigo de emergência na instituição asilar,
uma linha direta de ajuda que oferece conselhos e
uma oportunidade para os idosos falarem sobre seus
problemas; e promove uma reunião quinzenal de um
grupo de apoio a vítimas. Existem outros abrigos de
emergência semelhantes na Alemanha, Canadá,
Estados Unidos e Japão.
Nos países de baixa renda, que carecem de infraestrutura
de serviço social para executar esse tipo de
programa, projetos locais podem ser implementados
não só para ajudar planos de programas para idosos
e desenvolver seus próprios serviços, mas também
fazer campanhas em favor de mudanças. Essas
atividades também propiciarão força e auto-estima
aos idosos. Na Guatemala, por exemplo, idosos cegos
que foram expulsos de suas casas pelas famílias
formaram seu próprio comitê, criaram um abrigo
seguro para eles e estabeleceram um artesanato local
e outros projetos de geração de renda para ajudar a
manutenção do abrigo (61).
Serviços de assistência à saúde
Em alguns países latino-americanos e europeus,
como também na Austrália, a profissão médica
desempenhou um papel de liderança no que se refere
ao aumento do interesse público em relação ao abuso
de idosos. Em outros países, incluindo o Canadá e os
Estados Unidos, os clínicos ficaram muitos anos
atrasados em relação ao trabalho social e de
enfermagem. Há poucos programas de intervenção
para idosos vítimas de abuso instalados em hospitais.
Onde tais programas existem, normalmente são
constituídos apenas de equipes de consulta que estão
de plantão na eventualidade de denúncia de suspeita
de caso de abuso. Os envolvidos na disponibilização
de serviços de assistência à saúde têm um papel
importante a desempenhar nos programas que
controlam e detectam abuso.
Enquanto se pensa que médicos estão em melhor
posição para observar casos de abuso — em parte
devido à confiança que a maioria dos idosos deposita
neles — muitos doutores não diagnosticam abuso
porque esse assunto não faz parte do seu treinamento
formal ou profissional e, por conseguinte, não consta
de sua lista de diagnósticos diferenciais.
Nas salas de emergência, parece que, em geral,
também não se dá atenção suficiente às necessidades
especiais dos idosos. Os profissionais da área de
assistência à saúde em geral se sentem mais
confortáveis lidando com pessoas mais jovens do
que com pessoas de idade avançada, e os interesses
dos pacientes idosos são freqüentemente ignorados.
A maioria dos setores de emergência não usam
protocolos para detectar e lidar com o abuso de
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 137
QUADRO 5.2
Japan Elder Abuse Prevention Centre [Centro de Prevenção de Abuso de
Idosos do Japão]
Em l993, a Society for the Study of Elder Abuse – SSEA [Sociedade para o Estudo de Abusos de
Idosos], no Japão, um grupo independente em sua maior parte formado por assistentes sociais e
acadêmicos, realizou um levantamento nacional de centros comunitários de assistência. O estudo
confirmou a existência de abuso de idosos no país. Com base nos resultados, a SSEA decidiu que
um serviço telefônico de aconselhamento, semelhante ao mantido no Reino Unido pela Action on
Elder Abuse [Ação sobre Abuso de Idosos], seria a melhor maneira de enfrentar o problema de
abuso de idosos (60).
Com o apoio financeiro de uma organização não governamental nacional, foi criado em l996 o
Japan Elder Abuse Prevention Centre, um órgão sem fins lucrativos, oferecendo serviço telefônico
de aconselhamento operado por voluntários, conhecido simplesmente por Helpline [linha direta].
Um dos membros da SSEA, diretor de uma instituição asilar, disponibilizou uma sala para ser usada
como escritório e forneceu outros tipos de ajuda. O serviço de aconselhamento foi divulgado nos
jornais, centros de apoio e outras agências.
Atualmente, o Helpline oferece uma vasta gama de informações, e também aconselhamento
legal para qualquer pessoa com problema relacionado ao abuso de idoso – inclusive assistência à
saúde e profissionais da área de bem-estar.
No início, os conselheiros do Helpline eram todos membros da SSEA, porém depois foram
incorporados à equipe três voluntários de fora. Qualquer que seja o dia, um ou dois conselheiros
estão de plantão. Treinamento extensivo é dado aos novos conselheiros, e todos os conselheiros
participam de reuniões mensais na SSEA para trocar informações sobre abuso de idosos e rever
seus estudos de casos. Profissionais de fora podem ser chamados, se necessário, para ajudar a lidar
com casos especiais.
O Helpline é um serviço exclusivamente telefônico. Se alguém necessita pessoalmente de
aconselhamento, o caso é passado para um centro de apoio a serviços domiciliares locais.
Confiabilidade e privacidade e o anonimato dos que procuram esse serviço estão entre as principais
preocupações do Helpline.
idosos, e raramente atentam para tratar a saúde mental
e os sinais de comportamento decorrentes do abuso
de idosos, tais como depressão, tentativa de suicídio,
ou abuso de drogas ou álcool (62).
Deveria haver uma investigação das condições
de um paciente em decorrência de possível abuso
(63, 64) se um médico ou outro profissional de
assistência à saúde notar algum dos seguintes sinais:
— demora entre a ocorrência de lesões ou doenças
e a busca de assistência médica;
— explicações implausíveis ou vagas para lesões
ou saúde precária, provenientes seja do paciente
ou da pessoa que cuida dele;
— casos cuja história difere se o relato é feito
pelo paciente ou pela pessoa que cuida dele;
— visitas freqüentes a setores de emergência
por causa de uma condição crônica que piorou,
apesar de um plano de assistência e de recursos
para lidar coma situação na instituição;
— pacientes idosos funcionalmente deteriorados
que chegam sem as principais pessoas
responsáveis pelos seus cuidados;
— resultados de laboratório que são
inconsistentes com o histórico fornecido.
Ao conduzir um exame (65), o médico ou o
profissional de saúde deveria:
— entrevistar o paciente sozinho, perguntando
diretamente sobre uma possível violência física,
repressão ou negligência;
— entrevistar o suspeito de abusar sozinho;
— prestar muita atenção ao relacionamento entre
o paciente e a pessoa suspeita de abusar, e ao
comportamento de ambos;
— fazer uma avaliação geriátrica completa do
paciente, incluindo fatores médicos, funcionais,
cognitivos e sociais;
138 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
— documentar as redes sociais do paciente, tanto
formais como informais.
A Tabela 5.1 contém uma lista de indicadores que
pode servir como um guia útil se há suspeita de maustratos.
Contudo, a presença de qualquer indicador
nesse quadro não deverá ser tomada como prova de
que o abuso aconteceu de fato.
Ação legal
Apesar do crescente interesse pelo problema, a
maioria dos países não dispõe de legislação
específica sobre o abuso de idosos. Aspectos
particulares de abuso são em geral amparados por lei
criminal ou por leis que dispõem sobre direitos civis,
direito de propriedade, violência em família ou saúde
mental. Legislação específica e abrangente sobre o
abuso de idosos implicaria em um compromisso muito
maior para erradicar o problema. Entretanto, mesmo
onde tais leis existem, os casos de abuso de idosos
raramente foram processados. Isto se dá
principalmente porque os idosos em geral relutam,
ou são incapazes de acusar os membros da família,
por freqüentemente serem vistos como testemunhas
não confiáveis, ou por causa da natureza
inerentemente oculta do abuso de idosos. Enquanto
o abuso de idosos é visto apenas como um problema
da pessoa que cuida do idoso, a ação legal
provavelmente não é uma medida eficaz.
Somente as províncias atlânticas do Canadá,
alguns estados dos Estados Unidos e Israel possuem
legislação para denúncia obrigatória de abuso de
idosos. A província canadense de Newfoundland
aprovou a sua lei de proteção ao adulto já em 1973,
seguida pela última das quatro províncias atlânticas,
Prince Edward Island, em 1988. Nos Estados Unidos,
43 estados exigem que os profissionais e outras
pessoas que trabalham com idosos denunciem
possíveis casos de abuso de idosos a uma agência
estatal designada para esse fim, se eles têm “razão
para acreditar” que o abuso, negligência ou
exploração aconteceu. O primeiro desses estados
aprovou sua legislação em 1976, e os mais recentes
em 1999. A lei de Israel data de 1989. Como aconteceu
com as leis de denúncia de abuso infantil, todas essas
leis sobre abuso de idosos foram introduzidas para
impedir que a evidência de abuso não passe
desapercebida. A denúncia obrigatória foi
considerada uma ferramenta valiosa, particularmente
em situações em que as vítimas eram incapazes de
denunciar e os profissionais estavam relutantes em
relatar os casos. Embora a pesquisa do impacto da
denúncia obrigatória existente ainda não forneça uma
resposta conclusiva, as indicações são de que o fato
de um caso ser, ou não, denunciado tem menos a ver
com as exigências legais do que com outros fatores
organizacionais, éticos, culturais e profissionais (66).
Educação e campanhas de
conscientização pública
Nos países industrializados, a educação e as
campanhas de conscientização pública têm sido vitais
para informar as pessoas sobre o abuso de idosos. A
educação envolve não apenas o ensino de novas
informações, mas também a mudança de atitudes e
de comportamento, e é, portanto, uma estratégia
preventiva fundamental. Pode ser conduzida de vários
de modos – por exemplo, em sessões de treinamento,
seminários, programas de educação continuada,
oficinas, reuniões científicas e conferências. Aqueles
escolhidos incluirão não apenas especialistas nas
várias disciplinas relevantes – desde medicina, saúde
mental, e enfermagem até trabalho social, justiça
criminal e religião – mas também pesquisadores,
educadores, formuladores de política e pessoas
responsáveis pela tomada de decisões.
Um típico plano básico adequado para a maioria
das disciplinas inclui uma introdução ao tema do
abuso de idosos, a consideração dos sinais e
sintomas de abuso, e detalhes de organizações locais
que possam dar assistência. Cursos de treinamento
mais especializados se concentrarão em desenvolver
práticas em entrevistas, avaliação de casos de abuso
e planejamento de programas de assistência. Para
abranger matérias éticas e legais é mesmo necessário
o ensino mais avançado, ministrado por especialistas
na área. Cursos sobre como trabalhar com outros
profissionais e em equipes multidisciplinares também
se tornaram parte do currículo de treinamento
avançado sobre abuso de idosos.
Educação pública e aumento da consciência são
elementos igualmente importantes para prevenir
abuso e negligência. Assim como ocorre na educação
pública sobre abuso infantil e violência perpetrada
por parceiros íntimos, o objetivo é informar o público
em geral sobre os vários tipos de abusos, como
identificar os sinais e onde obter ajuda. Pessoas que
têm contato freqüente com os idosos são alvos
especiais para esse tipo de educação. À parte dos
membros da família e amigos, também estão incluídos
funcionários dos correios, atendentes de bancos, e
funcionários encarregados da leitura de eletricidade
e gás. Programas educacionais dirigidos aos próprios
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 139
idosos geralmente têm mais êxito se a informação
sobre abuso é organizada em tópicos mais
abrangentes, tais como envelhecimento com sucesso
ou atenção à saúde. Organização para os idosos,
centros comunitários, programas de assistência diária,
escolas (ver Quadro 5.3), e grupos de auto-ajuda e
apoio podem auxiliar esse esforço educacional.
A mídia é uma ferramenta poderosa para aumentar
a conscientização pública. Imagens mais positivas e
maior destaque para os idosos na mídia podem ajudar
na mudança de atitudes e reduzir os estereótipos que
existem em relação aos idosos. Os participantes do
grupo de estudo focal realizado na África do Sul
fortaleceram a importância da mídia no aumento da
conscientização pública (15), sugerindo que a
conscientização do problema do abuso de idosos
deveria ser promovida por meio de oficinas
comunitárias com o envolvimento do governo. Em
outros países emergentes, com recursos limitados,
associações locais podem disponibilizar educação
básica juntamente com assistência à saúde.
Até agora, poucos programas de intervenção
foram avaliados e, por conseguinte, não é possível
dizer que os enfoques tiveram maior êxito. Esforços
para avaliar a eficácia de vários projetos foram
prejudicados pela falta de definições comuns,
diversas explicações teóricas, baixo nível de interesse
por parte da comunidade científica e falta de recursos
para o desenvolvimento de estudos rigorosos.
Uma revisão da literatura sobre estudos de
intervenções em abusos de idosos concluiu que 117
desses estudos foram publicados, em inglês, entre
1989 e 1998 (G. Bolen, J. Ploeg & B. Hutchinson, dados
inéditos, l999). Nenhum deles, entretanto, incluiu um
grupo de comparação ou atingiu critérios padrão para
um estudo de avaliação válido. Com base nessas
descobertas, os autores da revisão perceberam que
não havia evidência suficiente em favor de nenhuma
intervenção específica. Seis dos estudos revistos
foram apontados como os mais próximos dos critérios
necessários, porém eles também continham sérias
fragilidades metodológicas. Entre esses seis estudos,
a proporção de casos solucionados com êxito, de
acordo com uma intervenção, variou de 22 % a 75%.
Recomendações
Embora o abuso de idosos por membros da família,
por pessoas que cuidam de idosos e outros seja
melhor compreendido hoje do que há 25 anos, é
necessária uma base de conhecimentos mais sólidas
para o estabelecimento de políticas, planejamento e
programas. Muitos aspectos do problema
permanecem desconhecidos, incluindo suas causas
e conseqüências, e mesmo a extensão em que ocorre.
QUADRO 5.3
Currículo de uma escola canadense para prevenção de abuso de idosos
Uma organização não governamental, Health Canada, desenvolveu um projeto educacional de duas
etapas sobre abuso de idosos para crianças e jovens. Esse projeto tem como objetivo conscientizar e
sensibilizar crianças com relação à velhice e o que ela acarreta, e criar oportunidades para os jovens
estabeleceram relacionamentos através das gerações. Desse modo, espera-se que crianças e jovens
desenvolvam maior respeito pelos idosos e se tornem muito menos propensos, agora e no futuro, a
maltratá-los.
A primeira etapa do projeto consiste de um kit interativo que conta histórias para crianças de 3 a 7
anos de idade, envolvendo jogos e fábulas. Mesmo que não aborde diretamente o assunto do abuso de
idosos, o kit fornece imagens positivas da velhice. Esse material também provou ser efetivo com crianças
mais velhas que têm conhecimento limitado de inglês.
Um currículo escolar formal constitui a essência da segunda etapa do projeto, desenvolvido depois
de longas consultas com uma série de pessoas – incluindo professores, pessoas que trabalham com
jovens, líderes religiosos, provedores de assistência à saúde, jovens, pessoas que trabalham com os
idosos e os próprios idosos. O currículo, adequado principalmente para adolescentes, tem como objetivo
mudar atitudes negativas, com relação a idosos e velhice, profundamente arraigadas na sociedade, e
reduzir o nível de abuso de idosos.
Ainda no Canadá, escolas em Ontário incluíram o tópico de resolução de conflitos em seus currículos,
e os professores acreditam que uma discussão sobre o abuso de idosos pode ser introduzida no contexto
desse assunto.
140 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Pesquisas sobre a eficácia de intervenções não
produziram até o momento quase nenhum resultado
útil ou confiável.
Talvez a forma mais insidiosa de abuso contra
idosos resida nas atitudes negativas e estereótipos,
em relação aos idosos e ao próprio processo de
envelhecimento, atitudes essas que se refletem no
freqüente culto à juventude. Enquanto os idosos
forem desvalorizados e marginalizados pela
sociedade, eles sofrerão de perda de identidade e
permanecerão extremamente suscetíveis à
discriminação e a todas as formas de abuso.
Entre as prioridades necessárias para enfrentar e
erradicar o problema do abuso de idosos estão:
— maior conhecimento do problema;
— leis e políticas mais sólidas e efetivas;
— estratégias de prevenção mais eficazes.
Maior conhecimento
Aprofundar o conhecimento sobre o abuso de
idosos é uma das principais prioridades mundiais.
Em l990, dando ampla abrangência ao assunto, o
Council of Europe [Conselho da Europa] promoveu
uma conferência que examinou conceitos,
estatísticas, leis e políticas, prevenção e tratamento,
como também as fontes de informação disponíveis
sobre abuso de idosos (67). Um grupo de trabalho
global sobre abuso de idosos deveria ser instituído
para tratar de todas essas questões. Entre outras
atribuições, tal órgão poderia consolidar e padronizar
as estatísticas globais e produzir os requisitos
necessários para a elaboração de um relatório comum
de dados. Também deveria ser pesquisado e melhor
explicado o papel preciso de diferentes culturas em
relação ao abuso de idosos.
É imprescindível o desenvolvimento de pesquisas
visando a intervenções eficazes. Estudos deveriam
ser realizados a fim de verificar como os idosos podem
desempenhar um papel mais importante, planejando
e participando de programas de intervenção, a
exemplo do que já vem sendo feito no Canadá. Essa
iniciativa poderia ser especialmente relevante nos
CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 141
países emergentes, onde o envolvimento dos idosos
na elaboração e implementação de programas pode
ajudar a aumentar a consciência sobre seus direitos,
tratar dos problemas relacionados à exclusão social e
ajudar a fortalecê-los (3).
São necessários padrões mais rigorosos para a
pesquisa científica sobre abuso de idosos. Muitas
pesquisas desenvolvidas no passado, que utilizaram
uma metodologia frágil, incluíram poucas amostras
produzindo, às vezes, resultados conflitantes. Alguns
estudos demonstraram que o estado mental do
agressor e o abuso de substâncias são fatores de
risco, porém, ainda não foi investigado exatamente
como esses fatores de risco – em alguns casos, mas
não em outros – contribuem para o abuso ou a
negligência. Trabalhos adicionais também são
necessários para esclarecer os dados comumente
contraditórios sobre deterioração cognitiva e física
nos idosos como fator de risco para abuso.
Causas de abuso
Também são necessárias pesquisas adicionais
sobre o papel do estresse entre as pessoas que
cuidam de idosos, originalmente considerado a causa
principal do abuso de idosos. Com a crescente
evolução mundial da doença de Alzheimer e o
aumento do nível de comportamento abusivo
encontrado em famílias em que um dos membros sofre
dessa doença, deveria ser dada mais atenção ao
relacionamento entre esses idosos e as pessoas que
cuidam deles. Embora pareça óbvio que o isolamento
social ou a falta de apoio podem contribuir para o
abuso ou a negligência, os idosos que são vítimas de
abuso, em geral não querem participar de programas
que estimulam a interação social, tais como centros
para idosos ou atividades diárias dirigidas. Pesquisas
sobre quem são essas vítimas e sobre suas situações
poderiam resultar em soluções mais adequadas.
A pecha de velharia – o papel da discriminação e
estigmatização das pessoas mais velhas – como uma
possível causa do abuso de idosos ainda tem de ser
investigada adequadamente, embora alguns
especialistas na área tenham sugerido que a
marginalização do idoso é um fator contribuinte.
Estudos comparados de culturas provavelmente
seriam úteis para compreender esse efeito.
Evidentemente há certos fatores sociais e
culturais em alguns países emergentes que estão
diretamente ligados ao abuso, tais como a crença em
bruxaria e o abandono de viúvas. Outras práticas,
que também são freqüentemente citadas como
importantes fatores causais, necessitam ser
examinadas, uma vez que não existem pesquisas para
confirmar essas afirmações.
Outros fatores culturais e socioeconômicos, tais
como pobreza, modernização e sistemas de herança,
podem ser causas indiretas de abuso. A utilização do
modelo ecológico para explicar o abuso de idosos
ainda é nova e são necessárias mais pesquisas sobre
os fatores que operam nos diferentes níveis desse
modelo.
Impacto do abuso
O aspecto do abuso de idosos que talvez tenha
recebido menos atenção é o impacto no idoso.
Estudos longitudinais, que rastreiam por um longo
período de tempo tanto vítimas de abuso como
pessoas que não sofreram abuso, deveriam, por
conseguinte, fazer parte da agenda das pesquisas.
Particularmente, poucos estudos examinaram o
impacto psicológico sobre uma pessoa vítima de
abuso. Com exceção da depressão, pouco se conhece
sobre os danos emocionais causado às vítimas.
Avaliação de intervenções
Diversas intervenções têm sido desenvolvidas,
inclusive intervenções relacionadas a denúncia
obrigatória, unidades de serviços de proteção,
protocolos de serviço social, abrigos de emergência,
grupos de apoio e auto-ajuda e equipes de consulta.
Entretanto, muito poucas têm sido avaliadas e
utilizando um projeto de pesquisa experimental ou
quase experimental, e, portanto, são imprescindíveis
pesquisas de avaliação de alto padrão.
Lamentavelmente, o tema abuso de idosos não tem
atraído a atenção de muitos pesquisadores
renomados, cuja experiência é essencial. Maiores
investimentos de recursos em estudos sobre abuso
de idosos estimulariam tais pesquisas.
Leis mais efetivas
Direitos básicos
Os direitos humanos dos idosos devem ser
garantidos mundialmente. Para atingir este fim, é
necessário que:
– as leis existentes sobre violência doméstica ou
intrafamiliar sejam ampliadas para incluir os idosos
como um grupo;
–leis criminais e civis relevantes existentes abranjam
explicitamente o abuso, a negligência e a exploração
de idosos;
142 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
–os governos introduzam novas leis especificamente
para proteger idosos.
Tradições abusivas
Muitas tradições existentes são abusivas com
relação a mulheres idosas, incluindo crença em
bruxaria e prática de abandono de viúvas. Para acabar
com esses costumes, será necessário um alto grau de
colaboração entre muitos grupos, provavelmente por
um longo período de tempo. Para auxiliar este
processo é necessário que:
— grupos de defesa, constituídos de idosos e de
pessoas mais jovens, sejam formados em nível
local, estadual e nacional para fazer campanhas
por mudanças;
— programas governamentais de saúde e bemestar
busquem ativamente mitigar o impacto
negativo que muitos processos de modernização
e conseqüentes mudanças na estrutura de família
têm provocado nos idosos;
— governos nacionais estabeleçam um sistema
de pensão adequado em todos os países onde
não exista tal mecanismo.
Estratégias de prevenção mais eficazes
No nível mais básico, deve se dar maior
importância principalmente à prevenção. Isto requer
a construção de uma sociedade em que os idosos
possam viver com dignidade, tendo as necessidades
básicas de vida adequadamente providas, e com
oportunidades genuínas para auto-satisfação. Para
aquelas sociedades dominadas pela pobreza, o
desafio é enorme.
A prevenção começa com a conscientização. Um
importante caminho para aumentar o nível de
conscientização – tanto entre o público como entre
profissionais envolvidos – é por meio da educação e
do treinamento. Aqueles provedores de atenção à
saúde e serviços sociais em todos os níveis, tanto na
comunidade como nos cenários institucionais,
deveriam receber treinamento básico sobre a
constatação de abusos de idosos. A mídia é uma
segunda ferramenta poderosa para aumentar a
conscientização do problema entre o público em geral
e as autoridades e buscar possíveis soluções.
Programas para a prevenção de abuso de idosos
em seus lares, nos quais os próprios idosos
desempenham um papel de liderança, incluem:
— recrutamento e treinamento de idosos para
servirem como visitadores ou acompanhantes de
– outros idosos que estão isolados;
criação de grupos de apoio para idosos vítimas
de abuso;
— estabelecimento de programas comunitários
para estimular a interação e participação social
entre os idosos;
— constituição de redes sociais de idosos em
localidades, vizinhanças ou unidades
residenciais;
— trabalho com idosos para instituir programas
de “auto-ajuda”, a fim de habilitá-los a ser
produtivos.
A prevenção do abuso de idosos por meio da
ajuda a agressores, especialmente jovens, para
resolver seus próprios problemas, é uma tarefa difícil.
Medidas que podem ser úteis incluem:
— desenvolvimento e implementação de planos
de assistência amplos;
— treinamento de pessoal;
— políticas e programas para tratar estresse, de –
pessoal, relacionado a trabalho;
–desenvolvimento de políticas e programas para
melhorar o ambiente físico e social das
instituições.
Conclusão
O problema do abuso de idosos não pode ser
solucionado adequadamente se as necessidades
essenciais dos idosos – de alimentação, abrigo,
segurança e acesso à assistência à saúde – não forem
atendidas. As nações do mundo devem criar um
ambiente em que envelhecer seja aceito como uma
parte natural do ciclo da vida, em que atitudes
antienvelhecimento sejam desencorajadas, em que
os idosos tenham o direto de viver com dignidade,
livres de abusos e exploração, e seja dada a eles a
oportunidade de participar plenamente das atividades
educacionais, culturais, espirituais e econômicas (3).
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Violência sexual
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 147
Antecedentes
A violência sexual ocorre no mundo todo. Apesar
de na maioria dos países haver pouca pesquisa sobre
a questão, os dados disponíveis sugerem que, em
alguns países, quase uma em quatro mulheres pode
vivenciar a violência perpetrada por um parceiro
íntimo (1 – 3) e quase um terço das adolescentes
relatam que sua primeira experiência sexual foi forçada
(4-6).
A violência sexual tem um impacto profundo sobre
a saúde física e mental. Além de causar lesões físicas,
ela está associada a um maior risco de diversos
problemas de saúde sexual e reprodutiva, com
conseqüências imediatas e conseqüências em longo
prazo (4, 7 – 16). Seu impacto sobre a saúde mental
pode ser tão sério quanto seu impacto físico, podendo
ser também de longa duração (17 – 24). As mortes
subseqüentes à violência sexual podem se manifestar
sob a forma de suicídio, infecção por HIV (25) ou
assassinato – que pode ocorrer durante uma agressão
sexual ou posteriormente, como um assassinato “pela
honra” (26). A violência sexual também pode afetar
profundamente o bem-estar social das vítimas; em
conseqüência dessa violência, as pessoas podem ser
estigmatizadas e jogadas ao ostracismo por suas
famílias e outras pessoas (27, 28).
Por parte do perpetrador, o sexo forçado pode
resultar em gratificação sexual, apesar de seu
propósito subjacente ser freqüentemente a
expressão de poder e dominação sobre a pessoa
agredida. Geralmente, os homens que forçam uma
esposa a um ato sexual acreditam que suas ações
são legítimas porque eles são casados com a mulher.
O estupro de mulheres e homens comumente é
utilizado como uma arma de guerra, como uma forma
de ataque ao inimigo, tipificando a conquista e a
degradação de suas mulheres ou de seus
combatentes capturados (29). O estupro também
pode ser utilizado para punir as mulheres por
transgredirem códigos sociais ou morais como, por
exemplo, aqueles que proíbem o adultério ou a
embriaguez em público. As mulheres e os homens
também podem ser estuprados quando estão sob
custódia da polícia ou na prisão.
Embora a violência sexual possa ser dirigida tanto
aos homens quanto às mulheres, o foco principal
deste capítulo será nas várias formas de violência
sexual contra as mulheres, bem como nos tipos de
violência sexual dirigidos a meninas e perpetrados
por outras pessoas que não as responsáveis por
cuidar delas.
Como a violência sexual é definida?
A violência sexual é definida como:
qualquer ato sexual, tentativa de obter um ato
sexual, comentários ou investidas sexuais
indesejados, ou atos direcionados ao tráfico sexual
ou, de alguma forma, voltados contra a sexualidade
de uma pessoa usando a coação, praticados por
qualquer pessoa independentemente de sua relação
com a vítima, em qualquer cenário, inclusive em casa
e no trabalho, mas não limitado a eles.
A coação pode abranger diversos graus de força.
Além da força física, ela pode envolver intimidação
psicológica, chantagem ou outras ameaças – por
exemplo, a ameaça de dano físico, de ser demitida de
um emprego ou de não obter um emprego. A coação
também pode ocorrer quando a pessoa agredida é
incapaz de dar seu consentimento, por exemplo,
enquanto está embriagada, drogada, adormecida, ou
é mentalmente incapaz de entender a situação.
A violência sexual inclui o estupro, definido como
a penetração forçada – fisicamente ou por meio de
alguma outra coação, mesmo que sutil – da vulva ou
do ânus, utilizando o pênis, outras partes do corpo
ou um objeto. A tentativa de fazê-lo é conhecida por
estupro tentado. O estupro de uma pessoa cometido
por dois ou mais perpetradores é conhecido como
estupro cometido por gangue.
A violência sexual pode incluir outras formas de
agressão, envolvendo um órgão sexual, inclusive o
contato forçado entre a boca e o pênis, a vulva ou o
ânus.
Formas e contextos da violência sexual
Diversos atos sexualmente violentos podem
ocorrer em diferentes circunstâncias e cenários.
Dentre eles, podemos citar:
— estupro dentro do casamento ou namoro;
— estupro cometido por estranhos;
— estupro sistemático durante conflito armado;
— investidas sexuais indesejadas ou assédio
sexual, inclusive exigência de sexo como
pagamento de favores;
— abuso sexual de pessoas mental ou fisicamente
incapazes;
— abuso sexual de crianças;
— casamento ou coabitação forçados, inclusive
casamento de crianças;
— negação ao direito de usar anticoncepcionais
ou adotar outras medidas de proteção contra
doenças sexualmente transmitidas;
— aborto forçado;
148 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
— atos violentos contra a integridade sexual das
mulheres, inclusive mutilação genital feminina e
exames obrigatórios de virgindade;
— prostituição forçada e tráfico de pessoas com
fins de exploração sexual.
Não há uma definição universalmente aceita de
tráfico para exploração sexual. O termo abrange o
movimento organizado de pessoas, geralmente
mulheres, entre países e dentro dos países para
trabalho sexual. O tráfico também inclui forçar um
migrante a um ato sexual como condição para permitir
ou fazer os acertos necessários para a migração.
O tráfico sexual utiliza-se da coação física, da
fraude e da escravidão resultantes de dívidas
forçadas. Mulheres e crianças traficadas, por
exemplo, comumente recebem promessas de trabalho
doméstico ou na indústria, mas, ao invés disso, quase
sempre são levadas a bordéis onde seus passaportes
e outros documentos de identificação são
confiscados. Elas podem apanhar ou ser trancafiadas
e terem sua liberdade condicionada a pagarem, por
meio da prostituição, o seu preço de compra, assim
como os custos de viagem e visto (30 – 33).
A extensão do problema
Fontes dos dados
Os dados sobre violência sexual geralmente são
fornecidos pela polícia, por clínicas, por organizações
não governamentais e por pesquisas. A relação entre
essas fontes e a magnitude global do problema da
violência sexual pode ser vista como equivalente a
um iceberg flutuando na água (34) (ver Figura 6.1).
A pequena ponta visível representa os casos
denunciados à polícia. Uma parte maior pode ser
esclarecida através de pesquisa e do trabalho das
organizações não governamentais. Contudo, abaixo
da superfície está um componente substancial, ainda
que não quantificado, do problema.
De forma geral, as pesquisas têm negligenciado a
violência sexual. Os dados disponíveis são
insuficientes e fragmentados. Os dados fornecidos
pela polícia, por exemplo, geralmente são incompletos
e limitados. Muitas mulheres não denunciam a
violência sexual para a polícia por vergonha ou
porque têm medo de serem humilhadas, de não
acreditarem nelas ou de serem maltratadas de alguma
forma. Os dados fornecidos pelos institutos médicolegais,
por outro lado, podem apresentar desvios em
relação aos incidentes mais violentos de abuso sexual.
A quantidade de mulheres que procuram os serviços
médicos por causa de problemas imediatos
relacionados à violência sexual também é
relativamente pequena.
Apesar de durante a última década, em decorrência
das pesquisas, ter havido avanços consideráveis no
tocante à mensuração do fenômeno, as definições
utilizadas variam consideravelmente de estudo para
estudo. Há também significativas diferenças entre as
culturas no que se refere à vontade de revelar a
violência sexual para os pesquisadores. Portanto, é
necessário ter cautela ao fazer comparações globais
acerca da ocorrência da violência sexual.
Estimativas de violência sexual
Os levantamentos realizados a respeito de vítimas de
crime, em várias cidades e em vários países, têm
utilizado uma metodologia comum, para ajudar a
comparabilidade e incluir, de forma geral, as perguntas
sobre violência sexual. A tabela 6.1 resume os dados
de alguns desses levantamentos relativos à
Magnitude do problema da violência sexual
FIGURA 6.1
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 149
ocorrência de agressão sexual nos últimos cinco anos
(35, 36). Conforme esses estudos, o percentual de
mulheres que relataram ter sido vítimas de ataque
sexual varia de menos de 2% em locais como La Paz,
na Bolívia (1,4%), Gaborone em Botsuana (0,8%),
Beijing na China (1,6%) e Manila nas Filipinas (0,3%)
a 5% ou mais em Tirana na Albânia (6,0%), Buenos
Aires na Argentina (5,8%), Rio de Janeiro no Brasil
(8,0%), e Bogotá na Colômbia (5,0%). É importante
observar que esses números não fazem qualquer
distinção entre estupro cometido por estranhos ou
por parceiros íntimos. As pesquisas que não fazem
essa distinção, ou as que analisam apenas o estupro
cometido por estranhos geralmente subestimam
bastante a ocorrência da violência sexual (34).
Além dos levantamentos acerca de crimes, houve
alguns poucos com amostragens representativas que
perguntaram às mulheres sobre violência sexual. Por
exemplo, em uma pesquisa nacional realizada nos
Estados Unidos, 14,8% das mulheres com mais de 17
anos de idade relataram já ter sido estupradas (mais
2,8% passaram por uma tentativa de estupro) e 0,3%
da amostra relatou ter sido estuprada no ano anterior
(37). Uma pesquisa com uma amostragem
representativa de mulheres na faixa etária de 18 a 49
anos, realizada em três províncias da
África do Sul, verificou que no ano
anterior 1,3% das mulheres havia sido
forçada, fisicamente ou por ameaças
verbais, a ter sexo não consensual (34).
Em uma pesquisa com uma amostra
representativa da população geral com
mais de 15 anos de idade, realizada na
República Checa (38), 11,6% das
mulheres relataram já ter sofrido contato
sexual forçado durante sua vida, sendo
que 3,4% relataram que o fato ocorreu mais
de uma vez. A forma mais comum de
contato foi o coito vaginal forçado.
Violência sexual praticada por
parceiros íntimos
Em muitos países, uma grande parcela das
mulheres que vivenciam a violência sexual
também vivencia o abuso sexual. No
México e nos Estados Unidos, os estudos
estimam que de 40 a 52% das mulheres
que vivenciam violência física praticada
por um parceiro íntimo também estão
sujeitas a coação sexual por parte desse
parceiro (39,40). Às vezes, a violência
sexual ocorre sem a violência física (1). No Estado de
Uttar Pradesh, na Índia, em uma amostra
representativa de mais de 6 mil homens, 7% relataram
ter praticado abuso sexual e físico contra suas
esposas, 22% relataram utilizar a violência sexual sem
violência física e 17% relataram que haviam utilizado
somente a violência física (41).
A Tabela 6.2 resume alguns dos dados disponíveis
sobre a ocorrência de coação sexual praticada por
parceiros íntimos (1 – 3, 37, 42 – 57). Os resultados
desses estudos mostram que a agressão sexual
praticada por um parceiro íntimo não é rara, nem
específica de qualquer região do mundo. Por exemplo,
23% das mulheres em North London, Inglaterra,
relataram ter sido vítimas de estupro – tentado ou
consumado – praticado por um parceiro.
Números semelhantes foram relatados em
Guadalajara no México (23,0%), em León na Nicarágua
(21,7%), em Lima no Peru (22,5%) e na Província
Midlands no Zimbábue (25,0%). A ocorrência de
mulheres sexualmente agredidas por um parceiro
íntimo durante sua vida (inclusive tentativas de
agressão) também foi estimada em algumas poucas
pesquisas nacionais (por exemplo, Canadá 8,0%,
Escócia, Gales e Inglaterra (juntos) 14,2%, Estados
150 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Unidos 7,7%, Finlândia 5,9% e Suíça 11,6%).
Iniciação sexual forçada
Um número crescente de estudos, especialmente
na África subsaariana, indica que a primeira
experiência sexual das meninas comumente é
indesejada e forçada. Por exemplo, em um estudo com
controle de casos – realizado entre 191 meninas
adolescentes (com média de idade de 16,3 anos) que
eram atendidas em uma clínica pré-natal na Cidade
do Cabo, África do Sul, e 353 adolescentes que não
estavam grávidas, agrupadas por idade e vizinhança
ou escola – 31,9% dos casos do estudo e 18,1% dos
controles relatavam que houve o uso da força na sua
iniciação sexual. Quando inquiridas sobre as
conseqüências de negar sexo, 77,9% dos casos do
estudo e 72,1% dos controles disseram que temiam
apanhar se recusassem a fazer sexo (4).
A iniciação sexual forçada e a coação durante a
adolescência foram relatadas em diversos estudos
sobre jovens de ambos os sexos (ver Tabela 6.3 e
Quadro 6.1). Nos casos em que os estudos incluíram
na amostra tanto homens quanto mulheres, a
ocorrência de estupro ou de coação sexual relatados
foi maior entre as mulheres do que entre os homens
(5, 6, 54 – 60). Por exemplo, em um estudo realizado
em diversos países do Caribe, cerca de metade das
adolescentes sexualmente ativas relataram que sua
primeira relação sexual foi forçada, em comparação a
um terço dos adolescentes (60). Em Lima, no Peru, o
percentual de mulheres jovens que relataram uma
iniciação sexual forçada foi aproximadamente quatro
vezes maior do que o percentual relatado pelos
homens jovens (40% contra 11% respectivamente)
(56).
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 151
Estupro cometido por gangues
Há muitos relatos em várias partes do mundo
sobre a ocorrência de estupro envolvendo dois ou
mais perpetradores. Contudo, as informações
sistemáticas sobre a extensão do problema são
limitadas. Em Joanesburgo, na África do Sul, estudos
de vigilância sobre mulheres que são atendidas em
clínicas médico-legais após um estupro revelaram
que um terço dos casos era de estupro cometido
por gangue (61). Dados nacionais sobre estupro e
agressão sexual nos Estados Unidos indicam que
cerca de uma em cada dez agressões sexuais envolve
diversos perpetradores. A maior parte dessas
agressões é praticada por pessoas desconhecidas
das vítimas (62). Esse padrão, portanto, difere do
padrão observado na África do Sul, onde os
namorados estão envolvidos nos estupros
cometidos por gangues.
Tráfico sexual
A cada ano, centenas de milhares de mulheres e
jovens no mundo todo são compradas e vendidas
para prostituição ou escravidão sexual (30 – 32, 63,
64). Uma pesquisa realizada no Quirguistão estimou
que, em 1999, cerca de 4 mil pessoas foram traficadas
do país e que o destino principal dessas pessoas
era a Alemanha, o Cazaquistão, a China, os Emirados
Árabes Unidos, a Federação Russa e a Turquia. Das
pessoas traficadas, 62% relataram ter sido forçadas
a trabalhar sem pagamento, enquanto mais de 50%
relataram ter sofrido abuso físico ou tortura por parte
de seus empregadores (31). Um relatório da
Organização Mundial contra Tortura (OMCT) indica
que mais de 200 mil mulheres de Bangladesh foram
traficadas de 1990 a 1997 (65). Cerca de 5 mil a 7 mil
mulheres e meninas nepalesas são ilegalmente
comercializadas para a Índia a cada ano, e também
foi relatado o tráfico de mulheres tailandesas para o
Japão (32). O tráfico de mulheres ocorre, ainda,
dentro de alguns países, geralmente das áreas rurais
para as cidades.
A América do Norte também é um importante
destino para o tráfico internacional. Um estudo
vendidas à força no estrangeiro (30). Na Itália, um
estudo realizado entre 19 mil a 25 mil prostitutas
estrangeiras estimou que 2 mil delas haviam sido
traficadas (66). A maioria dessas mulheres tinham
menos de 25 anos de idade, muitas delas estando na
faixa etária de 15 a 18 anos (30, 66). Elas vinham
principalmente da Europa central e oriental,
particularmente da Albânia, bem como da Colômbia,
da Nigéria e do Peru (66).
Violência sexual contra trabalhadores
do sexo
Quer sejam traficados ou não, os trabalhadores
do sexo correm maior risco tanto de violência física
quanto sexual, especialmente onde o trabalho sexual
é ilegal (67). Uma pesquisa entre as trabalhadoras
sexuais em Leeds, na Inglaterra, e Glasgow e
Edimburgo, na Escócia, revelou que 30% delas haviam
sido esbofeteadas, socadas ou chutadas por um
152 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 6.1
A violência sexual contra homens e meninos
A violência sexual contra homens e meninos é um problema de grande importância. Exceto pelo
abuso sexual durante a infância, a violência sexual contra homens e meninos é muito negligenciada nas
pesquisas. O estupro e outras formas de coação sexual contra homens e meninos acontecem em diversos
cenários, inclusive em casa, no local de trabalho, nas escolas, nas ruas, no serviço militar, durante a
guerra, bem como em prisões e delegacias.
Nas prisões, o sexo forçado pode acontecer entre os colegas de cela para estabelecer hierarquias de
respeito e disciplina. A violência sexual praticada por agentes penitenciários, policiais e soldados também
é relatada com bastante freqüência em muitos países. Essa violência pode se apresentar sob a forma de
prisioneiros forçados a fazer sexo uns com os outros como uma forma de “diversão”, ou oferecer sexo
aos soldados ou oficiais no comando. Em outros lugares, homens que fazem sexo com outros homens
podem ser “punidos”, por meio de estupro, por seu comportamento ser tido como uma transgressão das
normas sociais.
A extensão do problema
Estudos realizados principalmente em países desenvolvidos indicam que de 5 a 10% dos homens
relatam uma história de abuso sexual na infância. Em uns poucos estudos de população realizados com
adolescentes em países emergentes, o percentual de homens que relatam ter sido vítima alguma vez de
uma agressão sexual varia de 3,6% na Namíbia e 13,4% na República Unida da Tanzânia a 20% no Peru.
Estudos realizados tanto em países industrializados quanto em emergentes também revelam que não é
raro a primeira relação sexual ser forçada. Infelizmente, existem poucas estatísticas confiáveis sobre a
quantidade de meninos e homens estuprados em locais como escolas, prisões e campos de refugiados.
A maioria dos especialistas acredita que as estatísticas oficiais subestimam muito o número de
vítimas masculinas de estupro. A evidência disponível sugere que a probabilidade de as vítimas masculinas
denunciarem a agressão às autoridades é muito menor do que a probabilidade de as vítimas femininas o
fazerem. Há diversos motivos pelos quais o estupro masculino não é denunciado, inclusive por vergonha,
culpa e medo de não acreditarem ou de ser denunciado pelo que ocorreu. Os mitos e os fortes preconceitos
sobre a sexualidade masculina também fazem com que os homens evitem seguir adiante.
Conseqüências da violência sexual
Assim como acontece com as mulheres vítimas de agressão sexual, as pesquisas indicam que as
vítimas masculinas também estão sujeitas a sofrer diversas conseqüências psicológicas, tanto no período
imediatamente após a agressão quanto em longo prazo. Dentre essas conseqüências, estão culpa, raiva,
ansiedade, depressão, distúrbios de estresse pós-traumático, disfunção sexual, problemas somáticos,
distúrbios do sono, fuga dos relacionamentos e tentativa de suicídio. Além dessas reações, os estudos
realizados entre adolescentes revelaram ainda uma associação entre ser estuprado e abuso de substâncias
[drogas], comportamento violento, roubo e absenteísmo da escola.
Respostas políticas e de prevenção
As respostas políticas e de prevenção em relação à violência sexual contra os homens precisam ter
como base uma compreensão do problema, suas causas e as circunstâncias em que ocorre. Em muitos
países, o fenômeno não é tratado de forma adequada na legislação. Além disso, o estupro masculino
freqüentemente não é tratado como um crime equivalente ao estupro feminino.
Muitas das considerações relativas ao apoio a mulheres que foram estupradas – inclusive um
entendimento sobre o processo de recuperação, as necessidades mais urgentes logo após uma agressão
e a efetividade dos serviços de apoio – também são relevantes para os homens. Alguns países já obtiveram
progressos em suas respostas à agressão sexual a homens, oferecendo linhas diretas especiais,
aconselhamento, grupos de apoio e outros serviços para vítimas masculinas. Em muitos lugares, contudo,
esses serviços não estão disponíveis ou são muito limitados, por exemplo, voltando-se principalmente
para as mulheres, com poucos conselheiros (se houver) que tenham experiência em discutir os problemas
com as vítimas masculinas.
Na maioria dos países, ainda há muito a ser feito antes de a questão da violência sexual contra os
homens e meninos poder ser devidamente reconhecida e tratada sem negação ou vergonha. Um avanço
tão necessário, portanto, possibilitará que sejam implementadas medidas preventivas mais abrangentes
e um melhor apoio às vítimas.
cliente enquanto estavam trabalhando, 13% haviam
apanhado, 11% haviam sido estupradas, 22% haviam
vivenciado uma tentativa de estupro (68). Apenas
34% das que sofreram violência nas mãos de um
cliente fizeram denúncia na polícia. Uma pesquisa
com trabalhadores do sexo em Bangladesh revelou
que 49% das mulheres haviam sido estupradas e 59%
haviam apanhado da polícia no ano anterior; os
homens relataram níveis muito mais baixos de
violência (69). Na Etiópia, um estudo sobre
trabalhadores do sexo também revelou altos índices
de violência física e sexual cometida pelos clientes,
especialmente contra crianças trabalhadoras sexuais
(70).
