Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde

0
22972
Relatório Mundial sobre a Violência e a Saúde

VEJA A VERSÃO EM PDF, MELHOR FORMATADA E ORGANIZADA AQUI.

Relatório mundial
sobre violência
e saúde
Editado por
Etienne G. Krug, Linda L. Dahlberg, James A. Mercy,
Anthony B. Zwi e Rafael Lozano
Organização Mundial da Saúde
Genebra
2002
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) – Biblioteca da OMS
World report on violence and health (Relatório Mundial sobre violência e saúde) / editado por Etienne G. Krug … [e outros.].
1. Violência 2. Violência doméstica 3. Suicídio 4. Agressões sexuais 5. Guerra
6. Saúde Pública 7. Fatores de risco I. Krug, Etienne G.
ISBN 92 4 154561 5 (Classificação NLM: HV 6625)
Citação sugerida: Krug EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002.
Fotografia de Nelson Mandela reproduzida com a autorização do Congresso Nacional Africano.
A Organização Mundial da Saúde acolhe com prazer as solicitações de permissão para reproduzir ou traduzir suas publicações,
parcial ou totalmente. As solicitações e os pedidos devem ser encaminhados ao Escritório de Publicações, World Health
Organization, Genebra, Suíça, que ficará satisfeito em fornecer as últimas informações relacionadas a qualquer alteração que
tenha sido feita no texto, programações para novas edições, reimpressões e traduções já disponíveis.
© World Health Organization 2002
As publicações da Organização Mundial da Saúde gozam de proteção dos direitos autorais em conformidade com as provisões
do Protocolo 2 da Convenção Universal de Direitos Autorais (Universal Copyright Convention). Todos os direitos reservados.
As designações empregadas nesta publicação e a apresentação do referido material não implicam a expressão de qualquer
opinião de parte do Secretariado da Organização Mundial da Saúde que diz respeito ao status legal de qualquer país, território,
cidade ou área de sua autoridade ou à limitação de suas fronteiras ou limites.
A menção a empresas específicas ou determinados produtos não implica que eles sejam endossados ou recomendados pela
Organização Mundial da Saúde de preferência a outros de natureza semelhante que não foram mencionados. Salvo erros e
omissões, os nomes dos produtos patenteados estão diferenciados por letras maiúsculas iniciais.
A designação “país ou área”, que aparece nos cabeçalhos das tabelas, engloba países, territórios, cidades ou áreas.
Elaborado por minimum graphics.
Composição e impressão realizada na Suíça,
2002/14323—Stratcom—20 000
Sumário
iv · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Sumário · v
vi · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Sumário · vii
viii · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
O século vinte será lembrado como um século marcado pela violência. Em uma
escala jamais vista e nunca antes possível na história da humanidade, ele nos
oprime com seu legado de destruição em massa, de violência imposta. Mas esse
legado – resultado de novas tecnologias a serviço de ideologias de ódio – não é
o único que carregamos, nem que devemos enfrentar.
Menos visível, mais ainda mais disseminado, é o legado do sofrimento
individual diário. É a dor das crianças que sofrem abusos provenientes das pessoas
que deveriam protegê-las, mulheres feridas ou humilhadas por parceiros violentos,
pessoas idosas maltratadas por aqueles que são os responsáveis pelos seus
cuidados, jovens oprimidos por outros jovens e pessoas de todas as idades que infligem violência contra si
próprias. Este sofrimento – e há muitos outros exemplos que eu poderia citar – é um legado que se reproduz
quando novas gerações aprendem com a violência de gerações passadas, quando as vítimas aprendem com
seus agressores e quando se permite que se mantenham as condições sociais que nutrem a violência. Nenhum
país, nenhuma cidade, nenhuma comunidade está imune à violência, mas, também, não estamos impotentes
diante dela.
Na ausência de democracia, respeito pelos direitos humanos e um bom governo, a violência prospera.
Freqüentemente conversamos sobre como uma “cultura de violência” pode criar raízes. Isso, de fato, é uma
verdade. Como um sul-africano que vivenciou o apartheid e está vivendo suas conseqüências, tenho visto
e experimentado isto. Também é verdade que os padrões de violência são mais difusos e difundidos nas
sociedades em que as autoridades endossam o uso da violência por meio de suas próprias ações. Em muitas
sociedades, a violência é tão dominante que frustra as esperanças de desenvolvimento econômico e social.
Não podemos deixar que isto continue.
Muitos dos que convivem com a violência dia após dia assumem que ela é parte intrínseca da condição
humana, mas isto não é verdade. A violência pode ser evitada. As culturas violentas podem ser modificadas.
Em meu próprio país e em todo o mundo, temos exemplos notáveis de como a violência tem sido combatida.
Os governos, as comunidades e os indivíduos podem fazer a diferença.