Violência sexual em escolas,
estabelecimentos de assistência à
saúde, conflitos armados e locais de
refugiados
Escolas
Para muitas jovens, o lugar onde a coação e o
assédio sexual acontecem com maior freqüência é na
escola. Em um caso extremo de violência em 1991, 71
adolescentes foram estupradas por seus colegas de
classe e 19 outras foram assassinadas em uma escola
em Meru, no Quênia (71). Visto que grande parte da
pesquisa neste campo provém da África, não fica
claro se ela reflete uma ocorrência particularmente
alta do problema naquele lugar ou se simplesmente
reflete o fato de que o problema tem se tornado mais
aparente lá do que em outras partes do mundo.
O assédio dos meninos às meninas parece ser um
problema global. No Canadá, por exemplo, 23% das
meninas passaram pela experiência do assédio sexual
quando freqüentavam a escola (72). A pesquisa
realizada na África, contudo, tem dado destaque ao
papel que os professores desempenham ao facilitar
ou perpetrar a coação sexual. Um relatório preparado
(continuação)
pelo Africa Rights [Direitos da África] (28) revelou
casos – ocorridos na África do Sul, em Gana, na Nigéria,
na República Democrática do Congo, na Somália, no
Sudão, na Zâmbia e no Zimbábue – de professores
tentando obter sexo em troca de boas notas ou para
não reprovarem os alunos. Uma pesquisa nacional
recente, realizada na África do Sul, que incluía
perguntas sobre experiência com estupro antes dos
15 anos de idade, chegou à conclusão de que os
professores das escolas eram responsáveis por 32%
dos estupros infantis revelados (34). No Zimbábue,
um estudo retrospectivo de denúncias de casos de
abuso sexual infantil que cobria um período de oito
anos (1990 a 1997) revelou altos índices de abuso
sexual cometido por professores em escolas primárias
rurais. Muitas das vítimas eram meninas na faixa etária
de 11 a 13 anos e o tipo de abuso sexual predominante
era sexo com penetração (73).
Estabelecimentos de assistência à saúde
Há, em muitos lugares, relatos de violência sexual
contra pacientes em estabelecimentos de saúde (74 –
79). Por exemplo, um estudo realizado nos Estados
Unidos sobre médicos que foram submetidos a
medidas disciplinares por causa de crimes sexuais
revelou que o número de casos havia aumentado de
42 em 1989 para 147 em 1997, com a proporção de
toda ação disciplinar relacionada a sexo aumentando
de 2,1% para 4,4% no mesmo período (76). Contudo,
o aumento poderia refletir uma maior boa vontade
para instaurar processos.
Outras formas documentadas de violência contra
pacientes do sexo feminino incluem o envolvimento
de funcionários médicos na prática de clitoridectomia
no Egito (80), exames ginecológicos forçados e
ameaça de abortos forçados na China (81), e
inspeções de virgindade na Turquia (82). A
violência sexual é parte de um problema maior de
violência contra pacientes do sexo feminino
perpetrada pelos funcionários da área de saúde que
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 153
154 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
tem sido relatado em muitos países e, até
recentemente, foi muito negligenciado (83 – 87).
Também há relatos de assédio sexual praticado por
médicos contra enfermeiras (88, 89).
Conflitos armados e locais de
refugiados
O estupro tem sido utilizado como uma estratégia
em muitos conflitos, inclusive na Coréia durante a
Segunda Guerra Mundial e em Bangladesh durante
a guerra da independência. Também foi utilizado em
diversos conflitos armados, como os da Argélia (90),
da Índia (Cachemira) (91), da Indonésia (92), da
Libéria (29), de Ruanda e de Uganda (93). Em alguns
conflitos armados – por exemplo, os de Ruanda e
dos Estados da antiga Iugoslávia – o estupro tem
sido utilizado como uma estratégia deliberada para
arruinar os laços comunitários e, conseqüentemente,
o inimigo, além de ser usado como um instrumento
de “dominação étnica”. No Timor Leste, houve
relatos de violência sexual extensiva contra as
mulheres, cometida pelos militares indonésios (94).
Um estudo realizado em Monróvia, na Libéria,
revelou que, durante o conflito, as mulheres na faixa
etária abaixo de 25 anos tinham maior probabilidade
de terem passado por uma tentativa de estupro ou
coação sexual do que as mulheres na faixa etária
acima de 25 anos (18% contra 4%) (29). As mulheres
que foram forçadas a cozinhar para uma facção
guerrilheira estavam sob risco significativamente
maior.
Outra conseqüência inevitável dos conflitos
armados é a quebra econômica e social que pode
forçar um grande número de pessoas à prostituição
(94), uma observação que pode ser igualmente
aplicada à situação dos refugiados, estejam eles
fugindo de conflitos armados ou de desastres
naturais tais como enchentes, terremotos ou fortes
tempestades.
Os refugiados que estão fugindo de conflitos
ou de outras condições ameaçadoras geralmente
ficam sob risco de estupro em seu novo ambiente.
Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados, por exemplo, indicam que entre as
“pessoas de barco” que fugiram do Vietnã no final
da década de 1970 e no início da década de 1980,
39% das mulheres foram raptadas ou estupradas
por piratas enquanto estavam no mar – um número
que parece estar subestimado (27). Da mesma
forma, em muitos campos de refugiados, inclusive
os do Quênia e da República Unida da Tanzânia,
descobriu-se que o estupro é um grande problema
(95, 96).
Formas “costumeiras” de violência
sexual
Casamento infantil
O casamento geralmente é utilizado para legitimar
diversas formas de violência sexual contra as
mulheres. O costume de casar crianças pequenas,
especialmente as meninas, é observado em muitas
partes do mundo. Essa prática, legal em muitos países,
é uma forma de violência sexual, já que as crianças
envolvidas não são capazes de dar ou negar seu
consentimento. A maioria delas pouco ou nada sabe
sobre sexo antes de se casarem. Assim sendo,
freqüentemente temem o sexo (97) e seus primeiros
encontros sexuais geralmente são forçados (98).
O casamento precoce é mais comum na África e
no sul da Ásia, apesar de também ocorrer no Oriente
Médio e em partes da América Latina e da Europa
Oriental (99, 100). Na Etiópia e em partes da África
Ocidental, por exemplo, o casamento na idade de 7
ou 8 anos não é raro. Na Nigéria, a média de idade
no primeiro casamento é de 17 anos, mas no Estado
de Kebbi no norte da Nigéria, a média de idade no
primeiro casamento é de 11 anos (100). Também
foram observados altos índices de casamento
infantil na República Democrática do Congo, em
Mali, em Niger e em Uganda (99, 100).
No sul da Ásia, o casamento infantil é comum
especialmente em áreas rurais, mas ocorre também
em áreas urbanas (100 – 102). No Nepal, a média de
idade no primeiro casamento é de 19 anos. Sete por
cento das meninas, contudo, se casam antes dos 10
anos de idade, e 40% por volta dos 15 anos (100).
Na Índia, a média de idade para as mulheres no
primeiro casamento é de 16,4 anos. Uma pesquisa
realizada entre 5 mil mulheres no Estado de
Rajasthan, na Índia, revelou que 56% das mulheres
haviam se casado antes dos 15 anos e, dessas, 17%
se casaram antes dos 10 anos de idade. Outra
pesquisa, realizada no Estado de Madhya Pradesh,
revelou que 14% das meninas se casaram na idade
de 10 a 14 anos (100).
Em outros lugares como na América Latina, por
exemplo, verificou-se que o primeiro casamento
ocorre em idade tenra em Cuba, na Guatemala, em
Honduras, no México e no Paraguai (99, 100). Na
América do Norte e na Europa Ocidental, menos de
5% dos casamentos envolve meninas com idade
abaixo de 19 anos (por exemplo, 1% no Canadá, na
Suíça e no Reino Unido, 2% na Alemanha e na
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 155
Bélgica, 3% na Espanha e 4% nos Estados Unidos)
(103).
Outros costumes que levam à
violência
Em muitos lugares, há costumes diferentes do
casamento infantil que resultam em violência sexual
em relação às mulheres. No Zimbábue, por exemplo,
há o costume do ngozi, segundo o qual uma menina
pode ser dada a uma família como compensação
pela morte de um homem que tenha sido causada
por um membro da família da menina. Ao atingir a
puberdade, espera-se que a menina tenha relação
sexual com o irmão ou com o pai da pessoa morta,
para gerar um filho para substituir o que morreu. Há
ainda outro costume, o chimutsa mapfiwa – herança
da mulher – conforme o qual, quando uma mulher
casada morre, sua irmã é obrigada a substituí-la no
lar matrimonial.
Quais os fatores de risco para a violência
sexual?
Devido às múltiplas formas que adquire e aos
contextos onde ocorre, é complicado explicar a
violência sexual contra as mulheres. Há uma grande
justaposição entre as formas de violência sexual e a
violência praticada por parceiro íntimo; muitas das
causas são semelhantes às discutidas no Capítulo
4. Há fatores que aumentam o risco de alguém ser
forçado ao sexo, fatores que aumentam o risco de
um homem forçar o sexo com outra pessoa e fatores
dentro do ambiente social, inclusive colegas e
família, que influenciam a probabilidade de estupro
e a reação a ele. Pesquisas indicam que os diversos
fatores se agregam, de modo que quanto mais fatores
houver, maior será a probabilidade de violência
sexual. Além disso, um determinado fator pode variar
em importância dependendo do estágio da vida.
Fatores que aumentam a vulnerabilidade
das mulheres
Uma das formas mais comuns de violência sexual
no mundo todo é a perpetrada por um parceiro íntimo,
levando à conclusão que, em termos de sua
vulnerabilidade à agressão sexual, um dos principais
fatores de risco para as mulheres é ser casada ou
viver junto com um parceiro. Outros fatores que
influenciam o risco de violência sexual incluem:
— ser jovem,
— consumir álcool ou drogas,
— já ter sido estuprada ou ter sofrido abuso
sexual,
— ter muitos parceiros sexuais,
— envolvimento em trabalho sexual,
— vir a ter maior educação e poder econômico,
pelo menos quando a violência sexual
perpetrada por parceiro íntimo está envolvida
e
— pobreza.
Idade
Normalmente as mulheres jovens estão sob
maior risco de estupro do que as mulheres mais
velhas (24, 62, 104). Conforme dados dos sistemas
judiciários e dos centros de crise para estupro no
Chile, nos Estados Unidos, na Malásia, no México,
em Papua Nova Guiné e no Peru, de um terço a dois
terços das vítimas de agressão sexual têm 15 anos
ou menos (62, 104). Determinadas formas de
violência sexual, por exemplo, estão fortemente
associadas à juventude, especialmente a violência
que acontece nas escolas e nas faculdades, bem
como o tráfico de mulheres para exploração sexual.
Consumo de álcool e drogas
Também há uma forte relação entre o aumento de
vulnerabilidade à violência sexual e o uso de álcool
e outras drogas. O consumo de álcool ou drogas faz
com que seja mais difícil as mulheres se protegerem,
interpretando os indícios e efetivamente agindo
diante deles. A ingestão de álcool também pode
colocar a mulher em locais onde suas chances de
encontrar um potencial agressor são maiores (105).
Já ter sido estuprada anteriormente
ou ter sofrido abuso sexual
Há evidências que vinculam a experiência de
abuso sexual na infância ou adolescência aos
padrões de vitimização na fase adulta (24, 37, 105 –
108). Um estudo nacional sobre violência contra as
mulheres, realizado nos Estados Unidos, concluiu
que as mulheres que foram vítimas de estupro antes
dos 18 anos de idade tinham o dobro da
probabilidade de serem estupradas quando adultas,
comparadas às mulheres que não haviam sido
estupradas quando crianças ou adolescentes (18,3%
e 8,7%, respectivamente) (37). Os efeitos do abuso
sexual em idade tenra também podem estender-se a
outras formas de vitimização e a problemas durante
a fase adulta. Por exemplo, um estudo de controle
156 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
de caso realizado na Austrália sobre o impacto, em
longo prazo, do abuso mostrou que o abuso sexual
infantil e a experiência de estupro têm associações
significativas com problemas de saúde sexual e
mental, problemas de violência doméstica e outros
problemas em relações íntimas – mesmo depois de
levar em consideração várias outras características
do histórico familiar (108). As pessoas que
passaram por experiências de abuso envolvendo
relação sexual tiveram resultados mais negativos
do que as que sofreram outro tipo de coação.
Ter muitos parceiros sexuais
As jovens que têm muitos parceiros sexuais estão
sob maior risco de violência sexual (105, 107, 109).
Contudo, não está claro se ter mais parceiros sexuais
é uma causa ou uma conseqüência do abuso,
inclusive do abuso sexual na infância. Por exemplo,
os resultados de uma amostra representativa de
homens e mulheres em León, Nicarágua, revelaram
que mulheres que haviam vivenciado o estupro,
tentado ou consumado, durante a infância ou a
adolescência tinham maior probabilidade de ter um
número maior de parceiros sexuais na fase adulta, em
comparação a mulheres que não haviam sofrido abuso
ou que sofreram abuso moderado (110). Estudos
longitudinais sobre mulheres jovens realizados na
Nova Zelândia e na Noruega apresentaram resultados
semelhantes (107, 109).
Nível de educação
Quando aumentam seu nível de educação e,
conseqüentemente, adquirem maior poder, as
mulheres ficam sob maior risco de violência sexual,
assim como de violência física cometida por parceiro
íntimo. As mulheres que não têm educação, segundo
uma pesquisa realizada na África do Sul, têm uma
probabilidade muito menor de vivenciar a violência
sexual do que as mulheres com níveis mais elevados
de educação (34). No Zimbábue, a probabilidade de
uma mulher que estivesse trabalhando relatar
episódios de sexo forçado por um cônjuge era muito
maior do que as mulheres que não trabalhavam (42).
Uma explicação possível é que um aumento no poder
traz consigo mais resistência por parte das mulheres
em relação às normas patriarcais (111), de tal forma
que os homens podem recorrer à violência em uma
tentativa de retomar o controle. A relação entre
aumento de poder e a violência física assume forma
de U invertido – onde o maior poder corresponde a
um maior risco até um certo nível, depois do qual
começa a se tornar uma proteção (105, 112). Contudo,
não se sabe se essa situação também é válida para a
violência sexual.
Pobreza
As mulheres e as meninas pobres correm mais
risco de estupro enquanto desempenham suas tarefas
diárias do que as que desfrutam de uma situação
melhor. Um exemplo desse risco é quando elas voltam
do trabalho para casa sozinhas, tarde da noite, ou
quando trabalham nos campos ou quando recolhem
madeira sozinhas. Os filhos de mulheres pobres podem
ter menos supervisão dos pais, uma vez que suas
mães podem estar no trabalho e não terem condições
de pagar uma creche. Na verdade, as próprias crianças
podem estar trabalhando e, portanto, ficarem
vulneráveis à exploração sexual.
A pobreza força muitas mulheres e muitas meninas
a ocupações que trazem um risco relativamente alto
de violência sexual (113), especialmente o trabalho
sexual (114). Ela também cria enormes pressões para
que as mulheres e meninas encontrem ou mantenham
trabalhos, busquem atividades comerciais e, se
estiverem estudando, para que obtenham boas notas
– tudo isso as deixa mais vulneráveis à coação sexual
por parte dos que podem prometer algo (28). As
mulheres mais pobres também estão sob maior risco
de violência cometida por parceiro íntimo, da qual a
violência sexual geralmente é uma manifestação (41,
115).
Fatores que aumentam o risco de
homens cometerem estupro
Os dados sobre homens sexualmente violentos
são limitados e apresentam muitos desvios em relação
aos possíveis estupradores, exceto nos Estados
Unidos, onde também foram feitas pesquisas entre
estudantes do sexo masculino. Apesar da quantidade
limitada de informações sobre homens sexualmente
violentos, parece que a violência sexual pode ser
encontrada em quase todos os países (embora com
diferenças na prevalência), em todas as classes
socioeconômicas e em todas as faixas etárias a partir
da infância. Os dados sobre homens sexualmente
violentos também mostram que a maioria deles age
contra mulheres que eles já conhecem (116, 117).
Entre os fatores que aumentam o risco de um homem
cometer estupro, há os relacionados a atitudes e
crenças, bem como o comportamento que surge a
partir de situações e condições sociais que oferecem
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 157
oportunidades e apoio para o abuso (ver Tabela 6.4).
Consumo de álcool e drogas
Em certos tipos de agressão sexual, o álcool tem
mostrado desempenhar um papel desinibidor (118),
assim como as drogas, especialmente a cocaína (119).
O álcool produz efeito psicofarmacológico de reduzir
as inibições, anuviando os julgamentos e impedindo
a capacidade de interpretar os indícios (120). Os
vínculos biológicos entre a violência e o álcool,
contudo, são complexos (118). Pesquisas sobre a
antropologia social do consumo de álcool sugerem
que as ligações entre violência, consumo de álcool e
embriaguez são socialmente aprendidas, em vez de
serem universais (121). Alguns pesquisadores
observaram que o álcool pode atuar como um
“intervalo” cultural, oferecendo a oportunidade para
um comportamento anti-social. Assim, é mais
provável que os homens ajam com violência quando
estão embriagados, porque acham que não serão
responsabilizados por seu comportamento. Algumas
formas da violência sexual em grupo também estão
associadas ao consumo de álcool. Nesses ambientes,
o consumo de álcool é um ato de união do grupo,
onde as inibições são coletivamente reduzidas e o
julgamento individual é desconsiderado em favor do
julgamento do grupo.
Fatores psicológicos
Nos últimos tempos, muito tem sido feito em
termos de pesquisa a respeito do papel das variáveis
cognitivas entre o conjunto de fatores que podem
conduzir ao estupro. Os homens sexualmente
violentos têm mostrado uma maior probabilidade de
considerar as vítimas responsáveis pelo estupro e
têm menos conhecimento do impacto do estupro
sobre as vítimas (122). Esses homens podem
interpretar mal os indícios dados pelas mulheres em
situações sociais e podem não ter as inibições que
atuam para suprimir as associações entre sexo e
agressão (122, 123). Eles têm fantasias sexuais
vexatórias (122, 123), geralmente estimuladas pelo
acesso à pornografia (124) e, de forma geral, são
mais hostis às mulheres do que os homens que não
são sexualmente violentos (106, 125, 126). Além
desses fatores, acredita-se que os homens
sexualmente violentos sejam diferentes dos outros
homens em termos de impulsividade e tendências
anti-sociais (105). E também tendem a ter um senso
de masculinidade exagerado.
A violência sexual também está associada a uma
preferência por relações sexuais impessoais em
oposição aos laços emocionais, a ter muitos parceiros
sexuais e uma inclinação a satisfazer os desejos
pessoais às custas dos outros (125, 127). Uma outra
associação é com atitudes adversas sobre gênero,
que afirmam que as mulheres são oponentes a serem
desafiadas e conquistadas (128).
Fatores relacionados aos amigos e à
família
Estupro cometido por gangue
Algumas formas de violência sexual, tal como o
estupro cometido por gangue, são
predominantemente cometidas por homens jovens
(129). Em geral, a agressão sexual é uma característica
que define a masculinidade em um grupo e está
bastante ligada ao desejo de ser tido em alta
consideração (130). O comportamento sexualmente
agressivo dos jovens tem sido vinculado à
participação em gangues e ao fato de ter colegas
delinqüentes (126, 131). As pesquisas também
sugerem que os homens que têm colegas
158 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
sexualmente agressivos têm muito mais
probabilidade de revelar relações coagidas ou
forçadas fora do contexto da gangue, do que os
homens que não têm colegas sexualmente
agressivos (132).
De forma geral, os homens envolvidos no
estupro cometido por gangue – e às vezes outras
pessoas também – encaram o estupro como legítimo,
uma vez que o vêem como uma forma de
desencorajar ou punir comportamentos “imorais”
entre as mulheres, como usar saias curtas ou
freqüentar bares. Por este motivo, os perpetradores
não encaram o estupro como um crime. Em diversas
áreas de Nova Papua Guiné, as mulheres podem ser
punidas com estupro coletivo, geralmente
sancionado pelos mais velhos (133).
Ambientes da primeira infância
Há evidências que indicam que, para alguns
homens, a violência sexual também é um
comportamento aprendido, especialmente no que
diz respeito ao abuso sexual. Estudos sobre meninos
que sofreram abuso sexual mostraram que um em
cada cinco continua a molestar crianças quando mais
velhos (134). Essas experiências podem levar a um
padrão de comportamento onde o homem
geralmente justifica sua violência, nega que esteja
fazendo algo errado e tem noções falsas e doentias
sobre sexualidade.
Ambientes da infância fisicamente violentos, sem
apoio emocional e caracterizados pela competição
por escassos recursos têm sido associados à
violência sexual (105, 126, 131, 135). O
comportamento sexualmente agressivo do jovem, por
exemplo, tem sido vinculado ao testemunho de
violência familiar e ao fato de ter pais emocionalmente
afastados e que não cuidam dos filhos (126, 131).
Os homens criados em famílias com fortes estruturas
patriarcais, também estão mais propensos a se
tornarem violentos, cometerem estupro e utilizarem a
coação sexual contra as mulheres, bem como
abusarem de suas parcerias íntimas, do que os
homens criados em lares que são mais igualitários
(105).
Honra da família e pureza sexual
Outro fator que envolve os relacionamentos
sociais é uma resposta da família à violência sexual
que culpa as mulheres sem punir os homens,
concentrando-se em restaurar a honra da família que
foi “perdida”. Esse tipo de resposta cria um ambiente
onde o estupro pode acontecer impunemente.
Enquanto as famílias normalmente tentarão
proteger suas mulheres contra o estupro, até mesmo
oferecendo contraceptivos a suas filhas para, caso
o estupro venha a ocorrer, evitar sinais visíveis
(136), dificilmente há muita pressão social para
controlar os homens jovens ou convencê-los de
que forçar o sexo é errado. Em muitos países acontece
exatamente o contrário, onde freqüentemente há
apoio para os membros da família fazerem o que for
necessário – inclusive cometer assassinato – para
aliviar a “vergonha” associada ao estupro ou a outra
transgressão sexual. Em uma análise sobre todos os
crimes de honra acontecidos na Jordânia em 1995
(137), os pesquisadores descobriram que em mais
de 60% dos casos, a vítima morreu de múltiplos
ferimentos a bala, principalmente nas mãos de um
irmão. Em casos onde a vítima era uma mulher solteira
grávida, o criminoso era absolvido de assassinato
ou recebia uma sentença reduzida.
Apesar de geralmente a pobreza ser a força motriz
subjacente ao casamento infantil, fatores tais como
manter a pureza sexual de uma menina e protegê-la
do sexo antes do casamento, de infecção por HIV e
de investidas sexuais também são razões geralmente
apresentadas pelas famílias para justificar tais
casamentos (100).
Fatores comunitários
Pobreza
A pobreza está ligada tanto à perpetração de violência
sexual quanto ao risco de ser vítima dela. Diversos
autores argumentam que a relação entre pobreza e a
perpetração de violência sexual aparece em formas
de crise de identidade masculina (95, 112, 138 – 140).
Bourgois, quando escreve sobre a vida no Harlem,
Nova Iorque, Estados Unidos (138), descreve como
os homens jovens se sentiam pressionados pela
estrutura familiar e pelos modelos de masculinidade
“bem sucedida” herdados das gerações de seus pais
e avós, junto com os ideais atuais de masculinidade
que também enfatizam o consumo material.
Entrincheirados em suas favelas, com pouca ou
nenhuma oportunidade de emprego, é pouco
provável que eles cheguem a realizar algum desses
modelos ou das expectativas de ” sucesso” masculino.
Nessas circunstâncias, os ideais de masculinidade
são reformulados para enfatizar a misoginia, o abuso
de substâncias e a participação em crimes (138) – e
geralmente também a xenofobia e o racismo. O estupro
cometido por gangue e a conquista sexual são
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 159
regularizados, uma vez que, ao não conseguirem mais
exercer o controle patriarcal ou dar apoio econômico,
os homens voltam sua agressão contra as mulheres.
Ambiente físico e social
Embora o medo de estupro seja normalmente
associado ao fato de estar fora de casa (141, 142), a
grande maioria da violência sexual na verdade
acontece na casa da vítima ou do perpetrador do
abuso. Contudo, o seqüestro cometido por um
estranho geralmente é o prelúdio de um estupro e as
oportunidades para se cometer tal seqüestro são
influenciadas pelo ambiente físico.
Entretanto, o ambiente social dentro de uma
comunidade é, em geral, mais importante do que a
vizinhança física. Quanto mais enraizadas forem as
crenças de uma comunidade na superioridade
masculina e no direito masculino ao sexo, maior será
a influência sobre a possibilidade de a violência sexual
ocorrer, e de haver tolerância geral na comunidade
em relação à agressão sexual e isso influenciar o peso
das sanções, caso haja alguma, contra os
perpetradores (116, 143). Por exemplo, em alguns
lugares o estupro pode acontecer até mesmo em
público e os transeuntes se recusam a intervir (133).
As queixas de estupro também podem ser tratadas
com descaso pela polícia, especialmente se a agressão
for cometida durante um encontro ou pelo marido da
vítima. Quando as investigações policiais e os casos
no tribunal realmente têm prosseguimento, os
procedimentos também podem ser extremamente
indulgentes ou corruptos – por exemplo, “perdendo”
a documentação legal em troca de suborno.
Fatores sociais
Os fatores que atuam em nível social e que
influenciam a violência sexual incluem leis e políticas
nacionais relativas à igualdade de gêneros em geral
e, mais especificamente, à violência sexual, bem como
as normas que tratam do uso da violência. Enquanto
os diversos fatores atuam bastante em nível local,
dentro das famílias, das escolas, dos locais de trabalho
e das comunidades, há também influências das leis e
das normas que atuam em nível nacional e até mesmo
internacional.
Leis e politicos
Entre os países, há variações consideráveis no
tocante às abordagens da violência sexual. Alguns
países têm uma legislação e procedimentos legais de
longo alcance, com uma ampla definição de estupro,
que inclui estupro marital, e com pesadas penalidades
para os condenados e uma forte resposta de apoio às
vítimas. O compromisso com a prevenção ou o
controle da violência sexual também se reflete em
ênfase no treinamento policial e alocação apropriada
não só dos recursos da polícia para o problema
priorizando a investigação de casos de agressão
sexual, mas também dos recursos disponibilizados
para apoio às vítimas e provisão de serviços médicolegais.
Na outra ponta da escala, há os países com
abordagens muito fracas em relação ao assunto – onde
não é permitida a condenação de um perpetrador
acusado com base somente na evidência fornecida
pelas mulheres, onde certas formas ou determinados
cenários de violência sexual são especificamente
excluídos da definição legal, e onde as vítimas de
estupro são bastante desencorajadas a levar o
assunto aos tribunais, por medo de serem punidas
por abrirem um processo de estupro “sem provas”.
Normas sociais
A violência sexual cometida pelos homens é, em
grande parte, enraizada em ideologias do direito sexual
masculino. Esses sistemas de crenças garantem às
mulheres pouquíssimas opções legitimadas de negar
as investidas sexuais (139, 144, 145). Assim, muitos
homens simplesmente excluem a possibilidade de
poderem ser rejeitadas suas investidas sexuais contra
uma mulher ou de uma mulher ter o direito a tomar
uma decisão autônoma sobre sua participação no
sexo. Em muitas culturas, as mulheres, assim como
os homens, consideram que o casamento confere à
mulher a obrigação de estar sexualmente disponível
praticamente sem limites (34, 146), apesar de o sexo
poder ser culturalmente proibido em determinados
períodos, tais como após o nascimento de um filho
ou durante a menstruação (147).
As normas sociais sobre o uso da violência como
uma forma de atingir os objetivos têm sido
extremamente associadas à ocorrência de estupro.
Em sociedades onde a ideologia da superioridade
masculina é forte – enfatizando o domínio, a força
física e a honra masculina – o estupro é mais comum
(148). Os países com uma cultura de violência, ou
onde estão acontecendo conflitos violentos,
vivenciam um aumento em quase todas as formas de
violência, inclusive a violência sexual (148 – 151).
Tendências mundiais e fatores
econômicos
Muitos dos fatores que operam em nível nacional
160 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
têm uma dimensão internacional. As tendências
mundiais em relação ao livre comércio, por exemplo,
têm sido acompanhadas por um aumento no
movimento de mulheres e meninas para o trabalho,
inclusive para o trabalho sexual (152), no mundo
todo. Os programas de ajuste econômico, preparados
por agências internacionais, têm acentuado a pobreza
e o desemprego em diversos países, aumentando
assim a probabilidade do tráfico sexual e da violência
sexual (153) – um fato particularmente observado na
América Central, no Caribe (114) e em partes da África
(113).
As conseqüências da violência sexual
Nem sempre a força física é necessariamente
utilizada no estupro e as lesões físicas nem sempre
são uma conseqüência. Sabe-se que acontecem
mortes associadas a estupro, apesar de no mundo
todo a ocorrência de fatalidades variar
consideravelmente. Entre as conseqüências mais
comuns da violência sexual, há aquelas relacionadas
à saúde reprodutiva, mental e ao bem-estar social.
Gravidez e complicações ginecológicas
Um estupro pode resultar em gravidez, apesar de
o índice variar conforme os cenários e depender
especialmente de até que ponto estarem sendo usados
contraceptivos que não são de barreira. Um estudo
sobre adolescentes na Etiópia revelou que, dentre as
adolescentes que relataram ter sido estupradas, 17%
ficaram grávidas depois do estupro (154), um número
semelhante aos 15 – 18% relatados pelos centros de
crises de estupro no México (155, 156). Um estudo
longitudinal realizado nos Estados Unidos com mais
de 4 mil mulheres acompanhadas por três anos
consecutivos revelou que o índice nacional de
gravidez relacionada a estupro era de 5,0% por estupro
entre as vítimas na faixa etária de 12 a 45 anos,
resultando, a cada ano, em mais de 32 mil gravidezes
decorrentes de estupro no país (7). Em muitos países,
as mulheres que foram estupradas são forçadas a
criar a criança ou colocar suas vidas em risco devido
a abortos clandestinos.
A experiência de sexo forçado em idade tenra reduz
a capacidade de uma mulher de encarar sua
sexualidade como algo que ela controla.
Conseqüentemente, é menos provável que uma
adolescente que tenha sido forçada ao sexo venha a
usar preservativos ou outras formas de contracepção,
aumentando a probabilidade de ficar grávida (4, 16,
157, 158). Um estudo sobre os fatores associados à
gravidez na adolescência realizado na Cidade do Cabo,
África do Sul, constatou que a iniciação sexual forçada
era o terceiro fator mais relacionado à gravidez, depois
da freqüência de relações sexuais e do uso de
contraceptivos modernos (4). O sexo forçado também
pode resultar em uma gravidez indesejada entre as
mulheres adultas. Na Índia, um estudo sobre homens
casados revelou que os homens que admitem
forçarem o sexo com suas esposas tinham 2,6 mais
possibilidade de terem causado uma gravidez
indesejada do que os que não admitiam tal
comportamento (41).
Geralmente, são observadas complicações
ginecológicas relacionadas ao sexo forçado. Dentre
essas complicações, há o sangramento ou a infecção
vaginal, tumores fibróides, diminuição do apetite
sexual, irritação genital, dor durante a relação sexual,
dor pélvica crônica e infecções do trato urinário (8 –
15). As mulheres que passam por abuso físico e sexual
perpetrado por parceiros íntimos estão, de forma geral,
sob maior risco de problemas de saúde do que as que
passam somente pela violência física (8, 14).
Doenças sexualmente transmitidas
As infecções por HIV e outras doenças
sexualmente transmitidas são conseqüências
reconhecidas do estupro (159). Pesquisas sobre
mulheres em abrigos mostraram que as mulheres
que passam pelo abuso sexual e físico cometido por
seus parceiros íntimos estão muito mais propensas
a terem tido doenças sexualmente transmitidas
(160). No caso das mulheres que foram traficadas
para o trabalho sexual, os riscos de HIV e de outras
doenças sexualmente transmitidas são
particularmente elevados. Os vínculos entre HIV e
violência sexual, e as relevantes estratégias de
prevenção, são discutidos no Quadro 6.2.
Saúde mental
A violência sexual tem sido associada a diversos
problemas de saúde mental e de comportamento na
adolescência e na fase adulta (17-20, 22, 23, 161).
Em um estudo populacional, a ocorrência de sintomas
ou sinais indicativos de um problema psiquiátrico foi
de 33% em mulheres com um histórico de abuso sexual
quando adultas, 15% em mulheres com um histórico
de violência física perpetrada por um parceiro íntimo
e 6% entre mulheres que não sofreram abusos (162).
A violência sexual praticada por um parceiro íntimo
agrava os efeitos da violência física sobre a saúde
mental.
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 161
As mulheres que sofreram abuso e que relatam
experiências de sexo forçado estão sob um risco
muito maior de depressão e estresse pós-traumático
do que as mulheres que não sofreram abuso (14,
18, 22, 23). Os problemas de estresse póstraumático
depois de um estupro são mais prováveis
se houver lesão durante o estupro, ou um histórico
de depressão ou abuso de álcool (24). Um estudo
voltado para adolescentes realizado na França
também constatou uma relação entre ter sido
estuprada e dificuldades presentes de dormir,
sintomas de depressão, queixas somáticas, fumo e
problemas de comportamento, tais como
comportamento agressivo, roubo e vadiagem (163).
Na ausência de aconselhamento para o trauma,
percebeu-se que os efeitos psicológicos negativos
persistiram por, pelo menos, um ano após o estupro,
enquanto os problemas e os sintomas de problemas
de saúde física tendem a diminuir nesse período
(164). Mesmo com aconselhamento, até 50% das
mulheres mantêm os sintomas de estresse (165 –
167).
Comportamento suicida
As mulheres que passaram por agressão física na
infância ou na fase adulta estão mais propensas a
tentar suicídio, ou a cometê-lo, do que as outras
mulheres (21, 168 – 173). A associação permanece,
mesmo depois do controle de sexo, idade, educação,
sintomas de problemas de estresse pós-traumático e
a presença de problemas psiquiátricos (168, 174). A
experiência de ser estuprada ou agredida sexualmente
pode levar ao comportamento suicida logo no início
da adolescência. Na Etiópia, 6% das estudantes
estupradas relataram ter tentado suicídio (154). Um
estudo sobre adolescentes realizado no Brasil revelou
que a ocorrência de abuso sexual é um dos principais
fatores indicativos de diversos comportamentos de
risco à saúde, inclusive pensamentos suicidas e
tentativas de suicídio (161).
As experiências de diversos assédios sexuais
também podem resultar em distúrbios emocionais e
comportamento suicida. Um estudo com mulheres
adolescentes no Canadá revelou que 15% das que
vivenciam contato sexual indesejado e freqüente
mostraram um comportamento suicida nos seis meses
anteriores, em comparação a 2% das que nunca haviam
sofrido tal assédio (72).
Ostracismo social
Em muitos cenários culturais, sustenta-se que os
homens não conseguem controlar suas necessidades
sexuais e que as mulheres são responsáveis por
provocar o desejo sexual nos homens (144). A maneira
como as famílias e as comunidades reagem aos atos
de estupro em tais cenários é determinada pelas idéias
predominantes sobre sexualidade e condição da
mulher.
Em algumas sociedades, a “solução” cultural para
o estupro é que a mulher deve se casar com o
estuprador, preservando assim a integridade da
mulher e de sua família ao legalizar a união (175).
Essa “solução” encontra-se refletida nas leis de
alguns países, que permitem que um homem que tenha
cometido o estupro seja desculpado de seu crime se
ele se casar com a vítima (100). Independentemente
do casamento, as famílias podem pressionar a mulher
a não denunciar ou dar continuidade ao caso, ou a
concentrar-se em obter a indenização por “danos”, a
ser paga pela família do estuprador (42, 176). Os
homens rejeitam suas mulheres caso tenham sido
estupradas (27) e, em alguns países, como
mencionado anteriormente, a recuperação da honra
requer que a mulher seja posta para fora ou, em casos
extremos, assassinada (26).
O que pode ser feito para evitar a violência
sexual?
O número de iniciativas voltadas para a violência
sexual é limitado e poucas foram avaliadas. A maioria
das intervenções foi desenvolvida e implementada
em países industrializados. Ainda não se sabe bem a
relevância das mesmas em outros cenários. As
intervenções desenvolvidas até o momento podem
ser classificadas como segue.
Abordagens individuais
Assistência e apoio psicológicos
O aconselhamento, a terapia e as iniciativas de
grupos de apoio têm-se mostrado de grande auxílio
logo após as agressões sexuais, especialmente onde
puder haver fatores complicadores relativos à
violência propriamente dita ou ao processo de
recuperação. Há algumas evidências de que um
programa cognitivo-comportamental breve,
administrado logo após a agressão, pode acelerar o
índice de melhora do dano psicológico resultante do
trauma (177, 178). Como mencionado anteriormente,
as vítimas de violência sexual às vezes se culpam
pelo incidente, e o fato de lidarem com essa questão
na terapia psicológica também se tem mostrado
Quadro 6.2
Violência sexual e HIV/AIDS
O sexo violento ou forçado pode aumentar o risco de transmissão de HIV. Na penetração
vaginal forçada, comumente ocorrem abrasões e cortes, facilitando assim a entrada do vírus –
quando presente – através da mucosa vaginal. As adolescentes são especialmente suscetíveis à
infecção por HIV por meio do sexo forçado, e mesmo pelo sexo não forçado, porque o muco de sua
membrana vaginal ainda não adquiriu a densidade celular que provê uma barreira eficaz, que só é
desenvolvida nos últimos anos da adolescência. As pessoas que sofrem estupro anal – homens e
meninos, bem como mulheres e meninas – também são bem mais suscetíveis ao HIV do que o
seriam se o sexo não fosse forçado, uma vez que os tecidos anais são facilmente danificados,
novamente oferecendo ao vírus uma entrada mais fácil para o corpo.
O fato de ser uma vítima de violência sexual e o de ser suscetível ao HIV compartilham de
diversos comportamentos de risco. O sexo forçado na infância ou na adolescência, por exemplo,
aumenta a probabilidade de participar de sexo sem proteção, ter diversos parceiros, participar de
trabalho sexual e abuso de substâncias. As pessoas que passam pelo sexo forçado em
relacionamentos íntimos geralmente têm dificuldade em negociar o uso de preservativos – ou
porque usar um preservativo poderia ser interpretado como duvidar de seu parceiro ou admitir a
promiscuidade, ou por causa do medo de experimentar a violência de seu parceiro. A coação
sexual entre adolescentes e adultos também está associada à baixa auto-estima e à depressão,
fatores que são associados a muitos dos comportamentos de risco para infecção por HIV.
Estar infectado com HIV ou ter um membro da família soropositivo também pode aumentar o
risco de sofrer violência sexual, especialmente para as mulheres. Devido ao estigma associado ao
HIV e à AIDS em muitos países, uma mulher infectada pode ser expulsa de sua casa. Além disso,
uma doença ou morte relacionada à AIDS pode resultar em uma situação econômica desesperadora
em um lar pobre. As mulheres podem ser forçadas ao trabalho sexual e, conseqüentemente,
estarem sob maior risco tanto de HIV/AIDS quanto de violência sexual. As crianças que ficam
órfãs por causa da AIDS, empobrecidas e sem ninguém para cuidar delas, podem ser forçadas a
viver nas ruas, sob um considerável risco de abuso sexual.
Dentre as várias formas de reduzir a incidência tanto da violência sexual quanto da infecção
por HIV, a educação talvez seja a mais importante. Para as pessoas jovens principalmente deve
haver intervenções abrangentes em escolas e em outros estabelecimentos de educação, em grupos
jovens e nos locais de trabalho. Os currículos escolares deveriam cobrir aspectos relevantes de
saúde sexual e reprodutiva, relacionamentos e violência. Deveriam também ensinar habilidades
para a vida, inclusive como evitar situações de risco ou ameaçadoras relacionadas, por exemplo,
a sexo, violência ou drogas, e como negociar um comportamento sexual seguro.
Para a população adulta em geral deveria haver informações completas e acessíveis sobre
saúde sexual e as conseqüências de determinadas práticas sexuais, bem como intervenções para
mudar os padrões prejudiciais de comportamento e as normas sociais que impedem a comunicação
em assuntos relacionados a sexo.
É importante que os trabalhadores da área de saúde e outros provedores de serviço recebam
treinamento integrado sobre gênero e saúde reprodutiva, inclusive violência de gênero e doenças
sexualmente transmitidas, como infecção por HIV.
Para as vítimas de estupro, deveria haver uma seleção e um encaminhamento para serviços
voltados para infecção por HIV. Além disso, pode-se considerar o uso de profilaxia pós-exposição
ao HIV administrada logo após a agressão, juntamente com aconselhamento. Da mesma forma, é
necessário que haja uma investigação minuciosa em relação às mulheres portadoras de HIV, a fim
de se avaliar um possível histórico de violência sexual. Os programas voluntários de
aconselhamento para HIV devem analisar a possibilidade de incorporar estratégias de prevenção
contra a violência.
162 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
importante para a recuperação (179). O
aconselhamento em curto prazo e os programas de
tratamento após atos de violência sexual, contudo,
requerem muito mais avaliação.
O apoio psicológico formal para quem passou por
violência sexual tem sido oferecido em grande parte
pelo setor não governamental, especialmente por
centros de crise de estupro e diversas organizações
de mulheres. Inevitavelmente, o número de vítimas
de violência sexual que têm acesso a esses serviços
é pequeno. Uma solução para expandir o acesso é
criar serviços de linha direta, preferencialmente
gratuitos. Uma linha direta chamada Stop Woman
Abuse [Pare o Abuso contra as Mulheres] na África
do Sul, por exemplo, atendeu 150 mil chamadas nos
primeiros 5 meses de funcionamento (180).
Programas para perpetradores
Os poucos programas direcionados aos
perpetradores de violência sexual são, de forma geral,
voltados para homens condenados por agressão.
Esses programas são encontrados principalmente em
países industrializados e apenas recentemente
começaram a ser avaliados (ver Capítulo 4 para obter
mais informações sobre os programas). Uma resposta
comum dos homens que cometem a violência sexual
é negar que são responsáveis e que aquilo que eles
estão fazendo seja violento (146, 181). A fim de serem
eficazes, os programas que trabalham com
perpetradores precisam fazer com que esses homens
admitam sua responsabilidade e que sejam
considerados publicamente como responsáveis por
suas ações (182). Uma forma de se conseguir isso é
através de programas cujo objetivo seja que homens
perpetradores de violência sexual colaborem com os
serviços de apoio às vítimas, bem como com as
campanhas contra violência sexual.
Habilidades para a vida e outros
programas educacionais
Nos últimos anos, diversos programas voltados
para promoção de saúde sexual e reprodutiva,
especialmente os que promovem a prevenção contra
HIV, começaram a introduzir a questão de gênero e a
lidar com o problema da violência física e sexual
contra as mulheres. Dois exemplos notáveis –
desenvolvidos para a África, mas utilizados em
diversas partes do mundo em desenvolvimento – são
o “Stepping Stones” [Passo das Pedras] e o “Men
As Partners” [Homens como Parceiros] (183, 184).
Esses programas foram elaborados para serem usados
em grupos semelhantes de homens e mulheres e são
apresentados em diversas sessões sob forma de
oficinas de trabalho, utilizando abordagens de
aprendizagem participativa. Sua abordagem
abrangente ajuda os homens, que de outra forma
relutariam em participar de um programa que se
concentrasse somente na violência contra as
mulheres, a participarem e discutirem diversos
assuntos relativos à violência. Além disso, mesmo
que os homens sejam perpetradores de violência
sexual, os programas têm muito cuidado em evitar
rotulá-los como tal.
Uma análise sobre o efeito do programa Stepping
Stones na África e Ásia, revelou que as oficinas
ajudaram os homens participantes a assumir maior
responsabilidade por suas ações, se relacionarem
melhor com os outros, terem maior respeito pelas
mulheres e se comunicarem mais efetivamente. Como
resultado do programa, foram relatadas reduções na
violência contra as mulheres no Camboja, em Gâmbia,
na África do Sul, em Uganda e na República Unida da
Tanzânia. Contudo, as avaliações realizadas até o
momento utilizaram, de forma geral, métodos
qualitativos e ainda são necessárias mais pesquisas
para testar adequadamente a eficácia do programa
(185).
Abordagens de desenvolvimento
Para evitar a violência sexual, as pesquisas têm
realçado a importância de criar os filhos com
incentivos e desempenhar o papel de pais de um modo
melhor e mais equilibrado (124, 125). Ao mesmo
tempo, Schwartz (186) desenvolveu um método de
prevenção que adota uma abordagem de
desenvolvimento com intervenções antes do
nascimento, durante a infância, na adolescência e no
início da fase adulta. Nesse modelo, o elemento pré-
natal incluiria discussões sobre habilidades de ser
pai e mãe, estereótipo dos papéis dos gêneros,
estresse, conflito e violência. Nos primeiros anos da
infância, os provedores de saúde buscariam essas
questões e introduziriam o abuso sexual infantil e a
exposição à violência na mídia para formar a lista de
tópicos de discussão, bem como promoveriam o uso
de materiais educacionais não sexistas. No final da
infância, a promoção de saúde incluiria elementos
para modelar comportamentos e atitudes a fim de
evitar os estereótipos, estimulando as crianças a
diferenciarem entre o toque “bom” e o “mau”, e
melhorando sua capacidade e sua confiança para
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 163
tomarem o controle sobre seus próprios corpos. Essa
intervenção daria espaço para conversas sobre a
agressão sexual. Durante a adolescência e o início da
fase adulta, as discussões cobririam mitos sobre
estupro, maneira de se estabelecer limites para a
atividade sexual e quebras de vínculos entre sexo,
violência e coação. Mesmo que o modelo de Schwartz
tenha sido desenvolvido para ser usado em países
industrializados, alguns dos princípios envolvidos
poderiam ser aplicados a países emergentes.
Respostas da assistência à saúde
Serviços médico-legais
Em muitos países, onde se observa a existência
de violência sexual, o setor de saúde tem a tarefa de
coletar evidências médicas e legais para corroborar o
depoimento das vítimas ou para ajudar a identificar o
perpetrador. Uma pesquisa realizada no Canadá indica
que a documentação médico-legal pode aumentar a
chance de um perpetrador ser preso, processado ou
condenado (187, 188). Por exemplo, um estudo
concluiu que a lesão física documentada,
especialmente do tipo moderado a grave, estava
associada a processos sendo impetrados –
independente do nível de renda do paciente ou se o
paciente conhecia o agressor, tanto como mero
conhecido quanto como parceiro íntimo (188).
Contudo, um estudo realizado em Nairóbi, no Quênia,
sobre mulheres que procuravam um hospital logo
após um estupro, destacou o fato de que em muitos
países as vítimas de estupro não são examinadas por
um ginecologista ou um perito da polícia, bem como
não há protocolos ou diretrizes padrões sobre essa
questão (189).
O uso de protocolos e diretrizes padrões pode
aumentar significativamente a qualidade do
tratamento e o apoio psicológico às vítimas, assim
como as evidências que são coletadas (190). Os
protocolos e as diretrizes abrangentes para mulheres
vítimas de agressão deveriam conter:
— registro de uma descrição detalhada do
incidente, listando todas as evidências coletadas;
— listagem do histórico ginecológico e
contraceptivo da vítima;
— documentação padronizada dos resultados
de um exame físico completo;
— avaliação do risco de gravidez;
— teste e tratamento de doenças sexualmente
transmitidas inclusive, quando necessário, teste para
HIV;
— fornecimento de contraceptivo de emergência
164 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
e, quando legal, aconselhamento sobre aborto;
— fornecimento de apoio psicológico e
encaminhamento.
Em alguns países, o protocolo é parte do
procedimento de um “conjunto de evidências de
agressão sexual” que inclui instruções e recipientes
para coletar evidências, formulários e documentos
legais adequados para registrar as histórias (191). Os
exames em vítimas de estupro são, por natureza,
extremamente estressantes. O uso de um vídeo para
explicar o procedimento antes de um exame tem se
mostrado de grande valor para reduzir o estresse
envolvido (192).
Treinamento para profissionais de
assistência à saúde
As questões que envolvem violência sexual
precisam ser tratadas no treinamento de todo o
pessoal de serviços de saúde, inclusive psiquiatras e
conselheiros, tanto em programas de treinamento
básico quanto em cursos de pós-graduação
especializados. Em primeiro lugar, tal treinamento daria
aos trabalhadores da área de assistência à saúde um
maior conhecimento e uma melhor consciência sobre
a violência sexual, tornando-os mais capazes de
detectar e lidar com casos de abuso, de uma forma
sensível mas eficaz. Isso também ajudaria a reduzir
os exemplos de abuso sexual no setor de saúde, algo
que pode ser um problema significativo, apesar de
geralmente não reconhecido.
Nas Filipinas, a Task Force on Social Science and
Reproductive Health [Força-Tarefa em Ciência Social
e Saúde Reprodutiva], um órgão que inclui médicos,
enfermeiros e cientistas sociais e que tem o apoio do
Departamento de Saúde produziu módulos de
treinamento sobre violência de gênero para estudantes
de enfermagem e de medicina. Os objetivos do
programa são (193):
— compreender as raízes da violência no
contexto de cultura, gênero e outros aspectos sociais.
— identificar situações, nas famílias ou nos
lares sob alto risco de violência, onde seja
necessário realizar:
— intervenções primárias, especialmente em
colaboração com outros profissionais;
— intervenções secundárias, inclusive
Identificar vítimas de violência, compreender os
procedimentos básicos legais e a maneira como
apresentar as evidências, encaminhar e
acompanhar os pacientes e ajudar as vítimas a
se reintegrarem à sociedade.
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 165
Esses módulos de treinamento são embutidos
nos currículos para alunos de enfermagem e medicina.
Para o currículo de enfermagem, os onze módulos
são distribuídos no decorrer dos quatro anos de
instrução formal e, para os alunos de medicina, os
módulos são apresentados nos três últimos anos de
treinamento prático.
Profilaxia para infecção com HIV
A possibilidade de transmissão de HIV durante o
estupro é um grande motivo de preocupação,
especialmente em países com uma elevada ocorrência
de infecção por HIV (194). Sabe-se que em
determinados contextos é eficiente o uso de drogas
anti-retrovírus em seguida à exposição ao HIV. Por
exemplo, a administração do AZT a trabalhadores da
área de saúde após uma exposição ocupacional a
agulhas (perfurando a pele com uma agulha
contaminada) tem provado reduzir em 81% o risco
subseqüente de desenvolver a infecção por HIV (195).
O risco médio de infecção por HIV em um único
ato de sexo vaginal sem proteção com um parceiro
infectado é relativamente baixo (aproximadamente 1-
2 para cada 1 mil, de homem para mulher, e cerca de
0,5 – 1 para cada 1 mil de mulher para homem). O risco,
na verdade, é de uma ordem semelhante a de uma
lesão com agulha (cerca de 3 para cada 1 mil), onde a
profilaxia pós-exposição agora é um tratamento de
rotina (196). Contudo, o risco médio de infecção por
HIV resultante de sexo anal sem proteção é
consideravelmente mais alto, cerca de 5 – 30 para cada
1 mil. No entanto, durante o estupro, devido à força
utilizada, é muito provável que haja rupturas macro
ou microscópicas na mucosa vaginal, o que
aumentaria em muito a probabilidade de transmissão
de HIV (194).
Não há informações sobre a viabilidade ou a
relação custo/efetividade da oferta rotineira de
profilaxia de HIV para vítimas de estupro em cenários
de recursos escassos. O teste de infecção por HIV
após o estupro é difícil de qualquer forma.
Imediatamente após um incidente, muitas mulheres
não estão em condições de entender totalmente a
complicada informação sobre o teste e os riscos de
HIV. Também é difícil garantir um acompanhamento
adequado, visto vez que muitas vítimas não
comparecem às outras visitas marcadas, por motivos
que provavelmente estão relacionados ao seu estado
psicológico depois da agressão. Os efeitos colaterais
do tratamento anti-retrovírus também podem ser
significativos, fazendo com que as pessoas larguem
o tratamento (195, 197), embora as pessoas que se
percebem em risco sejam mais propensas a prosseguir
com o tratamento (197).
Apesar da falta de conhecimento sobre a eficácia
da profilaxia de HIV após o estupro, muitas
organizações têm recomendado sua utilização. Por
exemplo, os programas de assistência médica em
países de alta renda estão incluindo essa profilaxia
cada vez mais em seus pacotes de assistência. É
necessário que se faça, urgentemente, pesquisas em
países de renda média e baixa sobre a eficácia do
tratamento anti-retrovírus após o estupro e como ele
poderia ser incluído nos serviços de assistência ao
paciente.
Centros que oferecem ampla
assistência às vítimas de agressão
sexual
Devido à falta de médicos em muitos países,
enfermeiros com treinamento especial têm sido
utilizados em alguns lugares para auxiliar as vítimas
de agressão sexual (187). No Canadá, enfermeiros
conhecidos como “enfermeiros examinadores de
agressão sexual” são treinados para oferecer uma
ampla assistência às vítimas de violência sexual. Esses
enfermeiros encaminham os clientes para um médico
quando é necessária uma intervenção médica. Na
província de Ontário, Canadá, o primeiro centro de
assistência à agressão sexual foi aberto em 1984 e,
desde então, foram criados outros 26 centros. Esses
centros oferecem e coordenam uma ampla gama de
serviços, inclusive assistência médica de emergência
e acompanhamento médico, aconselhamento, coleta
de evidências forenses de agressão, apoio legal e
consulta e educação comunitárias (198). Estão sendo
criados em muitos países centros que oferecem
diversos serviços para as vítimas de agressão sexual,
geralmente localizados em lugares como hospitais e
delegacias de polícia, (ver Quadro 6.3). Centros
especializados desse tipo têm a vantagem de contar
com um quadro de pessoal devidamente treinado e
com experiência. Em alguns lugares, por outro lado,
existem centros integrados que prestam serviços às
vítimas de diferentes formas de violência.
Esforços comunitários
Campanhas de prevenção
As tentativas de mudar as atitudes públicas em
relação à violência sexual utilizando a mídia incluem
publicidade em outdoors e em transportes públicos,
166 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
bem como em rádio e televisão. A televisão tem sido
eficientemente utilizada na África do Sul e no
Zimbábue. A série de televisão inédita da África do
Sul, Soul City, está descrita no Quadro 9.1 do Capítulo
9. No Zimbábue, a organização não governamental
Musasa tem produzido iniciativas de conscientização
utilizando o teatro, reuniões públicas e debates, bem
como uma série de televisão onde os sobreviventes
da violência descrevem suas experiências (199).
Outras iniciativas, além das campanhas da mídia,
têm sido utilizadas em muitos países. O Sisterhood Is
Global Institute (Instituto Irmandade É Global), em
Montreal no Canadá, por exemplo, desenvolveu um
manual adaptado para as comunidades muçulmanas
visando a conscientizar e estimular o debate acerca
de questões relacionadas à igualdade de gêneros e
violência contra as mulheres e meninas (200). O
manual foi testado inicialmente no Egito, na Jordânia
e no Líbano e, em uma adaptação para cenários não
muçulmanos, usado no Zimbábue.
Uma iniciativa interórgãos das Nações Unidas
para combater a violência de gênero está sendo
realizada em 16 países da América Latina e do Caribe
QUADRO 6.3
Serviços integrados para vítimas de estupro nos hospitais da Malásia
Em 1993, o primeiro “One-Stop Crisis Centre” [Centro Único para Crise] para mulheres espancadas
foi criado no departamento de acidentes e emergências do Hospital de Kuala Lumpur na Malásia. Seu
objetivo era oferecer uma resposta à violência contra as mulheres, coordenada interórgãos, de forma a
possibilitar que as vítimas de agressão pudessem cuidar de seus problemas médicos, legais, psicológicos
e sociais em um único lugar. Inicialmente, o centro lidava exclusivamente com violência doméstica, mas
expandiu seu alcance para abranger estupro, com procedimentos específicos para vítimas de estupro.
No Hospital de Kuala Lumpur, uma equipe de intervenção em crises lida com cerca de 300 casos de
estupro e 70 casos de violência doméstica por mês. Essa equipe traz expertise do próprio hospital e de
diversos grupos de mulheres, da polícia, do departamento de assistentes sociais médicos, do escritório
de assistência legal e do Escritório Religioso Islâmico.
Em 1996, o Ministro de Saúde da Malásia resolveu expandir essa estratégia inovadora de assistência
à saúde e criar centros semelhantes em todos os hospitais públicos do país. Em três anos, 34 centros
desse tipo foram criados. Nesses centros, psiquiatras, conselheiros e assistentes sociais médicos realizam
aconselhamento sobre estupro e alguns dos clientes se tornam pacientes não internos do departamento
de psiquiatria do hospital. Os assistentes sociais treinados precisam ficar à disposição 24 horas por dia.
À medida que foi se desenvolvendo o programa “One-Stop Crisis Center”, vários problemas vieram
à tona. Um desses problemas foi a necessidade de um melhor treinamento para o pessoal do hospital
conseguir lidar de forma sensível com questões de violência sexual. Alguns funcionários do hospital
culpavam as próprias vítimas de estupro pela violência que haviam sofrido, enquanto outros as
consideravam com uma curiosidade de voyeur, em vez de se concentrarem em oferecer apoio. Havia
também falta de médicos forenses e de abrigos suficientes para as vítimas de estupro. A identificação
desses problemas foi o primeiro passo importante para melhorar o programa e oferecer um serviço de
melhor qualidade para as vítimas de estupro.
(201). A campanha é elaborada para:
— aumentar a consciência acerca dos custos
humanos, sociais e econômicos da violência contra
mulheres e meninas;
— promover a capacitação em nível governamental
para desenvolver e implementar legislação contra a
violência de gênero;
— fortalecer as redes de organizações públicas e
privadas e realizar programas para evitar a violência
contra mulheres e meninas.
Ativismo comunitário por parte dos
homens
Um elemento importante para prevenir violência
sexual e física contra as mulheres são as iniciativas
coletivas partindo dos homens. Existem grupos de
homens contra a violência doméstica e o estupro na
Austrália, na África, na América Latina e no Caribe,
bem como na Ásia, em muitas partes da América do
Norte e na Europa. O ponto de partida fundamental
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 167
para esse tipo de iniciativa é que os homens, como
indivíduos, devem adotar medidas para reduzir o uso
de violência por parte deles (202). As atividades
típicas incluem discussões em grupo, campanhas e
reuniões educativas, trabalho com homens violentos
e oficinas em escolas, prisões e locais de trabalho.
As ações normalmente são realizadas em cooperação
com organizações de mulheres envolvidas na
prevenção contra a violência e na prestação de
serviços para mulheres vítimas de abuso.
Só nos Estados Unidos, há mais de 100 grupos
de homens desse tipo, muitos dos quais com foco
especificamente sobre a violência sexual. O grupo
“Men Can Stop Rape” [Homens Podem Parar o
Estupro] em Washington, DC, por exemplo, busca
promover formas alternativas de masculinidade que
fomentem a não violência e a igualdade de gêneros.
Suas atividades recentes incluem apresentações em
escolas secundárias, elaboração de cartazes,
produção de um manual para professores e publicação
de uma revista para jovens (202).
Programas nas escolas
A ação nas escolas é vital para reduzir a violência
sexual e outras formas de violência. Em muitos países,
uma relação sexual entre um professor e um aluno
não é um crime disciplinar sério e as políticas sobre
assédio sexual nas escolas ou não existem, ou não
são implementadas. Nos últimos anos, contudo,
alguns países introduziram leis que proíbem relações
sexuais entre professores e alunos. Tais medidas são
importantes para ajudar a erradicar o assédio sexual
nas escolas. Ao mesmo tempo, também é necessária
uma maior variedade de ações, inclusive mudanças
no treinamento e recrutamento de professores e
reformas de currículos, de forma a transformar as
relações de gêneros nas escolas.
Respostas legais e políticas
Denunciar e lidar com casos de
violência sexual
Muitos países têm algum sistema para encorajar
as pessoas a denunciarem incidentes de violência
sexual para a polícia e para melhorar a rapidez e
sensibilidade do processamento dos casos nos
tribunais. Os mecanismos específicos incluem
unidades dedicadas à violência doméstica, unidades
de crime sexual, treinamento em gênero para a polícia
e funcionários do tribunal, delegacias de mulher e
tribunais para crimes de estupro. Alguns desses
mecanismos são discutidos no Capítulo 4.
Há vezes em que a má vontade dos peritos
médicos em comparecer ao tribunal acarreta
problemas. O motivo para isso é que freqüentemente
os horários dos tribunais são imprevisíveis e,
geralmente, casos são adiados em cima da hora e há
longas esperas por testemunhas que vão dar
pequenos testemunhos. Na África do Sul, para
contornar esse problema, o Corpo de Diretores dos
Promotores Públicos tem treinado magistrados para,
em processos de casos de violência sexual, fazer uma
interrupção quando o perito médico chega, de forma
que o testemunho pode ser tomado e a testemunha
ser examinada sem demora.
Reforma legal
As intervenções legais adotadas em muitos lugares
incluem:
— estender o conceito de estupro;
— reformar as regras sobre sentenças e
admissibilidade de evidência;
— eliminar requisitos de corroboração dos
relatos das vítimas.
Em 1983, as leis canadenses sobre estupro foram
reformadas, eliminando especialmente o requisito de
que os relatos de estupro sejam corroborados.
Contudo, uma avaliação concluiu que os promotores
tendem a ignorar esse relaxamento da necessidade
de corroboração e que poucos casos chegam ao
tribunal sem evidência forense (203).
Diversos países na Ásia, inclusive as Filipinas,
promulgaram recentemente legislações que redefinem
radicalmente estupro e obrigam a assistência do
Estado às vítimas. O resultado tem sido um aumento
significativo no número de casos denunciados.
Também deve haver campanhas para informar o
público em geral sobre seus direitos legais, caso se
deseje que a legislação reformada seja totalmente
eficaz.
Para assegurar que informações irrelevantes não
sejam admitidas nos tribunais, o International Criminal
Tribunal for the Former Yugoslavia [Tribunal Criminal
Internacional para a Antiga Iugoslávia] criou algumas
regras que podem servir como um modelo útil para
leis e procedimentos eficazes em outros lugares. A
Lei 96 do Tribunal especifica que, em casos de
agressão sexual, não há necessidade de corroboração
do testemunho da vítima e que o histórico sexual
anterior da vítima não deve ser apresentado como
evidência. A lei também trata da possível alegação do
acusado de ter havido consentimento para o ato,
dizendo que o consentimento como defesa não deve
168 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
ser permitido se a vítima houver sido sujeita ou
ameaçada por violência física ou psicológica,
detenção, ou se tiver motivos para temer tal violência
ou detenção. Além disso, o consentimento não deve
ser permitido sob a regra de que se a vítima tiver
bons motivos para acreditar que, se ele ou ela não se
sujeitarem, outra pessoa poderia ser sujeitada,
ameaçada ou colocada sob medo. Mesmo onde a
alegação de consentimento é permitida, o acusado
deve convencer o tribunal de que a evidência para tal
alegação é relevante e crível, antes da evidência poder
ser apresentada.
Em muitos países, os juízes proferem sentenças
particularmente curtas para violência sexual (204,
205). Uma forma de superar esse problema tem sido
introduzir uma pena mínima para condenações por
estupro, exceto mediante circunstâncias atenuantes.
Tratados internacionais
Os tratados internacionais são importantes
porque eles estabelecem padrões para a legislação
nacional e proporcionam uma alavanca para que os
grupos locais façam campanha pelas reformas legais.
Entre os tratados relevantes que tratam de violência
sexual e sua prevenção, podemos citar:
— a Convenção sobre Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as
Mulheres (1979);
— a Convenção sobre os Direitos da Criança
(1989) e seu Protocolo Opcional sobre a
Venda de Crianças, Prostituição Infantil e
Pornografia Infantil (2000);
— a Convenção contra o Crime Organizado
Transnacional (2000) e seu Protocolo
Complementar para Prevenir, Eliminar e
Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente
Mulheres e Crianças (2000);
— a Convenção contra Tortura e Outros
Tratamentos ou Punições Cruéis,
Desumanos ou Degradantes (1984).
Diversos outros acordos internacionais
estabelecem normas e limites de comportamento,
inclusive comportamento durante conflitos, que
precisa de provisões na legislação nacional. O
Estatuto de Roma sobre o Tribunal Criminal
Internacional (1998), por exemplo, cobre um amplo
espectro de crimes de gênero, inclusive estupro,
escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez
forçada e esterilização forçada. Ele também inclui
determinadas formas de violência sexual que
constituem uma quebra ou uma séria violação da
Convenção de Genebra de 1949, bem como outras
formas de violência sexual que são comparáveis em
gravidade aos crimes contra a humanidade. A
inclusão de crimes de gênero nas definições do
estatuto é um importante avanço histórico no direito
internacional (206).
Ações para evitar outras formas de
violência sexual
Tráfico sexual
De forma geral, as iniciativas para evitar o tráfico de
pessoas para fins sexuais visam a:
— criar programas econômicos, em
determinados países, para mulheres sob
risco de serem traficadas;
— oferecer informações e conscientizar as
mulheres sob risco potencial, de forma que
elas saibam sobre o perigo do tráfico.
Além disso, diversos programas de organizações
governamentais e não governamentais estão
desenvolvendo serviços para as vítimas do tráfico
(102). Em Chipre, o Departamento de Estrangeiros e
Imigração aborda mulheres que estão entrando no
país para trabalhar nos setores de entretenimento ou
de serviços domésticos. O Departamento avisa as
mulheres sobre seus direitos e suas obrigações, bem
como sobre as diversas formas disponíveis de
proteção contra abuso, exploração e prostituição. Na
União Européia e nos Estados Unidos, as vítimas de
tráfico que desejarem cooperar com o sistema jurídico
para processar os traficantes podem receber licenças
temporárias de residentes. Na Bélgica e Itália, foram
construídos abrigos para as vítimas de tráfico. Em
Mumbai, na Índia, foi criado um centro contra tráfico
para facilitar a prisão e a condenação dos criminosos,
e para oferecer assistência e informação para as
mulheres traficadas.
Mutilação genital feminina
Para lidar com práticas culturais sexualmente
violentas, é necessária uma compreensão de seu
contexto social, cultural e econômico. Khafagi (208)
argumentou que tais práticas, que incluem a mutilação
genital feminina, devem ser entendidas sob o ponto
de vista dos que as praticam e que esse conhecimento
pode ser utilizado para elaborar intervenções
culturalmente adequadas para evitar tais práticas. No
distrito de Kapchorwa em Uganda, o programa
REACH tem tido sucesso na redução dos índices de
mutilação genital feminina. O programa, liderado pela
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 169
Sabiny Elder’s Association, tentou angariar o apoio
dos mais velhos da comunidade para retirar a prática
de mutilação genital feminina dos valores culturais
aos quais ela parece servir. Em seu lugar, foram
colocadas atividades substitutivas alternativas para
a tradição cultural original (209). O Quadro 6.4
descreve outro programa, no Egito, de prevenção
contra a mutilação genital feminina.
Casamento infantil
O casamento infantil tem uma base cultural e
geralmente é legal, o que dificulta a tarefa de se
conseguir mudanças. Para evitar essa prática não será
suficiente simplesmente tornar o casamento infantil
ilegal. Em muitos países, o processo de registro de
nascimentos é tão irregular que a idade no primeiro
casamento pode ser desconhecida (100). Abordagens
que lidam com a pobreza – um importante fator
subjacente a muitos desses casamentos – e as que
enfatizam metas educacionais, as conseqüências de
saúde resultantes de dar à luz muito nova e os direitos
das crianças têm maior probabilidade de obter êxito.
Estupro durante conflitos armados
A questão da violência sexual em conflitos
armados foi recentemente trazida à tona por
organizações como a Association of the Widows of
the Genocide (AVEGA) [Associação das Viúvas do
Genocídio] e o Forum for African Women
Educationalists [Fórum para Mulheres Educadoras
Africanas]. A primeira tem dado apoio às viúvas das
guerras e às vítimas de estupro em Ruanda, e a última
tem oferecido assistência médica e aconselhamento
para as vítimas em Serra Leoa (210).
Em 1995, o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados lançou diretrizes sobre a prevenção
e a resposta à violência sexual entre as populações
refugiadas (211). Essas diretrizes incluem provisões
para:
— projeto e planejamento de acampamentos,
para reduzir a suscetibilidade à violência;
— documentação de casos;
— educação e treinamento para os funcionários
identificarem, responderem e evitarem a
violência sexual;
— assistência média e outros serviços de apoio,
inclusive procedimentos para evitar mais
traumas para as vítimas.
As diretrizes também cobrem as campanhas de
conscientização pública, atividades educacionais e
o estabelecimento de grupos de mulheres para
denunciarem e responderem à violência.
Com base em um trabalho realizado na Guiné
(212) e na República Unida da Tanzânia (96), o
Comitê Internacional de Resgate desenvolveu um
programa para combater a violência sexual em
comunidades refugiadas. Esse programa inclui o uso
de métodos participativos para avaliar a ocorrência
de violência sexual e de gênero em populações
refugiadas, o treinamento e o emprego de
trabalhadores comunitários para identificar casos e
criar sistemas adequados de prevenção, e medidas
para os líderes comunitários e outros oficiais levarem
os perpetradores a julgamento. O programa tem sido
usado em muitos lugares contra a violência sexual e
de gênero, inclusive na Bósnia-Herzegóvina, no
Quênia, na República da Macedônia da antiga
Iugoslávia, na República Democrática do Congo, em
Serra Leoa e no Timor Leste.
Recomendações
Geralmente, a violência sexual tem sido uma área
de pesquisa negligenciada em quase todas as partes
do mundo, mesmo que as evidências indiquem tratarse
de um problema de saúde pública de grandes
proporções. Ainda é necessário fazer muito mais para
compreender o fenômeno e evitá-lo.
Mais pesquisa
O que contribui para a falta de visibilidade do
problema nas agendas não só das pessoas que
elaboram as políticas mas também dos doadores é a
ausência de um consenso sobre a definição de
violência sexual e a escassez de dados que descrevam
a natureza e a extensão do problema no mundo todo.
Há necessidade de pesquisas significativas a respeito
de quase todos os aspectos da violência sexual,
inclusive:
— a incidência e a ocorrência da violência sexual
em diversos cenários, utilizando-se um
instrumento padrão de pesquisa para
mensurar a coação sexual,
— os fatores de risco para ser uma vítima ou um
perpetrador da violência sexual,
—as conseqüências sociais e de saúde das
diferentes formas de violência sexual,
— os fatores que influenciam a recuperação da
saúde logo após uma agressão sexual, e
— os contextos sociais das diferentes formas
de violência sexual, inclusive o tráfico sexual
e as relações entre a violência sexual e outras
formas de violência.
170 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 6.4
Dando um fim à mutilação genital feminina: o caso do Egito
A mutilação genital feminina é extremamente comum entre as mulheres casadas no Egito. O Censo
Demográfico e de Saúde de 1995 revelou que a faixa etária onde a prática era utilizada com mais freqüência
era de 9 a 13 anos. Quase metade dos que executores de circuncisão feminina eram médicos e 32% eram
parteiras ou pessoas da área de enfermagem. Uma pesquisa sociológica concluiu que as principais
razões alegadas para praticar a circuncisão feminina eram para manter a tradição, para controlar os
desejos sexuais das mulheres, para tornar as mulheres “limpas e puras” e, o mais importante, para torná-
las elegíveis ao casamento.
Em grande parte devido à conscientização pública resultante da Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994, foi criado um movimento contra a mutilação
genital feminina, atingindo diversos setores.
Em termos de resposta dos funcionários e profissionais de saúde, uma declaração conjunta datada
de 1998 da Sociedade Egípcia de Ginecologia e Obstetrícia e da Sociedade Egípcia de Assistência à
Fertilidade declarou que a mutilação genital feminina era tanto inútil quanto danosa, e se constituía em
uma prática não ética de um médico. O Ministro Egípcio de Saúde e População também emitiu um decreto
proibindo qualquer pessoa de executar a mutilação genital feminina.
Os líderes religiosos no mundo muçulmano também expressaram sua oposição à prática. O Grande
Mufti fez uma declaração ressaltando que não havia menção à circuncisão feminina no Alcorão e que
ditos (hadith) atribuídos ao Profeta Maomé sobre o assunto não foram definitivamente confirmados por
evidências. Além disso, em 1998 a Conferência sobre População e Saúde Reprodutiva no Mundo
Muçulmano adotou uma recomendação que convoca os países islâmicos a abolirem todas as formas de
violência contra as mulheres, com um lembrete que sob a lei islâmica (sharia) não há obrigação de
circuncidar as meninas.
Organizações não governamentais egípcias se mobilizaram ao redor da questão, disseminando
informações sobre a mutilação genital feminina e incluindo esse tema em programas de desenvolvimento
comunitário, conscientização de saúde e outros. Uma força-tarefa composta por cerca de 60 organizações
não governamentais foi criada para combater essa prática.
Diversas organizações não governamentais – geralmente que trabalham com homens líderes
comunitários – estão agora envolvendo ativamente os homens, instruindo-os sobre os perigos da
mutilação genital feminina. Nesse processo, os jovens estão sendo incentivados a declarar que se
casarão com mulheres que não foram circuncidadas.
No Alto Egito há um programa voltado para vários grupos sociais – inclusive líderes comunitários,
líderes religiosos e profissionais – com o intuito de treiná-los para fazerem campanha contra a mutilação
genital feminina. Também é oferecido aconselhamento às famílias que optam por não fazer circuncisão
em suas filhas e são realizadas discussões com funcionários da área de saúde para dissuadi-los de
executar essa prática.
Determinando respostas eficazes
As intervenções também devem ser estudadas para
produzir um melhor entendimento sobre o que, em
diferentes cenários, é eficaz para evitar a violência
sexual e para tratar das vítimas e apoiá-las. As
seguintes áreas precisam ser priorizadas:
· Documentar e avaliar os serviços e as
intervenções de apoio aos sobreviventes ou
trabalhar com os perpetradores de violência
sexual.
· Determinar as respostas do setor de saúde
mais adequadas em relação à violência
sexual, inclusive o papel da terapia
profilática anti-retrovírus após o estupro,
para prevenção contra o HIV – com
diferentes pacotes básicos de serviços
sendo recomendados para diferentes
cenários, dependendo do nível de recursos.
CAPÍTULO 6. VIOLÊNCIAJUVENIL· 171
· Determinar qual o apoio psicológico
adequado para diferentes cenários e
circunstâncias.
· Avaliar os programas voltados para a
prevenção contra a violência sexual,
inclusive intervenções comunitárias –
especialmente as que têm como foco os
homens – e programas nas escolas.
· Estudar o impacto das reformas legais e
sanções criminais.
Maior atenção à prevenção primária
A prevenção primária contra a violência sexual
normalmente é marginalizada em favor da prestação
de serviços aos sobreviventes. Os responsáveis pela
elaboração de políticas, os pesquisadores, os
doadores e as organizações não governamentais
devem, portanto, dar muito mais atenção a essa área
importante. Os seguintes pontos devem ser
priorizados:
— prevenção primária contra todas as formas de
vi olência sexual, a ser realizada por meio de
programas em comunidades, escolas e locais de
refugiados;
— apoio para abordagens participativas e que
levem em consideração a cultura, para assim
mudar as atitudes e os comportamentos;
— apoio a programas que lidam com a prevenção
contra a violência sexual no contexto mais amplo
de promoção da igualdade de gêneros;
— programas que lidam com algumas das causas
socioeconômicas subjacentes à violência,
inclusive pobreza e falta de educação, oferecendo,
por exemplo, oportunidadesde emprego para os
jovens;
— programas para melhorar a criação dos filhos,
reduzir a vulnerabilidade das mulheres e
promover noções de masculinidade que tenham
maior equilíbrio de gêneros.
Lidando com o abuso sexual dentro do
setor de saúde
A violência sexual que ocorre contra os pacientes
dentro do setor de saúde existe em muitos lugares,
mas geralmente não é reconhecida como um problema.
É necessária a adoção de várias medidas para superar
essa negação e enfrentar o problema, inclusive (83,
85):
— incorporar tópicos pertinentes à violência de
gênero e sexual, inclusive considerações éticas
relevantes para a profissão médica, nos currículos
para treinamento básico e de pós-graduação de
médicos, enfermeiros e outros funcionários da
área de saúde;
— buscar ativamente formas de identificar e
investigar possíveis casos de abuso de pacientes
dentro dos estabelecimentos de saúde;
— -utilizar organismos internacionais das
profissões médicas e de enfermagem, bem como
organizações não governamentais (inclusive
organizações de mulheres) para monitorar e
compilar evidências de abuso e fazer campanhas
para a ação por parte do governo e dos serviços
de saúde;
— estabelecer códigos adequados de práticas e
procedimentos para denúncias, bem como
procedimentos disciplinares específicos para
funcionários da área de saúde que pratiquem
abuso contra os pacientes dentro dos
estabelecimentos de assistência à saúde.
Conclusão
A violência sexual é um problema de saúde pública
comum e sério que afeta milhões de pessoas a cada
ano no mundo todo. Ela é motivada por diversos
fatores que agem em vários contextos sociais,
culturais e econômicos. No cerne da violência sexual
direcionada às mulheres está a desigualdade dos
gêneros.
Em muitos países, faltam dados sobre a maioria
dos aspectos da violência sexual e há uma grande
necessidade, em todos os lugares, de pesquisas sobre
todos os aspectos da violência sexual. Igualmente
importantes são as intervenções. Há vários tipos de
intervenção, mas as essenciais dizem respeito à
prevenção primária contra a violência sexual, voltada
tanto para homens quanto mulheres, intervenções
de apoio às vítimas de agressão sexual, medidas para
aumentar a possibilidade dos perpetradores de
estupro serem pegos e punidos, bem como estratégias
para mudar as normas sociais e melhorar a condição
das mulheres. É essencial que se desenvolvam
intervenções para cenários carentes de recursos e
que se faça uma avaliação rigorosa dos programas,
tanto em países industrializados quanto países
emergentes.
Os profissionais da área de saúde têm um
importante papel a desempenhar no tocante ao apoio
às vítimas de agressão sexual – em termos médicos e
psicológicos – e na coleta de evidências para auxiliar
nos julgamentos. O setor de saúde é muito mais eficaz
172 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
em países onde há protocolos e diretrizes para
administrar os casos e coletar as evidências, onde os
funcionários são bem treinados e onde há uma boa
cooperação com o sistema judiciário. Por fim, para
colocar um fim à violência sexual, serão necessários
um forte comprometimento e envolvimento dos
governos e da sociedade civil, junto com uma resposta
coordenada entre diversos setores.
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VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 183
Antecedentes
No ano de 2000, no mundo todo, estima-se que
se suicidaram cerca de 815 mil pessoas, o que
representa uma taxa de mortalidade de
aproximadamente 14,5 em cada 100 mil pessoas –
uma morte a cada 40 segundos. O suicídio é a décima
terceira maior causa de mortes no mundo. (ver anexo
Estatísticas). Entre pessoas com idade de 15 a 44
anos, os ferimentos auto-inflingidos são a quarta
maior causa de morte e a sexta maior origem de
problemas de saúde e incapacitação física (1).
As mortes por suicídio são apenas uma parte
desse sério problema. Além dos que morrem, muitos
sobrevivem aos atentados contra a própria vida e
às tentativas de ferir-se, o que é sério o bastante
para exigir cuidados médicos (2). Além disso, toda
pessoa que se suicida deixa para trás muitos outros
– familiares e amigos – cujas vidas são
profundamente afetadas emocional, social e
economicamente. Estima-se que os custos relativos
à morte auto-infligida sejam de bilhões de dólares
todos os anos (3).
Como é definido suicídio?
O comportamento suicida vai desde
simplesmente pensar em acabar com a vida até o
desenvolvimento de um plano para cometer o
suicídio e conseguir os meios de realizá-lo, ou seja,
tentando se matar até finalmente realizar o ato
(“suicídio completado”). O termo “suicídio” em si
traz uma referência direta à violência e à
agressividade. Aparentemente, Sir Thomas Browne
foi quem desenvolveu a palavra “suicídio” em seu
livro Religio Medici (1642). Médico e filósofo,
Browne baseou-se na palavra latina sui (si próprio)
e caedere (matar). O novo termo refletia o desejo de
distinguir entre o homicídio contra si próprio e o
contra uma outra pessoa (4).
Uma definição muito conhecida de suicídio é a
que aparece na edição de 1973 da Enciclopédia
Britânica, citada por Shneidman: “o ato humano de
infligir a si próprio o fim da vida”(5). Certamente,
em qualquer definição de suicídio, a intenção de
morrer é o elemento chave. Todavia, é extremamente
difícil reconstruir os pensamentos das pessoas que
cometem suicídio, a não ser que elas façam
declarações claras sobre suas intenções antes de
sua morte, ou deixem um bilhete de suicida. Nem
todos os que sobrevivem a um ato suicida pretendem
viver, e nem todas as mortes suicidas são planejadas.
Desta forma, estabelecer uma correlação entre a
intenção e a realização pode ser difícil. Em muitos
sistemas legais, se as circunstâncias forem
consistentes com o suicídio e a possibilidade de
assassinato, morte acidental ou morte por causas
naturais é eliminada, a morte é confirmada como
suicídio.
Existe muita discrepância a respeito da
terminologia mais apropriada a ser adotada para
descrever o comportamento suicida.
Recentemente, foi proposto um termo,
fundamentado no resultado, de “comportamento
suicida fatal” para atos suicidas que resultam em
morte e, similarmente, “comportamento suicida não
fatal” para atos suicidas que não resultam em morte
(6). Essas ações também são chamadas de
“tentativas de suicídio” (um termo comum nos
Estados Unidos), “parassuicídio” e “autolesão
deliberada” (termos que são comuns na Europa).
O termo “idéias suicidas” em geral é utilizado
na literatura técnica e refere-se ao pensamento de
matar-se, em vários graus de intensidade e
elaboração. Na literatura, o termo também se refere
à sensação de estar cansado da vida, uma crença
de que a vida não vale a pena, assim como o desejo
de não acordar do sono (7, 8). Embora esses
diferentes sentimentos – ou ideações – expressem
diferentes graus de gravidade, não existe
necessariamente um continuum entre eles.
Adicionalmente, a intenção de morrer não é
necessariamente um critério para o comportamento
suicida não-fatal.
Uma outra forma comum de violência autoinfligida
é a automutilação. Trata-se da destruição
direta e deliberada de partes do corpo sem a
intenção suicida consciente. Favazza (9) propôs
três categorias principais:
Automutilação grave – inclusive cegar-se e
auto-amputar-se dedos, mãos, braços,
membros, pés ou genitália.
Automutilação estereotipada – tal como
bater a cabeça, morder-se, bater no próprio
braço, cortar os olhos ou a garganta, ou
arrancar o cabelo.
Automutilação superficial a moderada –
como cortar-se, arranhar-se ou queimar a
pele, enfiar agulhas na pele ou arrancar os
cabelos compulsivamente.
A automutilação envolve fatores muito
diferentes oriundos de comportamento suicida e
não será discutida aqui. Para uma revisão extensa
a respeito da automutilação, consultar Favazza (9).
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184 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 185
Extensão do problema
Comportamento suicida fatal
Os índices nacionais de suicídio variam
consideravelmente (ver Tabela 7.1). Entre os países
que relatam seus índices à Organização Mundial de
Saúde, os índices mais elevados encontram-se nos
países do leste Europeu (por exemplo, Belarus 41,5
para cada 100 mil pessoas, Estônia 37,9 para cada
100 mil, a Federação Rússia 43,1 para cada 100 mil e
a Lituânia 51,6 para cada 100 mil). Índices elevados
de suicídio também são reportados no Sri Lanka (37
para cada 100 mil em 1996), com base em dados do
Escritório Regional da OMS para o sudeste da Ásia
(10). Índices inferiores são encontrados, sobretudo,
na América Latina (notadamente a Colômbia 4,5 para
cada 100 mil e o Paraguai 4,2 para cada 100 mil) e em
alguns países da Ásia (por exemplo, as Filipinas 2,1
para cada 100 mil e a Tailândia 5,6 para cada 100 mil).
Países de outras partes da Europa, América do Norte
e partes da Ásia e a região do Pacífico tendem a se
encaixar em algum ponto desses extremos (por
exemplo, Alemanha 14,3 para cada 100 mil, Austrália
17,9 para cada 100 mil, Bélgica 24,0 para cada 100
mil, Canadá 15,0 para cada 100 mil, Finlândia 28,4
para cada 100 mil, Estados Unidos 13,9 para cada
100 mil, França 20,0 para cada 100 mil, Japão 19,5
para cada 100 mil e Suíça 22,5 para cada 100 mil).
Infelizmente, há poucas informações disponíveis
sobre os índices de suicídio em países africanos.
(11).
Dois países, Finlândia e Suécia, têm dados sobre
os índices de suicídio desde o século XVIII e ambos
mostram um índice crescente de suicídio (12). Durante
o século XX, a Escócia, a Espanha, a Finlândia, a
Irlanda, a Noruega, os Países Baixos e a Suécia
apresentaram um aumento significativo dos índices
de suicídio, enquanto que a Inglaterra e País de Gales
(dados combinados), Itália, Nova Zelândia e Suíça
apresentaram uma redução importante. Não houve
mudanças significativas na Austrália (12). Durante
o período de 1960 -1990, pelo menos 28 países ou
territórios apresentaram números crescentes nos
índices de suicídio, inclusive a Bulgária, China
(Província de Taiwan), Cingapura, Costa Rica e
Maurício enquanto oito países apresentaram índices
decrescentes, inclusive Austrália, Inglaterra e País
de Gales (dados combinados) (12).
Os índices de suicídio não estão distribuídos
igualmente em toda a população. Um marcador
demográfico importante para o risco de suicídio é a
idade. No mundo todo, os índices de suicídio tendem
a aumentar com a idade, embora alguns países, como
o Canadá, tenham recentemente apresentado um
pico secundário entre pessoas jovens, com idade
entre 15 e 24 anos. A Figura 7.1 mostra os índices
globais registrados por idade e sexo em 1995. Os
índices variaram de 0,9 para cada 100 mil no grupo
etário entre 5 a 14 anos a 66,9 para cada 100 mil entre
pessoas com idade de 75 anos ou mais. No geral, os
índices de suicídio entre pessoas com 75 anos ou
mais são aproximadamente três vezes mais elevados
do que entre pessoas mais jovens, com idade entre
15 e 24 anos. Essa tendência é encontrada para
ambos os sexos, mas é mais evidente entre os
homens. Para as mulheres, os índices de suicídio
apresentam padrões diferentes. Em alguns casos,
os índices de suicídio entre as mulheres aumentam
consistentemente com a idade, em outros, o índice
apresenta seu pico com a idade mediana e, ainda, em
outros, sobretudo em países emergentes e em grupos
minoritários, os índices de suicídio em mulheres têm
seu pico entre as adultas jovens (13).
Embora os índices de suicídio sejam geralmente
mais elevados em pessoas mais velhas, devido a
distribuições demográficas o número absoluto de
casos registrados é ainda mais alto entre aqueles
com menos de 45 anos, (ver Tabela 7.2). Esta é uma
mudança notável em relação há 50 anos, quando o
número absoluto de casos de suicídio aumentava
pouco com a idade. Isto não se explica em termos
do envelhecimento geral da população global e, na
verdade, ocorre o contrário em relação a essa
tendência demográfica. Atualmente, os índices de
suicídio são mais elevados entre pessoas abaixo de 45
anos de idade, em comparação com as acima de 45
anos em aproximadamente um terço de todos os países,
e este é um fenômeno que parece estar presente em
todos os continentes, sem se correlacionar com níveis
de industrialização ou riqueza. Exemplos de países e
áreas em que os índices de suicídio (assim como em
números absolutos de casos) são mais elevados entre
pessoas abaixo de 45 anos do que entre as acima
dessa idade são Austrália, Barein, Canadá, Colômbia,
Equador, Guiana, Kuwait, Maurício, Nova Zelândia,
Sri Lanka e Reino Unido. Os índices de suicídio entre
jovens são elevados em várias Ilhas do Pacífico, como
Fiji (entre os de etnia Indiana) e Samoa, tanto entre
homens como mulheres (14).
Sexo, cultura, raça e etnia também são fatores
importantes na epidemiologia do suicídio. Os índices
de suicídio são mais elevados entre homens do que
entre mulheres. A proporção de suicídios entre
homens em relação às mulheres varia de 1,0:1 a 10,4:1
186 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
(ver Tabela 7.1).
Tal proporção parece ser influenciada, em parte, pelo
contexto cultural. Ela é relativamente baixa em partes
da Ásia (por exemplo, 1,0:1 na China, 1,5:1 em
Cingapura, 1,6:1 nas Filipinas), elevada em vários
países da antiga União Soviética (6,7:1 em Belarus,
6,2:1 na Lituânia) e muito elevada no Chile (8,1:1) e
Porto Rico (10,4:1). Em geral, parece ocorrerem cerca
de três suicídios masculinos para cada suicídio
feminino, sendo que isso é mais ou menos consistente
em diferentes grupos etários, com exceção de pessoas
em idade avançada, quando os homens tendem a
apresentar índices ainda mais elevados. De uma forma
geral, a diferença entre os sexos, em termos de índices
de suicídio, é menor em países asiáticos (15) do que
no resto do mundo. As diferenças, normalmente
grandes entre países e por sexo, mostram como é
importante para cada país monitorar suas tendências
epidemiológicas de forma a determinar os grupos
populacionais com o maior risco de suicídio.
Dentro de um mesmo país, a ocorrência de
suicídios entre os caucasianos é duas vezes maior
do que entre outras raças, embora os índices entre
afro-americanos tenham aumentado nos Estados
Unidos recentemente (2). Este padrão elevado entre
os caucasianos também foi observado na África do
Sul e no Zimbábue (16). Exceções a esse índice
elevado entre os caucasianos são encontradas nas
antigas repúblicas Soviéticas da
Armênia, Azerbaidjão e Geórgia (17).