Dou as boas-vindas a este primeiro Relatório mundial sobre violência e saúde. Este relatório significa
uma valiosa contribuição para a nossa compreensão da violência e seu impacto sobre as sociedades. Ele
ilumina as diferentes faces da violência, desde o sofrimento “invisível” dos indivíduos mais vulneráveis da
sociedade até toda a tragédia, bastante visível, das sociedades em conflito. Ele antecipa nossa análise dos
fatores que levam à violência e as possíveis respostas dos diferentes setores da sociedade. E, ao fazer isto,
ele nos lembra que a segurança e a tranqüilidade não acontecem simplesmente, elas são o resultado de
consenso coletivo e investimento público.
O relatório descreve e faz recomendações para ações em nível local, nacional e internacional. Ele será,
portanto, uma ferramenta de valor imensurável para os legisladores, pesquisadores, médicos, advogados e
voluntários envolvidos com a prevenção da violência. Uma vez que a violência tradicionalmente tem sido
atribuída ao domínio do sistema de justiça penal, o relatório apresenta de maneira intensa suas razões para
envolver todos os setores da sociedade em esforços preventivos.
Nós devemos às nossas crianças – os cidadãos mais vulneráveis em qualquer sociedade – uma vida livre
de violência e medo. A fim de assegurar isto, devemos manter-nos incansáveis em nossos esforços não
apenas para alcançar a paz, a justiça e a prosperidade para os países, mas também para as comunidades e
membros da mesma família. Devemos dirigir nossa atenção para as raízes da violência. Somente assim,
transformaremos o legado do século passado de um fardo opressor em um aviso de alerta.
Nelson Mandela
Preâmbulo

Em todo o mundo, a violência invade a vida de muitas pessoas e, de alguma
maneira, toca a todos nós. Para muitas pessoas, ficar a salvo é questão de trancar
portas e janelas e evitar lugares perigosos. Para outros, é impossível escapar. A
ameaça da violência está atrás dessas portas, bem escondida da vista pública.
E, para aqueles que vivem no meio de guerras e conflitos, a violência permeia
todos os aspectos da vida.
Este relatório, o primeiro sumário abrangente do problema em uma escala
global, mostra não apenas o tributo humano da violência – mais de 1,6 milhões
de vidas perdidas a cada ano e um número incontável de vidas prejudicadas nem sempre de maneira aparente
–, mas expõe as muitas faces da violência interpessoal, coletiva e auto-infligida, bem como os cenários em
que ela ocorre. Mostra que, onde a violência persiste, a saúde é seriamente comprometida.
Em muitos aspectos, o relatório também nos desafia. Força-nos a ir além das nossas noções do que é
aceitável e confortável, a desafiar noções de que atos de violência são simplesmente questões de privacidade
familiar, escolhas individuais ou facetas inevitáveis da vida. A violência é um problema complexo, relacionado
a padrões de pensamento e comportamento que são formados por uma multidão de forças dentro das nossas
famílias e comunidades, forças essas que, ainda, podem transcender as fronteiras nacionais. O relatório urgenos
a trabalhar com uma série de parceiros e adotar uma abordagem que seja proativa, científica e abrangente.
Temos algumas das ferramentas e conhecimento que fazem a diferença – as mesmas ferramentas que têm
sido utilizadas com êxito para atacar outros problemas de saúde. Isto se torna evidente no relatório. E temos
a noção de onde aplicar nosso conhecimento. A violência é, em geral, previsível e evitável. Assim como
outros problemas de saúde, ela não está distribuída de maneira uniforme pelos grupos populacionais ou
regiões. Muitos dos fatores que aumentam o risco da violência são compartilhados pelos diferentes tipos de
violência e são passíveis de modificações.
Um tema que se repete neste relatório é a importância da prevenção primária. Aqui, até mesmo pequenos
investimentos podem trazer grandes e duradouros benefícios, mas não sem a resolução de líderes e o apoio
aos esforços preventivos de um grande número de parceiros nas esferas públicas e privadas, e tanto em
países industrializados como nos países emergentes.
A saúde pública tem obtido resultados notáveis nas últimas décadas, particularmente em relação à redução
dos índices de muitas doenças infantis. Entretanto, salvar nossas crianças destas doenças apenas para permitir
que se tornem vítimas da violência ou perdê-las mais tarde para atos de violência entre parceiros íntimos,
selvagerias das guerras e dos conflitos, ferimentos infligidos por elas próprias ou suicídio, seria uma falha da
saúde pública.
Enquanto a saúde pública não oferecer todas as respostas para este problema complexo, estamos
determinados a desempenhar nosso papel na prevenção da violência mundial. Este relatório contribuirá para
moldar a resposta global à violência e fazer do mundo um lugar mais seguro e mais saudável para todos.
Convido você a ler o relatório com muita atenção e juntar-se a mim e aos muitos especialistas em prevenção
à violência do mundo todo, que aqui contribuíram na implementação de um chamamento vital para a ação.
Gro Harlem Brundtland
Diretora Geral
Organização Mundial da Saúde
Preâmbulo

Contribuições
Direção editorial
Comitê editorial
Etienne G. Krug, Linda L. Dahlberg, James A. Mercy, Anthony B. Zwi, Rafael Lozano.
Editor executivo
Linda L. Dahlberg.
Comitê consultivo
Nana Apt, Philippe Biberson, Jacquelyn Campbell, Radhika Coomaraswamy, William Foege, Adam Graycar,
Rodrigo Guerrero, Marianne Kastrup, Reginald Moreels, Paulo Sergio Pinheiro, Mark L. Rosenberg, Terezinha
da Silva, Mohd Sham Kasim.
Secretariado da OMS
Ahmed Abdullatif, Susan Bassiri, Assia Brandrup-Lukanow, Alberto Concha-Eastman, Colette Dehlot, Antonio
Pedro Filipe, Viviana Mangiaterra, Hisahi Ogawa, Francesca Racioppi, Sawat Ramaboot, Pang Ruyan,
Gyanendra Sharma, Safia Singhateh, Yasuhiro Suzuki, Nerayo Tecklemichael, Tomris Turmen, Madan
Upadhyay, Derek Yach.
Consultores Regionais
OMS – Região Africana
Nana Apt, Niresh Bhagwandin, Chiane Esther, Helena Zacarias Pedro Garinne, Rachel Jewkes, Naira Khan,
Romilla Maharaj, Sandra Marais, David Nyamwaya, Philista Onyango, Welile Shasha, Safia Singhateh, Isseu
Diop Touré, Greer van Zyl.
OMS – Região das Américas
Nancy Cardia, Arturo Cervantes, Mariano Ciafardini, Carme Clavel-Arcas, Alberto Concha-Eastman, Carlos
Fletes, Yvette Holder, Silvia Narvaez, Mark L. Rosenberg, Ana Maria Sanjuan, Elizabeth Ward.
OMS – Região Sudeste da Ásia
Srikala Bharath, Vijay Chandra, Gopalakrishna Gururaj, Churnrutai Kanchanachitra, Mintarsih Latief, Panpimol
Lotrakul, Imam Mochny, Dinesh Mohan, Thelma Narayan, Harsaran Pandey, Sawat Ramaboot, Sanjeeva
Ranawera, Poonam Khetrapal Singh, Prawate Tantipiwatanaskul.
OMS – Região Européia
Franklin Apfel, Assia Brandrup-Lukanow, Kevin Browne, Gani Demolli, Joseph Goicoechea, Karin HelwegLarsen,
Mária Herczog, Joseph Kasonde, Kari Killen, Viviana Mangiaterra, Annemiek Richters, Tine Rikke,
Elisabeth Schauer, Berit Schei, Jan Theunissen, Mark Tsechkovski, Vladimir Verbitski, Isabel Yordi.
OMS – Região do Mediterrâneo Oriental
Saadia Abenaou, Ahmed Abdullatif, Abdul Rahman Al-Awadi, Shiva Dolatabadi, Albert Jokhadar, Hind
Khattab, Lamis Nasser, Asma Fozia Qureshi, Sima Samar, Mervat Abu Shabana.
OMS – Região do Pacífico Ocidental
Liz Eckermann, Mohd Sham Kasim, Bernadette Madrid, Pang Ruyan, Wang Yan, Simon Yanis.
Autores e revisores
Capítulo 1. Violência – um problema global de saúde pública
Autores: Linda L. Dahlberg, Etienne G. Krug.
Quadros: Alberto Concha-Eastman, Rodrigo Guerrero (1.1); Alexander Butchart (1.2); Vittorio Di Martino
(1.3).
Capítulo 2. Violência juvenil
Autores: James A. Mercy, Alexander Butchart, David Farrington, Magdalena Cerdá.
Quadros: Magdalena Cerdá (2.1); Alexander Butchart (2.2).
Revisores: Nancy Cardia, Alberto Concha-Eastman, Adam Graycar, Kenneth E. Powell, Mohamed Seedat,
Garth Stevens.
Capítulo 3. Abuso infantil e negligência por parte dos pais e outros responsáveis
Autores: Desmond Runyan, Corrine Wattam, Robin Ikeda, Fatma Hassan, Laurie Ramiro.
Quadros: Desmond Runyan (3.1); Akila Belembaogo, Peter Newell (3.2); Philista Onyango (3.3);
Magdalena Cerdá, Mara Bustelo, Pamela Coffey (3.4).
Revisores: Tilman Furniss, Fu-Yong Jiao, Philista Onyango, Zelided Alma de Ruiz.
Capítulo 4. Violência perpetrada por parceiros íntimos
Autores: Lori Heise, Claudia Garcia-Moreno.
Quadros: Mary Ellsberg (4.1); Pan American Health Organization (4.2); Lori Heise (4.3).
Revisores: Jill Astbury, Jacquelyn Campbell, Radhika Coomaraswamy, Terezinha da Silva.
Capítulo 5. Abuso de idosos
Autores: Rosalie Wolf, Lia Daichman, Gerry Bennett.
Quadros: HelpAge International Tanzania (5.1); Yuko Yamada (5.2); Elizabeth Podnieks (5.3).
Revisores: Robert Agyarko, Nana Apt, Malgorzata Halicka, Jordan Kosberg, Alex Yui-Huen Kwan, Siobhan
Laird, Ariela Lowenstein.
Capítulo 6. Violência sexual
Autores: Rachel Jewkes, Purna Sen, Claudia Garcia-Moreno.