Pessoas que pertencem a um
mesmo grupo étnico parecem
apresentar índices de suicídio
similares, como no interessante
exemplo de Estônia, Finlândia e
Hungria, que apresentam índices muito elevados,
embora a Hungria esteja geograficamente muito
distante da Estônia e Finlândia. Por outro lado,
grupos étnicos diferentes – mesmo quando vivendo
no mesmo local – podem ter índices de suicídio muito
diferentes. Em Cingapura, por exemplo, as pessoas
de etnia chinesa e os de etnia indiana apresentam
índices de suicídio muito mais elevados do que os
de etnia malaia (18). Normalmente, os índices de
suicídio são mais elevados em grupos indígenas,
por exemplo, em grupos indígenas da América do
Norte (21), Austrália (19) e China (Província de
Taiwan) (20) (ver Quadro 7.1).
Cuidados no uso de dados sobre o
suicídio
Varia muito entre os países a forma como todos
os tipos de mortes são registrados e, assim, comparar
índices de suicídio entre diferentes países torna-se
algo extremamente difícil. Mesmo naqueles países
que desenvolveram critérios padrão de registro,
como a Austrália, a maneira como esses critérios
são aplicados pode variar consideravelmente (24).
Às vezes podem ocorrer estimativas incorretas de
suicídio devido a circunstâncias simples, como data
Índices globais de suicídio por idade e sexo, 1995
FIGURA 7.1
Idade (anos)
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 187
de encerramento imposta pelo governo para as
estatísticas oficiais ou atrasos devido às exigências
do médico legista. Em Hong Kong SAR, China, por
exemplo, considera-se que as estimativas de
suicídios estão abaixo dos valores reais em
aproximadamente 5% a 18% unicamente por motivos
dessa natureza (25).
Em um determinado país, os índices de suicídio
registrados também podem variar de acordo com a
fonte dos dados. Por exemplo, na China, a estimativa
vai de 18,3 para cada 100 mil (dados da Organização
Mundial de Saúde), passando por 22 para cada 100
mil (dados do Ministério da Saúde), e chegando a
30 para cada 100 mil (estatística da Academia
Chinesa de Medicina Preventiva) (26).
Os dados relacionados à mortalidade por
suicídio geralmente subestimam a verdadeira
ocorrência do suicídio em uma população. Esses
dados são o produto final da cadeia de informações
que inclui as pessoas (geralmente familiares) que
encontram o corpo, médicos, policiais, médicos
legistas e estatísticos. Essas pessoas, por uma série
de motivos, podem relutar em chamar de suicídio
uma morte. Isto ocorre em locais onde
comportamentos religiosos e culturais condenam o
suicídio. Contudo, Cooper e Milroy (27) revelaram
um índice de 40% de suicídios encobertos em
registros oficiais em determinadas regiões da
Inglaterra. O suicídio pode ser mascarado para evitar
o estigma à pessoa que tirou sua própria vida e às
pessoas da família, por motivos de conveniência
social, razões políticas, para as pessoas poderem se
beneficiar de apólices de seguro, ou porque o
suicídio foi deliberadamente mascarado como um
acidente pela pessoa que o cometeu, por exemplo,
como um acidente rodoviário. O suicídio também
pode ser mal classificado como causa indeterminada
de morte, ou como causa natural, por exemplo,
quando pessoas – particularmente os idosos – deixam
de tomar os medicamentos que mantêm sua vida.
O suicídio pode não ser reconhecido oficialmente
quando usuários de drogas tomam uma overdose,
quando pessoas deixam deliberadamente de
alimentar-se (o que é denominado de “caquexia
suicida” (28)), ou quando as pessoas morrem algum
tempo depois da tentativa de suicídio. Nesses casos,
e também nos casos de eutanásia ou suicídio
assistido, oficialmente a causa clínica da morte, em
geral, é aquela registrada. Os casos não reportados
também podem relacionar-se à idade, com o
fenômeno sendo mais freqüente em pessoas idosas.
Apesar de todas essas limitações, tem-se
argumentado que as classificações dos índices
nacionais de suicídio são razoavelmente precisas.
Comportamento suicida não fatal e
idéias suicidas
Relativamente poucos países possuem dados
confiáveis sobre o comportamento suicida não-fatal,
sendo que o principal motivo é a dificuldade para se
coletarem informações a esse respeito. Somente uma
minoria dos que tentam o suicídio vão às clínicas
ou hospitais buscando cuidados médicos. Além
disso, em muitos países desenvolvidos, as
tentativas de suicídio são uma ofensa sujeita à
punição e, desta forma, os hospitais deixam de
registrar as ocorrências. Adicionalmente, em muitos
locais, os ferimentos não precisam ser relatados e
as informações referentes aos mesmos não são
coletadas em nenhum nível. Outros fatores também
podem influenciar os registros, como idade, método
utilizado para tentativa de suicídio, cultura e acesso
a serviços de saúde. Em resumo, na maioria dos
países, os índices de tentativas de suicídio não são
claramente conhecidos.
Existem evidências sugerindo que, em média,
apenas cerca de 25% dos que tentam um ato suicida
entram em contato com hospitais públicos
(possivelmente um dos melhores lugares para a
coleta de dados) (29, 30) e esses casos não são
necessariamente os mais graves. Os casos
registrados são, desta forma, apenas a ponta do
iceberg, e a grande maioria de suicidas permanece
no anonimato. (31). Várias instituições, inclusive
centros nacionais de controle e prevenção de
ferimentos, departamentos de estatística e, em vários
países, o departamento de justiça, mantêm registros
de acontecimentos não-fatais registrados nos
serviços de saúde. Estes registros fornecem dados
úteis para a finalidade de pesquisa e prevenção, pois
os que tentam o suicídio correm o risco subseqüente
de novo comportamento suicida, tanto fatal como
não-fatal. Representantes oficiais da saúde pública
também dependem dos dados de registros
hospitalares, pesquisas populacionais e outros
estudos, fontes que geralmente não detém
informações sobre os sistemas de dados de
mortalidade.
Os números disponíveis demonstram – tanto em
relação ao tamanho da população como em números
absolutos – que o comportamento suicida não fatal
é mais freqüente entre jovens do que entre pessoas
188 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 7.1
Nos últimos 20 ou 30 anos, os índices de suicídio aumentaram significativamente entre as populações
indígenas da Austrália e do Canadá. Na Austrália, o suicídio entre os aborígines e a população das ilhas
do estreito de Torres era algo considerado muito incomum. Um pouco mais de um quarto dessas pessoas
vive no estado de Queensland. O índice geral de suicídio em Queensland, no período de 1990 a 1995, foi
de 14,5 para cada 100 mil pessoas, enquanto que a taxa entre os aborígines e os habitantes das ilhas do
estreito de Torres foi de 23,6 para cada 100 mil.
Os suicídios entre os indígenas australianos estão concentrados, sobretudo, entre homens jovens.
Em Queensland, 84% de todos os suicídios de indígenas ocorreram entre homens jovens com idade
entre 15 e 34 anos, e o índice de homens indígenas entre 15 e 24 anos foi de 112,5 para cada 100 mil (22).
O método mais comum de suicídio entre homens jovens indígenas é o enforcamento.
No norte ártico do Canadá, o índice de suicídios entre os Inuit, relatado em vários estudos, ficou
entre 59,5 e 74,3 para cada 100 mil, contra cerca de 15,0 para cada 100 mil considerando-se a população
geral. Entre os Inuit, os homens jovens constituem o maior risco de suicídio, e esse índice vem aumentando.
Índices de 195 para cada 100 mil foram registrados entre os jovens com idade entre 15 e 25 anos (23).
Várias explicações foram apresentadas para as elevados índices de suicídio e comportamento suicida
entre as populações indígenas. Entre as causas propostas estão a enorme perturbação social e cultural
criada pelas políticas do colonialismo e as dificuldades desde então encontradas pelos povos indígenas
para se ajustar e integrar às sociedades modernas.
Na Austrália, até a década de 1960 os grupos aborígines foram sujeitos a leis rígidas e discriminação.
Quando essas leis, inclusive as restrições à venda de bebidas alcoólicas foram suspensas por um curto
período na década de 1970, as rápidas mudanças sociais que oprimiam as pessoas indígenas levaram à
instabilidade na vida comunitária e familiar. Essa instabilidade continua desde então, com elevados
índices de criminalidade, delinqüência e encarceramento, violência e acidentes, dependência alcoólica e
uso de substâncias e uma taxa de homicídios que é dez vezes maior do que a encontrada na população
em geral.
No ártico canadense, no início do século XIX, à medida que os primeiros estrangeiros – baleeiros e
comerciantes de pele – chegaram, as epidemias assolaram a região tirando dezenas de milhares de vidas
e, até 1900, reduzindo em dois terços o tamanho da população. No final de 1930, o comércio de peles tinha
sido extinto e o Canadá introduziu um sistema de bem-estar no Ártico. Nas décadas de 1940 e 1950 vieram
os missionários e houve uma tentativa de incorporar os Inuits. Uma explosão febril por petróleo teve
início em 1959, o que aumentou ainda mais a desintegração social.
Pesquisas realizadas acerca do suicídio entre os Inuits canadenses identificaram vários fatores como
causas indiretas do suicídio:
— pobreza;
— separação e perdas na infância;
— acesso às armas de fogo;- uso de bebida alcoólica e dependência;
— histórico de problemas de saúde pessoal ou familiar;
— histórico de abuso sexual ou físico.
Tanto na Austrália como no Canadá estão sendo empenhados esforços no intuito de se dar mais
atenção ao comportamento suicida entre as populações indígenas. Na Austrália, uma estratégia nacional
busca evitar o suicídio entre pessoas jovens através de vários programas voltados para os jovens
indígenas. Esses programas visam a administrar as necessidades específicas dos jovens indígenas e são
conduzidos em parceria com organizações que representam o interesse da população indígena, como o
Conselho de Coordenação Aborígine.
Medidas construtivas para se evitar a ocorrência de suicídio no Ártico canadense incluem melhores
respostas às crises, amplo e novo desenvolvimento comunitário e progresso em direção à
autogovernância das áreas indígenas. O novo e vasto território de Nunavut foi criado em 1o de abril de
1999, dando à população Inuit local a autodeterminação e devolvendo a eles alguns de seus direitos e
herança.
Suicídio entre povos indígenas: casos da Austrália e Canadá
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 189
mais velhas. A proporção de comportamento suicida
não fatal entre os que têm mais de 65 anos é
geralmente estimada em cerca de 1:2-3, enquanto
que, em pessoas jovens abaixo de 25 anos, essa
proporção pode atingir 1:100-200 (32, 33).
Embora o comportamento suicida seja menos
freqüente entre os mais velhos, a probabilidade de
um suicídio fatal é mais elevada entre eles (28, 34).
Em média, as tentativas de suicídio em pessoas de
idade são, em termos psicológicos e médicos, mais
graves, sendo que uma “falha” em uma tentativa de
suicídio é geralmente resultado do acaso. Além
disso, normalmente, os índices de comportamento
suicida não fatal tendem a ser 2 a 3 vezes mais
elevados em mulheres do que em homens. A
Finlândia é uma exceção a este padrão (35).
Dados extraídos de um estudo contínuo do
comportamento suicida fatal em 13 países mostram
que no período de 1989 a 1992 a média mais elevada,
padronizada por idade, de tentativas de suicídio em
homens foi encontrada em Helsinque, Finlândia (314
para cada 100 mil), e a taxa mais baixa (45 para cada
100 mil) foi encontrada em Guipúzcoa, Espanha –
uma diferença sete vezes menor (35). A média mais
elevada padronizada por idade para mulheres foi
encontrada em Cergy-Pontoise, França (462 para
cada 100 mil) e a taxa mais baixa (69 para cada 100
mil) foi novamente encontrada em Guipúzcoa.
Com apenas uma exceção, a de Helsinque, os
índices de tentativas de suicídio foram maiores entre
mulheres do que entre homens. Na maioria dos
centros, as maiores taxas de suicídio foram
encontradas entre grupos de jovens, enquanto que
os índices entre pessoas com 55 anos ou mais foram,
em geral, os menores. O método mais comum
utilizado foi o envenenamento, seguido de corte.
Mais da metade dos que tentaram o suicídio fizeram
mais de uma tentativa, sendo que aproximadamente
20% das segundas tentativas foram feitos num
período de 12 meses após a primeira.
Dados de uma amostragem longitudinal,
representativa de aproximadamente 10 mil
adolescentes com idade entre 12 e 20 anos, na
Noruega, mostraram que 8% tinham tentado uma
vez o suicídio e 2,7% tinham feito essa tentativa
durante os dois anos de duração do estudo. Análises
de regressão logística dos dados mostraram que
havia uma maior probabilidade de tentativa de
suicídio se a pessoa tivesse feito uma tentativa
anteriormente, se ela fosse do sexo feminino,
estivesse na puberdade, tivesse idéias suicidas,
consumisse álcool, não vivesse com ambos os pais
ou tivesse um nível de auto-estima baixo. (36).
As idéias suicidas são mais comuns do que a
tentativa de suicídio e o suicídio realizado (8).
Todavia, sua extensão ainda não é clara. Uma revisão
dos estudos publicados após 1985 sobre
populações de adolescentes (sobretudo entre
estudantes do ensino médio) sugeriu que 3,5% a
52,1% dos adolescentes relatam ter pensamentos
suicidas (31). É possível que essa ampla diferença
de porcentagem possa ser explicada pelo uso de
diferentes definições para idéias suicidas e por
diferentes períodos de tempo a que os estudos se
referiam. Existem evidências de que as mulheres,
inclusive na idade avançada, são mais suscetíveis
do que os homens de terem pensamentos suicidas
(37). No geral, a ocorrência de ideação de suicídio
entre adultos mais velhos de ambos os sexos foi
estimada entre 2,3% (para os que tiveram
pensamentos suicidas nas duas últimas semanas) e
17% (para os que sempre têm pensamentos suicidas)
(38). Todavia, comparada a outras formas de
comportamento suicida, as idéias suicidas podem não
ser um indicador muito bom de quais adolescentes
ou adultos necessitam mais de serviços preventivos.
Quais os fatores de risco para o
comportamento suicida?
O comportamento suicida tem um grande número
de causas subjacentes. Os fatores que colocam os
indivíduos em risco de suicídio são complexos e
interagem entre si. Identificar esses fatores e
compreender seu papel tanto no suicídio fatal como
no não-fatal é fundamental para evitarmos os
suicídios. Epidemiologistas e especialistas em
suicídio descreveram várias características
específicas que estão intimamente associadas a um
maior risco de comportamento suicida. Temos, além
de fatores demográficos, como idade e sexo, ambos
já mencionados anteriormente, entre outros, os
psiquiátricos, biológicos, sociais e ambientais, e
também os fatores relacionados ao histórico de vida
da pessoa.
Fatores psiquiátricos
A maior parte do que se conhece sobre risco
suicida provém de estudos em que os pesquisadores
entrevistaram um dos pais que sobreviveram ao ato,
ou outro parente próximo, ou amigo para identificar
acontecimentos específicos da vida e sintomas
psiquiátricos que uma vítima de suicídio tenha tido
190 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 7.2
QUADRO 7.2Depressão e suicídioA depressão é uma doença mental normalmente associada ao
suicídio. A ansiedade, uma força motriz poderosa no processo de suicídio, está intimamente ligada à
depressão e os dois tipos de transtorno são, às vezes, indistintos. Os estudos revelaram que até 80% das
pessoas que cometeram suicídio tiveram sintomas depressivos.
Pessoas de todas as idades podem sentir depressão. Todavia, ela é mais difícil de ser detectada em
homens que, em geral, buscam ajuda médica mais raramente do que as mulheres. A depressão em homens
é, às vezes, associada ao histórico de abuso ou violência, tanto dentro como fora da família. O tratamento
da depressão em homens é muito importante, pois em muitas culturas o suicídio é, em larga escala, um
fenômeno masculino.
Entre crianças e adolescentes, a natureza da depressão geralmente difere da que é encontrada em
adultos. Pessoas jovens deprimidas tendem a “mostrar sinais” – faltas às aulas, baixas notas, mau
comportamento, violência e abuso do álcool e drogas – e também tendem a dormir e comer mais. Ao
mesmo tempo, a recusa em comer e o comportamento anoréxico são freqüentemente encontrados na
depressão em jovens, especialmente entre as meninas, mas também entre os meninos. Estes transtornos
graves de apetite são, por si próprios, um maior risco de suicídio. A depressão tem outras manifestações
físicas, sobretudo em pessoas mais velhas, como doenças do estômago, tonturas, palpitações e dores
em várias partes do corpo. A depressão em pessoas mais velhas pode ser acompanhada de outras
doenças ou transtornos, tais como derrame, enfarto do miocárdio, câncer, reumatismo e mal de Parkinson
ou de Alzheimer.
Essa tendência para o suicídio pode ser reduzida se a depressão e a ansiedade forem tratadas.
Muitos estudos confirmaram os efeitos benéficos dos antidepressivos e de várias formas de psicoterapia,
sobretudo a terapia comportamental cognitiva. Fornecer um bom apoio psicossocial para as pessoas
mais velhas, inclusive o uso do telefone para contato com profissionais da área de saúde e outros,
também tem demonstrado ser uma boa maneira de se obter uma redução significativa da depressão e do
no número de mortes por suicídio entre as pessoas mais velhas.
Depressão e suicídio
nas semanas ou meses antes de morrer. Este tipo de
trabalho é conhecido como “autópsia psicológica”.
Por meio dessa abordagem, as pesquisas descobriram
que muitos adultos que cometeram suicídio exibiam
evidências, sinais ou sintomas anteriores que
sugeriam uma condição psiquiátrica, meses ou até
anos antes da morte. (39, 40). Alguns dos principais
fatores psiquiátricos ou psicológicos associados ao
suicídio são (41-48):
— depressão profunda;
— outros transtornos relacionados ao estado de
humor (afetivos), como transtorno afetivo bipolar
(uma condição caracterizada por períodos de
depressão que se alternam com períodos de
euforia, ou mania, e na qual os estados alterados
podem durar dias ou, até mesmo, meses);
— esquizofrenia;
— ansiedade e transtornos de conduta e
personalidade;
— impulsividade;
— um sentimento de falta de esperança.
A depressão desempenha um papel fundamental
no suicídio e considera-se que está envolvida em
aproximadamente 65 a 90% de todos os casos de
suicídio com patologias psiquiátricas (42).
Entre pacientes com depressão, o risco parece
ser mais alto quando esses pacientes não fazem o
tratamento corretamente por se considerarem não
tratáveis, ou assim serem considerados pelos próprios
especialistas (43) (ver Quadro 7.2). O risco de suicídio
durante toda a vida nos que são afetados por grandes
depressões com característica bipolares foi estimado
em cerca de 12 a 15% (44, 45), embora um novo e
recente exame dessa evidência tenha sugerido um
nível de risco muito menor (46).
A esquizofrenia é uma outra condição psiquiátrica
de elevada associação com o suicídio. O risco de
suicídio durante a vida em pessoas com esquizofrenia
é estimado em aproximadamente 10 a 12% (47). O
risco é particularmente mais elevado em pacientes
jovens do sexo masculino; pacientes em estágios
iniciais da doença, especialmente os que tinham bom
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 191
desempenho mental e social antes da manifestação
da doença; pacientes com recaídas crônicas e
pacientes com medo da “desintegração mental” (48).
Outros fatores, como a sensação de falta de
esperança e a falta de esperança propriamente dita,
também aumentam o risco de uma pessoa cometer
suicídio. Em um estudo longitudinal de 10 anos
realizado nos Estados Unidos, por exemplo, Beck et
al. (49) demonstraram a importância do sentimento
de falta de esperança como um dos grandes
indicadores do comportamento suicida. Esse estudo
sobre a falta de expectativas futuras identificou
corretamente 91% dos pacientes que mais tarde
cometeram suicídio.
O uso de álcool e drogas também desempenha
um papel importante em relação ao suicídio. Nos
Estados Unidos, pelo menos um quarto de todos os
suicídios envolvem o uso do álcool (50). O risco de
uma pessoa cometer o suicídio durante a vida entre
os que são dependentes do álcool não é muito menor
do que o que ocorre entre pessoas com transtornos
depressivos (50). Existem, todavia, muitas ligações
entre o uso do álcool e a depressão, e, em geral, é
difícil determinar qual dos dois está provocando a
condição. Por exemplo:
— O uso do álcool pode levar direta ou
indiretamente à depressão, por meio da sensação
de declínio e falha, sentida pela maioria das
pessoas que são dependentes do álcool.
— O abuso do álcool pode ser uma forma de
automedicação para aliviar a depressão.
— Tanto a depressão como o abuso do álcool
podem ser o resultado de estresses específicos
da vida de uma pessoa.
Entretanto, embora o suicídio entre os que sofrem
de transtornos depressivos aconteça no início do
histórico da doença, principalmente no grupo etário
entre 30 e 40 anos, o suicídio entre os que sofrem de
dependência alcoólica geralmente ocorre mais tarde.
Além disso, quando esse problema ocorre, ele traz
consigo outros fatores, como ruptura dos
relacionamentos, marginalização social, pobreza e o
início de uma deterioração física oriunda do abuso
crônico do álcool. Considera-se que o álcool e o uso
de drogas desempenham um papel de menor
relevância em casos de suicídio em partes da Ásia,
sendo que o mesmo não ocorre em outros locais. Em
um estudo sobre o suicídio entre adolescentes em
Hong Kong SAR, China, somente cerca de 5% dos
que cometeram suicídio tinham um histórico de álcool
e uso de drogas (51). Essa descoberta poderia explicar
a taxa relativamente baixa de suicídios entre
adolescentes na Ásia, exceto na China.
Um histórico de tentativa anterior de suicídio é
um dos mais importantes indicadores de
comportamento suicida fatal subseqüente (2). O risco
é maior no primeiro ano, e especialmente nos primeiros
6 meses, após a tentativa. Quase 1% das pessoas
que tentam suicídio morre dentro de um ano (52) e
cerca de 10% eventualmente se suicidam. As
estimativas de aumento de risco resultante de
histórico de tentativas anteriores variam de um estudo
para outro. Gunnell e Frankel, por exemplo, relatam
um aumento de 20 a 30 vezes no risco de suicídio em
comparação com a população em geral, o que é
consistente com outros estudos (53). Embora a
existência de uma tentativa anterior de suicídio
aumente o risco de que a pessoa venha a cometer
suicídio, a maioria dos que realmente o cometem não
fez uma tentativa anterior (24).
Indicadores biológicos e médicos
Um histórico familiar é um indicador importante
para o aumento de risco de suicídio. Para alguns
pesquisadores, esse histórico sugere que pode haver
um traço genético que predisponha algumas pessoas
a um comportamento suicida. Na verdade, dados
obtidos a partir de estudos sobre gêmeos e crianças
adotivas confirmam a possibilidade de que fatores
biológicos tenham um papel fundamental no
comportamento suicida. Estudos realizados com
gêmeos demonstraram que gêmeos monozigóticos,
que compartilham 100% de seus genes, apresentam
maior concordância em tentativas de suicídio e o
suicídio em si do que gêmeos dizigóticos, que
compartilham 50% de seus genes (54). Todavia, não
houve ainda estudos sobre gêmeos monozigóticos
criados separadamente – um pré-requisito para um
estudo com uma metodologia sólida – e nenhum estudo
sobre gêmeos controlou cuidadosamente os
transtornos psiquiátricos. Pode ser que o
comportamento suicida seja um transtorno
psiquiátrico herdado, em vez de haver uma
predisposição genética para o comportamento
suicida, e que esse transtorno faça com que seja mais
provável o comportamento suicida em indivíduos
relacionados.
As descobertas feitas a partir de um estudo de
controle de casos entre crianças adotadas mostraram
que os que cometeram suicídio tendiam a ter parenres
192 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
que cometeram suicídio (55). Esses suicidas eram
amplamente independentes da presença de um
transtorno psiquiátrico, sugerindo que existe uma
predisposição genética para o suicídio
independente de – ou possivelmente somada a –
graves transtornos psiquiátricos associados ao
suicídio. Outros fatores sociais e ambientais
provavelmente também interagem com o histórico
da família para aumentar o risco de suicídio.
Evidências adicionais que sugerem uma base
biológica para o suicídio se originam de estudos de
processos neurobiológicos que estão sujeitos a
condições psiquiátricas, inclusive as que
predispõem os indivíduos ao suicídio. Alguns
estudos, por exemplo, revelaram níveis alterados de
metabólitos de serotonina no fluído cerebrospinhal
de pacientes psiquiátricos adultos que cometeram
suicídio (56, 57). A serotonina é um neurormônio
importante que controla o humor e a agressão. Foi
demonstrado que níveis baixos de serotonina e
resposta inadequada a esses testes, que interferem
no metabolismo da pessoa, persistem durante algum
tempo depois de surtos da doença (58, 59). Um
funcionamento alterado desses neurônios que
contêm a serotonina no córtex pré-frontal do cérebro
pode ser a causa subjacente da incapacidade de
uma pessoa de resistir a impulsos e agir sob
pensamentos suicidas (60, 61).
O suicídio também pode ser o resultado de uma
doença grave envolvendo muita dor, especialmente
uma que cause incapaciades. A ocorrência de
doença nos que cometem suicídio é estimada em
pelo menos 25%, embora ela possa chegar a 80%
entre pessoas mais velhas que cometem suicídio
(62). Em mais de 40% dos casos, a doença física é
considerada um fator contribuinte importante para
o comportamento e a ideação suicida, especialmente
se houver também transtornos de humor e sintomas
depressivos (63). É compreensível que a idéia de
um sofrimento insuportável e a humilhação da
dependência possam levar pessoas a considerarem
pôr um fim a sua vida. Todavia, várias investigações
têm demonstrado que, na ausência de sintomas
psiquiátricos, as pessoas que sofrem de uma doença
física raramente cometem suicídio (42).
Acontecimentos da vida agindo como
fatores desencadeantes
Determinados acontecimentos da vida podem
servir como fatores desencadeantes do suicídio.
Acontecimentos específicos que um pequeno
número de estudos tentou relacionar ao suicídio são:
perdas pessoais, conflitos interpessoais, um
relacionamento rompido ou perturbado, problemas
legais ou relativos ao trabalho (64-67).
A perda de uma pessoa amada, quer seja através
do divórcio, separação ou morte, pode provocar
sentimentos profundos de depressão, especialmente
se a pessoa que morreu era um parceiro ou
extremamente íntima. Conflitos nos relacionamentos
interpessoais ocorridos no lar, locais de estudo ou
trabalho também podem liberar sentimentos de falta
de esperança e de depressão. Em um estudo feito
com mais de 16 mil adolescentes na Finlândia, por
exemplo, os pesquisadores descobriram uma
ocorrência muito grande de depressão e grave
ideação suicida entre os que eram maltratados na
escola e entre os que eram os perpetradores dos
maus tratos (68). Um estudo retrospectivo realizado
no sudoeste da Escócia controlando idade, sexo e
transtornos mentais revelou que conflito
interpessoal adverso pode estar associado ao
suicídio (69). Em um estudo englobando todos os
suicídios durante um período de 2 anos em Ballarat,
Austrália, os pesquisadores descobriram que
dificuldades sociais e pessoais estavam associadas
ao suicídio em mais de um terço dos casos (70). A
pesquisa também indicou uma maior probabilidade
de depressão e tentativa de suicídio entre vítimas
de violência entre parceiros íntimos (71-74).
Um histórico de abuso físico e sexual na infância
aumenta o risco de suicídio na adolescência e fase
adulta (75-77). Humilhação e vergonha são
freqüentemente sentidas pelas vítimas de abuso
sexual (2). As pessoas que foram vítimas de abusos
durante a infância e adolescência geralmente não
sentem confiança nos relacionamentos
interpessoais e têm dificuldade para manter esses
relacionamentos. Essas pessoas apresentam
dificuldades sexuais persistentes e sensações
intensas de inadequação e inferioridade.
Pesquisadores na Holanda examinaram, em 1490
estudantes adolescentes, a relação existente entre
abuso sexual e comportamento suicida, e
descobriram que os que tinham sofrido abuso
apresentavam comportamento suicida e outros
problemas emocionais e comportamentais mais
significativos do que os adolescentes que não
tinham sido vítimas de abuso (78). Um estudo
longitudinal de 17 anos, realizado entre 375 pessoas
nos Estados Unidos, descobriu que 11% relataram
ter sido vítimas de abuso físico ou sexual antes de
18 anos de idade. Pessoas com idade entre 15 e 21
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 193
anos que tinham sofrido abuso apresentavam
comportamento suicida, depressão, ansiedade,
desordens psiquiátricas e outros problemas
emocionais e comportamentais mais do que os que
não tinham sofrido abuso. (79).
A orientação sexual também pode estar
relacionada a um maior risco de suicídio em
adolescentes e jovens adultos (80, 81). Estima-se
que a ocorrência de suicídio entre gays e lésbicas
jovens, por exemplo, varie de 2,5% a 3,0% (82, 83).
Os fatores que podem contribuir para o suicídio e
tentativas de suicídio incluem a discriminação,
estresse nos relacionamentos interpessoais, drogas
e álcool, ansiedade em relação a HIV/AIDS e recursos
de apoio limitados (84, 85).
O fato de se ter em um relacionamento matrimonial
estável, por outro lado, parece, em geral, ser um fator
“de proteção” contra o suicídio. As
responsabilidades pela educação das crianças também
são um elemento adicional de proteção (86). Estudos
sobre a relação entre estado civil e suicídio revelam
índices elevados de suicídio entre solteiros e pessoas
que nunca se casaram nas culturas ocidentais, índices
ainda maiores entre as pessoas viúvas e alguns dos
índices mais altos já encontrados entre pessoas que
eram separadas ou divorciadas (87, 88). Esse último
fenômeno é particularmente evidente entre os homens,
especialmente nos primeiros meses após a perda ou
separação (89).
De acordo com alguns estudos (90, 91), uma
exceção ao efeito normalmente protetor do casamento
é o fato de que os que se casam cedo (antes de 20
anos de idade) apresentam índices mais elevados de
comportamento suicida do que seus correspondentes
não casados. Além disso, o casamento não é protetor
em todas as culturas. Índices mais elevados de
comportamento suicida fatal e não fatal foram
relatados entre mulheres casadas no Paquistão em
relação a homens casados e mulheres solteiras (92,
93). Isto pode ocorrer porque a discriminação social
e legal cria uma carga psicológica que predispõe as
mulheres ao comportamento suicida (92). Índices
mais elevados de suicídio também foram registrados
entre mulheres casadas acima de 60 anos de idade em
Hong Kong SAR, China, em relação a mulheres viúvas
e divorciadas no mesmo grupo etário (90).
Se de um lado os problemas de relacionamentos
interpessoais aumentam o risco de comportamento
suicida, o isolamento social também pode ser um fator
desencadeante do comportamento suicida. O
isolamento social provocaria, de acordo com os
conceitos de Durkheim, o suicídio “egoísta” ou
“anômico” (94), ambos relacionados à idéia de
interação social inadequada. Uma grande parte da
literatura sugere que indivíduos que experimentam o
isolamento em suas vidas são mais vulneráveis ao
suicídio do que os que têm fortes elos sociais com
outras pessoas (95-98). Depois da morte da pessoa
amada, por exemplo, uma pessoa pode tentar o suicídio
se, durante o período de luto, houver apoio
insuficiente por parte das pessoas que são íntimas
da pessoa enlutada.
Em um estudo comparativo sobre o
comportamento social entre grupos de pessoas que
tentaram o suicídio, pessoas que cometeram o suicídio
e pessoas que morreram de causa natural, Maris (99)
descobriu que os que cometeram o suicídio
participavam menos da organização social, geralmente
não tinham amigos e tinham demonstrado um declínio
progressivo nos relacionamentos interpessoais,
levando a um estado de total isolamento social.
Estudos de autópsias psicológicas mostram que o
isolamento social freqüentemente precede o ato
suicida (99). Isto também foi mostrado em um estudo
feito por Negron et al. (100) que descobriram que as
pessoas que tentavam o suicídio tinham mais
tendência a se isolarem durante uma fase aguda
suicida do que aquelas com ideação suicida. Wenz
(101) identificou a anomia – o sentimento de
alienação da sociedade causado pela sensação de
ausência de uma estrutura social de apoio – como um
fator de comportamento suicida em viúvas,
juntamente com um isolamento social real e esperado.
Com freqüência, o isolamento social tem sido
identificado como um fator contribuinte para idéias
suicidas entre os idosos (102, 103). Um estudo sobre
tentativas de suicídio entre adolescentes abaixo de
16 anos de idade que tinham sido encaminhados a
um hospital geral mostrou que os problemas mais
freqüentes em um comportamento suicida eram
dificuldades de relacionamento com os pais,
problemas com os amigos e isolamento social (104).
Fatores sociais e ambientais
A pesquisa identificou uma série de importantes
fatores sociais e ambientais relativos ao
comportamento suicida. Entre eles, encontramos
fatores muito diversos, como a disponibilidade de
meios para o suicídio, local de residência de uma
pessoa, status de residência ou imigração, afiliação
religiosa e condições econômicas.
194 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Método escolhido
O método escolhido é um fator importante para
determinar se o comportamento suicida será fatal ou
não. Nos Estados Unidos, revólveres são usados em
aproximadamente dois terços de todos os suicídios
(105). Em outras partes do mundo, o enforcamento é
o mais comum, seguido do uso de revólver, pular de
alturas e afogamento. Na China, a intoxicação por
pesticida é o método mais comum (106, 107).
Nas duas últimas décadas, em alguns países como
a Austrália, houve um aumento significativo de
enforcamentos como um meio de suicídio,
especialmente entre pessoas mais jovens, seguido
de uma diminuição correspondente do uso de armas
de fogo (108). No geral, pessoas mais velhas tendem
a adotar métodos que envolvam menos força física,
como afogamento e pular de alturas. Isto foi
observado, sobretudo, em Hong Kong SAR, China,
e Cingapura (18). Em quase todos os lugares, as
mulheres tendem a adotar métodos mais “suaves”,
como por exemplo, doses muito altas de
medicamentos, tanto em tentativas de suicídio fatais
como não fatais (35). Uma notável exceção a isto é a
prática de auto-imolação encontrada na Índia.
Sem levar em conta idade e sexo, a escolha do
método de suicídio pode ser influenciada por outros
fatores. No Japão, por exemplo, continua a ocorrer a
prática tradicional de imolação com uma espada,
também conhecida como hara-kiri. Sabe-se que,
especialmente entre os jovens, ocorre a imitação do
método de suicídio relacionado à morte de uma
celebridade (109-111). Em geral, a letalidade do
método escolhido está relacionada ao quão
determinada pessoa está a se matar. Pessoas mais
velhas, por exemplo, normalmente expressam uma
determinação maior a morrer do que outras pessoas e
tendem a escolher métodos mais violentos, como dar
um tiro em si própria, pular de alturas ou enforcar-se,
que deixam menos possibilidades de a pessoa ser
salva do ato (112).
Diferenças entre áreas urbanas e rurais
Normalmente, existem grandes disparidades nos
índices de suicídio entre as áreas urbanas e rurais.
Em 1997, nos Estados Unidos, por exemplo, o distrito
de Manhattan em Nova York registrou 1372 suicídios,
um número três vezes maior do que o de grandes
áreas rurais do estado de Nevada (411), mas no
estado de Nevada, o índice foi mais de três vezes
superior ao índice registrado no estado de Nova York
(24,5 para cada 100 mil – o índice mais elevado dos
Estados Unidos – contra 7,6 para cada 100 mil) (113).
Diferenças semelhantes entre áreas rurais e urbanas
também foram registradas na Austrália (114), e em
países europeus como a Inglaterra e País de Gales
(dados combinados) e na Escócia, onde os índices
elevados de suicídio aparecem entre os fazendeiros
(115). Os índices de suicídio entre mulheres em áreas
rurais da China também são mais elevados do que os
de áreas urbanas (26).
Os motivos para índices mais elevados em muitas
áreas rurais são o isolamento social e a maior
dificuldade em detectar os sinais de aviso
relacionados ao suicídio, o acesso limitado a médicos
e às instituições de saúde, e níveis de educação mais
baixos. Os métodos de suicídio utilizados nas áreas
rurais também são diferentes dos utilizados em áreas
urbanas. Nas comunidades rurais da Europa Oriental
e partes do sudeste da Ásia, a disponibilidade de
herbicidas e pesticidas os torna escolhas populares
para a finalidade do suicídio. O mesmo ocorre em
Samoa, onde o controle da venda do herbicida
paraquat* levou a uma diminuição no número de
suicídios (116). Em comunidades rurais da Austrália,
onde é comum a posse de armas, um dos métodos de
suicídio normalmente registrado é atirar em si próprio
(114).
Imigração
O impacto da imigração sobre os índices de
suicídio foi estudado em países como a Austrália,
Canadá e Estados Unidos, todos eles apresentando
uma grande mistura de grupos étnicos. Nesses países,
o índice de comportamento suicida em um dado grupo
imigrante foi relatado como sendo semelhante ao
encontrado no país de origem desses imigrantes. Na
Austrália, por exemplo, imigrantes da Grécia, Itália e
Paquistão apresentam menores índices de suicídio
do que os de imigrantes de outros países da Europa
Oriental ou da Irlanda e Escócia, países que
tradicionalmente possuem índices elevados de
suicídio (117) (ver também Tabela 7.3). Isto sugere
que no comportamento suicida existe um forte
componente relacionado a fatores culturais.
Emprego e outros fatores econômicos
Vários estudos mostraram índices mais elevados
de suicídio durante períodos de recessão econômica
e desemprego elevado (119-123) e o contrário também
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 195
foi demonstrado. Em um estudo que examinou o
impacto de fatores econômicos no suicídio na
Alemanha, Weyerer e Wiedenmann (122)
investigaram o efeito de quatro variáveis econômicas
e sua relação com os índices de suicídio no período
de 1881 a 1989. A correlação mais forte foi encontrada
durante épocas de desintegração social, quando
havia níveis elevados de desemprego, baixos níveis
de bem-estar social ou proteção e elevados riscos
de falência. Uma investigação preliminar dos índices
de suicídio acima da média encontrados na bacia do
Kutznetsk, Federação Russa, entre 1980 e 1995, citou
a instabilidade econômica, a desintegração da antiga
União Soviética e outros fatores históricos
específicos como possíveis fatores contribuintes
(123). Ao relatar suas visitas à Bósnia-Herzegóvina,
Berk (124) descreveu um índice maior do que o
esperado, e também dependência alcoólica entre
crianças. Embora elas tivessem sobrevivido às
ameaças mais imediatas do conflito armado durante
o período de 1992 a 1995, essas crianças tinham
sucumbido ao estresse em longo prazo. No Sri Lanka,
a comunidade tâmil, que tem uma longa história de
violência e instabilidade política e econômica,
apresenta elevados índices de suicídio. Já a
comunidade cingalesa, que há 20 anos apresentava
baixos índices de suicídio, agora registra índices
elevados. Isto demonstra claramente uma associação
íntima entre suicídio, violência social e colapso
social.
No nível industrial, o comportamento suicida é
mais freqüente entre desempregados do que entre
empregados (119, 125, 126). Pobreza e baixo nível
social, ambos resultantes do desemprego,
geralmente parecem estar associados ao aumento
do comportamento suicida,
especialmente quando o emprego
foi perdido repentinamente. As
pesquisas nesta área, todavia,
apresentam algumas limitações.
Elas, por exemplo, nem sempre
levam em consideração a duração
do desemprego. As pessoas que
esperam pelo primeiro emprego
são, às vezes, agrupadas com
outros que perderam seus
empregos. Além disso, as
condições psiquiátricas e os
transtornos de personalidade têm
sido ignorados. (127, 128).
Religião
A religião é há muito tempo considerada um fator
importante no comportamento suicida. Uma pesquisa
apresentou uma classificação aproximada de países
por afiliação religiosa, em ordem descendente de
índices de suicídio, como segue:
· Países em que as práticas religiosas são proibidas
ou fortemente desencorajadas (como no caso de
países comunistas da Europa Oriental e da antiga
União Soviética).
· Países em que predominam o budismo, o
hinduismo ou outras religiões asiáticas.
· Países em que muitas pessoas são protestantes.
Países que são predominantemente católicos
romanos.
· Países que são predominantemente
muçulmanos.
A Lituânia é uma notável exceção a esse padrão.
O país sempre foi extremamente católico, mesmo
quando fazia parte da União Soviética, com muita
atividade religiosa e uma forte influência da igreja.
Todavia, seus índices de suicídio eram e continuam
sendo extremamente elevados. A classificação
aproximada fornecida acima obviamente não leva em
conta dados referentes ao fato de as pessoas
realmente acreditarem e seguirem sua religião (129).
A classificação também não inclui o animismo,
sobretudo na África, pois geralmente são
desconhecidos os índices de suicídio entre os que
seguem os credos animistas.
Durkheim acreditava que o suicídio se originava
de uma falta de identificação com um grupo unitário e
postulava que os índices de suicídio deveriam ser
menores onde houvesse um alto nível de integração
196 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
religiosa. Desta forma, ele argumentou que as práticas
e crenças religiosas compartilhadas, como as
associadas ao catolicismo, são fatores de proteção
contra o suicídio (94). Alguns estudos que testaram
a hipótese de Durkheim tendem a apoiá-lo (130, 131).
Outros estudos, todavia, não encontraram uma
associação entre a proporção de católicos romanos
em uma população e os índices de suicídio (132,
133). Um estudo desenvolvido por Simpson e Conlin
(134) sobre a importância da religião mostrou que a
crença no islamismo reduz os índices de suicídio mais
do que a crença no cristianismo.
Alguns estudos tentaram usar a freqüência à
igreja e a extensão das redes religiosas como uma
medida da fé religiosa, e procuraram, então, associá-
las aos índices de suicídio. Suas descobertas sugerem
que a freqüência à igreja exerce uma influência
preventiva forte (135), com o grau de
comprometimento em relação a uma religião em
particular sendo um inibidor de suicídios (136). Da
mesma forma, um estudo feito por Kok (137)
examinou os índices de suicídio entre três grupos
étnicos de Cingapura. A conclusão foi que
apresentavam os menores índices de suicídio aqueles
de etnia malaia, seguidores sobretudo do islamismo,
que se opõe radicalmente ao suicídio. Ao mesmo
tempo, os de etnia indiana apresentavam o maior
índice de suicídio na ilha. As pessoas de etnia indiana
de Cingapura geralmente seguem o hinduismo, uma
fé que acredita na reencarnação e não proíbe
radicalmente o suicídio. Um outro estudo que
examinou as diferenças entre afro-americanos e
populações caucasianas nos Estados Unidos revelou
que o índice menor de suicídios entre os afroamericanos
podia ser atribuído a uma maior devoção
pessoal à religião (138).
Sumário
Os fatores de risco para o comportamento suicida
são numerosos e interagem entre si. O fato de saber
que os indivíduos têm uma predisposição para o
suicídio e poder confrontar a combinação de fatores
de risco são elementos que podem ajudar a localizar
os que mais precisam de esforços de prevenção.
A existência de fatores de proteção fortes o
suficiente, mesmo na presença de vários fatores de
risco, como uma grande depressão, esquizofrenia,
uso do álcool ou perda de uma pessoa amada, pode
evitar que se desenvolvam condições para idéias
suicidas ou o comportamento suicida no indivíduo.
O estudo relacionado aos fatores de proteção ainda
está engatinhando. Para que haja um progresso real
nas pesquisas relacionadas ao suicídio e sua
prevenção, é preciso haver um conhecimento muito
maior sobre os fatores de proteção a fim de se
estabelecer relações entre os progressos feitos nas
décadas recentes sobre a compreensão e a
predisposição e os fatores desencadeantes do
suicídio.
Além das observações de Durkheim sobre
casamento e religião, várias outras investigações
fornecem dados sobre as funções de proteção
relativas a parentesco (139), apoio social e
relacionamento familiar (36, 140-142), auto-estima
(143) e repressão do ego (144). Outros estudos
estabelecem relações diretas entre os riscos e os
fatores de proteção, na tentativa de prever o
comportamento suicida. Em um desses estudos, uma
pesquisa sobre índios americanos e jovens nativos
do Alaska, Borowsky et al. (145) revelaram que
enfocar fatores de proteção, como bem-estar
emocional e ligações familiares e de amizade, era tão
eficaz ou mais eficaz do que tentar reduzir os fatores
de risco na prevenção do suicídio. O estudo de fatores
de proteção parece ser um campo promissor para
pesquisas futuras.
O que pode ser feito para evitar o
suicídio?
Com o aumento geral de comportamentos suicidas
entre pessoas jovens, existe uma grande necessidade
de intervenções efetivas. Como já foi visto, existe um
grande número de fatores de risco possíveis para
comportamentos suicidas e as intervenções, em geral,
baseiam-se no conhecimento desses fatores. Embora
muitas intervenções já existam há um tempo
considerável, poucas demonstraram um efeito
significativo na redução do comportamento suicida
ou têm produzido resultados sustentáveis no longo
prazo (146).
Abordagens de tratamento
Tratamento de transtornos mentais
Pelo fato de muitos dos materiais publicados e a
experiência clínica terem demonstrado que vários
transtornos mentais estão bastante associados ao
suicídio, uma estratégia importante para se evitar o
suicídio é a identificação precoce e o tratamento
adequado desses transtornos. Particularmente
relevantes aqui são os transtornos relacionados aos
estados emocionais (humor), à dependência e ao
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 197
abuso do álcool e outras drogas, à esquizofrenia e
certos tipos de transtorno da personalidade.
Há evidências de que instruir os profissionais
responsáveis por cuidados médicos para
diagnosticarem e tratarem pessoas com transtornos
emocionais pode ser uma maneira eficiente de
reduzirem-se os índices de suicídio entre as pessoas
de risco. Além disso, uma nova geração de
medicamentos para o tratamento de transtornos
emocionais e transtornos esquizofrênicos, que
apresentam poucos efeitos colaterais e perfis
terapêuticos mais específicos do que os utilizados
anteriormente, parece melhorar a continuidade dos
tratamentos por parte dos pacientes e levar a melhores
resultados, reduzindo assim a probabilidade de
comportamentos suicidas nesses pacientes.
Farmacoterapia
A farmacoterapia foi examinada pela sua eficácia
nos processos neurobiológicos que são associados
a determinadas condições psiquiátricas, inclusive as
que se relacionam ao comportamento suicida. Verkes
et al. (147), por exemplo, mostraram que a substância
paroxetina pode ser eficiente na redução do
comportamento suicida. O motivo para a escolha da
paroxetina foi que o comportamento suicida tem sido
associado a uma redução da função da serotonina. A
paroxetina é conhecida como um inibidor seletivo da
reabsorção de serotonina (selective serotonin
reuptake inhibitor -SSRI) e desta forma aumenta a
disponibilidade de serotonina para a transmissão
neural de sinais. Em um estudo experimental, realizado
no período de um ano, no qual os pesquisadores e os
pacientes não sabiam que os pacientes estavam
recebendo o medicamento ativo, foram comparados
a paroxetina e um placebo em pacientes que tinham
histórico de tentativas de suicídio e tinham tentado o
suicídio recentemente. Esses pacientes não haviam
sofrido uma grande depressão, mas a maioria
apresentava um “transtorno de personalidade grupo
B” (que abrange transtornos de personalidade antisocial,
narcisista, borderline e histriônica). Os
resultados demonstraram que, ao melhorar a função
da serotonina através do SSRI, neste caso a
paroxetina, em pacientes com um histórico de
tentativas de suicídio – mas não nos que sofriam de
uma grande depressão – pôde-se reduzir o
comportamento suicida.
Abordagens comportamentais
Embora muitos tratamentos focalizem
principalmente o transtorno mental e assumam que
uma melhoria nos transtornos levará a redução do
comportamento suicida, outras abordagens visam
diretamente ao comportamento (148). De acordo com
essa abordagem, muitas intervenções foram
desenvolvidas, algumas das quais são discutidas
abaixo.
Terapia comportamental
Nas intervenções comportamentais, um
profissional da área de saúde mental conduz sessões
de terapia com o paciente, discutindo o
comportamento suicida anterior, o atual e também os
pensamentos suicidas. Por meio de perguntas de
sondagem, procura-se estabelecer conexões com os
possíveis fatores subjacentes (148). Resultados
preliminares sobre a eficácia deste tipo de tratamento
são promissores, embora não existam ainda respostas
conclusivas.
Um estudo realizado em Oxford, Inglaterra,
examinou pacientes de alto risco com múltiplas
tentativas de suicídio, em idades de 16 a 65 anos, que
tinham sido encaminhados a uma unidade de
emergência após tomarem uma overdose de
antidepressivos (149). Os pacientes receberam o
tratamento padrão para tentativas de suicídio ou o
tratamento padrão juntamente com uma intervenção
rápida “voltada para o problema”, uma forma de
psicoterapia em curto prazo que enfocava o problema
que o paciente identificava como o mais problemático.
Seis meses após o tratamento, o estudo constatou
um benefício importante para o grupo experimental
(os que recebiam a intervenção juntamente com o
tratamento padrão) em termos de redução dos índices
de repetição de tentativas de suicídio. Infelizmente,
essa diferença deixou de ser importante quando os
pacientes foram reavaliados após dezoito meses.
Um estudo realizado nos Estados Unidos (150)
examinou a eficácia de uma terapia comportamental
dialética em pacientes que apresentavam transtornos
de personalidade borderline, disfunções
comportamentais múltiplas, transtornos mentais
significativos e um histórico de tentativas de suicídio.
A terapia comportamental dialética é um tratamento
destinado a pacientes crônicos de suicídio. Ela utiliza
a análise comportamental e uma estratégia de solução
de problemas. Durante o primeiro ano de tratamento,
os pacientes que tinham recebido a terapia
apresentaram menos tentativas de suicídio do que
198 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
os que tinham recebido o tratamento padrão.
Um outro estudo realizado nos Estados Unidos
(151), que adotou uma abordagem de terapia
comportamental, estudou pacientes com um histórico
de tentativa de suicídio. A meta era ver se eles
apresentavam um “déficit em pensar num futuro
positivo”, ou seja, se eles não tinham esperanças e
expectativas para o futuro. Nesse caso, o estudo
procurava verificar se esse déficit podia ser alterado
por intermédio de uma intervenção psicológica breve
conhecida como “terapia comportamental cognitiva
assistida por manual” (manual-assisted cognitive
behaviour therapy -MACT). Neste tipo de
intervenção, o problema é trabalhado através da
orientação de um manual, de forma a padronizar o
tratamento. Os pacientes foram selecionados
aleatoriamente para receberem o MACT ou o
tratamento padrão contra tentativas de suicídio e
foram então reavaliados após seis meses. O estudo
constatou que os pacientes com um histórico de
tentativas de suicídio demonstravam menos
esperança e tinham poucas expectativas positivas
em relação ao futuro comparados ao grupo
correspondente de controles da comunidade. Após
a intervenção do MACT, as expectativas melhoraram
consideravelmente, enquanto que os que receberam
o tratamento padrão apresentaram melhoras pouco
significativas.
Cartões verdes
O cartão verde [green card] é uma intervenção
relativamente simples. O cliente recebe um cartão que
lhe dá acesso direto e imediato a uma série de opções,
como ligação para um psiquiatra ou hospitalização.
Embora não tenha provado ser uma intervenção
eficiente, o cartão verde parece ter algum efeito
benéfico para os que consideram o suicídio pela
primeira vez (152, 153).
Um estudo recente utilizou o cartão verde com
pacientes que tinham tentado o suicídio pela primeira
vez e em pacientes com um histórico de tentativas de
suicídio (154). Os participantes do estudo foram
aleatoriamente encaminhados aos grupos de controle
que receberam apenas o tratamento padrão para
tentativas de suicídio e para grupos experimentais
que receberam o tratamento padrão e o cartão verde.
O cartão verde oferecia, para momentos de crise,
consulta telefônica 24 horas com um psiquiatra. O
efeito do cartão verde foi diferente nos dois tipos de
grupos experimentais. Ele apresentou um efeito de
proteção nos que tinham tentado suicídio pela
primeira vez (embora estatisticamente não
significativo), mas não surtiu qualquer efeito nos que
tinham feito tentativas anteriores de suicídio. Pode
ser que, no estudo, sozinho, o apoio telefônico
oferecido pelo cartão verde não tenha sido suficiente
e que o cartão devesse fornecer acesso fácil a outros
serviços de apoio para momentos de crise.
Uma outra intervenção, que opera na Itália,
baseada no princípio da conectividade, fácil acesso
e disponibilidade de ajuda, é o serviço Tele-Help/
Tele-Check para pessoas idosas (155). O Tele-Help
é um sistema de alarme que o cliente pode ativar para
solicitar ajuda. O serviço Tele-Check entra em contato
com os clientes duas vezes por semana para verificar
suas necessidades e oferecer apoio emocional. Em
um estudo, 12.135 pessoas com idade de 65 anos ou
mais receberam o serviço Tele-Help/Tele-Check
durante quatro anos (155). Durante esse período,
houve apenas um suicídio no grupo, comparado a
uma estatística esperada de sete (156).
Abordagens de relacionamento
Sabe-se que a suscetibilidade ao suicídio está
relacionada aos relacionamentos sociais que uma
pessoa tem: quanto maior o número de
relacionamentos sociais, em geral, menor é a
suscetibilidade ao suicídio (156). Várias intervenções
buscam melhorar os relacionamentos sociais para
reduzir o comportamento de tentativas repetidas de
suicídio. A abordagem geral visa a explorar o problema
em diferentes áreas da vida social do paciente e ajudar
o terapeuta a acompanhar esses problemas. Embora
a meta principal seja prevenir a recorrência do
comportamento suicida, a melhoria dos
relacionamentos sociais é, por si só, também
considerada importante.
Pesquisas sobre a eficácia das abordagens de
relacionamento não demonstraram um benefício
positivo em termos de reduzir o comportamento
suicida. Todavia, a abordagem tem demonstrado
melhorar os relacionamentos sociais.
Intervenções psicossociais
Litman e Wold (156) investigaram um método
particular conhecido como “manutenção contínua dos
relacionamentos” (continuing relationship
maintenance – CRM). Nesse método, o conselheiro
se aproxima ativamente da pessoa suicida e tenta
manter um relacionamento constante com ela. Um
total de 400 pessoas que apresentam um alto risco de
suicídio passou pelo programa, em média por 18
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 199
meses, sendo encaminhadas para o grupo
experimental (CRM) ou para um grupo de controle.
No grupo de controle, os pacientes receberam um
aconselhamento contínuo e tiveram de entrar por si
próprios em contato com o seu conselheiro. A
intervenção não conseguiu reduzir a ideação de
suicídio, as tentativas de suicídio ou os suicídios
realizados. Todavia, uma série de metas intermediárias
foi alcançada, com o grupo CRM mostrando melhorias
significativas em relação ao grupo de controle. Essas
melhorias incluíam menos solidão, relacionamentos
íntimos mais satisfatórios, menos depressão e maior
confiança na utilização de serviços comunitários.
Em pacientes que tinham feito uma tentativa de
suicídio anterior, Gibbons et al. (157) compararam a
eficácia do “estudo de caso centralizado em tarefa”
(“task-centered casework”) – um método de solução
de problemas que enfatiza a colaboração entre um
paciente e uma assistente social em torno de assuntos
relacionados à vida diária -, com o tratamento padrão.
Não houve diferenças no índice de tentativas
repetidas de suicídio entre os dois grupos, mas,
comparado ao grupo de controle, o grupo do estudo
de caso centralizado em tarefas conseguiu lidar
melhor com os problemas sociais.
Em um estudo desenvolvido por Hawton et al.
(158), 80 pacientes que haviam tomado uma overdose
receberam aconselhamento ou foram encaminhados
de volta ao seu clínico geral com recomendações de
cuidados adicionais. Novamente, não houve
diferença estatística nos índices de tentativas
repetidas de suicídio, mas parece ter havido um certo
grau de benefício para o grupo de pacientes externos
quando avaliados quatro meses mais tarde. Uma
proporção maior do grupo de pacientes externos, em
relação ao segundo grupo, apresentou melhorias de
ajuste social, ajuste matrimonial e relacionamentos
com suas famílias. O aconselhamento pareceu
benéfico, sobretudo, para mulheres e pacientes com
problemas que envolviam o relacionamento um-a-um,
como marido-mulher, pai-filho ou supervisorfuncionário.
Esforços baseados na comunidade
Centros de prevenção contra o suicídio
Além das intervenções antes descritas, para
pessoas que apresentam um comportamento suicida,
há serviços comunitários voltados para a saúde
mental. Um centro de prevenção do suicídio destinase
a servir como um centro de atendimento a crises,
oferecendo ajuda imediata, geralmente por telefone,
mas existem também programas de aconselhamento
face-a-face e um tipo de trabalho que vai até o
paciente.
Dew et al. (159) realizaram uma revisão literária
quantitativa da eficácia dos centros de prevenção do
suicídio e não encontraram um efeito geral, quer
positivo ou negativo, em relação aos índices de
suicídio. As limitações metodológicas do estudo em
questão, todavia, tornam difícil chegar-se a uma
conclusão definitiva. Os autores não acharam que a
proporção de suicídios entre clientes que
participavam de centros de prevenção era maior do
que a proporção de suicídios na população em geral
e que os indivíduos que levaram a cabo o suicídio
tinham mais chance de terem sido clientes desses
centros. Essas descobertas sugerem que os centros
de prevenção de suicídio pelo menos estão atraindo
uma população de alto risco que eles supostamente
deveriam estar ajudando.
Lester (160) revisou 14 estudos que examinaram
a eficácia dos centros de prevenção de suicídio em
relação aos índices de suicídio. Sete desses estudos
forneceram evidências de um efeito preventivo. Um
estudo sobre os centros de prevenção de suicídio
em 25 cidades da Alemanha, na verdade, encontrou
um aumento nos índices de suicídio em três das
cidades (161).
Intervenções baseadas na escola
Foram desenvolvidos programas para montar e
treinar pessoal de escolas, membros da comunidade
e funcionários da área de saúde para identificar
pessoas que apresentam riscos de suicídio e
encaminhá-las aos serviços de saúde mental. A
extensão do treinamento varia de um programa a
outro, mas em todos os casos é essencial haver um
elo forte com os serviços locais de saúde mental.
Uma observação importante, contudo, foi a de
Lester (162), ao sugerir que, à medida que as equipes
escolares se tornam mais capacitadas, elas deixam de
encaminhar os alunos para os profissionais da área
de saúde mental, o que pode, em si, resultar em mais
suicídios. Embora a educação das equipes escolares,
parentes e outras pessoas envolvidas com os
programas escolares seja muito importante, essas
pessoas não conseguem substituir os profissionais
da área de saúde mental. Por outro lado, as instalações
médicas sozinhas não conseguem atender a todas as
necessidades dos jovens, e as escolas devem ser
capazes de agir como um mediador para a prevenção
do suicídio.
200 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Abordagens sociais
Restrição de acesso aos meios
Restringir o acesso aos meios do suicídio é
particularmente relevante quando esse acesso pode
ser facilmente controlado. Isto foi demonstrado pela
primeira vez em 1972, na Austrália, por Oliver e Hetzel,
(163) que descobriram haver uma redução nos
índices de suicídio quando o acesso a sedativos –
sobretudo barbitúricos, que são letais em doses muito
elevadas – foi reduzido.
Além desse estudo sobre o uso de sedativos,
também houve evidências de redução nos índices de
suicídio ao serem controladas outras substâncias
tóxicas, por exemplo, pesticidas, que são muito
conhecidos nas áreas rurais de vários países
emergentes. Talvez o melhor exemplo estudado tenha
sido o observado em Samoa (116) onde, até 1972,
quando o paraquat foi introduzido no país, o número
de suicídios ficava abaixo de 10. Esse número
começou a crescer vertiginosamente em meados da
década de 1970 e chegou a quase 50 em 1981, quando
tiveram início os esforços para controlar a
disponibilidade do paraquat. Durante esse período,
os índices de suicídio aumentaram em 367%, indo de
6,7 para cada 100 mil em 1972 a 31,3 para cada 100 mil
em 1981. No prazo de três anos, a taxa de suicídio
caiu de novo para 9,4 para cada 100 mil. Apesar do
controle posterior do paraquat, mais de 90% de todos
os suicídios ocorridos em 1988 foram efetuados por
meios da utilização desse produto (ver Figura 7.2).
A desintoxicação do gases, ou seja, a remoção
do monóxido de carbono do gás de cosinha e dos
escapamentos dos carros provou ser eficaz na
redução dos índices de suicídio. Na Inglaterra, os
suicídios por envenenamento com gas de cosinha
começaram a declinar logo após o monóxido de
carbono ser removido do gás (164) (ver figura 7.3).
Redução semelhante nos índices de suicídio por gas
de cozinha também foram observados na Escórcia,
nos Estados Unidos, no japão, nos países Baixos e
na suíça (165). Outros estudos também mostraram
uma redução nos índices de suicídios após a
introdução de catalizadores que, removem o monóxido
de carbono dos escapamentos dos veículos
(165,166).
A associação entre a posse de armas no lar e o
suicídio também tem sido observada (167-169). Há
várias abordagens no sentido de reduzir os ferimentos
causados por armas, sejam acidentais ou intencionais.
Em geral, essas abordagens baseiam-se na legislação
que regula a venda e posse de armas, e também a
segurança em relação ao uso das mesmas. A
segurança no uso de armas abrange educação e
treinamento, várias práticas para armazenagem das
armas, tal como, guardar a arma e a munição
separadamente e manter as armas descarregadas e
em locais trancados, e dispositivos de trava do
gatilho. Em alguns países, inclusive Austrália, Canadá
e Estados Unidos, as restrições relacionadas à posse
de armas foram associadas a uma redução do uso
das mesmas para o suicídio. (165, 169).
Número de suicídios ocorridos em Samoa em relação à chegada de pesticidas contendo paraquat e ao
controle das vendas de paraquat.
FIGURA 7.2
Ano
Fonte: referência 116.
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 201
Informações divulgadas pelos meios
de comunicação
O impacto em potencial dos meios de
comunicação sobre os índices de suicídio já é
conhecido há muito tempo. Há mais de dois séculos,
um romance muito lido inspirou uma série de suicídios.
Die Leiden des jungen Werther (Os Sofrimentos do
Jovem Werther), de Johann Wolfgang Goethe, escrito
em 1774 e baseado no caso de um amigo do autor,
descrevia o sofrimento interior de Werther, à medida
que ele se angustiava devido ao seu amor não
correspondido por Lotte. “O efeito sobre os primeiros
leitores foi esmagador. O romance inspirou não
apenas a emoção, mas também a emulação, em uma
onda de suicídios similarmente caracterizados com
os trajes [que Werther usava] casaco azul, colete
amarelo.” (170).
Evidências atuais sugerem que o efeito dos meios
de comunicação encorajando suicídios imitados
depende muito da maneira como o suicídio é relatado,
ou seja, o tom e a linguagem utilizados, a maneira
como os relatos são destacados e o fato de materiais
gráficos ou outros tipos de materiais serem utilizados
ou não. A preocupação é que a vulgarização extrema
dos relatos de suicídios possa criar uma cultura
suicida, em que o suicídio seja visto como uma forma
normal e aceitável de se abandonar um mundo difícil.
É absolutamente necessário o relato responsável
de suicídio pelos meios de comunicação, e todas as
maneiras de se obter esse tipo de relato são bemvindas.
Várias organizações e instituições
Número de suicídios ocorridos em Samoa em relação à chegada de pesticidas contendo paraquat e ao
controle das vendas de paraquat.
FIGURA 7.2
Ano
Fonte: referência 164.
governamentais têm proposto diretrizes para o relato
do comportamento suicida, inclusive o Befrienders
International no Reino Unido, os Centers for Disease
Control and Prevention (Centros de Controle e
Prevenção de Doenças) nos Estados Unidos, a
Organização Mundial de Saúde e os governos da
Austrália e Nova Zelândia (171).
Intervenção após o suicídio
A perda de uma pessoa por suicídio pode
provocar, em parentes e amigos íntimos daqueles que
cometeram o suicídio, sentimentos de pesar
diferentes dos que ocorrem quando a morte é natural.
Em geral, ainda existe um tabu relativo às discussões
sobre o suicídio e aqueles que são separados pelo
suicídio podem ter menos oportunidades de
compartilhar seu pesar com outras pessoas.
Comunicar os sentimentos decorrentes de tal
violência é uma parte importante do processo de
cicatrização. Por este motivo, grupos de apoio
desempenham um papel importante. Em 1970,
começaram a surgir na América do Norte os primeiros
grupos de apoio e auto-ajuda para parentes e amigos
de pessoas que tinham cometido suicídio (172).
Grupos semelhantes foram estabelecidos
posteriormente em vários países no mundo todo. Os
grupos de apoio e auto-ajuda são administrados por
seus membros, mas com acesso à ajuda e recursos
externos. Esses grupos de auto-ajuda parecem trazer
benefícios às pessoas que perderam alguém devido
ao suicídio. A experiência comum da perda pelo
suicídio une as pessoas e as encoraja a compartilhar
202 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
seus sentimentos (172).
Respostas políticas
Em 1996, o Departamento das Nações Unidas para
Coordenação de Políticas e Desenvolvimento
Sustentado (United Nations Department for Policy
Coordination and Sustainable Development)
apresentou um documento destacando a importância
de uma política de orientação sobre a prevenção do
suicídio (173). Posteriormente, a Organização
Mundial de Saúde publicou uma série de documentos
sobre a prevenção do suicídio (171, 172, 174-177),
e duas outras publicações sobre transtornos mentais,
neurológicos e psicossociais (41, 178). Outros
relatórios e diretrizes sobre a prevenção do suicídio
também foram desenvolvidos (179).
Em 1999, a Organização Mundial de Saúde lançou
uma iniciativa global para a prevenção do suicídio
com os seguintes objetivos:
– – Obter uma redução duradoura na freqüência
dos comportamentos suicidas com ênfase em
países emergentes e em países em transição
social e econômica.
– Identificar, avaliar e eliminar no estágio
inicial,o máximo possível, fatores que possam
levar jovens a cometer o suicídio.
–Aumentar a conscientização geral sobre o
suicídio e fornecer apoio psicossocial às pessoas
com pensamentos suicidas ou que já tentaram o
suicídio, bem como, aos amigos e parentes dos
que tentaram ou realizaram o suicídio.
A principal estratégia para a implementação dessa
iniciativa global segue dois direcionamentos básicos
associados às linhas de ação da estratégia cuidados
básicos com a saúde da Organização Mundial de
Saúde:
· Organização de atividades multissetoriais
regionais, nacionais e globais para aumentar a
conscientização sobre o comportamento suicida
e como efetivamente evitá-lo.
· Fortalecimento dos recursos dos países para
desenvolver e avaliar políticas e programas
nacionais para a prevenção do suicídio, que
podem incluir:
– apoio e tratamento das populações em risco,
como pessoas com depressão, idosos e jovens;
redução da disponibilidade de meios para se
cometer o suicídio, como, por exemplo, as
substâncias tóxicas, e do acesso a eles;
– apoio e reforço às entidades dedicadas aos
sobreviventes do suicídio;
– treinamento de profissionais da área de
assistência básica à saúde e de outros setores
relevantes.
Atualmente, a iniciativa foi complementada por
um estudo que busca identificar fatores específicos
de risco e intervenções específicas que podem ser
eficazes na redução do comportamento suicida.
Recomendações
Várias recomendações importantes para reduzir o
comportamento suicida fatal e não fatal podem ser
extraídas deste capítulo.
Melhores dados
Nacional e internacionalmente, existe uma
necessidade urgente de mais informações sobre as
causas do suicídio, sobretudo entre grupos
minoritários. Deveriam ser encorajados estudos
interculturais, pois podem levar a uma melhor
compreensão das causas do suicídio e dos fatores
de proteção a ele relacionados, e, conseqüentemente,
podem ajudar a melhorar os esforços de prevenção.
A seguir estão algumas recomendações específicas
que visam a fornecer melhores informações sobre o
suicídio.
· Os governos deveriam ser encorajados a coleta
de dados sobre o comportamento suicida fatal
e não fatal e disponibilizar esses dados à
Organização Mundial de Saúde. Hospitais e
outros serviços médicos e sociais deveriam ser
bastante encorajados a manter registros de
comportamentos suicidas não-fatais.
· Os dados sobre suicídio e tentativas de suicídio
deveriam estar sempre corretos e atualizados.
Deveria haver um conjunto de critérios e
definições uniformes que, uma vez estabelecidos,
deveriam ser aplicados de maneira consistente e
revisados continuamente.
· A coleta de dados deveria ser organizada de
forma a evitar duplicação de registros estatísticos
e, ao mesmo tempo, as informações deveriam estar
facilmente acessíveis a pesquisadores que
realizam pesquisas analíticas e epidemiológicas.
· Deveriam ser empenhados esforços com o
intuito de melhorar os dados de uma série de
órgãos, inclusive hospitais, instituições
psiquiátricas e outras instituições médicas, os
legistas e os departamentos de polícia.
· Todos os profissionais da área de saúde e
diretores de importantes agências ligadas ao
problema deveriam ser treinados para detectar e
CAPÍTULO 7. VIOLÊNCIA AUTO-INFLIGIDA · 203
Melhores tratamentos psiquiátricos
Em relação ao comportamento suicida, a
contribuição considerável trazida pelos fatores
psiquiátricos sugere que melhorar o tratamento dos
que apresentam transtornos psiquiátricos é
importante para prevenir o suicídio. A este respeito,
as medidas a seguir deveriam ser adotadas.
· Deveria ser solicitado às empresas
farmacêuticas que desenvolvessem mais
medicamentos eficazes contra os transtornos
psiquiátricos. O advento de inibidores seletivos
da reabsorção da serotonina, por exemplo, pode
ter provocado uma redução dos índices de
suicídio na Escandinávia (180).
· Patrocínio à pesquisa visando a descobrir
técnicas mais eficazes de psicoterapia e
aconselhamento para pessoas suicidas.
Sobretudo, deveria haver técnicas mais
específicas para as pessoas cujos transtornos
de personalidade estejam intimamente
associados ao comportamento suicida.
· Muito mais pessoas precisam estar cientes dos
sinais e sintomas do comportamento suicida e
dos locais onde, se necessário, a ajuda pode ser
obtida – quer de familiares ou amigos, médicos,
assistentes sociais, líderes religiosos, empresas
ou professores e equipes escolares. Os médicos
e outros profissionais da área de saúde, em
particular, deveriam ser educados e treinados
para reconhecer, encaminhar e tratar pessoas
com transtornos psiquiátricos, especialmente os
transtornos afetivos.
· Uma prioridade urgente para os governos e
seus departamentos de planejamento de
assistência à saúde é a identificação precoce e o
tratamento de pessoas que sofrem não apenas
de transtornos mentais, mas também do abuso e
dependência de drogas e álcool. O programa
desenvolvido em Gotland, Suécia, por Rutz (181)
pode fornecer um modelo útil a ser seguido por
outros países.
Mudanças ambientais
Uma série de mudanças ambientais foi sugerida
para restringir o acesso a métodos de suicídio, como:
· Cercar pontes elevadas.
· Limitar o acesso a telhados e parte externa de
prédios altos.
· Obrigar os fabricantes de carro a mudar o
formato dos canos de escapamento e introduzir
um mecanismo pelo qual o motor
automaticamente se desliga após funcionar com
o carro parado, durante um período específico
de tempo.
· O acesso a pesticidas e fertilizantes ser restrito
a pessoas que sejam produtores rurais.
· Para medicamentos que são potencialmente
letais:
— exigir um monitoramento rigoroso das
receitas médicas e farmacêuticas;
— reduzir a quantidade máxima das receitas;
— embalar os medicamentos em blisters
plásticos;
— quando possível, prescrever medicamentos
na forma de supositórios.
· Reduzir o acesso a armas entre os grupos de
risco de suicídio.
encaminhar pessoas com risco de comportamento
suicida, e codificar esses casos corretamente nos
sistemas de coleta de dados.
· Há necessidade de se obter informações sobre
os indicadores sociais, tais como indicadores de
qualidade de vida, taxas de divórcio e mudanças
sociais e demográficas, em sincronia com os
dados relacionados ao comportamento suicida, a
fim de melhorar a atual compreensão do problema.
Pesquisas adicionais
Deveriam ser conduzidas mais pesquisas para
examinar a contribuição relativa de fatores
psicossociais e biológicos no comportamento
suicida. Uma ligação maior entre esses dois tipos de
fatores em programas de pesquisa permitiria grandes
avanços no atual conhecimento acerca do suicídio.
Uma área particularmente promissora e que está
crescendo rapidamente é a pesquisa genética
molecular que, entre outras coisas, apresenta um
maior conhecimento relacionado ao controle do
metabolismo da serotonina.
Mais pesquisas clínicas deveriam ser feitas em
relação ao papel de condições co–mórbidas,como,
por exemplo, a interaçaõ entre a depressão e o abuso
de álcool. Uma ênfase maior também deveria ser dada
ao subgrupos da população baseados na idade ( visto
que o suicídio entre os idosos apresenta
características diferentes do suicídio entre pessoas
jovens ), na personalidade e no temperamento. Uma
outra área que requer mais esforço de pesquisa é a
das imagens diagnósticas cerebrais.
Finlmente,deveria haver mais pesquisas sobre o papel
da hostilidade,agressao e impulsividade no
204 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Fortalecendo os esforços
comunitários
As comunidades locais são cenários importantes
para as atividades de prevenção do suicídio, embora
muito mais possa ser feito para fortalecer os esforços
comunitários. A este respeito, deve ser dada maior
atenção a:
· Desenvolvimento e avaliação dos programas
comunitários.
· Melhoria da qualidade dos serviços
desenvolvidos nos programas existentes.
· Maior patrocínio governamental e mais apoio
profissional por parte do governo a atividades
como:
— centros de prevenção do suicídio;
— grupos de apoio a pessoas que já conviveram
com o suicídio de alguém muito íntimo (como uma
criança, um parceiro ou um parente) e que possam
desta forma, elas próprias, estar sob o risco
elevado de suicídio;
— redução do isolamento social, promovendo
programas comunitários, tais como centros para
jovens e centros para pessoas idosas;
· Estabelecimento de parcerias e melhoras na
colaboração entre os órgãos apropriados.
· Desenvolvimento de programas educacionais
para evitar o comportamento suicida, não apenas
em escolas, como ocorre atualmente, mas também
em locais de trabalho e outros locais das
comunidades.
Conclusão
O suicídio é uma das principais causas de morte
no mundo todo e é um problema importante de saúde
pública. O suicídio e a tentativa de suicídio são
fenômenos complexos que ocorrem, de forma muito
individualista, a partir da inter-relação de fatores
biológicos, psicossociais, psiquiátricos e sociais. A
complexidade das causas requer necessariamente
uma abordagem multifacetada de prevenção que
deve levar em conta o contexto cultural. Os fatores
culturais desempenham um papel fundamental no
comportamento suicida (182), acarretando grandes
diferenças nas características deste problema no
mundo todo (183). Devido a essas diferenças, o
que tem um efeito positivo para prevenir o suicídio
em um local pode ser ineficaz ou, até mesmo,
contraproducente em outros ambientes culturais.
São necessários maiores investimentos, tanto
em pesquisa como nos esforços de prevenção.
Embora os esforços de curto prazo contribuam para
o entendimento de porque o suicídio ocorre e o que
pode ser feito para evitá-lo, estudos de pesquisa
longitudinal são necessários para a total
compreensão do papel dos fatores biológicos,
psicossociais e ambientais em relação ao suicídio.
Existe também uma grande necessidade de
avaliações rigorosas e de longo prazo das
intervenções. Até hoje, a maioria dos projetos foi
de curta duração, com pouca avaliação, quando
houve.
Finalmente, os esforços de prevenção do
suicídio serão ineficazes se não forem estabelecidos
dentro de uma estrutura que englobe planejamento
em larga escala desenvolvido por equipes
multidisciplinares que envolvam representantes
governamentais, planejadores e profissionais da área
de saúde pública, e pesquisadores e profissionais
de diferentes disciplinas e setores. Grandes
investimentos em planejamento, recursos e
colaboração entre esses grupos precisam ser
empreendidos a fim de se minimizar este importante
problema de saúde pública.
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VIOLÊNCIA COLETIVA
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 213
Antecedentes
A violência coletiva, em suas múltiplas formas,
recebe um alto grau de atenção pública. Conflitos
violentos entre nações e grupos, terrorismo de Estado
e de grupos, estupro como arma de guerra,
movimentos de grandes grupos de pessoas
desalojadas de seus lares, guerra entre gangues e
vandalismo de massas – tudo isso ocorre diariamente
em muitas partes do mundo. Em termos de morte,
doenças físicas, invalidez e angústia mental, os efeitos
na saúde desses diferentes tipos de acontecimentos
são muito grandes.
Há muito tempo que a medicina está envolvida
com os efeitos da violência coletiva, tanto na
condição de ciência, como na prática – desde a cirurgia
militar até o trabalho do Comitê Internacional da Cruz
Vermelha. A saúde pública, no entanto, começou a
tratar do fenômeno só nos anos 1970, após a crise
humanitária em Biafra, Nigéria. As lições lá aprendidas,
principalmente por organizações não governamentais,
foram a base para o que se tornou um organismo em
crescimento no que tange ao conhecimento e às
intervenções médicas no campo de cuidados
preventivos com a saúde.
O mundo ainda está aprendendo como melhor
reagir às várias formas de violência coletiva, mas
agora está claro que a saúde pública tem um papel
importante a desempenhar. Conforme a Assembléia
Mundial da Saúde declarou em 1981 (1), o papel dos
profissionais da saúde na promoção e conservação
da paz é um fator significativo para se conseguir
saúde para todos.
Este capítulo dedica-se principalmente aos
conflitos violentos, com ênfase especial nas
emergências complexas relacionadas a conflitos.
Embora crises dessa natureza sejam em geral
amplamente denunciadas, muitos de seus aspectos,
incluindo-se o impacto não fatal nas vítimas e as
causas e reações às crises, muitas das vezes
permanecem ocultos, às vezes deliberadamente.
Formas de violência coletiva sem objetivos políticos,
como a violência de gangues, o vandalismo de massas
e a violência criminal associada ao banditismo, não
são tratadas neste capítulo.
Como se define violência coletiva?
A violência coletiva pode ser definida como:
O uso instrumental da violência por pessoas que
se identificam como membros de um grupo –
independente de esse grupo ser transitório ou possuir
uma identidade mais permanente – contra outro grupo
ou um conjunto de indivíduos com o intuito de
alcançar objetivos políticos, econômicos ou sociais.
Formas de violência coletiva
Várias formas de violência coletiva foram
reconhecidas, incluindo:
· Guerras, terrorismo e outros conflitos políticos
violentos que ocorrem dentro dos Estados ou
entre eles.
· Violência perpetrada pelos Estados, tais como
genocídio, repressão, desaparecimentos, tortura
e outros abusos aos direitos humanos.
· Crime organizado violento, como banditismo e
guerra de gangues.
Emergências Complexas
Conforme a definição do Inter-Agency Standing
Committee [Comitê Permanente Interagencial] (2) –
instrumento básico das Nações Unidas para a
coordenação de assistência humanitária diante de
emergências complexas e de grande porte – uma
emergência complexa é:
“uma crise humanitária em um país, região ou
sociedade onde haja ruptura total ou
considerável de autoridade, resultante de
conflito interno ou externo, que necessite de
uma resposta internacional que ultrapasse o
mandato ou a capacidade de qualquer
organismo específico e/ou o programa em
andamento das Nações Unidas para o país”.
Apesar de ser usado ocasionalmente para
descrever outras formas de desastres, naturais ou
causados pelo homem, que tenham um impacto
significativo, a expressão é usada aqui para descrever
as emergências fortemente associadas a conflitos
violentos, muitas vezes com implicações políticas
importantes.
Leaning (3) identifica quatro resultados
característicos de emergências complexas, todos com
conseqüências profundas para a saúde pública:
— deslocamento de populações,
— destruição de redes sociais e de
ecossistemas,
— insegurança afetando civis e outros não
envolvidos na luta e
— desrespeito aos direitos humanos.
214 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Alguns analistas (4) utilizam a expressão
“emergências políticas complexas” para enfatizar a
natureza política de crises específicas. As
emergências políticas complexas tipicamente:
— ocorrem através de fronteiras nacionais,
— têm raízes relacionadas à disputa por poder e
recursos,
— são de longa duração,
— ocorrem internamente e refletem estruturas e
divisões sociais, políticas, econômicas e culturais
existentes, e
— são freqüentemente caracterizadas por
dominação social “predatória”.
Conflito armado
Embora “guerra” seja um termo amplamente
utilizado para descrever conflito – e geralmente
compreendido em seu sentido histórico como
violência entre nações – sua definição jurídica é
controversa. A controvérsia gira em torno de
questões como quantificação (por exemplo,
quantas mortes a luta deve causar para ser
qualificada como guerra e com que duração de
tempo), se as hostilidades foram ou não claramente
declaradas e suas limitações geográficas (por
exemplo, se a guerra é necessariamente entre
nações ou interna a um país). Para evitar essas
controvérsias e, particularmente para evitar falhas
na aplicação das leis humanitárias, muitos
instrumentos internacionais (como as Convenções
de Genebra de 1949) usam a expressão “conflito
armado”.
No entanto, a grande variedade de conflitos
armados e os combatentes envolvidos forçaram os
observadores a buscar novas expressões para
descrevê-los. Dentre os exemplos se incluem a
expressão “novas guerras”, para descrever
conflitos em que se tornaram indistintas as
fronteiras entre os conceitos tradicionais de guerra,
de crime organizado e de violações dos direitos
humanos em grande escala (5), e a expressão “luta
armada assimétrica”. Essa última expressão,
intimamente associada ao fenômeno do terrorismo
moderno (6), é usada para descrever uma forma de
conflito em que um grupo organizado, desprovido
de força militar convencional e de poder
econômico, procura atacar os pontos fracos das
sociedades relativamente prósperas e abertas. Os
ataques são realizados com armas e táticas não
convencionais e sem levar em conta códigos de
comportamento militares ou políticos.
Genocídio
O genocídio é uma forma particularmente
hedionda de violência coletiva, especialmente porque
os perpetradores do genocídio se voltam para um
grupo específico de população, com o intuito de
destruí-lo. Assim, o genocídio tem, por definição, uma
dimensão coletiva.
O conceito de genocídio, no entanto, é recente.
Apesar de ter sido aplicado retrospectivamente, por
historiadores e outros, a eventos ocorridos antes de
1939 (e, no sentido histórico, é aplicado em exemplos
citados mais adiante neste capítulo), a expressão
recebeu uma definição jurídica somente depois da
Segunda Guerra Mundial. Os horrores do holocausto
nazista provocaram o debate internacional que levou
à codificação da expressão, em 1948, na Convenção
para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio
(Convention on the Prevention and Punishment of
the Crime of Genocide). Essa Convenção entrou em
vigor em 12 de Janeiro de 1951. O Artigo 2 da
convenção define genocídio como “qualquer dos
atos a seguir, cometidos com a intenção de destruir,
no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial
ou religioso e, para isso:
— assassinando membros do grupo;
causando graves danos físicos ou mentais a
membros do grupo;
— infligindo deliberadamente ao grupo
condições de vida calculadas para resultar em
sua destruição física, no todo ou em parte;
— impondo medidas destinadas a evitar
nascimentos dentro do grupo;
— transferindo, pela força, crianças do grupo
a outro grupo”.
Consoante à Convenção, o crime de genocídio é
passível de punição, bem como a cumplicidade em
genocídio, conspiração, incitação direta e pública ao
genocídio e a tentativa de cometer genocídio.
Após o conflito de 1994 em Ruanda, o Conselho
de Segurança das Nações Unidas expressou, em
várias resoluções, suas sérias preocupações sobre
denúncias de genocídio e decidiu estabelecer um
Tribunal Criminal Internacional ad hoc para Ruanda.
O Tribunal já ditou, e confirmou na apelação, várias
condenações por genocídio. Em agosto de 2001, a
Corte de Justiça do Tribunal Criminal Internacional
(Trial Chamber of the International Criminal
Tribunal) para a antiga Iugoslávia ditou sua primeira
condenação por genocídio no contexto do conflito
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 215
na Bósnia-Herzegóvina, relativa ao massacre de
muçulmanos bósnios ocorrido em Srebrenica, em julho
de 1995.
Dados sobre violência coletiva
Fontes de dados
Uma série de institutos de pesquisa recolhem e
analisam dados sobre vítimas de conflitos
internacionais e de conflitos dentro de um único país.
Dentre eles, encontra-se o Stockholm International
Peace Research Institute [Instituto Internacional de
Estocolmo para Pesquisa da Paz] (SIPRI), que
elaborou um formato padrão detalhado para seus
relatórios anuais sobre o impacto dos conflitos e o
projeto Correlates of War [Correlações de Guerra],
na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos,
uma fonte amplamente citada sobre a magnitude e
causas de conflitos desde o século XIX até os dias
de hoje.
Dados especificamente relacionados à tortura e
aos direitos humanos são colhidos por diversas
agências nacionais de direitos humanos, bem como
por um número crescente de organizações não
governamentais internacionais, inclusive African
Rights [Direitos Africanos], Amnesty International
[Anistia Internacional] e Human Rights Watch
[Vigilância dos Direitos Humanos]. Na Holanda, o
Interdisciplinary Research Programme on Root
Causes of Human Rights Violation [Programa
Interdisciplinar de Pesquisa sobre as Causas
Principais das Violações dos Direitos Humanos] faz
o monitoramento de mortes e outras conseqüências
de abusos dos direitos em todo o mundo.
Problemas com a coleta de dados
A maioria dos países pobres é carente de sistemas
de registros confiáveis de saúde, tornando
particularmente difícil determinar as proporções de
mortes, doenças e deficiências físicas relacionadas a
conflitos. Além disso, as emergências complexas
invariavelmente destroem os sistemas de observação
e informação existentes (7). Algumas técnicas
inovadoras, no entanto, foram desenvolvidas para
sobrepujar essas dificuldades. Na Guatemala, três
conjuntos de dados separados, juntamente com
dados obtidos de testemunhas e vítimas, foram
combinados para se obter uma estimativa do total de
mortes resultantes da guerra civil. Esse método
indicou que cerca de 132 mil pessoas haviam perdido
suas vidas. O número oficial registrado era muito
menor, omitindo cerca de 100 mil mortes (8).
As baixas nas forças armadas são normalmente
registradas de acordo com procedimentos militares
estabelecidos e, em geral, são razoavelmente precisas.
É claro que os números relativos aos genocídios estão
sujeitos a maior manipulação e são, portanto, mais
difíceis de confirmar. As estimativas de morte em
massa de civis podem variar até um fator de 10. No
genocídio ocorrido em Ruanda em 1994, as mortes
estimadas variaram de 500 mil a 1 milhão. No Timor
Leste, dezenas de milhares de pessoas foram dadas
como desaparecidas logo após o conflito ocorrido
em 1999 e, vários meses depois, ainda não estava
claro se as estimativas iniciais estavam ou não
corretas. Pouco se soube com segurança acerca do
número de vítimas no conflito da República
Democrática do Congo entre 1998 e 2001, embora
estimativas recentes tenham indicado que mais de
2,5 milhões de pessoas podem ter perdido suas vidas
(9).
Há muitas dificuldades para a coleta de dados.
Tais dificuldades incluem os problemas de avaliar a
saúde e a mortalidade em populações que passam
por mudanças rápidas, a falta de acesso aos serviços
a partir dos quais os dados podem ser coletados e
uma série de preconceitos. As partes em um conflito
geralmente tentam manipular os dados sobre vítimas
e recursos. Portanto, é provável haver desvios nas
informações e na forma como se calcula o número de
vítimas. Por esse motivo, organizações da sociedade
civil têm um papel importante na documentação de
instâncias de violência coletiva.
Dados sobre abusos dos direitos humanos, em
geral, são também difíceis de se comprovar, já que os
perpetradores fazem o que podem – por meio de
seqüestros, desaparecimentos e assassinatos
políticos – para ocultar as provas de tais abusos. Várias
organizações, incluindo Amnesty International
[Anistia Internacional], Human Rights Watch
[Vigilância dos Direitos Humanos] e Physicians for
Human Rights [Médicos para os Direitos Humanos],
desenvolveram técnicas abrangentes para recolher,
avaliar e verificar dados sobre abusos aos direitos
humanos.
A extensão do problema
A Organização Mundial da Saúde estima que cerca
de 310 mil pessoas morreram por lesões relacionadas
à guerra em 2000 (ver anexo Estatísticas). Essas
mortes são categorizadas de acordo com os códigos
da Classificação Internacional de Doenças – CID
216 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
(International Classification Code – ICD) para
ferimentos resultantes de operações de guerra (ICD-
9 E990 -E999 ou ICD-10 Y36).
Os índices de mortalidade relacionados à guerra
variaram menos de 1 para cada 100 mil habitantes em
países desenvolvidos até 6,2 para 100 mil em países
subdesenvolvidos e emergentes. Em termos mundiais,
os maiores índices de mortalidade relacionados à
guerra foram encontrados na Região Africana da OMS
(32,0 para cada 100 mil), seguidos por países
subdesenvolvidos e emergentes na Região da OMS
do Mediterrâneo Oriental (8,2 para cada 100 mil) e na
Região Européia da OMS (7,6 para cada 100 mil)
respectivamente.
Vítimas de conflitos
Os totais estimados de mortes relacionadas a
conflitos foram, entre os séculos XVI e XX,
respectivamente, por século: 1,6 milhões; 6,1 milhões;
7,0 milhões; 19,4 milhões; e 109,7 milhões (12,13).
Tais cifras naturalmente escondem as circunstâncias
em que as pessoas morreram. Estima-se que seis
milhões de pessoas, por exemplo, perderam a vida na
captura e tráfico de escravos ao longo de quatro
séculos e 10 milhões de nativos das Américas
morreram nas mãos dos colonizadores europeus.
De acordo com uma estimativa (14), cerca de 191
milhões de pessoas perderam suas vidas direta ou
indiretamente nas 25 maiores ocorrências de violência
coletiva no século XX. 60% dessas mortes ocorreram
entre pessoas não envolvidas na luta. Além da Primeira
Guerra Mundial e da Segunda Guerra Mundial, dois
dos eventos mais catastróficos em termos de vidas
perdidas foram o período do terror estalinista e os
milhões de pessoas que pereceram na China durante
a Grande Marcha (1958 -1960). Ambos os eventos
ainda estão cercados de incertezas na balança das
perdas humanas. As mortes relacionadas com
conflitos nos 25 maiores eventos incluíram cerca de
39 milhões de soldados e 33 milhões de civis. A fome
relacionada a conflitos ou a genocídio no século XX
dizimou outros 40 milhões de pessoas.