Quadros: Rachel Jewkes (6.1); Ivy Josiah (6.2); Fatma Khafagi (6.3); Nadine France, Maria de Bruyn (6.4).
Revisores: Nata Duvvury, Ana Flávia d’Oliveira, Mary P. Koss, June Lopez, Margarita Quintanilla Gordillo,
Pilar Ramos-Jimenez.
Capítulo 7. Violência auto-infligida
Autores: Diego DeLeo, José Bertolote, David Lester.
Quadros: Ernest Hunter, Antoon Leenaars (7.1); Danuta Wasserman (7.2).
Revisores: Annette Beautrais, Michel Grivna, Gopalakrishna Gururaj, Ramune Kalediene, Arthur Kleinman,
Paul Yip.
xiv · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Capítulo 8. Violência coletiva
Autores: Anthony B. Zwi, Richard Garfield, Alessandro Loretti.
Quadros: James Welsh (8.1); Joan Serra Hoffman, Jose Teruel, Sylvia Robles, Alessandro Loretti (8.2);
Rachel Brett (8.3).
Revisores: Suliman Baldo, Robin Coupland, Marianne Kastrup, Arthur Kleinman, David Meddings, Paulo
Sergio Pinheiro, Jean Rigal, Michael Toole.
Capítulo 9. O caminho a seguir: recomendações para a ação
Autores: Etienne G. Krug, Linda L. Dahlberg, James A. Mercy, Anthony B. Zwi, Andrew Wilson.
Quadros: Tyrone Parks, Shereen Usdin, Sue Goldstein (9.1); Joan Serra Hoffman, Rodrigo Guerrero, Alberto
Concha-Eastman (9.2); Laura Sminkey, Etienne G. Krug (9.3).
Anexo: Estatísticas
Colin Mathers, Mie Inoue, Yaniss Guigoz, Rafael Lozano, Lana Tomaskovic.
Fontes
Laura Sminkey, Alexander Butchart, Andrés Villaveces, Magdalena Cerdá.
CONTRIBUIÇÕES · xv

Agradecimentos
A Organização Mundial da Saúde e o Comitê Editorial gostariam de prestar uma homenagem especial à
principal autora do capítulo sobre abusos de idosos, Rosalie Wolf, que faleceu em junho de 2001. Foi
incomensurável sua contribuição relacionada aos cuidados e à proteção contra abusos e negligência aos
idosos. Ela demonstrou um comprometimento tenaz para com esta parcela particularmente vulnerável e, quase
sempre, renegada, da população.
A Organização Mundial da Saúde reconhece agradecida os vários autores, revisores, conselheiros e
consultores, cuja dedicação, apoio e experiência tornou este relatório possível. Este relatório também foi
beneficiado pela contribuição de muitas outras pessoas. Fazemos menção especial a Tony Kahane que revisou
os rascunhos e a Caroline Allsoop e Angela Haden que editaram o texto final. Gostaríamos de estender
nossos agradecimentos a Sue Armstrong e Andrew Wilson por prepararem o sumário deste relatório; Laura
Sminkey por sua preciosa assistência ao Comitê Editorial no gerenciamento diário e na coordenação do
projeto; Marie Fitzsimmons por sua ajuda editorial; Catherine Currat, Karin Engstrom, Nynke Poortinga,
Gabriella Rosen e Emily Rothman pela contribuição nas pesquisas; Emma Fitzpatrick, Helen Green, Reshma
Prakash, Angela Raviglione, Sabine van Tuyll van Serooskerken e Nina Vugman, pelos contatos e
comunicação; e Simone Colairo, Pascale Lanvers, Angela Swetloff-Coff e Stella Tabengwa pelo apoio
administrativo.
A Organização Mundial da Saúde gostaria de agradecer ainda à California Wellness Foundation [Fundação
de Bem-Estar da Califórnia], ao Global Forum for Health Research [Fórum Global para Pesquisas em Saúde],
aos governos da Bélgica, Finlândia, Japão, Suécia e Reino Unido, à Rockefeller Foundation [Fundação
Rockefeller] e aos United States Centers for Disease Control and Prevention [Centros Americanos para Controle
e Prevenção de Doenças] pelo generoso apoio financeiro para o desenvolvimento e publicação deste relatório.

Introdução
Em 1996, a Quadragésima Nona Assembléia Mundial de Saúde adotou a Resolução WHA49.25, declarando
a violência como um problema importante, e crescente, de saúde pública no mundo (Consultar o quadro no
final desta introdução contendo o texto completo).
Na resolução, a Assembléia chamou a atenção para as sérias conseqüências da violência – no curto e no
longo prazo – para indivíduos, famílias, comunidades e países, e destacou os efeitos prejudiciais que ela
gera no setor de serviços de saúde.
A Assembléia pediu aos Estados Membros que considerassem urgentemente o problema da violência
dentro de suas fronteiras e solicitou ao Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) que organizasse
campanhas de saúde pública para lidar com o problema.