Um desdobramento relativamente novo em
conflitos armados é um número crescente de mortes
violentas, nas áreas de conflito, de funcionários civis
das Nações Unidas e de organizações não
governamentais. No período de 1985 a 1998,
ocorreram mais de 380 mortes entre trabalhadores
humanitários (15), houve mais mortes entre o pessoal
civil das Nações Unidas do que entre as tropas de
paz das Nações Unidas.
Tortura e estupro
A tortura é uma prática comum em muitos
conflitos (ver Quadro 8.1). É difícil estimar sua
extensão, devido ao fato de as vítimas terem tendência
a esconder o trauma que sofreram e de haver pressões
políticas para ocultar o uso da tortura. Em numerosos
conflitos também foi documentado o uso do estupro
como arma de guerra. Embora as mulheres formem a
maioria das vitimadas, nos conflitos também ocorrem
estupros masculinos. As estimativas do número de
mulheres estupradas na Bósnia-Herzegóvina durante
o conflito ocorrido entre 1992 e 1995 variam de 10 mil
a 60 mil (22). Denúncias de estupros durante conflitos
violentos em décadas recentes também foram
documentados em Bangladesh, Libéria, Ruanda e
Uganda, entre outros (ver Capítulo 6). Com freqüência
utiliza-se o estupro para aterrorizar e abater as
comunidades, para forçar as pessoas a fugir e para
quebrar as estruturas da comunidade. Os efeitos
físicos e psicológicos nas vítimas têm longo alcance
(23,24).
A natureza dos conflitos
Desde a Segunda Guerra Mundial, ocorreu um
total de 190 conflitos armados, dos quais apenas um
quarto foi entre nações. Na realidade, os conflitos
dos tempos modernos são cada vez mais internos e
não entre nações. A duração da maioria dos conflitos
armados desde a Segunda Guerra Mundial foi inferior
a seis meses. Os que duraram mais tempo em geral se
estenderam ao longo de muitos anos. Por exemplo,
no Vietnã, o conflito violento se prolongou por mais
de duas décadas. Outros exemplos incluem os
conflitos no Afeganistão e em Angola. O número total
de conflitos armados em progresso era de menos de
20 nos anos 50, comparado a 30 nos anos 60 e 70, e
cresceu para mais de 50 durante o final dos anos 80.
Apesar de haver menos conflitos armados em
andamento depois de 1992, os que ocorreram foram,
em média, de maior duração.
Embora os conflitos dentro das nações sejam mais
comuns, continuam ocorrendo conflitos entre nações.
Estima-se que a guerra entre o Iraque e a República
Islâmica do Irã resultou, no período de 1980 a 1988,
em 450 mil soldados e 50 mil civis mortos (13). O
conflito entre a Eritréia e a Etiópia no final do século
XX teve sua luta desenvolvida principalmente entre
dois exércitos convencionais, utilizando armas
pesadas e técnicas de guerra de trincheira, e dizimou
milhares de vidas. Também ocorreram coalisões de
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 217
QUADRO 8.1
Tortura
Uma série de tratados internacionais definiram a tortura. A Convenção das Nações Unidas contra
Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984 refere-se a um
“ato mediante o qual se inflige intencionalmente dor severa ou sofrimento, seja físico ou mental, a uma
pessoa”, com finalidade de se obter informações ou uma confissão, punição, intimidação ou coerção,
“ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer espécie”; A Convenção está preocupada
com a tortura perpetrada por autoridades públicas ou outros indivíduos agindo em capacidade oficial.
Ao preparar seu relatório de 2000 sobre tortura (16), a organização de defesa dos direitos humanos,
Amnesty International (Anistia Internacional), encontrou denúncias de tortura ou maus tratos perpetrados
por autoridades em mais de 150 países. Em mais de 70 países, a prática era aparentemente generalizada e
em mais de 80 países relatou-se a morte de pessoas como resultado de tortura. A maioria das vítimas
parecia compor-se de pessoas suspeitas de ou condenadas por prática de crimes, enquanto que a
maioria dos torturadores compunha-se de policiais.
A prevalência da tortura contra suspeitos criminosos provavelmente tem seus registros reduzidos, já
que as vítimas em geral têm menos possibilidades de formalizar suas queixas. Em alguns países, uma
longa prática de tortura a criminosos comuns atrai a atenção somente quando declina a repressão
política mais escancarada. Na ausência de treinamento adequado e de mecanismos de investigação, a
polícia pode recorrer à tortura ou aos maus tratos para extrair confissões rapidamente e assim obter
condenações.
Em algumas instâncias de tortura, a finalidade é extrair informações, obter uma confissão (seja ela
verdadeira ou falsa), forçar a cooperação ou “quebrar” a vítima para servir de exemplo para outros. Em
outros casos, a punição e humilhação são o objetivo básico. Às vezes, a tortura também é utilizada como
meio de extorsão. Uma vez estabelecido um regime de tortura, ele pode eternizar-se.
A tortura tem sérias implicações para a saúde pública, já que afeta a saúde física e mental das
populações. A vítima pode permanecer em seu próprio país, adaptando-se da melhor forma possível, com
ou sem cuidados médicos ou psicossociais. Se suas necessidades não forem atendidas adequadamente,
há o risco de vir a tornar-se membro cada vez mais alienado ou desajustado da sociedade. O mesmo
ocorre se forem para o exílio. Dados existentes sobre pessoas que buscam asilo, algumas das quais
sofreram torturas em seu país de origem, sugerem que elas têm carências significativas no campo da
saúde (17,18).
A ausência de controle do uso da tortura encoraja práticas ineficientes da polícia e das forças de
segurança e aumento da tolerância a abusos aos direitos humanos e à violência. Várias organizações de
profissionais da saúde adotaram uma posição firme contra a tortura, encarando sua prevenção como
algo intimamente ligado a sua vocação para a medicina e para o bem da saúde pública (19). Organizações
não governamentais também promovem a prevenção (20).
Um mecanismo de controle em especial – o sistema de inspeção do Conselho da Europa – foi
recomendado para uso em nível global. Uma minuta de “Protocolo Opcional” para a Convenção sobre
Tortura das Nações Unidas proporcionaria um sistema de inspeção semelhante em locais de detenção.
Até o momento, o progresso na elaboração de um Protocolo Opcional vem sendo lento.
As iniciativas para se investigar e documentar a tortura cresceram nos últimos anos. As diretrizes das
Nações Unidas sobre a avaliação e registro de evidências médicas de tortura, conhecidas como o
“Protocolo de Istambul” foram criadas em 1999 por cientistas forenses, médicos, monitores de direitos
humanos e advogados de 15 países e foram publicadas dois anos depois (21)
forças multinacionais, envolvidas em ataques aéreos
maciços – a exemplo da Guerra do Golfo contra o
Iraque em 1991 e na campanha da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra a
República Federal da Iugoslávia em 1999.
Muitos dos conflitos desde o final da Segunda
Guerra Mundial ocorreram em países emergentes.
Após o colapso dos regimes comunistas no leste da
Europa e da antiga União Soviética no final dos anos
80 e início dos anos 90, houve durante um período
um aumento significativo nos conflitos armados
ocorridos na Europa. O tamanho da área do conflito
mudou radicalmente nos últimos dois séculos. Até o
começo do século XIX, a guerra entre nações ocorria
em um “campo de batalha”. A mobilização de
cidadãos-soldados durante as guerras napoleônicas
criou campos de batalha maiores, mas semelhantes
em sua essência. Com o desenvolvimento de estradas
de ferro no século XIX e a mecanização do transporte
de massas tornou-se possível a guerra em movimento,
com mudanças de posição rápidas em grandes áreas
geográficas. Posteriormente, o desenvolvimento de
tanques, submarinos, aviões de combate/
bombardeiros e mísseis guiados por laser, prepararam
as fundações de campos de batalha sem limites
geográficos. Conflitos recentes, como o empreendido
em 1999 pela OTAN contra a
República Federal da Iugoslávia,
têm sido chamados de “guerras
virtuais” (25) devido à forma como
esses conflitos se desenvolvem,
com mísseis controlados à
distância, sem o envolvimento de
tropas no teatro de operações.
Quais os fatores de risco
de violência coletiva?
A boa prática da saúde pública
requer a identificação de fatores de
risco e determinantes de violência
coletiva, bem como o
desenvolvimento de abordagens
para a solução de problemas sem
recorrer à violência. Foi identificada
uma série de fatores de risco para
conflitos políticos importantes.
Especificamente, a Carnegie
Commission on Preventing Deadly
Conflict [Comissão Carnegie para
a Prevenção de Conflito Mortal]
(26) relacionou indicadores de
nações em risco de colapso e de
conflito interno (ver Tabela 8.1). Combinados, esses
fatores interagem entre si, criando condições de
conflito violento. Individualmente, nenhum deles é
suficiente para levar à violência ou à desintegração
de uma nação.
Os fatores de risco de conflitos violentos incluem:
· Fatores políticos:
— ausência de processos democráticos;
— desigualdade no acesso ao poder.
· Fatores econômicos:
— distribuição excessivamente desigual de
recursos;
— acesso desigual a recursos;
— controle dos recursos naturais mais
importantes;
— controle de produção ou tráfico de drogas.
· Fatores sociais e da comunidade:
— desigualdade entre grupos;
— o acirramento do fanatismo de grupo nos
aspectos étnicos, nacionais ou religiosos;
— a disponibilidade fácil de armas e outros
armamentos de pequeno porte;
· Fatores demográficos:
— rápida mudança demográfica.
Muito desses fatores de risco podem ser
identificados antes da ocorrência de violência
218 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 219
coletiva flagrante.
Fatores políticos e econômicos
A excessiva desigualdade de distribuição de
recursos, particularmente serviços de saúde e
educação, e do acesso a esses recursos e ao poder
político – seja por área geográfica, classe social,
religião, raça ou etnia – são fatores importantes que
podem contribuir para conflitos entre grupos. A
liderança não democrática, especialmente se for
repressiva e se o poder advém da identidade étnica
ou religiosa, é um elemento de forte contribuição para
o conflito. Uma redução nos serviços públicos,
geralmente afetando os setores mais pobres da
sociedade com maior gravidade, pode ser um sinal
de alerta de uma situação em fase de deterioração. O
conflito é menos provável em situações de
crescimento econômico do que em economias em
retração, onde se intensifica a competição pelos
recursos.
Globalização
As tendências na economia global aceleraram o
ritmo da integração global e o crescimento econômico
para alguns países e para alguns grupos dentro dos
países, contribuindo ao mesmo tempo para a
fragmentação e marginalização econômica de outros.
Outros possíveis fatores de risco de conflito que
podem estar relacionados à globalização são
financeiros (as freqüentes e rápidas movimentações
de capital ao redor do mundo) e culturais (aspirações
individuais e coletivas motivadas pelos meios de
comunicação globais que não têm condições reais de
ser atingidas). Ainda se desconhece se as tendências
atuais da globalização podem levar a mais conflitos e
maior violência dentro ou entre nações. A Figura 8.1
mostra ligações em potencial entre as tendências da
globalização e a ocorrência de conflitos (27).
Recursos naturais
Com freqüência, as lutas pelo acesso aos recursos
naturais mais importantes exercem influência no
acirramento e prolongamento de conflitos. São
exemplos de conflitos deste tipo ocorridos nas últimas
duas décadas os relacionados a diamantes em Angola,
na República Democrática do Congo e em Serra Leoa;
petróleo em Angola e no sul do Sudão; e madeira e
pedras preciosas no Camboja. Em outros lugares,
incluindo-se o Afeganistão, Colômbia e Myanmar, o
desejo de controlar a produção e distribuição de
drogas contribuiu para conflitos violentos.
Fatores sociais e da comunidade
Um fator de risco particularmente importante
associado à ocorrência de conflito é a existência de
desigualdades dentro dos próprios grupos,
especialmente se estiverem se expandindo (28) e
Possíveis ligações entre globalização, desigualdades e conflitos
FIGURA 8.1
forem sentidas como reflexo da desigualdade de
alocação de recursos na sociedade. Tal fator é muitas
vezes observado em países onde o governo está
dominado por uma comunidade que exerce o poder
político, militar e econômico sobre comunidades
bastante diferentes.
A fácil disponibilidade de armas de pequeno porte
ou outros armamentos na população em geral também
pode aumentar o risco de conflito, o que é
particularmente problemático em locais onde já houve
conflitos e onde os programas de desmobilização,
descomissionamento de armas e criação de empregos
para ex-combatentes é inadequado ou onde não se
estabeleceram tais medidas.
Fatores demográficos
Mudanças demográficas rápidas – incluindo
aumento na densidade populacional e uma proporção
maior de jovens, combinadas com a incapacidade de
um país de acompanhar o crescimento populacional
com um maior número de empregos e de escolas,
podem contribuir para um conflito violento,
particularmente onde houver ainda
outros fatores de risco. Nessas
condições, grandes movimentos
populacionais podem ocorrer, na
medida em que pessoas
desesperadas procuram uma vida
mais sustentável em outro lugar e
isso, por sua vez, pode aumentar o
risco de violência nas áreas para as
quais as pessoas se mudam.
Fatores tecnológicos
O nível da tecnologia de armas
não afeta necessariamente o risco
de conflito, mas determina a escala
de qualquer conflito e a quantidade
de destruição que ocorrerá. Muitos
séculos atrás, a evolução da flecha
para a balestra aumentou o alcance
e a força de destruição de armas de
projéteis. Muito depois, armas de
fogo simples foram desenvolvidas,
seguidas por rifles, metralhadoras e
submetralhadoras. O poder de
destruição potencial dessas armas
aumentou muito com a capacidade
de atirar um maior número de balas
mais rapidamente e com maior alcance e precisão.
No entanto, mesmo armas básicas, como o
machete, podem contribuir para a ocorrência de
destruição humana maciça, como se observou no
genocídio em Ruanda em 1994 (29). Nos atos de
terrorismo nos Estados Unidos, em 11 de setembro e
2001, quando aviões de passageiro sequestrados
foram deliberadamente atirados contra as torres do
World Trade Center e o Pentágono, matando vários
milhares de pessoas, as armas convencionais não
foram uma ferramenta importante nos incidentes.
As conseqüências da violência coletiva
Impacto na saúde
O impacto que os conflitos exercem sobre a saúde
pode ser muito grande em termos de mortalidade,
morbidade e deficiências físicas (ver Tabela 8.2).
Mortalidade infantil
Em épocas de conflito, a mortalidade infantil
220 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 221
geralmente aumenta. Doenças evitáveis como o
sarampo, o tétano e a difteria podem se tornar
epidêmicas. Em meados dos anos 80, a mortalidade
infantil em Uganda subiu para mais de 600 por mil em
algumas áreas afetadas por conflitos (30). Segundo o
Fundo das Nações Unidas para as Crianças foram
registradas reduções de mortalidade infantil em todos
os países do sul da África no período entre 1960 e
1986, com exceção de Angola e Moçambique, dois
países que estiveram expostos a conflitos contínuos
(31). Os esforços para a erradicação de doenças
infecciosas, como a poliomielite, são negativamente
afetados por resíduos da doença em áreas afetadas
por conflitos. Em Zepa, na Bósnia-Herzegóvina – uma
“área segura” controlada pelas Nações Unidas e
posteriormente invadida por forças sérvias da Bósnia
– as taxas de mortalidade perinatal e infantil dobraram
após apenas um ano de conflito. Em Sarajevo, partos
de bebês prematuros haviam dobrado e o peso médio
dos recém-nascidos havia caído em 20% em 1993.
Doenças contagiosas
O aumento no risco de ocorrência de doenças
contagiosas durante conflitos em geral se deve a:
— redução da cobertura de imunização;
— êxodo da população e superlotação de campos
de refugiados;
— maior exposição a vetores e riscos ambientais,
como água poluída;
— redução de campanhas de saúde pública e de
atividades de extensão de seu alcance;
— falta de acesso a serviços de cuidados com a
saúde.
Durante a luta na Bósnia-Herzegóvina em 1994,
menos de 35% das crianças estavam imunizadas em
comparação a 95% antes do início das hostilidades
(32, 33). No Iraque, houve fortes quedas na cobertura
de imunização depois da Guerra do Golfo em 1991 e
da subseqüente imposição de sanções econômicas e
políticas. Entretanto, evidências recentes de El
Salvador indicam que é possível, com intervenções
seletivas de cuidados com a saúde e fornecimento de
recursos adequados, melhorar certos problemas de
saúde durante conflitos em andamento (34).
Na Nicarágua, entre 1985 e 1986, uma epidemia de
sarampo foi atribuída em grande parte à redução na
capacidade do serviço de saúde de imunizar as
pessoas em risco nas áreas afetadas pelo conflito
(35). Uma deterioração das atividades de controle da
malária foi relacionada a epidemias de malária na
Etiópia (36) e em Moçambique (37), destacando-se a
vulnerabilidade dos programas de controle de
doenças durante os períodos de conflito. Acreditase
que o surto de febre hemorrágica causada pelo
vírus Ebola em Gulu, Uganda, no ano 2000 estava
relacionado ao retorno de tropas das lutas na
República Democrática do Congo.
Na Etiópia, no final dos anos 80, acreditava-se
que epidemias de febre tifóide e febre reincidente –
doenças infecciosas transmitidas por carrapatos,
piolhos ou pulgas infectados – eram originárias de
campos de prisioneiros superlotados e campos de
refugiados, bem como da venda de cobertores e
roupas infectados feita por soldados em retirada às
comunidades locais (36). No êxodo de Ruanda em
1994, epidemias de doenças relacionadas à água,
como o cólera e a disenteria causada por Shigella
spp, levaram à morte no prazo de um mês de 6 a 10%
da população de refugiados que chegavam ao Zaire
(atualmente, República Democrática do Congo) (38).
O índice bruto de mortes – de 20 a 35 por 10 mil
habitantes, por dia – era 2 a 3 vezes mais alto do que
o anteriormente registrado em populações refugiadas.
No início de conflitos violentos e durante eles há, em
geral, um aumento muito grande no risco de
transmissão de infecção por HIV e de outras doenças
sexualmente transmissíveis (39). Em muitas forças
armadas a prevalência de infecção por HIV já atingiu
altos índices (40). Em épocas de conflito, as forças
militares (incluindo-se, às vezes, as forças de paz)
assumem o poder de exigir serviços sexuais da
população local, seja à força, ou mediante pagamento
(41). A transmissão do HIV e de outras doenças
sexualmente transmissíveis incrementa-se ainda mais
pelo fato de que as tropas têm um alto grau de
mobilidade e, no final, retornam a diferentes regiões
depois da desmobilização (36, 42, 43). No total, os
refugiados de conflitos e populações internamente
deslocadas sofrem um aumento no risco de infecção
por HIV (44) porque:
· Em geral, estão mais vulneráveis a abusos
sexuais e violência.
· Estão mais propensos a se entregar à
prostituição – tendo sido privados de suas fontes
de renda habituais para sobrevivência.
· Crianças desalojadas, com muito pouco para
ocupá-las e possivelmente sem ninguém para
cuidar delas, podem tornar-se sexualmente ativas
mais cedo do que ocorreria em outras condições.
· O sangue usado em transfusões nas
emergências pode não ter sido testado quanto à
222 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
presença de HIV.
Deficiências físicas
Os dados sobre incapacitações físicas
relacionadas a conflito são escassos. No Zimbábue,
uma pesquisa em nível nacional, realizada em 1982,
determinou que 13% de todas as incapacitações
físicas eram resultado direto do conflito armado
anterior. Mais de 30 anos de conflito armado na Etiópia
acarretaram cerca de 1 milhão de mortes, das quais
cerca da metade foram de civis (36). Aproximadamente
um terço dos 300 mil soldados voltando das linhas
de frente depois do final do conflito haviam sofrido
lesões ou tinham incapacitações físicas e, pelo menos
40 mil pessoas haviam perdido um ou mais membros
no conflito.
As minas terrestres são uma das principais
contribuições para as incapacitações físicas. No
Camboja, 36 mil pessoas perderam pelo menos um
membro depois de detonar uma mina terrestre
acidentalmente – um em cada 236 membros da
população (45). Um total de 6 mil pessoas ficou
incapacitada desta forma, somente em 1990. Mais de
30 milhões de minas foram colocadas no Afeganistão
na década de 1980.
Em alguns conflitos, a mutilação na forma de corte
das orelhas ou lábios, como praticado em
Moçambique durante a guerra civil (46), ou de
membros, como ocorreu mais recentemente em Serra
Leoa (47), tem sido sistematicamente praticada com
o intuito de desmoralizar as forças inimigas.
Saúde mental
O impacto dos conflitos na saúde mental é
influenciado por uma série de fatores. Dentre estes
se incluem (48):
— a saúde psicológica dos afetados, antes do
evento;
— a natureza do conflito;
— a forma de trauma (se é resultado de viver a
experiência e assistir a atos de violência ou se é
diretamente infligido, como no caso de tortura e
de outros tipos de violência repressiva);
— a resposta ao trauma por indivíduos e
comunidades;
— o contexto cultural em que ocorre a violência.
Os estresses psicológicos relacionados a
conflitos estão associados a, ou resultam de (49):
— desalojamento, seja forçado ou voluntário,
— perda e desgosto,
— isolamento social,
— perda de status,
— perda da comunidade e,
— em alguns cenários, aculturação a novos
ambientes.
As manifestações desses estresses podem
incluir:
— depressão e ansiedade,
— doenças psicossomáticas,
— comportamento suicida,
— conflitos intrafamiliares,
— abuso de álcool (alcoolismo) e
— comportamento anti-social.
Especialmente refugiados solteiros e isolados,
bem como mulheres responsáveis pela família (head
of household), podem correr riscos de sofrer estresse
psicológico.
Alguns especialistas (48,50) alertaram quanto à
suposição de que as pessoas não têm capacidade e
resistência de reagir a condições adversas originárias
de conflito violento. Outros advertiram quanto ao
perigo (51) de que os programas de ajuda humanitária
possam se transformar em substituto para o diálogo
político com as partes envolvidas no conflito –
possivelmente aquelas que são sua força propulsora
principal. Estudos realizados na África do Sul (52)
indicaram que nem todos os que estiveram sujeitos a
trauma durante o apartheid se tornaram “vítimas”.
Ao invés disso, pelo menos em alguns casos, os
indivíduos tiveram a capacidade de reagir com vigor,
porque se viam lutando por causas legítimas que
valiam a pena. O modelo médico que atribui a
“síndrome pós-estresse” a indivíduos pode estar
deixando de levar em conta a variedade e
complexidade das reações humanas a eventos
estressantes (48). Está ficando mais claro agora que
a recuperação de trauma psicológico resultante de
conflito violento está associada à reconstrução das
redes sociais e econômicas e das instituições
culturais (50).
Índices elevados de depressão, uso de drogas e
suicídio, freqüentemente são o resultado de conflitos
violentos. O Sri Lanka tinha um índice de suicídio
total muito menor do que tem agora (53). Constatações
semelhantes foram denunciadas em El Salvador (34).
Em ambos esses casos, o forte aumento de suicídios
foi, pelo menos em parte, conseqüência da violência
política.
Do ponto de vista da saúde mental, as populações
afetadas por conflitos violentos podem ser divididas
em três grupos (54):
— os que apresentam doenças psiquiátricas
incapacitantes;
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 223
— os que apresentam graves reações psicológicas
a traumas;
— os que compõem a maioria e que, uma vez
restabelecidas a paz e a ordem, são capazes de se
adaptar.
Os dois primeiros grupos são passíveis de se
beneficiar consideravelmente de cuidados de
saúde mental que levem em consideração fatores
culturais e socioeconômicos.
Impacto em populações específicas
O efeito direto dos conflitos na saúde das forças
armadas normalmente é registrado com um certo grau
de precisão; no entanto, em geral é difícil de se
determinar o efeito dos conflitos em grupos
específicos. O tamanho da população e a densidade
podem variar muito em curtos períodos de tempo à
medida que as pessoas se mudam para áreas seguras
e para locais onde há mais recursos disponíveis. Este
fato complica as medições do impacto do conflito na
saúde.
Civis
Segundo a Convenção de Genebra de 1949, as
forças armadas devem aplicar os princípios da
proporcionalidade e da distinção em sua escolha de
alvos. A proporcionalidade envolve a tentativa de
minimizar as vítimas civis ao buscar alvos militares e
relacionados. A distinção significa evitar alvos civis
sempre que possível (52). Apesar dessas tentativas
de regular seu impacto, os conflitos armados
ocasionam muitas mortes entre os civis.
Enquanto as mortes de civis podem ser o resultado
direto de operações militares, o aumento dos índices
de mortalidade entre civis em tempos de conflito são
em geral um reflexo dos efeitos combinados de:
— menor acesso a alimentos, ocasionando
subnutrição;
— aumento do risco de doenças contagiosas;
— acesso reduzido a serviços de saúde;
— redução dos programas de saúde pública;
— condições ambientais inadequadas;
— angústia psicossocial.
Refugiados e população internamente
desalojada
É característico que, especialmente no período
imediatamente após sua migração, refugiados e
pessoas internamente desalojadas apresentem altos
índices de mortalidade (55,56). Exames de saúde de
refugiados e de populações desalojadas revelaram
índices de mortalidade extremamente elevados – nos
piores casos até 60 vezes acima dos índices
esperados durante a fase aguda do desalojamento
(55, 57, 58). Na Monróvia, capital da Libéria, o índice
de mortalidade entre civis desalojados durante o
conflito de 1990 foi sete vezes maior do que o índice
anterior ao conflito (57).
As mortes decorrentes de subnutrição, diarréia e
doenças infecciosas ocorrem principalmente entre as
crianças, enquanto os adultos são afetados
principalmente por outras doenças infecciosas, como
malária, tuberculose e HIV, bem como uma série de
doenças não contagiosas, lesões e violência. O estado
de saúde anterior da população, seu acesso aos
principais determinantes para a saúde (alimentos,
abrigo, água, saneamento e serviços de saúde), a
amplitude de sua exposição a novas doenças e a
disponibilidade de recursos são fatores que exercem
importante influência na saúde de refugiados, durante
e após os conflitos.
Impacto demográfico
Uma conseqüência da mudança nos métodos
modernos de guerra, onde comunidades inteiras são
cada vez mais encaradas como alvo, tem sido o grande
número de pessoas desalojadas. O número total de
refugiados fugindo através de fronteiras nacionais
cresceu de cerca de 2,5 milhões em 1979 e 11 milhões
em 1983, para 23 milhões em 1997 (59, 60). No início
dos anos 90, adicionalmente, um total estimado de 30
milhões de pessoas foram desalojadas internamente
em um determinado momento (60), a maioria delas
tendo fugido de zonas de conflito. Os desalojados
dentro dos países, provavelmente têm menos acesso
a recursos e ajuda internacional do que os refugiados
que fogem através das fronteiras e também estão mais
propensos a sofrer risco continuado de violência (61).
A Tabela 8.3 mostra os movimentos de refugiados
e de populações internamente desalojadas durante
os anos 90 (62). Na África, nas Américas e na Europa
durante esse período havia muito mais pessoas
desalojadas internamente do que refugiados,
enquanto na Ásia e no Meio Oriente ocorria o
contrário.
A redistribuição forçada de populações, praticada
por vários governos, por razões alegadas de
segurança, ideologia, ou desenvolvimento, também
pode ter um forte impacto na saúde. Entre 1985 e
1988, cerca de 5,7 milhões de pessoas, 15% da
224 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
população rural total, foram transferidos das
províncias do norte e do leste para povoados no
sudoeste em conseqüência de um programa
obrigatório do governo na Etiópia (63). Durante o
regime de Pol Pot no Camboja (1975 -1979), centenas
de milhares de habitantes da região urbana foram
desalojados à força e transferidos para áreas rurais.
Impacto socioeconômico
O impacto econômico dos conflitos pode ser
profundo (64, 65). Tendem a ser drasticamente
reduzidos os gastos públicos em setores que incluem
saúde e educação, na medida em que o Estado
enfrenta dificuldades na coleta de impostos e na
obtenção de outras fontes de receita – por exemplo, o
turismo – ao mesmo tempo em que aumentam os
gastos militares. Na Etiópia, os gastos militares
aumentaram de 11,2% do orçamento do governo em
1973-1974 para 36,5% em 1990-1991, enquanto
simultaneamente a fatia do orçamento destinada à
saúde caiu de maneira drástica de 6,1% para 3,2%
(36).
Os conflitos também afetam significativamente
os recursos humanos e a produtividade. No nível
doméstico, as fontes de recursos disponíveis também
são passíveis de ser fortemente reduzidas. Problemas
adicionais para a subsistência das pessoas podem
ser ocasionados pela manipulação de preços ou o
fornecimento de artigos essenciais, e por outras
formas de especulação.
Houve algumas tentativas de medir os custos de
oportunidade de desenvolvimento que não ocorrera,
como resultado de conflitos. Os países em conflito
sistematicamente têm obtido menor progresso na
ampliação da expectativa de vida e na redução de
mortalidade infantil e nos índices brutos de
mortalidade, quando comparados a outros países na
mesma região e com situação sócio-econômica
semelhante (66). Análises como essas podem ser
confundidas pela influência simultânea da pandemia
de AIDS, que por si só pode ser consideravelmente
exacerbada por conflitos e instabilidade (42, 43).
Alimentos e agricultura
Em períodos de conflito, a produção e a
distribuição de alimentos freqüentemente são visadas
de forma especifica (67). No conflito ocorrido na
Etiópia entre forças do governo e forças separatistas
da Eritréia e da província de Tigre no período de 1974
a 1991, os agricultores foram impedidos à força de
plantar e colher suas colheitas e soldados saquearam
sementes e gado. Na província de Tigre e na Eritréia
os combatentes recrutaram agricultores, minaram as
terras, confiscaram alimentos e abateram o gado (36).
A perda dos animais de criação priva os agricultores
de um bem necessário para fazer a terra produzir,
acarretando, portanto um efeito adverso imediato e a
longo prazo.
Infra-estrutura
Importantes infra-estruturas podem ser
danificadas durante períodos de
conflito. No caso da infra-estrutura
de água e saneamento, os danos
causados podem ter efeito direto e
grave na saúde. No início e em meados
da década de 1980, nos conflitos
ocorridos no sul do Sudão e em
Uganda, as bombas manuais dos
vilarejos foram deliberadamente
destruídas por tropas do governo que
operavam em áreas controladas por
forças rebeldes, e por guerrilhas nas
áreas sob controle do governo (30).
Durante as operações militares contra
o Iraque em 1991, os suprimentos de
água, estações de esgoto e outros
serviços de saneamento foram
afetados drasticamente pelo intenso
bombardeio (68).
Serviços de assistência à
saúde
O impacto de conflitos nos
serviços de assistência à saúde é de
efeito extremamente abrangente (ver
Tabela 8.4). Antes da Guerra do Golfo,
em 1991, os serviços de saúde no
Iraque atendiam 90% da população e
as crianças com menos de cinco anos
eram rotineiramente vacinadas em sua
grande maioria. Durante o conflito,
muitos hospitais e clínicas foram
seriamente danificados e tiveram de
ser fechados, enquanto os que ainda
estavam em operação tiveram de
atender áreas de abrangência muito
maior.Extensos danos às estações de
abastecimento de água, eletricidade e esgotos
reduziram ainda mais a capacidade de operação dos
serviços de saúde remanescentes (68). No violento
conflito ocorrido no Timor Leste em 1999, após o
plebiscito pela independência, as forças milicianas
destruíram virtualmente todos os serviços de
assistência à saúde. Somente o hospital principal da
cidade mais importante, Dili, foi deixado em pé.muito
maior.
Geralmente no início e ao longo dos conflitos, o
fornecimento de medicamentos fica prejudicado,
causando aumento de condições que poderiam ter
sido evitadas por medicação, incluindo males
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 225
226 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
potencialmente fatais, como asma, diabettes e uma
série de doenças infecciosas. Além dos
medicamentos, também podem faltar pessoal da área
médica, equipamentos para diagnóstico, eletricidade
e água, afetando a qualidade dos serviços de saúde
disponíveis. Em geral, os recursos humanos nos
serviços de assistência à saúde também são
gravemente afetados por conflitos violentos. Em
alguns casos, como em Moçambique e Nicarágua, o
pessoal médico transformou-se em alvo específico.
O pessoal qualificado freqüentemente se retira para
áreas urbanas mais seguras, podendo também
abandonar definitivamente a profissão. Em Uganda,
entre 1972 e 1985, a metade dos médicos e 80% dos
farmacêuticos deixaram o país para preservar sua
segurança. Em Moçambique, apenas 15% dos 550
médicos existentes durante os últimos anos do
domínio português ainda permaneciam lá no final da
guerra da independência em 1975 (69).
O que pode ser feito para evitar a
violência coletiva?
Reduzir o potencial de conflitos
violentos
No mundo, estão entre as políticas necessárias
para reduzir o potencial de conflitos violentos de
qualquer tipo (70):
· Reduzir a pobreza, tanto em termos absolutos
como relativos, e garantir que o auxílio ao
· desenvolvimento seja objetivado de forma a
exercer o maior impacto possível contra a pobreza.
· Tornar mais confiável a tomada de decisões.
· Reduzir a desigualdade entre grupos da
sociedade.
· Reduzir o acesso a armas biológicas, químicas,
nucleares e de outros tipos.
Promover o cumprimento de acordos
internacionais
Um elemento importante na prevenção de
conflitos violentos e outras formas de violência
coletiva é assegurar a promoção e aplicação de
tratados firmados internacionalmente inclusive os
relativos a direitos humanos.
Os governos nacionais podem ajudar a evitar
conflitos defendendo o espírito da Carta das Nações
Unidas, que solicita a prevenção de agressões e a
promoção da paz e segurança internacional. Em um
nível mais detalhado, isso engloba a adesão a
instrumentos legais internacionais, inclusive a
convenção de Genebra de 1949 e seus Protocolos de
1977.
Leis relativas a direitos humanos, especialmente
as que resultam da Convenção Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, estabelecem limites à
forma como os governos exercem sua autoridade
sobre pessoas sob sua jurisdição e
incondicionalmente proíbe, entre outros atos, a
tortura e o genocídio. O estabelecimento da Corte
Criminal Internacional assegurará um mecanismo
permanente para tratar de crimes de guerra e crimes
contra a humanidade. Também poderá proporcionar
desestímulo contra violência dirigida a populações
civis.
Os esforços para criar tratados e acordos que
contemplem a violência coletiva, com desestímulos
e sanções por abusos, tendem a ser mais eficazes
no que tange à violência entre Estados, tendo
geralmente muito menos poder dentro de fronteiras
nacionais, que é a área onde vem ocorrendo cada
vez mais conflitos.
Os benefícios potenciais da
globalização
A globalização está produzindo novas formas
para aumentar a consciência pública e os
conhecimentos sobre conflitos violentos, suas
causas e conseqüências. As novas tecnologias que
têm surgido proporcionam novos meios, não apenas
para o intercâmbio de idéias, mas também para
pressionar os responsáveis pela tomada de decisões
a aumentarem a responsabilidade e a transparência
da direção dos governos e para reduzir
desigualdades sociais e injustiças.
Um número crescente de organizações
internacionais – incluindo-se Amnesty International
[Anistia Internacional], Human Rights Watch
(Vigilância de Direitos Humanos), International
Campaign to Ban Landmines [Campanha
Internacional para o Banimento de Minas Terrestres]
e Physicians for Human Rights [Médicos para
Direitos Humanos] – estão monitorando conflitos e
pressionando por ações corretivas ou preventivas.
Indivíduos e grupos afetados por conflitos podem
agora, por meio dessas organizações e de outras
formas, fazer uso das novas tecnologias para relatar
suas experiências e preocupações a grandes
públicos.
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 227
O papel do setor da saúde
Investir no desenvolvimento da saúde também
contribui para a prevenção de conflitos violentos.
Uma grande ênfase em serviços sociais pode ajudar
a manter a coesão social e a estabilidade.
Manifestações precoces de situações que podem
levar a conflitos podem ser detectadas com freqüência
no setor da saúde. Os profissionais da área de saúde
têm um importante papel a desempenhar, chamando
a atenção para esses sinais e solicitando intervenções
sociais e de saúde apropriadas para reduzir os riscos
de conflito (ver Quadro 8.2).
Em termos da redução de desigualdades entre
grupos sociais e acesso desigual a recursos – ambos
importantes fatores de risco para violência – o setor
da saúde está bem posicionado para detectar
desigualdades no estado de saúde e no acesso à
assistência médica. São importantes ações
preventivas contra conflitos potenciais a
identificação precoce dessas desigualdades e a
promoção de medidas corretivas, especialmente
quando o distanciamento entre os grupos sociais está
crescendo. Monitorar a distribuição e as tendências
não só das doenças associadas à pobreza, que
estejam em condições passíveis de prevenção ou
tratamento por parte dos serviços médicos, mas
também das desigualdades em possibilidades de
sobrevivência, são essenciais para detectar
disparidades na sociedade, em grande parte não
reconhecidas, porém importantes.
O setor da saúde também pode prestar um
importante serviço ao publicar os impactos
socioeconômicos dos conflitos violentos e seus
efeitos sobre a saúde.
Reações a conflitos violentos
Prestação de serviços durante os
conflitos
Os problemas comuns enfrentados pelas
operações humanitárias durante períodos de conflito
incluem (71):
— a melhor maneira de aperfeiçoar os serviços de
assistência médica para a população hospedeira
paralelamente à prestação de serviços para
refugiados;
— uma maneira de proporcionar serviços de boa
qualidade, de maneira humana e eficiente;
— uma maneira de envolver as comunidades na
determinação de prioridades e a forma pela qual
os serviços são prestados;
— uma maneira de criar mecanismos sustentáveis
a través dos quais a experiência obtida em campo
é utilizada na formulação de políticas.
Os refugiados que fogem de seu país
atravessando fronteiras perdem suas fontes habituais
de assistência médica, passando a depender do que
estiver disponível no país hospedeiro, ou do que
puder ser proporcionado em serviços adicionais por
órgãos internacionais e organizações não
governamentais. Os serviços do governo hospedeiro
podem ficar sobrecarregados se grandes
contingentes de refugiados repentinamente se
mudarem para uma área e tentarem usar os serviços
de saúde locais. Isto pode ser uma fonte de
antagonismo entre os refugiados e a população do
país hospedeiro, que pode resultar em nova violência.
Tal antagonismo pode ser agravado se os refugiados
receberem serviços, incluindo os serviços de saúde,
mais facilmente ou mais baratos do que os
disponíveis para a população local, ou se o país
hospedeiro não receber recursos externos para fazer
frente a esse encargo muito aumentado. Durante o
conflito ocorrido em 1999, quando etnias albanesas
de Kosovo fugiram para a Albânia e para a República
da Macedônia da antiga Iugoslávia, a Organização
Mundial da Saúde e outras agências tentaram ajudar
os sistemas de saúde e previdência existentes desses
países hospedeiros a enfrentarem a carga adicional,
ao invés de simplesmente permitir que um sistema
paralelo fosse importado através dos organismos de
ajuda.
Ao planejar reações durante crises, os governos
e agências precisam:
efetivamente sendo implementados.
— avaliar, em um estágio muito inicial, quem está
particularmente vulnerável e quais são suas
necessidades;
— coordenar estritamente as atividades entre os
vários envolvidos;
— trabalhar no sentido de aumentar as
capacidades globais, nacionais e locais para poder
fornecer serviços de saúde eficientes durante os
vários estágios da emergência.
A Organização Mundial da Saúde tem
desenvolvido mecanismos de observação para ajudar
a identificar e reagir o mais prontamente possível a
conflitos. Sua Health Intelligence Network for
Advanced Contingency Planning [Rede de
Inteligência de Saúde para Planejamento Avançado
de Contingências] proporciona rápido acesso a Infor-
228 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 8.2
A saúde como uma ponte para a paz
O conceito – que a saúde pode contribuir para a conciliação e colaboração regionais – foi
consagrado em 1902 nos princípios da fundação da Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS
(Pan American Health Organization – PAHO), a mais antiga organização internacional de saúde do
mundo. Nas últimas duas décadas a Organização Pan-Americana de Saúde/Escritório Regional da
OMS para as Américas tem atuado como um instrumento útil para a aplicação deste conceito.
Em 1984, a OPAS/OMS, em cooperação com ministros nacionais de saúde e outras instituições,
lançou uma iniciativa estratégica em áreas destruídas pela guerra na América Central. O objetivo
era melhorar a saúde dos povos da América Central, ao mesmo tempo em que se desenvolvia a
cooperação entre e dentro de países da região. Sob o tema geral de “Saúde como uma ponte para
paz, solidariedade e entendimento”, o plano consistia de uma série de programas.Na primeira fase,
até 1990, havia sete prioridades para colaboração:
— fortalecer os serviços de saúde,
— desenvolver recursos humanos,
— medicamentos essenciais,
— alimentos e nutrição,
— principais doenças tropicais,
— sobrevivência infantil, e
— abastecimento de água e saneamento.
Em alguns anos, mais de 250 projetos nessas áreas de prioridade haviam sido desenvolvidos,
estimulando a colaboração entre nações e grupos na América Central até então envolvidos em
disputas entre si. Em El Salvador, por exemplo, apesar da dificuldade de se trabalhar em meio à
violência política, negociaram-se “dias de tranqüilidade” e suspenderam-se as lutas para permitir
a imunização das crianças. Esse acordo durou de 1985 até o final do conflito em 1992, permitindo
que cerca de 300 mil crianças fossem vacinadas anualmente. A incidência de sarampo, tétano e
poliomielite caiu drasticamente, com a poliomielite chegando a zero.
A colaboração também ocorreu no controle da malária, distribuição de medicamentos e vacinas
através de fronteiras, e treinamentos. Estabeleceram-se redes de informação de saúde regionais e
sub-regionais e organizou-se um sistema de resposta rápida a desastres naturais. Esses esforços
criaram um precedente para um diálogo mais amplo dentro da região, até os eventuais pactos de
paz. Durante a segunda fase da iniciativa, de 1990 a 1995, os setores de saúde da América Central
apoiaram os esforços para o desenvolvimento e a democracia. Após os acordos de paz, a OPAS/
OMS ajudou na desmobilização, reabilitação e reintegração social daqueles mais afetados pelo
conflito, inclusive as populações indígenas e fronteiriças. A saúde continuou a ser um fator de
avanço para a consolidação democrática na terceira fase, entre 1995 e 2000.
Entre 1991 e 1997, programas semelhantes foram organizados em Angola, Bósnia-Herzegóvina,
Croácia e Moçambique. Em cada programa, representantes dos escritórios regionais da OMS
trabalharam em cooperação com o governo, organizações não governamentais locais e outras
agências das Nações Unidas. Todos esses programas foram úteis para a reconstrução do setor de
saúde após o final dos conflitos. Em Angola e Moçambique, a Organização Mundial da Saúde
participou do processo de desmobilização, promoveu a reintegração ao sistema nacional de serviços
de saúde, anteriormente fora do controle do governo central e treinou novamente os profissionais
da saúde dessas regiões. Na Bósnia-Herzegóvina e Croácia, a Organização Mundial da Saúde
possibilitou intercâmbios entre grupos étnicos e propiciou contatos regulares e colaboração entre
profissionais da saúde de todas as comunidades.
Todas as experiências desse período foram consolidadas pela Organização Mundial da Saúde
em 1997, em um programa global, “Saúde como uma Ponte para a Paz”. Desde então, novos
programas foram estabelecidos na Região do Cáucaso, Bósnia-Herzegóvina, Indonésia, Sri Lanka
e República da Macedônia da antiga Iugoslávia. Na Indonésia, por exemplo, a Organização Mundial
mações atualizadas sobre países específicos e seus
índices de saúde, bem como orientação sobre as
melhores práticas e dados sobre vigilância sanitária.
Nas emergências, as organizações humanitárias
tentam em um primeiro momento evitar a perda de
vidas e, em seguida, restabelecer um ambiente onde
seja possível a promoção da saúde. Muitas
organizações de ajuda vêem como sua função
primeira a de salvar vidas que foram colocadas em
risco como resultado de acontecimentos atípicos,
sem necessariamente estarem preocupadas se suas
atividades podem ser repetidas ou sustentadas a
longo prazo. As agências que adotam uma
perspectiva especificamente relacionada ao
desenvolvimento, por outro lado, tentam desde o
início levar em consideração questões como
eficiência, sustentabilidade, igualdade e
envolvimento local – todos eles fatores que
produzirão maiores benefícios em longo prazo. Essa
abordagem enfatiza a criação de capacidade local
e manutenção de custos baixos. No entanto, é difícil
estender as respostas de curto prazo para tentar
estabelecer sistemas de prazo mais longo.
Se pretendem maximizar o uso de seus recursos,
manter o mínimo de duplicação de atividades e
melhorar a eficiência das operações, as
organizações precisam trabalhar em colaboração
muito estreita. O Código de Conduta para
Organizações Humanitárias, da forma como foi
criado pela Federação Internacional das
Sociedades Cruz Vermelha e Crescente Vermelho
(International Federation of Red Cross and Red
Crescent Societies) (62), estabelece uma série de
princípios básicos que muitas organizações
humanitárias encaram como a formação de uma
base para seu trabalho. Esse código é, no entanto,
voluntário e não há medidas efetivas para a
imposição de seus princípios ou para avaliar se
esses estão efetivamente sendo implementados.
continuação
da Saúde organizou equipes de profissionais de saúde para operar em áreas de conflito real ou
potencial. Um desses grupos, formado por profissionais muçulmanos e cristãos, está trabalhando
nas ilhas Molucas, uma área de fortes conflitos religiosos em anos recentes.