Assim, o primeiro Relatório mundial sobre violência e saúde é uma parte importante da resposta da
OMS quanto à Resolução WHA49.25. Ele atende principalmente aos pesquisadores e aos profissionais da
área da saúde, assistentes sociais e todos os envolvidos em desenvolvimento e implementação de programas
e serviços de prevenção, educadores e policiais. Também está disponível um resumo do relatório.
Objetivos
Os objetivos deste relatório são ampliar a consciência acerca do problema da violência em nível global,
argumentar que a violência pode ser prevenida e que a saúde pública tem um papel crucial no
reconhecimento de suas causas e conseqüências. Os objetivos mais específicos são:
— descrever a magnitude e o impacto da violência em todo o mundo;
— descrever os principais fatores de risco que causam a violência;
— relatar os tipos de ações, intervenções e respostas políticas que têm sido implantados e resumir o que
se conhece sobre sua eficácia e
— recomendar ações em nível local, nacional e internacional.
Temas e escopo
Este relatório examina os tipos de violência que estão presentes no mundo todo, na vida diária das pessoas
e que constituem a parte principal do fardo que a violência impõe à saúde. Assim, estas informações foram
organizadas em nove capítulos, cobrindo os seguintes temas:
1. Violência – um problema global de saúde pública
2. Violência juvenil
3. Abuso infantil e negligência por parte dos pais e outros responsáveis
4. Violência perpetrada por parceiros íntimos
1. World report on violence and health: a summary [Relatório mundial sobre violência e saúde: um resumo]. Genebra, Organização Mundial da Saúde, 2002.
xx · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Prevenindo a violência: uma prioridade da saúde pública
(Resolução WHA49.25)
A Quadragésima Nona Assembléia Mundial de Saúde,
Constatando, no mundo, com grande preocupação, o aumento da incidência de lesões intencionais
que afetam pessoas de todas as idades e ambos os sexos, mas especialmente mulheres e crianças;
Endossando o apelo feito na Declaration of the World Summit for Social Development [Declaração
Mundial para o Desenvolvimento Social] para apresentação e implementação de políticas específicas e
programas de saúde pública e serviço social, de forma a prevenir a violência na sociedade e moderar
seus efeitos;
Endossando as recomendações feitas na International Conference on Population and Development
[Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento] (Cairo, 1994) e na Fourth World
Conference on Women [Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres] (Beijing, 1995) para que se ataque
urgentemente o problema da violência contra mulheres e meninas e se compreenda suas conseqüências
na saúde;
Reafirmando a Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação da violência contra a mulher;
Registrando o apelo feito pela comunidade científica na Melbourne Declaration [Declaração de
Melbourne], adotado na Third International Conference on Injury Prevention and Control [Terceira
Conferência Mundial sobre Prevenção e Controle de Maus Tratos] (1996) para aumentar a cooperação
internacional a fim de garantir a segurança dos cidadãos do mundo;
Reconhecendo as sérias implicações, imediatas e de longo prazo, para a saúde e desenvolvimentos
psicológico e social que a violência representa para os indivíduos, famílias, comunidades e países;
Reconhecendo as crescentes conseqüências da violência para os serviços de saúde em todos os
lugares, e seus efeitos prejudiciais para os escassos recursos à disposição da saúde pública dos países
e das comunidades;
Reconhecendo que os profissionais da área de saúde estão freqüentemente entre os primeiros a
socorrer as vítimas da violência, sendo eles possuidores de uma capacidade técnica singular e tendo a
vantagem de ocupar uma posição especial na comunidade para assim ajudar aqueles estão em perigo;
Reconhecendo que a OMS, o órgão mais importante para a coordenação dos trabalhos internacionais
em saúde pública, é responsável por prover liderança e diretrizes aos Estados Membros, para que
desenvolvam programas de saúde pública para prevenção de violência auto-infligida e violência contra
terceiros;
1. DECLARA que a violência é um dos principais problemas mundiais de saúde pública;
2. SOLICITA que os Estados Membros avaliem os problemas da violência em seus territórios e
comuniquem à OMS tais informações e suas abordagens referentes a eles;
3. REQUER que seu Diretor Geral, no uso dos recursos disponíveis, inicie campanhas na saúde
pública para alertar sobre o problema da violência e assim:
(1) caracterizar os diferentes tipos de violência, definir sua magnitude e avaliar suas causas e
as conseqüências para a saúde pública utilizando, inclusive, uma “perspectiva de gêne-
ro” (homens/mulheres) na análise;
(2) avaliar os tipos de soluções e a eficácia destas medidas e programas para prevenir a violência
e mitigar seus efeitos, com particular atenção para as iniciativas baseadas nas comunidades;
(3) promover campanhas que ataquem este problema em ambos os níveis, nacional e
internacional, incluindo os seguintes passos:
(a) aprimorar o diagnóstico, registro e gerenciamento das conseqüências da violência;
(b) promover um maior envolvimento entre os setores na prevenção e gerenciamento da
violência;
(c) promover pesquisas sobre a violência como uma prioridade nas pesquisas da saúde
pública;
(d) preparar e disseminar recomendações para programas de prevenção da violência nas
nações, países e comunidades de todo o mundo.