Através do programa “Saúde Como Uma Ponte Para a Paz”, os profissionais da saúde ao redor
do mundo estão sendo organizados para contribuir para a paz, trazer estabilidade e reconstrução
à medida que os conflitos terminam e ajudar na conciliação de comunidades divididas e destruídas
pelas lutas.
Considerações éticas da prestação de
ajuda
Há problemas éticos referentes a intervenções em
situações de emergência e especialmente na forma
de distribuir a ajuda. Em alguns casos, como na crise
da Somália, no início dos anos 90, agências de
assistência contrataram guardas armados para
conseguir levar adiante suas operações, uma atitude
que é vista como eticamente questionável. No que
tange à distribuição de ajuda, muitas vezes há a
expectativa de que uma parte será desviada para as
regiões em guerra. Em geral, as agências de ajuda
adotam o ponto de vista de que é aceitável algum
grau de “fuga” de recursos, desde que a maior parte
ainda chegue ao destino pretendido. Em alguns
lugares, entretanto, a proporção de alimentos e de
outras ajudas desviadas tem sido tão alta que as
agências decidiram retirar seus serviços.
Outras preocupações éticas se concentram no
fato de que trabalhar com facções em guerra confere
indiretamente certo grau de legitimidade a elas e a
suas atividades. Surgem indagações quanto à
conveniência das agências se calarem sobre os
abusos observados ou falar deles, e se elas deveriam
continuar a prestar serviços à luz de abusos
continuados. Anderson (72), entre outros, discute
as questões mais amplas de como a ajuda emergencial
pode auxiliar a promover a paz ou, por outro lado,
prolongar os conflitos.
Envolvimento da comunidade
Durante períodos de conflito, as estruturas e
atividades da comunidade local podem ficar
seriamente prejudicadas. As pessoas podem ter medo
de debater ativamente questões como política social
ou a luta a favor de grupos marginalizados ou
vulneráveis. Isto pode ser ainda mais evidente sob
regimes políticos antidemocráticos e em lugares onde
a violência do Estado é uma ameaça contra os
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 229
oponentes identificados do regime.
Em alguns casos, no entanto, pode haver um
resultado positivo em termos de resposta da
comunidade, quando o desenvolvimento de
estruturas sociais, inclusive serviços de saúde, é na
verdade facilitado. Esse tipo de resposta parece ser
mais comum em conflitos causados por ideologias,
como os que ocorreram na última parte do século XX
em Moçambique, Nicarágua e Vietnã. No conflito
ocorrido na Etiópia entre 1974 e 1991, movimentos
políticos baseados em comunidades, na Eritréia e na
província de Tigre, envolveram-se fortemente na
criação de estruturas participativas locais para
tomada de decisões e no desenvolvimento de
estratégias de promoção da saúde (73).
Restabelecimento de serviços após os
conflitos
Quando os países saem de períodos de conflitos
sérios, tem havido consideráveis discussões sobre
como melhor restabelecer os serviços (74 -76).
Quando áreas inacessíveis se abrem depois de
emergências complexas, liberam uma enxurrada de
necessidades de saúde pública que antes já não eram
atendidas, tipicamente sinalizadas por epidemias de
sarampo. Além disso, os acordos de cessar-fogo,
mesmo quando precários, precisam incluir apoio
especial à saúde para soldados em desmobilização,
planos para retirada de minas e acertos para o retorno
de refugiados e de pessoas internamente desalojadas.
Todas essas demandas provavelmente ocorrem num
momento em que a infra-estrutura do sistema de
saúde local está gravemente debilitada e outros
recursos econômicos estão esgotados.
Necessita-se de informações mais precisas sobre
intervenções em vários locais, as condições em que
ocorrem e seus efeitos e limitações. Um problema na
coleta de dados referentes aos conflitos é a definição
de um ponto final das noções. Em geral, a fronteira
entre o final de um conflito e o início de um período
pós-conflito está longe de ser nítida, já que elevados
níveis de insegurança e instabilidade geralmente
persistem por um tempo considerável.
A Tabela 8.5 descreve algumas das abordagens
típicas para a reconstrução dos sistemas de
assistência à saúde no período posterior aos conflitos.
No passado, dava-se considerável atenção à
reconstrução física e a programas de controle de
doenças, mas relativamente pouca consideração à
coordenação de reações de doadores ou ao
estabelecimento de estruturas políticas efetivas.
Documentação, pesquisa e
disseminação de informações
A vigilância e a documentação são áreas centrais
para as atividades de saúde pública referentes a
conflitos. Embora seja verdade, como mencionado
acima, que os dados sobre violência coletiva muitas
vezes são insatisfatórios e imprecisos, geralmente
nesse campo não se justifica uma preocupação
demasiado rígida quanto à precisão dos dados. É
essencial, no entanto, que os dados sejam válidos.
Fornecer dados válidos aos responsáveis pela
elaboração de políticas é um componente igualmente
importante da ação de saúde pública. As Nações
Unidas, os organismos internacionais, organizações
não governamentais e os profissionais da saúde,
todos desempenham papéis importantes nessa área.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha – CICV
(International Committee of the Red Cross – ICRC),
por exemplo, através de pesquisa extensiva e trabalho
de promoção, teve um papel importante na promoção
do processo de Ottawa, que levou à adoção do
Tratado para o Banimento de Minas contra pessoas,
que entrou em vigor em 1o de março de 1999. Um
membro da diretoria do Comitê Internacional da Cruz
Vermelha envolvido nesse esforço fez a seguinte
declaração: “A observação e documentação dos
efeitos das armas não produz mudanças nas crenças,
no comportamento ou na lei, a não ser que sejam
comunicados forçosamente aos responsáveis pela
elaboração de políticas e ao público” (77).
Algumas organizações não governamentais como
a Anistia Internacional (Amnesty International) têm
mandatos explícitos para denunciar abusos aos
direitos humanos. Assim também alguns organismos
das Nações Unidas como o Escritório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos (Office of the United Nations High
Commissioner for Human Rights). Alguns órgãos,
no entanto, relutam em se pronunciar contra os
envolvidos em conflitos por recear que sua
capacidade de prestar serviços essenciais possa ficar
comprometida. Nesses casos, os órgãos podem optar
por transmitir informações de maneira indireta,
através de terceiros ou dos meios de comunicação.
Para que a disseminação de informações seja
eficaz, é necessário contar com dados de qualidade e
que a experiência obtida a partir das intervenções
seja analisada adequadamente. A pesquisa é
230 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
fundamental para avaliar o impacto de conflitos na
saúde e nos sistemas de assistência médica, bem
como para estabelecer quais intervenções são
eficazes.
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 231
Recomendações
Várias medidas devem ser tomadas para evitar a
ocorrência de conflitos e, quando ocorrerem, para
reduzir seu impacto. Essas medidas se encaixam nas
seguintes categorias amplas:
— obter informações mais completas e uma
melhor compreensão dos conflitos;
— empreender ações políticas para prever e
evitar conflitos e reagir a eles;
— atividades de manutenção da paz;
— reações do setor de saúde aos conflitos;
— respostas humanitárias.
Informações e compreensão
Dados e observações
Algumas importantes medidas que devem ser
tomadas com o intuito de gerar informações mais
válidas e precisas sobre os conflitos e sobre como
reagir a eles incluem:
· Identificação de indicadores relativos à
saúde pública e ao desempenho dos
serviços de saúde em conjunto com formas
eficazes de medir esses indicadores, de forma
a poder detectar desvios das normas de
saúde em grupos específicos, que podem
ser sinais precoces de tensões entre grupos.
· Aprimoramento de técnicas recentes de
coleta e observação de dados que tratem
das condições de saúde em populações
afetadas por conflitos a fim de melhorar a
compreensão do impacto de conflitos em
outras populações – inclusive pessoas
desalojadas internamente, refugiados que se
integraram às comunidades onde se
abrigaram e grupos especificamente
vulneráveis como as crianças-soldados (ver
Quadro 8.3).
· Aperfeiçoamento dos métodos de análise
do impacto de conflitos sobre os sistemas
de saúde e o modo como esses sistemas
respondem.
Pesquisas adicionais
Está claro que há uma grande necessidade de
mais pesquisa, documentação e análise para evitar
futuros conflitos, reduzir a vulnerabilidade de grupos
específicos e prestar os serviços mais adequados da
maneira mais eficaz possível durante e após as crises
de violência. Dois aspectos em particular da
documentação e análise que necessitam receber
atenção são:
· O desenvolvimento de maneiras eficazes de
registrar as experiências das populações
afetadas por conflitos.
· A realização de análises objetivas pós-
conflito, descrevendo o crescimento da
violência, seu impacto e suas reações a ela.
Realizaram-se algumas análises dentro
desses parâmetros, especialmente após o
genocídio em Ruanda em 1994 (74).
Uma pergunta específica, e que requer atenção, é
o motivo pelo qual alguns países que apresentam
uma série de sinais de risco de conflito violento são
capazes de evitá-lo, enquanto outros evoluem para
conflitos ou, até mesmo, para o colapso virtual do
Estado. Angola, Libéria, Serra Leoa, Somália e a antiga
Iugoslávia são alguns exemplos desta última
categoria. Um caminho de pesquisa útil seria
determinar um conjunto de indicadores pré-
emergenciais que poderiam ajudar a prever se uma
crise pode degenerar em emergência complexa e de
grande porte.
Evitando conflitos violentos
A prevenção total de conflitos deve ser uma
prioridade do ponto de vista da saúde pública.
As principais medidas para os governos neste
terreno incluem:
· O respeito aos direitos humanos, com
adesão total ao espírito da Carta das Nações
Unidas e a promoção da adoção total das
leis que protegem os direitos humanos e leis
humanitárias internacionais.
· Promoção da adoção de tratados e outras
medidas que restringem a produção, a
distribuição e o uso de minas terrestres
contra pessoas.
· Promoção de esforços para reduzir a
produção e disponibilidade de armas
biológicas, químicas, nucleares e outros
tipos de armamento. Especificamente, novas
iniciativas relativas a armamento leve,
incluindo o código europeu de conduta
sobre a transferência de armas leves, devem
ser bastante estimuladas.
· Ampliação das medidas recentes para
integrar a monitoração do movimento de
pequenas armas com outros sistemas de
232 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 8.3
Crianças-soldados: problemas para os profissionais da saúde
O número de crianças-soldados em atividade no mundo todo, em qualquer tempo, foi considerado
como próximo de 300 mil, embora esse número esteja sendo certamente subestimado. A menos que as
crianças sejam recrutadas rotineiramente para as forças armadas, elas normalmente se envolvem apenas
depois que o conflito já está se desenvolvendo há algum tempo. Entretanto, uma vez que as crianças
comecem a ser recrutadas, o número de crianças envolvidas nesta situação, em geral, cresce rapidamente
e a idade média das crianças diminui.
Conseqüências para a saúde
Evidentemente, o envolvimento de crianças como combatentes em conflitos armados as expõe a
riscos de morte e lesões causadas pelo combate. Outros sérios efeitos na saúde são menos divulgados,
como os aspectos de saúde mental e saúde pública.
Pesquisas (78) demonstram que as lesões relacionadas ao combate encontradas com mais freqüência
crianças-soldados são:
– perda de audição,
– perda da visão e
– perda de membros.
Essas lesões refletem em parte a maior vulnerabilidade dos corpos infantis e as formas pelas quais
elas provavelmente são envolvidas nos conflitos, como na colocação e detecção de minas terrestres.
Os recrutas infantis também estão sujeitos a riscos de saúde não diretamente relacionados ao combate,
inclusive lesões causadas pelo porte de armas e outras cargas pesadas, subnutrição, infecções
dermatológicas e respiratórias, bem como doenças infecciosas como a malária.
Meninas-recrutas e, em menor escala, jovens do sexo masculino, freqüentemente são obrigados,
além de lutar, a prestar serviços sexuais. Tal situação os coloca em risco de contrair doenças sexualmente
transmissíveis, inclusive o HIV, bem como ficarem expostos, no caso das meninas, aos perigos associados
ao aborto ou ao parto. Além disso, os recrutas infantis geralmente recebem drogas ou álcool para
encorajá-los a lutar, criando problemas de dependência dessas substâncias, além dos demais riscos
associados à saúde.
Adolescentes recrutados pelos exércitos oficiais regulares, em geral, estão sujeitos à mesma
disciplina militar dos recrutas adultos, incluindo ritos de iniciação, exercícios pesados, punições e
humilhações destinados a anular sua vontade. O impacto de tal disciplina nos adolescentes pode ser
extremamente danoso no que diz respeito ao aspecto mental, emocional e físico.
Aspectos do setor de saúde
Os profissionais da área médica devem compreender a necessidade de se realizar exames completos,
mas sensatos, em toda as ex-crianças-soldados na primeira oportunidade possível, o que poderia ser
feito por ocasião da desmobilização formal, mas também pode ocorrer quando os são capturados,
fogem ou, de algum outro modo, deixam o serviço. Pode haver necessidade de se fazer esses exames
por etapas, cuidando primeiro dos problemas mais vitais e prosseguindo depois com os problemas
mais delicados, como o abuso sexual.
Dev-e dar atenção especial à saúde mental e psicológica das crianças-soldados, bem como a sua
saude física. Os problemas que podem afetar ex-crianças-soldados incluem:
— pesadelos, flashbacks e alucinações,
— falta de concentração e memória,
— ansiedade crônica,
— regressão no comportamento,
— aumento do abuso de substâncias prejudiciais como mecanismo de ajuda,
— sentimento de culpa e recusa em aceitar o passado,
— baixo controle da agressividade,
CAPÍTULO 8. VIOLÊNCIA COLETIVA · 233
Continuação
— pensamentos obsessivos de vingança e
— sentimento de afastamento dos demais.
Adicionalmente, o “comportamento militarizado” infantil pode levar a um baixo nível de aceitação
das normas da sociedade civil. Como destacou a Organização Mundial da Saúde em sua contribuição
para o estudo das Nações Unidas sobre crianças-soldados (78):
“Crianças que passam pelos estágios de desenvolvimento de socialização e aquisição de
julgamento moral em um ambiente [militar] estão mal preparadas para sua reintegração em uma
sociedade não violenta. Elas adquirem uma auto-suficiência prematura, são privadas dos
conhecimentos e habilidades para fazer julgamentos morais e distinguir comportamentos de risco
inadequados – estejam eles refletidos na violência, abuso de drogas ou agressão sexual. Sua
reabilitação se constitui em um dos maiores desafios sociais e de saúde pública no período após
o conflito armado”.
Os profissionais da área de saúde também podem exercer um valioso papel educativo ajudando
a evitar que as crianças sejam recrutadas por exércitos (inclusive como voluntários), aumentando
a conscientização entre as crianças e adolescentes que estão em situação de risco, bem como
entre suas famílias e comunidades e destacando os perigos associados, inclusive os danos graves
à saúde psicológica e mental.
alerta precoce de conflitos (79). Desde 1992,
por exemplo, as Nações Unidas mantêm um
Registro de Armas Convencionais, que inclui
dados sobre transferências internacionais de
armas, bem como informações fornecidas
pelos Estados Membros sobre seus ativos
militares, aquisição através de produção
doméstica e políticas relevantes.
· Monitoramento dos efeitos adversos da
globalização e promoção de formas mais
justas de desenvolvimento e de assistência
mais eficiente ao desenvolvimento.
· Trabalho em prol de formas de governo
responsáveis em todo o mundo.
Boutros Boutros-Ghali, o antigo Secretário Geral
das Nações Unidas, declarou que a integração social
deve ser encarada como uma prioridade de
desenvolvimento: “As manifestações de falta de
integração social são bem conhecidas: discriminação,
fanatismo, intolerância, perseguição. As
conseqüências também são conhecidas: deslealdade
social, separatismo, micronacionalismo e conflitos”
(80).
Manutenção da paz
A despeito do aumento maciço das atividades de
manutenção da paz empreendidas pelas Nações
Unidas, a eficácia de tais operações muitas vezes
tem demonstrado ser questionável. Dentre os
motivos destacam-se: incerteza sobre os mandatos
para tais intervenções, linhas de controle deficientes
entre as várias forças que colaboram para os esforços
de paz e recursos inadequados para a tarefa. Em
resposta a esses problemas, o Secretário Geral das
Nações Unidas criou um Painel sobre as Operações
de Paz das Nações Unidas para avaliar as deficiências
do sistema existente e para fazer recomendações
específicas de mudanças. O Painel, composto de
especialistas em vários aspectos da prevenção de
conflitos, manutenção e promoção da paz, fez
recomendações de melhorias, que abrangeram áreas
operacionais e organizacionais bem como políticas e
estratégias. Essas recomendações foram resumidas
em um relatório que é mais comumente conhecido
como o “relatório Brahimi” (81).
Respostas do setor da saúde
O potencial, e as limitações, do setor de
assistência médica para auxiliar a evitar conflitos e
reagir a eles deve ser pesquisado e documentado em
maior profundidade. É preciso haver mais
documentação sobre práticas eficientes,
particularmente aquelas referentes à prestação de
serviços eficazes pós-conflitos, área em que estão
234 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
começando a surgir novas lições.
Em um esforço global para criar políticas mais
eficazes de prevenção e resposta aos conflitos, os
governos devem apoiar organizações como a
Organização Mundial da Saúde e outras agências
das Nações Unidas.
Repostas humanitárias
É preciso elevar tanto os padrões quanto o nível
de responsabilidade das organizações em resposta a
crises violentas. O Projeto Esfera, com base em
Genebra na Suíça, está buscando obter consenso
sobre padrões mínimos para assistência humanitária
e para agir dentro deles. Da mesma forma, o Projeto
de Responsabilidade Humanitária, uma rede também
sediada em Genebra, que recebe o apoio de órgãos
de doações e organizações não governamentais, está
trabalhando para elevar os níveis de
responsabilidade, especialmente entre beneficiários
em potencial das atividades humanitárias. Governos
e organismos humanitários são instados a dar suporte
a esses dois esforços.das Nações Unidas.
Conclusão
Este capítulo concentrou-se no impacto causado
por conflitos violentos sobre a saúde pública e os
sistemas de assistência médica e tentou descrever
uma gama de respostas possíveis a tais crises. Existe
claramente uma necessidade de se colocar maior
ênfase na prevenção básica, que busca, antes de
tudo, evitar a ocorrência de conflitos.
Em relação à prevenção da violência coletiva e
ao tratamento de suas causas latentes, existe muito
ainda que precisa ser aprendido – e sobre o que é
preciso agir. Em primeiro lugar, isso se aplica às formas
de violência coletiva que se tornaram comuns nos
últimos cem anos ou mais – conflitos entre Estados
ou envolvendo grupos organizados dentro de uma
área geográfica específica (como regiões em rebelião
contra o Estado central), guerras civis e as várias
formas de violência patrocinadas pelo Estado contra
indivíduos ou grupos.
No entanto, o formato da violência coletiva está
mudando. No início do século XXI, estão surgindo
novas formas de violência coletiva, envolvendo
organizações e redes de organizações estruturadas,
mas altamente dispersas – grupos sem “endereço
permanente”, cujos objetivos, estratégias e
psicologia diferem radicalmente dos anteriores. Esses
grupos fazem pleno uso de altas tecnologias e
sistemas financeiros modernos criados pela ordem
de um mundo globalizado. O armamento desses
grupos também é novo, já que tentam explorar formas
tais como armas biológicas, químicas e possivelmente
nucleares, além de meios mais convencionais, como
explosivos e mísseis. Seus objetivos são não apenas
físicos mas também psicológicos, envolvendo a
destruição em massa e criação do medo generalizado.
O mundo precisará aprender depressa como
combater a nova ameaça de terrorismo global em
todas as suas formas, demonstrando, ao mesmo
tempo, um alto nível de determinação para evitar e
minorar o impacto das formas convencionais de
violência coletiva que continuam causando uma
esmagadora quantidade de mortes, doenças, lesões
e destruição. É necessária uma determinação forte,
aliada a uma generosa alocação de recursos, não só
para se chegar a uma compreensão muito mais
profunda dos problemas do conflito violento, mas
também para encontrar soluções.
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238 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
O CAMINHO A SEGUIR:
RECOMENDAÇÕES
PARA A AÇÃO
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 9. O CAMINHO A SEGUIR : RECOMENDAÇÕES PARA A AÇÃO · 241
Antecedentes
A violência não deixa incólume nenhum
continente, nenhum país, e apenas algumas poucas
comunidades conseguem escapar a ela. Mas, mesmo
estando presente em todos os lugares, a violência
não é parte inevitável da condição humana, tampouco
um problema intratável da “vida moderna”, que não
possa ser superado pela determinação e a
engenhosidade humanas.
Os capítulos anteriores deste relatório forneceram
muitos detalhes sobre os tipos específicos de
violência, bem como sobre as intervenções de saúde
pública que podem ser aplicadas, na tentativa de se
reduzir tanto a ocorrência quanto as conseqüências
da violência. Este capítulo final destaca diversos
padrões e tópicos globais que são inerentes aos
vários tipos de violência. Ele reitera ser o caso de
uma abordagem de saúde pública e apresenta um
conjunto de recomendações para os responsáveis
pela tomada de decisões e profissionais em todos os
níveis.
Respondendo à violência: o que se sabe
até agora?
Principais lições até hoje
Embora existam importantes lacunas nas bases
de informações e ainda serem necessárias muitas
pesquisas, lições importantes foram aprendidas
acerca da prevenção e a redução das conseqüências
da violência.
Previsível e evitável
A violência, muitas vezes, é previsível e evitável.
Como mostra este relatório, mesmo que às vezes, em
dadas populações, seja difícil estabelecer uma relação
direta de causalidade, alguns fatores parecem ser
fortes sinalizadores de violência. Tais fatores vão
desde os individuais e familiares – tais como:
impulsividade, depressão, pouca atenção e
supervisão das crianças, papéis de gênero rígidos e
conflito marital – até aqueles em nível macro, como
rápidas mudanças nas estruturas sociais e profunda
recessão econômica, trazendo altos índices de
desemprego e deteriorando os serviços públicos. Há
também os fatores locais, específicos para um
determinado lugar e tempo, assim como a crescente
presença de armas ou a mudança nos padrões do
tráfico de drogas em um bairro em particular. A
identificação e a mensuração desses fatores pode
avisar a tempo os responsáveis pela tomada de
decisões, de que há necessidade de ação.
Paralelamente, à medida que a pesquisa voltada à
saúde pública se desenvolve, a variedade de
instrumentos para a ação está aumentando. Em cada
categoria de violência estudada neste relatório, foram
citados exemplos de intervenções promissoras para
a redução da violência e de suas conseqüências. As
intervenções que conseguiram reduzir a violência
variam de esforços individuais e comunitários em
pequena escala até mudanças políticas em nível de
país. Ainda que a maioria dessas intervenções tenha
sido documentada e formalmente avaliada nas partes
mais ricas do mundo, também existem muitas
intervenções inovadoras em países emergentes.
Investimento antes, resultados depois
As autoridades mundiais tendem a agir somente
depois de ocorrem casos altamente visíveis de
violência e, só então tendem a investir recursos em
programas de curto prazo para grupos populacionais
pequenos e facilmente identificáveis. São exemplos
clássicos disso as “batidas” periódicas da polícia em
áreas com altos níveis de violência, geralmente
posteriores a algum incidente que tenha sido muito
divulgado. Por outro lado, a saúde pública enfatiza a
prevenção, especialmente esforços de prevenção
primária, que funcionam “antes” dos problemas –
esforços para tentar, primeiramente, dar um fim aos
incidentes violentos ou evitar que as situações
violentas resultem em lesões graves. A base da
abordagem de prevenção primária é que, mesmo os
pequenos investimentos podem gerar benefícios
amplos e duradouros.
Compreendendo o contexto da
violência
Todas as sociedades vivenciam a violência, mas
seu contexto – as circunstâncias em que ela ocorre,
sua natureza e sua aceitabilidade social – varia
bastante de um cenário para o outro. Onde quer que
os programas de prevenção sejam planejados, o
contexto da violência deve ser entendido para modelar
a intervenção para a população almejada.
Os Capítulos 4 (“Violência perpetrada por
parceiros íntimos”) e 6 (“Violência sexual”) fornecem
ricos exemplos em que o contexto cultural exacerba
as conseqüências da violência, criando enormes
problemas para a prevenção. Um exemplo é a crença,
presente em muitas sociedades, de que os homens
têm direito a disciplinar suas esposas – inclusive
usando a força física – por motivos diversos, até
242 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
mesmo por elas se recusarem a fazer sexo. O
comportamento resultante de tal crença coloca essas
mulheres em risco não somente de violência física e
psicológica imediata, mas também de gravidez
indesejada e de doenças sexualmente transmitidas.
Outro exemplo é a aprovação da severa punição física
na criação das crianças, que está altamente enraizada
em algumas sociedades. As intervenções não serão
bem sucedidas a menos que levem em consideração
a força dessas crenças e atitudes, bem como a forma
como elas se relacionam com outros aspectos da
cultura local.
Ao mesmo tempo, as tradições culturais também
podem ser protetoras; os pesquisadores e os
elaboradores de programas devem estar preparados
para identificá-las e utilizá-las nas intervenções. Por
exemplo, o Capítulo 7 (“Violência auto-dirigida”)
descreve a contribuição que a afiliação religiosa
parece trazer para a redução do risco de suicídio, e
discute os motivos para acontecer isso, tais como
identificação com uma religião e proibições religiosas
específicas em relação ao suicídio
Explorando os vínculos
Diferentes tipos de violência estão vinculados
de muitas formas importantes, em geral,
compartilhando os fatores de risco semelhantes.
Pode-se observar um exemplo no Capítulo 3 (“Abuso
infantil e negligência por parte dos pais e outros
responsáveis”), onde uma lista de fatores comuns de
risco apresenta ampla sobreposição à lista para outros
tipos de violência. Alguns desses fatores incluem:
— Pobreza – vinculada a todas as formas de
violência.
— Histórico familiar ou pessoal marcado por
divórcio ou separação – um fator associado
também à violência juvenil, à violência de
gênero, à violência sexual e ao suicídio.
— Abuso de álcool e substâncias – associado a
todas as formas interpessoais de violência,
assim como ao suicídio.
— Um histórico de violência em família.
— Vinculado à violência juvenil, à violência de
gênero, à violência sexual e ao suicídio.
A sobreposição entre o conjunto de fatores de
risco para diferentes tipos de violência sugere um
grande potencial para parcerias entre grupos com um
interesse principal na prevenção primária e
secundária. Parcerias essas entre o governo local,
agentes comunitários, organizadores de abrigos
sociais, polícia, assistentes sociais, grupos de direitos
das mulheres e grupos de direitos humanos,
profissionais da área médica e pesquisadores,
trabalhando em cada área específica. A parceria pode
ser vantajosa em vários aspectos, inclusive:
— melhorando a efetividade das intervenções;
— evitando a duplicação de trabalhos;
— aumentando os recursos disponíveis mediante
uma união de fundos e de pessoal em ações
conjuntas;
— permitindo que a pesquisa e as atividades de
prevenção sejam conduzidas de maneira mais
coletiva e coordenada.
Infelizmente, em geral a pesquisa e os esforços
de prevenção para os vários tipos de violência têm
sido desenvolvidos isoladamente uns dos outros.
Se essa fragmentação puder ser superada, há muito
espaço para intervenções futuras mais abrangentes
e efetivas.
Visando aos grupos mais vulneráveis
A violência, como muitos problemas de saúde,
não é neutra. Mesmo que todas as classes sociais
vivenciem a violência, a pesquisa constantemente
aponta que as pessoas com a situação
socioeconômica mais baixa estão sob maior risco.
Habitualmente, são os fatores relacionados à pobreza,
mais do que a pobreza propriamente dita, que
aumentam o risco de violência. O Capítulo 2, por
exemplo, discute os papéis, na violência juvenil, da
habitação precária, da falta de ensino, do desemprego
e de outras situações relacionadas à pobreza – e
também como esses fatores colocam alguns jovens
em risco ainda maior de serem influenciados por
jovens delinqüentes e para participar em atividades
criminosas. Também são importantes os índices em
que as pessoas caem na pobreza – perdendo recursos
que tinham antes – e a forma diferencial como elas
vivenciam a pobreza (ou seja, sua relativa privação
em um dado cenário, mais do que seu nível absoluto
de pobreza).
O Capítulo 6 (“Violência sexual”) descreve como
a pobreza exacerba a vulnerabilidade das mulheres e
das jovens. Ao desempenhar tarefas diárias, tais
como trabalhar nos campos, pegar água sozinha ou
voltar para casa tarde da noite, em áreas rurais ou
economicamente deprimidas, as mulheres e as jovens
pobres geralmente correm risco de estupro. As
condições de pobreza as tornam vulneráveis à
exploração sexual em situações diversas, como ao
buscar emprego, entrar no comércio ou obter
educação. A pobreza também é um dos principais
fatores que leva as mulheres à prostituição e força as
famílias a venderem as crianças para traficantes
sexuais. O Capítulo 8 (“Violência coletiva”) expande
ainda mais a discussão, mostrando que a pobreza e a
desigualdade estão entre as forças motrizes em
conflitos violentos e que longos períodos de conflito
podem aumentar a pobreza e, por sua vez, criar as
condições que dão origem a outras formas de
violência.
Negligenciar pessoas pobres não é uma novidade.
Na maioria das sociedades, as pessoas mais pobres
geralmente são as que são menos atendidas pelos
diversos serviços de proteção e assistência do
Estado. Contudo, o fato de a violência estar ligada à
pobreza pode ser mais um motivo pelo qual os
elaboradores de políticas e as autoridades
governamentais negligenciaram, ao tratar da
violência, as abordagens de saúde pública –
abordagens que poderiam significar uma maior parcela
de serviços e recursos direcionados a famílias e
comunidades pobres – em prol do policiamento e das
prisões. Tal negligência deve ser corrigida se
quisermos evitar a violência.
Combatendo a complacência
Uma coisa que estimula muito a violência – e é um
enorme obstáculo para se responder a ela – é a
complacência. Esse fato é especialmente verdadeiro
para a atitude em relação à violência – do mesmo modo
como o problema da desigualdade de gêneros, tão
relacionado a ela -, como algo que sempre esteve
presente na sociedade humana e, conseqüentemente,
sempre será assim. Geralmente, essa complacência é
bastante reforçada pelo interesse próprio. A aceitação
social, por exemplo, do direito dos homens de
“corrigir” suas esposas beneficia claramente mais aos
homens do que às mulheres. Em sua situação ilegal,
na qual a violência é uma forma aceitável para os
envolvidos resolverem suas disputas ou aumentarem
sua parcela no mercado, o comércio de drogas
prospera.
Ao descrever alguns dos elementos que criam
uma cultura de violência, diversos capítulos deste
relatório enfatizam que essa cultura costuma ser
apoiada tanto pelas leis quanto pelas atitudes. Ambas
podem estar influindo em fatores como a glorificação
da violência pela mídia, a tolerância da agressão sexual
ou da violência contra parceiros íntimos, a dura
disciplina física das crianças por parte dos pais em
casa, o assédio moral nas escolas e nos parques, o
uso de níveis inaceitáveis de força pela polícia e a
prolongada exposição das crianças e dos
adolescentes ao conflito armado. Será difícil atingir
significativas reduções tanto na violência
interpessoal quanto na coletiva, a menos que seja
extinta a complacência que cerca tais questões.
Obtendo o comprometimento dos responsáveis
pela tomada de decisões
Enquanto as organizações estabelecidas pelo
povo, pelas pessoas e pelas instituições podem
conseguir muito, muito desse sucesso dos esforços
de saúde pública depende, no final das contas, do
compromisso político. O apoio de líderes políticos
não só é necessário para garantir o financiamento
adequado e uma legislação efetiva, mas também para
prover os esforços de prevenção com legitimidade e
um perfil mais ativo na consciência pública. O
compromisso é tão importante no nível nacional –
onde são tomadas as decisões políticas e legislativas
– quanto nos níveis provinciais, distritais e municipais,
onde é controlado o funcionamento diário de muitas
intervenções.
Freqüentemente, a obtenção do compromisso
resistente, necessário para lidar com a violência, é
resultado de esforços sustentados por diversos
setores da sociedade. Nesse processo, os
profissionais da área de saúde pública e os
pesquisadores têm uma importante contribuição a
dar, fornecendo aos responsáveis pela tomada de
decisões informações sólidas sobre a predominância,
as conseqüências e os impactos da violência, bem
como documentando cuidadosamente as práticas que
sejam comprovadas ou promissoras, que podem levar
à prevenção ou à administração da violência.
Por que o setor de saúde deve se
envolver?
Na maioria das sociedades modernas, até bem
pouco tempo a responsabilidade de remediar ou
conter a violência recaía sobre o sistema judicial, a
polícia e os serviços correcionais e, em alguns casos,
sobre as forças armadas. O setor de saúde, tanto
público quanto privado, foi relegado ao papel de dar
assistência depois do evento, quando as vítimas de
violência procuravam por tratamento.
Benefícios e vantagens comparativas
Hoje em dia, o setor de saúde é um aliado ativo e
valioso na resposta global à violência e traz diversas
vantagens e benefícios para esse trabalho. Um desses
CAPÍTULO 9. O CAMINHO A SEGUIR : RECOMENDAÇÕES PARA A AÇÃO · 243
244 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
benefícios é a proximidade e, conseqüentemente, a
familiaridade com o problema. Os funcionários dos
hospitais e das clínicas, bem como outros provedores
de assistência à saúde, dedicam bastante tempo às
vítimas da violência.
Para facilitar o trabalho de pesquisa e de
prevenção, outro benefício muito importante é a
informação que o setor de saúde tem à sua disposição.
A posse de dados significa que o setor está em uma
posição única para chamar a atenção para a carga
imposta pela violência sobre a saúde. Quando
associada significativamente às histórias humanas
que o setor de saúde testemunha todos os dias, essa
informação pode oferecer um instrumento potente
tanto para defesa quanto para ação.
Uma responsabilidade especial
O papel do setor de saúde na prevenção contra a
violência resulta de sua responsabilidade com o
público – as pessoas que, no final das contas, pagam
pelos serviços e pelas estruturas governamentais que
os organizam. Com essa responsabilidade e seus
vários benefícios e vantagens, o setor de saúde tem
o potencial para adotar um papel muito mais proativo
na prevenção contra a violência – preferencialmente,
em cooperação com outros setores – do que teve no
passado. Diariamente, os médicos, as enfermeiras e
outros funcionários da área de assistência à saúde
estão no lugar certo para identificar os casos de abuso
e para encaminhar as vítimas para outros serviços,
para acompanhamento ou proteção. Usando seus
recursos e infra-estruturas para atividades de
prevenção, os hospitais e outros estabelecimentos
de assistência à saúde podem ser cenários úteis para
as intervenções em nível de programa. Também é muito
importante que a elaboração e a implementação das
intervenções possam ser fortalecidas pela estreita
cooperação entre os profissionais e as instituições
da área de saúde e outras instituições ou setores que
lidam com violência, inclusive organizações não
governamentais e órgãos de pesquisa.
Essas funções do setor de saúde já estão sendo
realizadas em várias partes do mundo, apesar de, às
vezes, ainda de forma experimental ou fragmentária.
Agora chegou a hora de uma ação mais decisiva e
coordenada, bem como de uma expansão dos
esforços para lugares onde, apesar de muito
necessários, tais esforços ainda inexistem. Qualquer
coisa a menos do que isso será uma falha do setor de
saúde.
Estabelecendo responsabilidades e
prioridades
Dada a natureza plurifacetada da violência e suas
complexas raízes, os governos e as organizações
relevantes devem se engajar na sua prevenção em
todos os níveis da tomada de decisão – local, nacional
e internacional. Ações multisetoriais complementares
e coordenadas fortalecerão a efetividade das
atividades de prevenção contra a violência.
Além de trabalhar em seu próprio âmbito de
governo ou autoridade, os responsáveis pela tomada
de decisões e os profissionais de diversas áreas
devem trabalhar juntos, nos diversos níveis, para
obter um significativo progresso. Os diferentes
componentes da sociedade civil – como a mídia, as
organizações comunitárias, as associações
profissionais, as organizações trabalhistas, as
instituições religiosas e as estruturas tradicionais –
podem ser possuidores de um grande volume de
conhecimento e experiências relevantes.
Cada país tem sua própria estrutura governante,
desde um Estado unitário altamente centralizado até
um sistema federal que divida o poder em governos
locais, regionais e nacional. Contudo,
independentemente do tipo de estrutura, os
processos de planejamento estratégico – geralmente
liderados por governos nacionais, mas que incluem
outros níveis e setores – podem ser úteis para criar
consenso, estabelecer objetivos e cronogramas e
definir as responsabilidades de todos os que tenham
algo para dar em contribuição.Em planejamento
estratégico para questões de saúde pública em países
emergentes, algumas organizações das Nações
Unidas e algumas agências bilaterais de
desenvolvimento têm expertise o bastante para poder
dar lucrativas contribuições para a prevenção contra
a violência.
Recomendações
As recomendações a seguir visam a mobilizar a
ação em resposta à violência. Todas as recomendações
precisam ser tratadas por diversos setores e
interessados, se quisermos que elas atinjam seus
objetivos.
Essas recomendações devem ser aplicadas com
flexibilidade e com o devido entendimento a respeito
das condições e capacidades locais. Os países que
atualmente vivenciam a violência coletiva, ou que
têm escassos recursos financeiros e humanos, vão
achar difícil ou impossível aplicar sozinhos algumas
das recomendações nacionais e locais. Sob tais
circunstâncias, eles podem trabalhar com organismos
internacionais ou organizações não governamentais
que operem dentro de seu país e que possam apoiar
ou implementar algumas das recomendações.
Recomendação 1.
Criar, implementar e monitorar um plano
nacional de ação para prevenção contra a
violência.
O desenvolvimento de um plano nacional de ação
multissetorial é um dos principais elementos para os
esforços sustentados de prevenção contra a
violência. Às vezes, devido às compreensíveis
demandas públicas de ações imediatas para lidar com
os efeitos mais visíveis da violência, isso pode ser
difícil de ser alcançado. Assim sendo, os líderes
nacionais devem entender que os benefícios de uma
abordagem sustentada de saúde pública serão mais
sólidos e duradouros do que políticas reativas, de
curto prazo. Um plano de ação desse tipo exigirá
comprometimento político visível e investimento de
autoridade moral.
Um plano de ação nacional para evitar a violência
deve incluir os objetivos, as prioridades, as
estratégias e as responsabilidades estabelecidas,
assim como um cronograma e um instrumento de
avaliação. Ele deve se basear em um consenso,
desenvolvido por um vasto conjunto de atores
governamentais e não governamentais, inclusive as
organizações interessadas pertinentes. O plano deve
levar em consideração os recursos financeiros e
humanos disponíveis e a serem disponibilizados para
sua implementação. Deve incluir ainda elementos tais
como revisão e reforma de legislação e de políticas
existentes, construção da coleta de dados e da
capacidade de pesquisa, o aprimoramento dos
serviços para as vítimas, e o desenvolvimento e a
avaliação de respostas de prevenção. Para assegurar
que o plano não fique só nas palavras, mas se traduza
em ações, é essencial que seja designada uma
organização específica para, periodicamente,
monitorar e fazer relatórios sobre o progresso
alcançado nesses e em outros elementos do plano.
Vai ser necessário ferramental de coordenação,
em nível local, nacional e internacional, para
possibilitar uma profícua colaboração entre setores
como justiça criminal, educação, trabalho, saúde, bemestar
social e outros potencialmente envolvidos no
desenvolvimento e na implementação do plano.
Mecanismos como forças-tarefa nacionais, comitês
interministeriais e grupos de trabalho das Nações
Unidas também podem facilitar essa coordenação.
No nível local, pode-se criar ou utilizar os conselhos,
as forças-tarefa e as redes comunitárias para ajudar a
construir e implementar o plano.
Recomendação 2.
Aprimoramento da capacidade de coleta
de dados sobre a violência.
O plano de ação nacional para prevenção contra
a violência deve incluir a criação ou o aprimoramento
da capacidade nacional de coleta e análise de dados,
que cubram o alcance, as causas e as conseqüências
da violência. Esses dados são necessários para
estabelecer as prioridades, orientar a elaboração do
programa e monitorar o desenvolvimento do plano
de ação. Conforme descrito no presente relatório,
todos os países têm pelo menos algum trabalho de
coleta de dados, mas a qualidade e o
compartilhamento dos dados precisam ser
fortalecidos.
Em alguns países, pode ser mais eficiente para o
governo nacional designar uma instituição, uma
agência ou uma unidade do governo para ser
responsável pela reunião e comparação das
informações provenientes das áreas de saúde, de
aplicação da lei e de outras autoridades que
mantenham contato regular com vítimas e
perpetradores de violência. Essa instituição poderia
ser um “centro de excelência”, com a responsabilidade
de documentar a extensão da violência no país,
promovendo ou realizando pesquisas e treinando
pessoas para essas funções. Ela deve estar ligada a
outras instituições e agências similares, a fim de trocar
dados, instrumentos e métodos de pesquisa. Nos
países com recursos limitados, ela também pode
assumir a função de monitoramento, conforme
descrito na Recomendação 1.
A coleta de dados é importante em todos os níveis,
mas é no nível local que serão determinadas a
qualidade e a exatidão dos dados. Devem ser
elaborados sistemas que sejam simples e cuja
implementação tenha uma boa relação custo/
efetividade, adequados para o nível de capacidade
dos funcionários que os utilizam, e que estejam em
conformidade com os padrões nacionais e
internacionais. Além disso, deve haver procedimentos
para compartilhar os dados entre as autoridades
relevantes (como as responsáveis pela saúde, justiça
criminal e política social) e as partes interessadas,
bem como a capacidade de realizar análises
comparativas.
CAPÍTULO 9. O CAMINHO A SEGUIR : RECOMENDAÇÕES PARA A AÇÃO · 245
246 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
O mundo, atualmente, no nível internacional, não
possui padrões internacionalmente aceitos para
coleta de dados sobre violência, que aprimorem a
comparação de dados entre nações e culturas. Isso é
sério, não só porque as defasagens existentes na
informação dificultam a quantificação da magnitude
da violência no mundo todo mas, também, por
prejudicar a realização de pesquisas em nível mundial
ou o desenvolvimento de intervenções. Mesmo que
muitos desses descompassos sejam resultantes
simplesmente da falta de dados, outros resultam de
diferenças na forma como os dados são classificados
pelos diferentes países (e às vezes por diferentes
agências dentro dos países). Essa situação pode, e
deve, ser remediada pelo desenvolvimento e pela
disseminação de padrões internacionalmente aceitos
para coleta de dados. São passos nesse sentido a
International classification for external causes of
injuries [Classificação internacional de causas
externas de lesões] (1) e as Injury surveillance
guidelines [Diretrizes para vigilância de lesões],
desenvolvidas pela Organização Mundial da Saúde
e pelos United States Centres for Disease Control
and Prevention [Centros Norte-Americanos de
Controle e Prevenção de Doenças] (2).
Recomendação 3.
Definir prioridades para as causas, as
conseqüências, os custos e a prevenção
contra a violência, e dar apoio a pesquisas
nessas áreas.
Apesar de no relatório ter sido mostrado que
houve progressos em relação à compreensão da
violência entre diferentes grupos populacionais e nos
diversos cenários, ainda há urgência por mais
pesquisas. Há muitos motivos para se realizar essas
pesquisas, mas uma das maiores prioridades é obter
um melhor entendimento do problema em diferentes
contextos culturais, de modo a possibilitar o
desenvolvimento e a avaliação de respostas
adequadas.
No nível nacional, e como parte do plano de ação,
a política governamental pode preparar uma agenda
de pesquisa, mediante o envolvimento direto das
instituições governamentais (muitos ministérios de
serviço social ou do interior, assim como agências de
justiça criminal, têm programas de pesquisa internos)
e financiamento de instituições acadêmicas e
pesquisadores independentes.
A pesquisa pode e deve ser realizada no nível
local. A pesquisa local não só é a primeira e a mais
valiosa para uso nas atividades locais de prevenção
contra a violência, mas também é um importante
componente no esforço mais amplo de pesquisa que
é necessário para atacar a violência em uma escala
global. Para ter o máximo de benefícios, as
autoridades locais devem envolver todos os parceiros
que tenham expertise suficiente, inclusive cursos
universitários (tais como medicina, ciências sociais,
criminologia e epidemiologia), estabelecimentos de
pesquisa e organizações não governamentais.
Apesar de haver necessidade que grande parte
da pesquisa para evitar a violência seja realizada em
nível local, em resposta às condições e necessidades
locais, algumas questões prioritárias, de importância
mundial, necessitam de pesquisa em nível
internacional, entre os países. Essas questões
incluem: a relação entre a violência e os diversos
aspectos da globalização, inclusive impactos
econômicos, ambientais e culturais; fatores de risco
e de proteção comuns às diferentes culturas e
sociedades; e abordagens promissoras de prevenção
aplicáveis em diversos contextos.