(4) assegurar a participação coordenada e ativa do pessoal técnico da OMS;
(5) fortalecer a colaboração da Organização Mundial da Saúde junto a governos, autoridades
locais e outras organizações do sistema das Nações Unidas, no planejamento,
implementação
e monitoramento de programas de prevenção e redução da violência;
4. REQUER ADICIONALMENTE que o Diretor-Geral apresente, na nonagésima nona sessão
do Conselho Executivo, um relatório descrevendo o progresso obtido até o momento e um
plano de ação para a continuidade deste progresso na direção de um enfoque científico da
saúde pública para a prevenção da violência.
(continuação)
CONTRIBUIÇÕES · xv
5. Abuso de idosos
6. Violência sexual
7. Violência auto-infligida
8. Violência coletiva
9. O caminho a seguir: recomendações para a ação
Por ser impossível cobrir ampla e adequadamente todos os tipos de violência em um único documento,
cada capítulo terá um enfoque especifico. Por exemplo, o capítulo sobre violência juvenil, examina a violência
interpessoal entre adolescentes e jovens adultos na comunidade. O capítulo que trata de abuso infantil
discute o abuso físico, psicológico e sexual, assim como a negligência de pais e responsáveis. Outras formas
de maus tratos às crianças, tais como prostituição infantil e utilização de crianças como soldados, são tratados
em outras partes do relatório. O capítulo a respeito do abuso de idosos enfoca o abuso praticado pelos
responsáveis pelo cuidado aos idosos nos domicílios e instituições, enquanto que, no item violência coletiva,
discutem-se os conflitos violentos. Os capítulos sobre violência perpetrada por parceiros íntimos e violência
sexual concentram-se principalmente na violência contra as mulheres, embora se inclua também a violência
sexual contra homens e meninos. O capítulo em que é abordada a violência auto-infligida trata
predominantemente do comportamento suicida. Este capítulo foi incluído no relatório porque o comportamento
suicida é uma das causas externas de lesões às pessoas e, quase sempre, é produto dos mesmos fatores
sociais, psicológicos e circunstanciais encontrados em outros tipos de violência.
Os capítulos seguem uma estrutura semelhante. Cada capítulo inicia com uma análise resumida de
definições, de acordo com o tipo de violência ali abordado, seguido de um resumo de informações atualizadas
sobre a extensão do problema em diferentes partes do mundo. Onde possível, são apresentados os dados
referentes aos países, assim como descobertas feitas por vários estudos e pesquisas. Os capítulos descrevem,
então, as causas e conseqüências da violência, fornecem informações sobre as intervenções e medidas que
estão sendo tomadas e fazem recomendações para futuras pesquisas e ações. Foram incluídos tabelas,
figuras e quadros, para destacar descobertas e padrões epidêmicos específicos, ilustrar exemplos de atividades
de prevenção e chamar a atenção para assuntos específicos.
O relatório encerra-se com duas seções adicionais: um anexo com dados estatísticos e uma lista de fontes
da Internet. O anexo contém informações globais, regionais e nacionais derivadas do banco de dados da
OMS sobre mortalidade e morbidez, e da Versão 1 do projeto Carga Global de Doença [Global Burden of
Disease] da OMS para 2000. A descrição das fontes de coleta de dados e de métodos encontrada no anexo
serve para explicar como estas informações foram obtidas e analisadas.
A lista de fontes da Internet inclui endereços, na rede, de organizações envolvidas com a pesquisa sobre
violência, prevenção e assistência. A lista inclui “metasites” (cada um oferece acesso a centenas de
organizações, como as mencionadas no inicio deste parágrafo), web sites que enfocam tipos específicos de
violência, outros web sites que ampliam o leque de questões contextuais ligadas à violência e outros, ainda,
que servem como ferramentas de referência para aprimorarmos nosso entendimento a respeito da violência.
Como o relatório foi desenvolvido
Este relatório se beneficiou da participação de mais de 160 especialistas do mundo inteiro, coordenados
por um pequeno Comitê Editorial. Um Comitê Consultivo, formado por representantes de todas as regiões da
OMS e membros da equipe da OMS, contribuiu com orientação ao Comitê Editorial nas várias etapas do
registro escrito deste documento.
Os capítulos foram revisados em conjunto por cientistas de diferentes lugares do mundo. A estes revisores
foi pedido que comentassem não somente o conteúdo cientifico do capítulo, mas também a relevância do
mesmo para a cultura dos quais eram provenientes.
À medida que o relatório progredia, foram feitas consultas aos membros dos escritórios regionais da
Organização Mundial da Saúde e a diversos especialistas do mundo todo. Os participantes revisaram um
primeiro esboço do documento, fornecendo uma visão geral do problema da violência em seus países e
fazendo sugestões sobre os avanços necessários nas atividades de prevenção da violência naqueles lugares.
Caminhos para o futuro
Este relatório abrangente, o primeiro do seu tipo, é somente um início. Espera-se que suscite a discussão
em nível local, nacional e internacional e que forneça a plataforma para o aumento das ações de prevenção da
violência.
xxii · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Violência – um problema
mundial de saúde
pública
CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 3
Antecedentes
Talvez a violência sempre tenha participado da
experiência humana. Seu impacto pode ser visto de
várias formas, em diversas partes do mundo. Todo
ano, mais de um milhão de pessoas perdem suas vidas
e muitas outras sofrem lesões não fatais, resultantes
da violência auto-infligida, interpessoal ou coletiva.
De forma geral, no mundo todo, a violência está entre
as principais causas de morte de pessoas na faixa
etária de 15 a 44 anos.
Apesar da dificuldade em se obter estimativas
precisas, o custo da violência se traduz em bilhões
de dólares americanos em gastos anuais com
assistência à saúde no mundo todo e, no caso das
economias nacionais, mais alguns bilhões em termos
de dias de trabalho perdidos, aplicação das leis e
perdas em investimentos.
O visível e o invisível
É claro que não se pode calcular o custo humano
em sofrimento e dor. Na realidade, muito deste custo
é invisível. Ao mesmo tempo em que a tecnologia
dos satélites tem tornado certos tipos de violência –
terrorismo, guerras, rebeliões e tumultos civis –
diariamente visíveis ao público, há muito mais
violência ocorrendo de forma invisível nos lares,
locais de trabalho e, até mesmo, em instituições
médicas e sociais criadas para cuidar das pessoas.
Muitas das vítimas são demasiadamente jovens,
fracas ou doentes para se protegerem. Outras são
forçadas por convenções ou pressões sociais a
manterem silêncio sobre suas experiências.
Assim como ocorre com seus impactos, algumas
causas da violência podem ser facilmente percebidas.
Outras estão profundamente enraizadas no arcabouço
cultural e econômico da vida humana. A pesquisa
recente indica que, ao mesmo tempo em que fatores
biológicos e outros fatores individuais explicam
algumas das predisposições à agressão, é mais
freqüente que esses fatores interajam com fatores
familiares, comunitários, culturais e outros fatores
externos para, assim, criar uma situação propícia à
violência.
Um problema que pode ser evitado
Apesar de a violência sempre ter estado presente,
o mundo não tem de aceitá-la como parte inevitável
da condição humana. Desde que a violência existe,
também existem sistemas – religiosos, filosóficos,
legais e comunais – que se desenvolveram para evitá-
la ou restringi-la. Nenhum deles foi totalmente bem
sucedido, mas todos deram sua contribuição para
esse marco definidor da civilização.
Desde o início da década de 1980, o campo de
saúde pública tem dado uma contribuição cada vez
mais importante nessa resposta. Muitos profissionais,
pesquisadores e sistemas de saúde pública tomaram
para si as tarefas de entender as raízes da violência e
evitar que ela ocorra.
A violência pode ser evitada e seu impacto
minimizado, da mesma forma que os esforços em saúde
pública evitaram e reduziram, em muitas partes do
mundo, complicações ligadas à gravidez, lesões
ocupacionais, doenças infecciosas e doenças
resultantes de alimentos e água contaminados. Os
fatores que contribuem para respostas violentas –
sejam eles de atitude e comportamento ou
relacionados a condições mais abrangentes sociais,
econômicas, políticas e culturais – podem ser
mudados.
A violência pode ser evitada. Não se trata de uma
questão de fé, mas de uma afirmação baseada em
evidências. Podem-se encontrar exemplos bem
sucedidos em todo o mundo, desde trabalhos
individuais e comunitários em pequena escala até
políticas nacionais e iniciativas legislativas.
Como uma abordagem de saúde
pública pode contribuir?
Por definição, a saúde pública não se refere a
pacientes individuais. Seu foco está em lidar com
doenças, condições e problemas que afetam a saúde,
e seu objetivo é oferecer o máximo de benefícios para
o maior número de pessoas. Isso não significa que a
saúde pública ignore a assistência às pessoas
enquanto indivíduos. Ao contrário, ela está
preocupada em evitar os problemas de saúde e
expandir uma melhor assistência e segurança para
populações inteiras.
A abordagem da saúde pública para qualquer
problema é interdisciplinar e com bases científicas
(1). Ela se fundamenta no conhecimento de diversas
disciplinas, incluindo medicina, epidemiologia,
sociologia, psicologia, criminologia, educação e
economia. Com isso, o campo da saúde pública pode
ser inovador e responsivo a uma ampla gama de
doenças, enfermidades e lesões no mundo todo.
A abordagem da saúde pública também enfatiza a
ação coletiva. Ela tem provado que o tempo e, mais
uma vez, as ações cooperativas de vários setores –
QUADRO 1.1
A abordagem da saúde pública em ação: DESEPAZ na Colômbia
Em 1992, o prefeito de Cali, Colômbia – ele próprio um especialista em saúde pública – ajudou a
cidade a criar um amplo programa voltado para a redução dos altos níveis de criminalidade ali existentes.
Os índices de homicídio em Cali, uma cidade com cerca de dois milhões de habitantes, haviam aumentado
de 23 para uma população de 100 mil, em 1983, para 85 em 1991. O programa chamou-se DESEPAZ, um
acrônimo para Desarrollo, Seguridad, Paz (desenvolvimento, segurança, paz).