Alguns aspectos da globalização são impactantes
em diferentes tipos de violência em cenários distintos,
mas pouco se sabe sobre precisamente quais fatores
causam a violência ou como eles podem ser mitigados.
Ainda não foram feitas pesquisas suficientes sobre
os fatores de risco que são compartilhados por
diferentes cenários e menos ainda foi feito em relação
à área potencialmente recompensadora dos fatores
de proteção. Além disso, apesar de haver uma
quantidade considerável de informações acerca de
intervenções individuais em diversos países (algumas
das promissoras são descritas neste relatório),
poucas foram avaliadas.
Recomendação 4.
Promover respostas de prevenção
primária.
Uma constante em todo este relatório é o tema da
importância da prevenção primária. A pesquisa sugere
que a prevenção primária é mais eficiente quando
realizada logo no estágio inicial – e entre pessoas e
grupos conhecidos por estarem sob maior risco do
que a população no geral -, apesar de esforços
dirigidos à população em geral poderem ter efeitos
benéficos. Como os vários capítulos deste relatório
mostraram, em qualquer nível, não tem sido dada
suficiente ênfase à prevenção primária. Essa situação
CAPÍTULO 9. O CAMINHO A SEGUIR : RECOMENDAÇÕES PARA A AÇÃO · 247
precisa ser revista.
Algumas das intervenções importantes de
prevenção primária para reduzir a violência incluem:
-assistência de saúde pré-natal e perinatal
para as mães, bem como programas de melhoria
da pré-escola e de desenvolvimento social
para crianças e adolescentes;
-treinamento para boas práticas parentais e
melhor funcionamento familiar;
-melhorias na infra-estrutura urbana (tanto
física quanto socioeconômica)
-medidas para reduzir as lesões por armas de
fogo e melhorar a segurança em relação a elas;
-campanhas de mídia para mudar atitudes,
comportamentos e normas sociais.
As duas primeiras intervenções são importantes
para reduzir o abuso infantil e a negligência, bem
como a violência perpetrada durante a adolescência
e a fase adulta.
A partir de melhorias nas infra-estruturas (tanto
físicas quanto socioeconômicas), também é possível
haver importantes contribuições. Especificamente,
isso quer dizer lidar com fatores ambientais nas
comunidades: identificar locais onde a violência
ocorre com freqüência, analisar os fatores que tornam
perigoso um determinado lugar (por exemplo, má
iluminação, isolamento ou estar próximo de um
estabelecimento onde haja consumo de álcool), e
modificar ou remover esses fatores. É necessária,
ainda, uma melhoria na infra-estrutura
socioeconômica das comunidades locais através de
maiores investimentos e melhores oportunidades
educacionais e econômicas.
Tanto para as intervenções nacionais quanto
locais, outra questão é a prevenção contra ferimentos
por armas de fogo e a melhoria das medidas de
segurança a elas relacionadas. As armas de fogo são
um importante fator de risco em muitos tipos de
violência, incluindo violência juvenil, coletiva e
suicídio. As intervenções para reduzir as lesões
causadas por armas – sejam acidentais ou intencionais
– incluem, por exemplo, legislação sobre venda e
propriedade de armas, programas para coletar e depor
armas ilegais em áreas onde a violência causada por
armas é freqüente, programas para desmobilizar
milícias e soldados depois de conflitos, e medidas
para melhorar a armazenagem segura de armas. Ainda
é necessário que se façam mais pesquisas para
determinar a efetividade desses e de outros tipos de
intervenção. Essa é uma área primordial em que é
importante a cooperação multisetorial entre
autoridades legislativas, policiais e de saúde pública
para atingir o sucesso geral.
Na prevenção contra a violência, a mídia tem um
potencial considerável, tanto como força positiva
quanto negativa. Mesmo que ainda não haja
resultados de pesquisa conclusivos disponíveis a
respeito de como a exposição à violência através da
mídia pode afetar muitos tipos de violência, há
evidências de uma relação entre notícias de suicídio
e suicídios posteriores. Mostrando ou disseminando
informações contra a violência, ou incorporando
mensagens anti-violência em formatos de
entretenimento, como novelas, a mídia pode ser
utilizada para mudar atitudes e comportamentos
relacionados à violência, bem como normas sociais
(ver Quadro 9.1).
Em locais específicos, dependendo das
condições, a maioria dessas intervenções primárias
também pode ter importantes efeitos de reforço
mútuo.
Recomendação 5.
Fortalecer as respostas para as vítimas da
violência.
Em todos os países, devem ser fortalecidos os
serviços de saúde, sociais e legais que são oferecidos
às vítimas da violência. Para tanto, é necessária uma
revisão dos serviços atualmente prestados, treinando
melhor os funcionários, e uma melhor integração
entre os apoios de saúde, social e legal.
Para oferecer assistência de alta qualidade para
as vítimas de todos os tipos de violência, bem como
serviços de reabilitação e apoio necessários para se
evitar complicações futuras, a meta nacional do
sistema de saúde como um todo deve ser o
fortalecimento da capacidade e do financiamento. As
prioridades incluem:
– melhorias nos sistemas de resposta de
emergência, e na capacidade do setor de
assistência à saúde em tratar das vítimas e
reabilitá-las;
– reconhecimento dos sinais de incidentes
violentos ou de situações violentas que estejam
ocorrendo, e encaminhamento das vítimas para
as agências pertinentes para
acompanhamento e apoio;
– assegurar que os serviços jurídicos, sociais, de
saúde e de policiamento evitem uma nova
vitimização das vítimas e que esses serviços
efetivamente impeçam os perpetradores de
cometerem o crime novamente;
248 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 9.1
Mídia, promoção de saúde e prevenção contra a violência: a
campanha Soul City
Na África do Sul, o Institute for Health and Development Communication – IHDC [Instituto para
Comunicação de Saúde e Desenvolvimento) tem sido aclamado pela forma inovadora com que se utiliza
do poder da mídia de massa para promover a saúde e o desenvolvimento. O projeto da organização não
governamental inclui questões sociais e de saúde nas programações de rádio e televisão, atingindo
audiência de milhões no país inteiro. Ao envolver seus espectadores e ouvintes no nível emocional, o
formato dos programas pretende mudar atitudes e normas sociais básicas e, por fim, mudar o
comportamento. Uma série chamada Soul City tem como alvo o público geral, enquanto uma outra série,
Soul Buddyz, é voltada para crianças na faixa etária de 8 a 12 anos. O Soul City é um dos programas mais
populares da televisão na África do Sul, atingindo cerca de 80% de seu público-alvo de aproximadamente
16 milhões de pessoas, e o Soul Buddyz é assistido por dois terços das crianças na África do Sul.
Para acompanhar os programas, o IHDC produziu livretos que dão maiores informações sobre os
tópicos discutidos, com ilustrações de personagens populares dos dramas da televisão. O projeto
também produziu fitas de vídeo e de áudio para serem utilizadas em diversos cenários educacionais,
formais ou informais.
Na África do Sul, a violência é uma prioridade de saúde pública, e a maioria dos programas transmitidos
trata desse assunto. Entre os tópicos específicos cobertos pela programação, podemos citar a violência
interpessoal geral, o assédio moral, a violência de gangue, a violência doméstica, o estupro e o assédio
sexual. O projeto pretende evitar a violência, através das seguintes medidas
-conscientizar o público sobre a extensão da violência em sua sociedade, bem como as conseqüências
disso;
-convencer as pessoas que elas estão em condições de fazer algo em relação à violência, tanto como
pessoas quanto como membros da comunidade;
-estimular uma melhor criação dos filhos, através da utilização de modelos de papéis e melhor
comunicação e relacionamento entre os pais e os filhos
.O projeto IHDC também tem uma linha direta para o público dos programas, fornecendo
aconselhamento para crises e encaminhando as pessoas, quando necessário, para serviços comunitários
de apoio. Ele também desenvolve materiais de treinamento sobre violência contra as mulheres, dirigidos
a conselheiros e trabalhadores da área de saúde, à polícia e aos agentes legais.
Atualmente, está sendo realizada uma avaliação da primeira série do Soul Buddyz. As avaliações da
série para adultos Soul City revelaram a existência de um maior conhecimento e uma maior consciência,
bem como mudanças nas atitudes e nas normas sociais que dizem respeito à violência doméstica e às
relações de gênero. Além disso, tem havido um significativo aumento na vontade de mudar o
comportamento e encetar ações contra a violência, tanto em áreas urbanas quanto rurais, bem como
entre homens e mulheres.
– apoio social, programas de prevenção e outros
serviços para proteger as famílias sob risco de
violência e reduzir o estresse dos que cuidam
das crianças;
– incorporação de módulos sobre prevenção
contra a violência nos currículos de estudantes
de medicina e enfermagem.
Cada uma dessas respostas pode ajudar a
minimizar o impacto da violência nas pessoas e o
custo para os sistemas sociais e de saúde. Os sistemas
de resposta de emergência e assistência pré-
hospitalar podem reduzir significativamente o risco
de morte e invalidez resultante de trauma físico.
Menos tangível, mas igualmente importante, são
medidas tais como mudar as atitudes da polícia e de
outros agentes públicos, educá-los em relação à
violência de gênero e à violência sexual, e treiná-los
para reconhecerem os casos de violência e
responderem a eles.
Nos lugares em que os ministérios oferecem
diretrizes para os currículos das escolas de medicina
e enfermagem, a política nacional deve assegurar que
todo o pessoal de saúde receba, ainda enquanto
estudantes, treinamento sobre a violência, suas
conseqüências e sua prevenção. Ao se graduar, o
pessoal de saúde deve ser capaz não só de reconhecer
os sinais de violência, como também de querer atuar
nesse sentido. Essas medidas podem ser
especialmente úteis para as pessoas que não
conseguem relatar o que houve com elas, como
crianças pequenas ou idosos incapacitados, ou que
têm medo de fazê-lo, por exemplo, vítimas de violência
doméstica, trabalhadores sexuais ou migrantes sem
documentação.
A aplicação prática dessas políticas deve ser
cuidadosamente implementada e avaliada para evitar
que se crie uma nova vitimização das vítimas de
violência. Por exemplo, se os funcionários afirmam
que um paciente sofreu violência, os procedimentos
para se obter provas relacionadas ao fato não devem
colocar o paciente em risco de mais violência por
parte do perpetrador, de censura por parte de sua
família ou comunidade, ou outras conseqüências
negativas.
Recomendação 6.
Integrar a prevenção contra a violência às
políticas sociais e educacionais e, assim,
promover a igualdade de gêneros e social.
Muito da violência está ligado às desigualdades
sociais e de gênero que ocorrem em grandes parcelas
da população sob maior risco. Em países que
melhoraram a condição das mulheres e reduziram a
discriminação social, a experiência indica que vai ser
necessária uma série de intervenções. No nível
nacional, tais intervenções incluirão reformas
legislativas e legais, campanhas de comunicação
direcionadas à conscientização do público sobre o
problema, treinamento e monitoramento dos agentes
de polícia e públicos e incentivos educacionais ou
econômicos para grupos em desvantagem. Será
necessária ainda uma pesquisa cultural e social para
desenvolver essas intervenções, de forma a torná-
las viáveis e efetivas.
Ao mesmo tempo, precisam ser fortalecidos os
programas sociais e as políticas de proteção, tanto
para a população em geral quanto para os grupos em
desvantagem. Em algumas partes do mundo, essas
medidas estão em andamento como resultado de
diversos fatores, incluindo os impactos da
globalização, da dívida e de políticas de ajuste
estrutural, da transformação de economias planejadas
em economias de mercado, e o impacto de conflitos
armados. Muitos países estão vivenciando quedas
reais nos salários, deterioração da infra-estrutura
básica, especialmente em áreas urbanas, e constantes
reduções na qualidade e na quantidade de serviços
de saúde, educação e social. Devido aos vínculos
criados entre essas condições e a violência, os
governos devem fazer o seu melhor para manter em
funcionamento os serviços sociais de proteção,
reordenando, se necessário, as prioridades em seus
orçamentos nacionais.
Recomendação 7.
Maior colaboração e troca de
informações relacionadas à prevenção
contra a violência.
Com o intuito de melhor se chegar a
conhecimentos compartilhados, a um consenso
sobre as metas de prevenção e a uma melhor
coordenação da ação, devem ser avaliadas as relações
de trabalho e comunicação entre as agências
internacionais, as agências governamentais, os
pesquisadores, as redes e as organizações não
governamentais engajadas na prevenção contra a
violência. Todos têm importantes papéis a
desempenhar na prevenção contra a violência (ver
Quadro 9.2).
Diversas agências internacionais, instituições
regionais e organismos das Nações Unidas ou estão
trabalhando na prevenção contra a violência ou têm
mandatos ou atividades altamente relevantes para a
redução da violência, inclusive no que diz respeito a
questões econômicas, direitos humanos, direito
internacional e desenvolvimento sustentável. Até
hoje, a coordenação entre todas essas agências é
insuficiente. Esse fato deve ser remediado para evitar
muita duplicação desnecessária e para beneficiar-se
da economia resultante da combinação de expertise,
redes, financiamentos e instalações domésticas.
Devem ser explorados os mecanismos para melhorar
a cooperação, possivelmente se iniciando em pequena
escala e envolvendo um pequeno número de
organizações com mandato e experiência prática em
prevenção contra a violência (ver Quadro 9.3).
A tecnologia de comunicações, que teve inúmeros
avanços nos últimos anos, é um aspecto positivo da
globalização, pois permitiu a criação de milhares de
CAPÍTULO 9. O CAMINHO A SEGUIR : RECOMENDAÇÕES PARA A AÇÃO · 249
250 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 9.2
Respondendo à ameaça da violência: a Aliança Interamericana para a
Prevenção contra a Violência
Em países do continente americano, assim como no mundo todo, a segurança pública é uma questão
urgente que preocupa os governos. Sob ponto de vista da economia nacional, a violência afeta o
investimento externo e doméstico, impedindo o crescimento e o desenvolvimento em longo prazo. A
violência também faz com que os cidadãos se sintam inseguros e percam a fé nos sistemas políticos e de
justiça criminal.
Como resposta a essa preocupação, cinco organizações internacionais e regionais, e uma organização
nacional uniram forças em junho de 2000 para criar a iniciativa denominada Aliança Interamericana para
a Prevenção contra a Violência (Inter-American Coalition for the Prevention of Violence). As organizações
participantes foram
– o Banco Interamericano de Desenvolvimento;
– a Organização dos Estados Americanos;
– a Organização Pan-Americana da Saúde;
– a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura;
– os Centros Norte-Americanos para Controle e Prevenção de Doenças;
– o Banco Mundial.
.A Aliança acredita que pode dar um apoio efetivo às iniciativas nacionais – sejam elas provenientes
dos governos, da sociedade civil ou do setor privado – na prevenção contra a violência, especialmente
mobilizando novos parceiros e recursos. Mesmo que a base de suas atividades seja o princípio da
cooperação, ela respeita a liberdade dos países para tomarem suas próprias decisões acerca da prevenção
contra a violência
.As principais ações planejadas pela Aliança incluem:
-patrocinar campanhas para aumentar a conscientização pública sobre a importância da prevenção
contra a violência;
-apoiar os esforços para reunir e publicar dados confiáveis sobre violência e crime, em níveis local e
nacional;
-criar um website sobre prevenção contra a violência, com uma base de dados contendo as melhores
práticas;
-fornecer informações sobre a prevenção contra a violência para os responsáveis pela elaboração de
políticas e tomadas de decisões em todas as regiões;
-organizar seminários e oficinas de trabalho regionais sobre prevenção contra a violência, bem como
viagens e iniciativas de estudo entre cidades que tenham características semelhantes;
trabalhar com a mídia;
-trabalhar com ministérios governamentais, prefeituras municipais e outros agentes nacionais e
locais;
-trabalhar com o setor privado, organizações não governamentais e comunidades étnicas e religiosas;
-oferecer apoio técnico na elaboração, implementação e avaliação dos programas nacionais de
prevenção contra a violência.
.No continente americano, este é o primeiro esforço desse tipo de prevenção contra a violência e
pode vir a fornecer um modelo para iniciativas regionais semelhantes em outras partes do mundo.
redes em vários campos. Na prevenção contra a
violência e em campos correlatos, ao propor diversos
modelos de prevenção, discutir metodologias e
examinar criticamente os resultados da pesquisa, as
redes de pesquisadores e profissionais têm fortalecido
bastante a base mundial de conhecimentos. A troca
de informações e idéias é crucial para o progresso
futuro, além do trabalho de autoridades
governamentais, provedores de serviços e grupos
de defesa.
QUADRO 9.3
Esforços das Nações Unidas para evitar a violência interpessoal
Atualmente, as agências das Nações Unidas têm trabalhado muito para evitar a violência interpessoal,
especialmente através de iniciativas direcionadas para tipos específicos de violência em determinados
cenários. Contudo, até recentemente, uma grande parte desse trabalho estava sendo realizada
isoladamente.
Em novembro de 2001, representantes de dez agências das Nações Unidas se reuniram em Genebra,
Suíça, para discutir seus trabalhos sobre violência interpessoal e para descobrir formas de coordenar
esforços futuros nessa área. Apesar de as agências das Nações Unidas terem anteriormente contribuído
de maneira satisfatória em trabalhos sobre a violência relacionada a conflitos, pouco se tem feito em
relação ao trabalho interagencial para evitar atos diários de violência e crimes – incidentes que afetam
pessoas, famílias, comunidades e instituições como escolas e locais de trabalho. Se nesse problema
complexo houvesse maior cooperação no interior das agências das Nações Unidas – e especialmente
entre elas -, poderiam ser obtidos benefícios consideráveis. A reunião foi o primeiro passo nessa direção.
Em uma mensagem para os representantes, o Secretário Geral das Nações Unidas, Sr. Kofi Annan,
declarou: “Os homens e as mulheres em todos os lugares têm o direito a viver suas vidas e a criar seus
filhos livres do medo da violência. Devemos ajudá-los a desfrutar de tal direito fazendo com que fique
claro que a violência pode ser evitada, e trabalhando juntos para identificar suas causas subjacentes e
lidar com elas”.
Os participantes elaboraram uma série de ações de colaboração com as quais se comprometeriam. Em
curto prazo, elas incluem a preparação de um guia para os recursos e as atividades das Nações Unidas
para a prevenção contra a violência interpessoal, enfatizando as principais competências de cada agência
na prevenção contra a violência interpessoal e na identificação de áreas que atualmente não são tratadas
pelas organizações das Nações Unidas. Com base nesse guia, será desenvolvido um website para ajudar
as agências participantes a trocarem informações e para servir como um recurso para outras agências
das Nações Unidas, governos, organizações não governamentais, pesquisadores e doadores. Em médio
e longo prazo, os esforços de colaboração incluirão trabalho de defesa, coleta e análise de dados,
iniciativas de pesquisa e prevenção.
Os grupos de defesa também são parceiros
importantes na saúde pública. Os grupos de defesa
preocupados com a violência contra as mulheres e
com os abusos dos direitos humanos (especialmente
a tortura e os crimes de guerra) são ótimos exemplos.
Esses grupos mostraram sua capacidade de mobilizar
recursos, reunir e repassar informações sobre
problemas importantes e montar campanhas que têm
provocado um impacto nos responsáveis pela
tomada de decisões. Nos últimos anos, também têm
se tornado mais evidentes os grupos que têm como
foco outras questões, especificamente o abuso de
idosos e o suicídio. O valor dos grupos de defesa
deve ser reconhecido. Pode-se conseguir isso por
meio de medidas práticas, como conferir a esses
grupos a condição de grupos oficiais nas principais
conferências internacionais e incluí-los em grupos
de trabalho oficiais.
evitar muita duplicação desnecessária e para
beneficiar-se da economia resultante da combinação
de expertise, redes, financiamentos e instalações
domésticas. Devem ser explorados os mecanismos
para melhorar a cooperação, possivelmente se
iniciando em pequena escala e envolvendo um
pequeno número de organizações com mandato e
experiência prática em prevenção contra a violência
(ver Quadro 9.3).
A tecnologia de comunicações, que teve
inúmeros avanços nos últimos anos, é um aspecto
positivo da globalização, pois permitiu a criação de
milhares de redes em vários campos. Na prevenção
contra a violência e em campos correlatos, ao propor
diversos modelos de prevenção, discutir
metodologias e examinar criticamente os resultados
da pesquisa, as redes de pesquisadores e
profissionais têm fortalecido bastante a base
mundial de conhecimentos. A troca de informações
e idéias é crucial para o progresso futuro, além do
CAPÍTULO 9. O CAMINHO A SEGUIR : RECOMENDAÇÕES PARA A AÇÃO · 251
252 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
trabalho de autoridades governamentais,
provedores de serviços e grupos de defesa.
Os grupos de defesa também são parceiros
importantes na saúde pública. Os grupos de defesa
preocupados com a violência contra as mulheres e
com os abusos dos direitos humanos (especialmente
a tortura e os crimes de guerra) são ótimos exemplos.
Esses grupos mostraram sua capacidade de mobilizar
recursos, reunir e repassar informações sobre
problemas importantes e montar campanhas que têm
provocado um impacto nos responsáveis pela
tomada de decisões. Nos últimos anos, também têm
se tornado mais evidentes os grupos que têm como
foco outras questões, especificamente o abuso de
idosos e o suicídio. O valor dos grupos de defesa
deve ser reconhecido. Pode-se conseguir isso por
meio de medidas práticas, como conferir a esses
grupos a condição de grupos oficiais nas principais
conferências internacionais e incluí-los em grupos
de trabalho oficiais.
Uma outra área importante em que poderíamos
obter progressos é no compartilhamento de
informações entre os especialistas que trabalham
com diferentes tipos de violência. Os especialistas
que trabalham com questões como abuso infantil,
violência juvenil, violência contra parceiros íntimos,
abuso de idosos ou prevenção contra o suicídio,
em geral, têm estreita colaboração com especialistas
que trabalham com o mesmo tipo de violência, mas
têm muito menos sucesso com aqueles que
trabalham com outros tipos de violência. Conforme
demonstrado pelo presente relatório, os diferentes
tipos de violência compartilham fatores de risco e
estratégias de prevenção comuns a eles. Portanto,
pode-se ganhar muito ao desenvolver plataformas
que facilitem a troca de informações, bem como a
pesquisa conjunta e o trabalho de defesa.
Recomendação 8.
Promover e monitorar a adesão aos
tratados, às leis e a outros mecanismos
internacionais para proteção aos direitos
humanos
Na última metade do século passado, os
governos nacionais assinaram diversos acordos
legais internacionais que têm relevância direta para
a violência e sua prevenção. Esses acordos
determinam padrões de legislação nacional e
estabelecem normas e limites de comportamento.
No contexto deste relatório, alguns dos mais
importantes são:
· A Convenção para a Prevenção e a Punição de
Crimes de Genocídio (1948).
· A Convenção para Supressão do Tráfico de
Pessoas e da Exploração da Prostituição de
Outros (1949).
· A Convenção para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial (1965).
· A Convenção Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (1966).
·A Convenção Internacional de Direitos Civis e
Políticos (1966).
· A Convenção para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres
(1979).
· A Convenção contra Tortura e Outros
Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanas ou
Degradantes (1984).
· A Convenção sobre os Direitos da Criança
(1989) e seus dois Protocolos Opcionais sobre o
Envolvimento das Crianças em Conflitos
Armados (2000) e sobre a Venda de Crianças,
Prostituição Infantil e Pornografia Infantil (2000).
· O Estatuto de Roma sobre a Corte Criminal
Internacional (1998).
Também há outros acordos importantes que são
altamente pertinentes para diversos aspectos da
violência, tais como a Carta Africana sobre Direitos
Humanos e dos Povos (1981) e a Convenção
Interamericana para a Prevenção, Punição e
Erradicação da Violência contra as Mulheres (1994).
Enquanto muitos governos nacionais têm obtido
avanços em harmonizar a legislação com suas
obrigações e seus comprometimentos, outros ainda
não conseguiram tal avanço. Alguns não têm
recursos ou expertise para colocar em prática as
provisões desses instrumentos internacionais.
Onde o obstáculo é a escassez de recursos ou
informações, a comunidade internacional deve fazer
mais para dar assistência. Em outros casos, serão
necessárias campanhas para trazer à tona as
mudanças na legislação e na prática.
Recomendação 9.
Buscar respostas práticas, de consenso
internacional, para o comércio mundial
CAPÍTULO 9. O CAMINHO A SEGUIR : RECOMENDAÇÕES PARA A AÇÃO · 253
de drogas e o comércio mundial de
armas.
Tanto nos países emergentes quanto nos
industrializados, o comércio mundial de drogas e o
comércio mundial de armas são parte da violência e
existem em nível nacional e internacional. A partir
das evidências fornecidas em várias partes deste
relatório, avanços mesmo modestos em qualquer
fronte vão contribuir para reduzir a quantidade e o
nível de violência que milhões de pessoas sofrem.
Até hoje, contudo – e a despeito do perfil atuante na
arena mundial – não parece haver soluções em vista
para esses problemas. As estratégias de saúde pública
podem ajudar a reduzir os impactos sobre a saúde em
diversos cenários e nos níveis local e nacional e,
portanto, devem ter um papel muito maior nas
respostas de nível global.
Conclusão
A violência não é inevitável. Nós podemos fazer
muito para lidar com ela e evitá-la. As pessoas, famílias
e comunidades cujas vidas a cada ano são dilaceradas
pela violência podem ser salvaguardadas e as causas
raízes da violência podem ser atacadas com o intuito
de se produzir uma sociedade mais saudável para
todos.
O mundo ainda não mediu totalmente a dimensão
de tal tarefa e ainda não tem todas as ferramentas
necessárias para realizá-la. Contudo, a base do
conhecimento global está crescendo e já se obteve
muita experiência útil.
Este relatório tenta contribuir com a base de
conhecimento. Espera-se que o relatório inspire e
facilite, no mundo todo, maior cooperação, inovação
e compromisso para evitar a violência.
Referências
1. WHO Collaborating Centre on Injury Surveillance.
International classification for external causes of
injuries. Amsterdam, Consumer Safety Institute, 2001.
2. Holder Y et al., eds. Injury surveillance guidelines.
Geneva, World Health Organization (published in
collaboration with the United States Centers for
Disease Control and Prevention), 2001 (document
WHO/NMH/VIP/01.02).
Anexo Estatísticas
ANEXO ESTATÍSTICAS · 257
Antecedentes
Todo ano, mais de 100 países enviam à
Organização Mundial da Saúde – OMS informações
detalhadas a respeito do número de óbitos resultantes
de várias doenças, afecções ou lesões. Os dados
provenientes dos Estados Membros da OMS são
compilados a partir dos sistemas de registro de
estatísticas vitais, utilizando-se os códigos da
Classificação Internacional de Doenças – CID (1,2).
Os sistemas nacionais de registro de estatísticas
vitais captam cerca de 17 milhões dos óbitos que
ocorrem em todo mundo a cada ano. Os dados
provenientes desses sistemas de registro, assim como
aqueles provenientes de levantamentos, censos e
estudos epidemiológicos são analisados pela
Organização Mundial da Saúde para determinar
padrões de causas de mortalidade segundo países,
regiões e para o mundo como um todo.
A OMS também utiliza esses dados, juntamente
com outras informações, para avaliar o impacto da
carga global de doença [global burden of disease].
Essas estimativas, publicadas pela primeira vez em
1996, representam o estudo mais abrangente de
mortalidade e morbidade global já realizado (3). Está
em andamento uma nova avaliação da carga global
de doença para o ano 2000 (4). Aqui são apresentadas
as estimativas da carga global de lesões [global
burden of injury] para o ano 2000. A seguir,
encontram-se descrições das tabelas incluídas nos
anexos e dos dados utilizados para calcular as
estimativas para 2000 de mortes relacionadas a causas
violentas.
Tipos de tabelas
O anexo de dados estatísticos contém três tipos
de tabelas:
— estimativas globais e regionais de mortalidade;
— as dez principais causas de mortalidade e anos
de vida ajustados por incapacidade (Disability
Adjusted Life Years – DALYs) para todos os
Estados Membros da OMS em conjunto, e para
cada uma das regiões da OMS;
— coeficientes de mortalidade por país.
Estimativas de mortalidade regionais e
global
A Tabela A.1 fornece uma visão geral das
contagens de população usadas para estimar os
coeficientes global e regional de mortalidade. As
Tabelas A.2 a A.5 contém estimativas de morte
violenta para o ano 2000. A Tabela A.2 apresenta
estimativas de mortalidade para todas as lesões
intencionais, por gênero, faixa etária, região da OMS
e nível de renda. As estimativas para homicídio,
suicídio e guerra, por gênero, faixa etária, região da
OMS e nível de renda, são apresentadas
separadamente nas Tabelas A.3 a A.5.
Causas de mortalidade e classificações
DALY
A Tabela A.6 apresenta as dez principais causas
de mortalidade e DALYs para o ano 2000, assim como
a classificação das mortes violentas e DALYs. Essas
classificações abrangem todos os Estados Membros
da OMS em conjunto, e cada região em separado.
Taxas de mortalidade por país
As Tabelas A.7-A.9, respectivamente, apresentam
os números e taxas de mortalidade por lesão
intencional, homicídio e suicídio, enquanto a Tabela
A.10 fornece os números correspondentes a mortes
por arma de fogo, classificados por tipo de morte.
Nessas tabelas, os números absolutos e taxas por
100 mil indivíduos são apresentados por gênero e
faixa etária para os países que enviam dados à OMS.
Métodos
Categorias
Mortes e lesões não fatais são atribuídas a uma
causa básica, utilizando-se as regras e convenções
da Classificação Internacional de Doenças (1,2). A
lista de causas para o projeto Carga Global de Doença
para 2000 (project Global Burden of Disease – GBD
2000) apresenta quatro níveis de desagregação e
inclui 135 doenças e lesões específicas (5). As
categorias de lesão não intencional e intencional são
definidas em termos dos códigos de causas externas.
Os códigos para lesões intencionais, por exemplo são
os seguintes :
· Homicídio – CID-9 E960-E969 ou CID-10 X85-
Y09.
· Suicídio – CID-9 E950-E959 ou CID-10 X60-X84.
· Lesões relacionadas a guerra – CID-9 E990-E999
ou CID-10 Y36.
· Intervenção Legal – CID-9 E970-E978 ou CID-10
Y35.
· Lesões intencionais – CID-9 E950-E978, E990-
E999 ou CID-10 X60-Y09, Y35, Y36.
Os números absolutos e taxas por 100 mil são
apresentados por gênero e região da OMS para seis
faixas etárias: 0-4 anos, 5-14 anos, 15-29 anos, 30-44
258 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
anos, 45-59 anos e 60 anos e mais.
Regiões da OMS
Os Estados Membros da OMS estão agrupados
em seis regiões: Região Africana, Região das
Américas, Região do Sudeste Asiático, Região
Européia, Região do Mediterrâneo Oriental e Região
do Pacífico Ocidental. Os países que compõem cada
região estão indicados na Tabela A.1.
Os países que formam as seis regiões da OMS
nas Tabelas A.1-A.5 foram ainda divididos por nível
de renda com base em estimativas de 1996 do produto
nacional bruto (PNB) per capita (atualmente
denominado renda nacional bruta), compiladas pelo
Banco Mundial e utilizadas no World health report
1999 [Relatório Mundial de Saúde 1999] (6). Com base
no PNB per capita, as economias são classificadas
em renda baixa (US$785 ou menos), média (US$786-9
635) ou alta (acima de US$9 636).
Estimativas Globais de mortalidade
O projeto GBD 2000 utiliza-se das estimativas mais
recentes de população para os Estados Membros da
OMS, preparadas pela Divisão de População das
Nações Unidas (7). Novas tabelas de anos de vida
para o ano 2000 foram construídas para todos os 191
Estados Membros da OMS (8,9). Os resultados para
lesões, aqui relatados, da Versão 1 do projeto GBD
2000, baseiam-se em ampla análise dos dados de
mortalidade para todas as regiões do mundo,
juntamente com revisões sistemáticas de estudos
epidemiológicos e dados de serviços de saúde (4).
Dados completos ou incompletos de estatísticas
vitais, juntamente com sistemas de registro por
amostragem, cobrem 72% da mortalidade global.
Dados de levantamentos e técnicas demográficas
indiretas fornecem informações sobre os índices de
mortalidade infantil e de adultos para os 28% restantes
de mortalidade global estimada.
Dados referentes à causa de morte foram
analisados para suprir a cobertura incompleta dos
registros de dados de estatísticas vitais de alguns
países e as prováveis diferenças nos padrões de
causa de mortalidade esperadas para subpopulações
não cobertas [uncovered] e freqüentemente mais
pobres (4). Os padrões de causas de mortalidade na
China e Índia, por exemplo, basearam-se nos sistemas
existentes de registro de mortalidade. Na China, foram
usados o sistema de pontos de vigilância de doenças
[disease surveillance points systems] e o sistema de
registro de dados de estatística vital do Ministério
da Saúde. Na Índia, os dados de mortalidade dos
registros de causa de óbito foram usados para áreas
urbanas e o levantamento anual de causas de óbito
foi utilizado para as áreas rurais.
Para todos os outros países em que faltam registros
de dados de estatísticas vitais, os modelos de causa
de morte foram utilizados para uma estimativa inicial
da maior probabilidade de distribuição de óbitos pelas
categorias mais amplas de doenças infecciosas e não
infecciosas e lesões, com base em estimativas de
coeficientes de mortalidade total e renda. Um modelo
regional de causas específicas de mortalidade foi
então construído com base no registro local de dados
de estatística vital e dados de necrópsia transmitidos
verbalmente e a distribuição proporcional foi então
aplicada, dentro de cada grupo mais amplo de causas.
Finalmente, as estimativas resultantes foram ajustadas
com base em evidências epidemiológicas de estudos
sobre doenças e lesões específicas.
Foi dada especial atenção aos problemas de erros
de preenchimento ou codificação das causas de
morte. A categoria “Lesão indeterminada, infligida
acidentalmente ou intencionalmente” (E980-E989 nos
códigos CID-9 de 3 dígitos, ou Y10-Y34 no CID-10)
pode freqüentemente abranger uma proporção
significativa de mortes por lesão. Exceto no caso de
informações mais detalhadas disponíveis em nível
local, essas mortes foram alocadas de forma
proporcional a outras lesões que levam a óbito.
Classificação global e regional dos
DALYs
O DALY é utilizado para quantificar a carga de
doença (3,10). O DALY é uma medida de um hiato na
saúde [health-gap], que combina informação sobre
o número de anos de vida perdidos devido à morte
prematura com informação acerca da perda de saúde
por incapacidade.
Os anos vividos com incapacidade (YLDs) são o
componente de incapacidade dos DALYs. O YLD mede
o equivalente aos anos de vida saudável perdidos
como resultado de uma seqüela incapacitante de
alguma doença ou lesão. Requerem a estimativa de
incidência, duração média de incapacidade, e pesos
da incapacidade (entre os limites de 0-1).
Muitas fontes de informação foram utilizadas para
estimar os YLDs por doenças e lesões no projeto GBD
2000. Este incluiu dados de vigilância e registros de
doenças internacionais e nacionais, dados de
levantamentos de saúde, dados de uso de hospitais
e serviços médicos e estudos epidemiológicos
internacionais e específicos de alguns países (4).
A análise da carga de lesão no projeto GBD 2000
foi feita a partir de métodos desenvolvidos para as
projeções de 1990. Esses métodos definem como lesão
tudo o que for grave o suficiente para precisar de
atenção médica ou que leve a óbito. A estimativa de
YLDs resultantes de lesões se baseou na análise de
bancos de dados de serviços de saúde que
registraram códigos tanto para o tipo quanto para a
natureza da lesão. Bancos de dados nacionais da
Austrália, Chile, Maurício, Suécia e Estados Unidos
foram utilizados para desenvolver proporções
mortalidade/incidência. Essas proporções foram
então aplicadas para extrapolar os YLDs por mortes
por lesão para todas as regiões do mundo. As
proporções mortalidade/incidência foram bastante
consistentes para países desenvolvidos e em
desenvolvimento. A proporção de casos novos que
em longo prazo resultaram em seqüelas incapacitantes
foi estimada para cada categoria de natureza da lesão
a partir de uma revisão de estudos epidemiológicos
de longo prazo de resultados de lesão.
Para produzir a classificação da Tabela A.6, mortes
e incapacidades foram primeiramente divididas em
três grupos amplos:
— doenças infecciosas, causas maternas e
condições advindas do período perinatal e
deficiências nutricionais;
— doenças não infecciosas;
— lesões.
A seguir, mortes e incapacidades foram agrupadas
em categorias. Lesões, por exemplo, foram divididas
em não intencionais e intencionais. Seguindo esse
nível de desagregação, mortes e incapacidades foram
ainda divididas em subcategorias. Lesões não
intencionais, por exemplo, foram subdivididas em
lesões por acidente de trânsito, envenenamentos,
quedas, incêndios, afogamento e outras lesões não
intencionais, enquanto as lesões intencionais foram
subdivididas em lesões auto-infligidas, violência
interpessoal e lesões resultantes de guerra. As
classificações foram produzidas através do
ordenamento das subcategorias.
As dez principais causas de morte e DALYs
encontram-se na Tabela A.6, que se refere a todos os
Estados Membros da OMS em conjunto e a cada
uma das seis regiões da OMS. Nas regiões onde as
mortes por violência e DALYs figuram abaixo das dez
principais causas, é fornecida uma classificação
específica. O DALY relatado na Tabela A.6 usa as
taxas padrão de desconto de tempo (3%) e pesos
padrão para idade (3).
Coeficientes de mortalidade por país
Os números e coeficientes de mortalidade por
violência relatados nas Tabelas A.7-A.10 se referem
ao ano mais recente entre 1990 e 2000 notificado à
OMS pelos países com população acima de 1 milhão
de habitantes. Para países com populações abaixo de
1 milhão, é apresentado um coeficiente médio baseado
nos últimos 3 anos em que dados foram enviados a
OMS, entre 1990 e 2000.
Os coeficientes não foram calculadas quando o
número de óbitos em uma determinada categoria era
menor do que 20, embora conste o número de óbitos.
Os coeficientes apresentados estão padronizados por
faixa etária e por idade. Os coeficientes padronizados
por idade são calculados aplicando-se os coeficientes
por faixa etária à População Padrão Mundial (11) e
permitem a comparação de coeficientes de populações
com diferentes estruturas etárias.
Os dados de população utilizados para estimar
os coeficientes de mortalidade para cada país nas
Tabelas A.7 -A.10 podem ser consultados no site da
Organização Mundial da Saúde no endereço http://
www3.who.int/whosis/whsa/ftp/download.htm.
Referências
1. International classification of diseases, ninth
revision. Geneva, World Health Organization, 1978.
2. International statistical classification of diseases
and related health problems, tenth revision. Volume
1: Tabular list; Volume 2: Instruction manual;
Volume 3: Index. Geneva, World Health Organization,
1992-1994 [Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima
Revisão, Volumes 1 e 2: Lista de Tabelas
Classificatórias e Manual de Instruções; Volume 3:
Índice Alfabético. São Paulo, Edusp, 2001].
3. Murray CJL, Lopez AD. The Global Burden of
Disease: a comprehensive assessment of mortality
and disability from diseases, injuries and risk factors
in 1990 and projected to 2020. Cambridge, MA,
Harvard School of Public Health, 1996 (Global Burden
of Disease and Injury Series, Vol. I).
4. Murray CJL et al. The Global Burden of Disease
2000 project: aims, methods and data sources.
Geneva, World Health Organization, 2001 (GPE
Discussion Paper, No. 36).
5. Murray CJL, Lopez AD. Progress and directions in
refining the global burden of disease approach:
response to Williams. Health Economics, 2000, 9:69-
82.
6. World health report 1999 – making a difference.
ANEXO ESTATÍSTICAS · 259
260 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Geneva, World Health Organization, 1999.
7. World population prospects: the 2000 revision.
New York, NY, United Nations, 2001.
8. Lopez AD et al. Life tables for 191 countries for
2000: data, methods, results. Geneva, World Health
Organization, 2001 (GPE Discussion Paper, No. 40).
9. World health report 2000 – health systems:
improving performance. Geneva, World Health
Organization, 2000.
10. Murray CJ, Lopez AD. Global health statistics.
Cambridge, MA, Harvard School of Public Health,
1996 (Global Burden of Disease and Injury Series,
Vol. II).
11. Ahmad OA et al. Age standardization of rates: a
new WHO standard. Geneva, World Health
Organization, 2000 (GPE Discussion Paper, No. 31).
internacionais ou organizações não governamentais
que operem dentro de seu país e que possam apoiar
ou implementar algumas das recomendações.
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ANEXO ESTATÍSTICAS · 323
Recursos
A seguir encontra-se uma lista de recursos sobre tópicos relacionados à violência, principalmente endereços
na Internet, de organizações que realizam pesquisa, prevenção e defesa de direitos relacionados à violência. A
intenção na preparação desta lista foi oferecer uma amostra ilustrativa mais do que uma lista abrangente de
recursos. Empenhamos esforços no sentido de garantir que os web sites incluídos na lista fossem seguros,
atuais e ricos em conteúdo. A Seção I contém uma lista de metasites, a Seção II uma lista de web sites
categorizados por tipo de violência, e a Seção III uma lista geral de web sites que podem ser de interesse para
aqueles envolvidos na pesquisa, prevenção e defesa de direitos relacionados à violência.
Seção I. Metasites relacionados à violência
Abaixo se encontram cinco metasites que, tomados em conjunto, oferecem acesso a centenas de web sites
de organizações relacionadas à violência no mundo todo. De cada um deles é fornecida uma breve descrição.
Departamento de Prevenção de Lesões e Violência da OMS: links externos
http://www.who.int/violence_injury_prevention/externalinks.htm
O Departamento de Prevenção de Lesões e Violência da OMS oferece uma extensa lista de links externos
de organizações no mundo todo que realizam pesquisa, prevenção e defesa de direitos relacionados à violência.
Os web sites dessas agências estão listados por região geográfica e país e por tipo de violência e outros
tópicos.
Economia de Guerras Civis, Crime e Violência: links relacionados
http://www.worldbank.org/research/conflict
Este link, hospedado no web site do Banco Mundial, oferece acesso a web sites dedicados ao estudo de
conflitos. A lista inclui dados sobre variáveis políticas e econômicas de países que passaram por conflitos
internos violentos, informações sobre organizações e institutos que estão trabalhando na área de solução de
conflito, e sites que fornecem históricos e análises de casos específicos de conflito interno.
Rede de Informações para o Controle de Lesões
http://www.injurycontrol.com/icrin
A Rede de Informações para o Controle de Lesões oferece uma lista dinâmica dos principais recursos
relacionados à pesquisa e controle de lesões e violência que podem ser acessados através da Internet. Os sites
estão listados por categorias, incluindo dados e estatísticas, pesquisas recentes, educação e treinamento. Em
contraste com a maioria dos sites de agências federais e estaduais dos Estados Unidos, aqui há vários sites de
outros países.
Rede de Prevenção de Lesões
http://www.injuryprevention.org
A Rede de Prevenção de Lesões contém mais de 1.400 links com web sites de prevenção de lesões e
violência no mundo todo. Os sites estão listados em ordem alfabética e por categorias, como prevenção de
violência e suicídio, guerra e conflito. O site também oferece atualizações semanais sobre artigos de revistas
especializadas, relatórios de agências, críticas de livros e listas de oportunidades de trabalho recentes na área
de pesquisa e prevenção de lesões e violência.
Centro contra Violência e Maus-Tratos de Minnesota: câmara de compensação
eletrônica
http://www.mincava.umn.edu
A câmara de compensação eletrônica do Centro contra Violência e Maus-Tratos de Minnesota fornece
artigos, registros de fatos e outros recursos de informação, assim como links para web sites sobre uma ampla
variedade de tópicos relacionados à violência, incluindo maus-tratos em crianças, violência de gangues e
maus-tratos em idosos. O site também possui bancos de dados para pesquisa com mais de 700 manuais de
treinamento, vídeos e outros recursos educacionais.
Seção II. Web sites relacionados à violência
A Tabela 1 contém uma lista de web sites, principalmente home pages de organizações envolvidas com
violência, categorizadas segundo o tipo de violência. Os web sites listados fornecem informações não apenas
326 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
RECURSOS · 327
sobre as próprias organizações, como também acerca de tópicos relacionados à violência em geral.
Seção III. Outros web sites
A Tabela 2 apresenta uma lista de outros web que podem interessar os envolvidos com pesquisa, prevenção
e defesa de direitos associados à violência. Estão principalmente relacionados a questões contextuais amplas
tais como desenvolvimento econômico e social, direitos humanos e crime, porém também contém algumas
ferramentas relevantes para melhorar a compreensão de lesões relacionadas à violência.
328 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Para os leitores sem acesso à Internet, o Departamento de Prevenção de Lesões e Violência da OMS tem a
satisfação de fornecer o endereço postal completo das organizações listadas. Por gentileza, entrem em contato
com o Departamento no seguinte endereço:
Department of Injuries and Violence Prevention
World Health Organization
20 Avenue Appia
1211 Geneva 27
Switzerland
Tel.: +41 22 791 3480
Fax: +41 22 791 4332
Email:vip@who.int
RECURSOS · 329
Índice Remissivo
Obs.: os números de página em negrito referem-se a entradas e definições principais.
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Realização