Nos estágios iniciais do programa da cidade, foram realizados estudos epidemiológicos para identificar
os principais fatores de risco de violência e estabelecer as prioridades para a ação. Para fortalecer a
polícia, o sistema judiciário e o escritório local de direitos humanos foram aprovados orçamentos especiais.
O DESEPAZ assumiu a educação em assuntos de direitos civis, tanto para a polícia quanto para o
público em geral, inclusive com anúncios na televisão, em horário de pico de audiência, salientando a
importância do autocontrole e da tolerância para com os outros. Em cooperação com organizações não
governamentais locais, foram organizados diversos projetos culturais e educacionais para as escolas e
as famílias, para promover discussões sobre violência e ajudar a solucionar conflitos interpessoais. Em
finais de semana e ocasiões especiais, houve restrições à venda de bebidas alcoólicas e foi proibido o
porte de armas de fogo.
No decorrer do programa, foram criados projetos especiais para oferecer oportunidades econômicas
e lugares seguros de lazer para a população jovem. O prefeito e sua equipe administrativa discutiram com
a população local suas propostas para reduzir o crime, e a administração da cidade assegurou sua
participação contínua e o compromisso da comunidade.
Com o programa em funcionamento, o índice de homicídios em Cali, de 1994 a 1997, diminuiu do
elevado e constante índice de 124 para cada 100 mil habitantes, para 86, representando uma redução de
30%. Em números absolutos, houve aproximadamente 600 homicídios a menos entre 1994 e 1997, em
comparação ao período anterior de três anos, o que permitiu, às autoridades de aplicação da lei, dirigir os
escassos recursos existentes para o combate a formas mais organizadas de crime. Além disso, em Cali, a
opinião pública mudou radicalmente de uma atitude passiva diante da violência para uma exigência
veemente por mais atividades de prevenção.
4 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
como saúde, educação, serviços sociais, justiça e
política – são necessárias para solucionar o que
normalmente é visto como problemas puramente
“médicos”. Ao lidar com o problema da violência,
cada setor tem um papel importante a desempenhar
e, coletivamente, a abordagem adotada por cada um
deles tem potencial para produzir importantes
reduções na violência (ver Quadro 1.1).
A abordagem da saúde pública em relação à
violência baseia-se nas rigorosas exigências do
método científico. Ao passar do problema para a
solução, tal abordagem apresenta quatro etapas
principais (1):
· Revelar o máximo possível de conhecimento
básico a respeito de todos os aspectos da
violência – através da coleta sistemática de dados
sobre a magnitude, o alcance, as características e
as conseqüências da violência nos níveis local,
nacional e internacional.
· Investigar por que a violência ocorre, ou seja,
realizar pesquisas para determinar:
— as causas e os fatores relacionados à violência;
— os fatores que aumentam ou diminuem o risco
de violência;
— os fatores que podem ser modificados por meio
de intervenções.
· Explorar formas de evitar a violência, utilizando
as informações obtidas, elaborando,
implementando, monitorando e avaliando
intervenções.
· Implementar, em diversos cenários, intervenções
que pareçam promissoras, divulgando
amplamente as informações e determinando a
relação custo/efetividade dos programas.
A saúde pública é, acima de tudo, caracterizada
por sua ênfase na prevenção. Em vez de simplesmente
aceitar ou reagir à violência, seu ponto de partida é a
forte convicção de que tanto o comportamento
violento quanto suas conseqüências podem ser
evitados.
Definindo Violência
Qualquer análise abrangente da violência deve
começar pela definição das várias formas de
violência, de modo a facilitar sua mensuração
científica. Existem várias maneiras de se definir a
violência. A Organização Mundial da Saúde define
violência (2) como:
O uso intencional da força física ou do poder,
real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra
pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade,
que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar
em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de
desenvolvimento ou privação.
A definição utilizada pela Organização Mundial
da Saúde associa intencionalidade com a prática do
ato propriamente dito, independentemente do
resultado produzido. Os incidentes não intencionais –
tais como a maioria das lesões de trânsito e
queimaduras acidentais – estão excluídos da definição.
A inclusão da palavra “poder”, além da frase
“uso da força física”, amplia a natureza de um ato
violento e expande o entendimento convencional
de violência de modo a incluir aqueles atos que
resultam de uma relação de poder, inclusive ameaças
e intimidações. O “uso do poder” também serve para
incluir negligência ou atos de omissão, além de atos
violentos mais óbvios de perpetração. Assim, “o
uso da força física ou do poder” deve ser entendido
de forma a incluir a negligência e todos os tipos de
abuso físico, sexual e psicológico, bem como o
suicídio e outros atos de auto-abuso.
Essa definição cobre uma ampla gama de
conseqüências – inclusive dano psicológico,
privação e deficiência de desenvolvimento. Ela
reflete um reconhecimento cada vez maior por parte
dos pesquisadores e profissionais acerca da
necessidade de incluir a violência que não resulta
necessariamente em lesões ou morte, mas que,
contudo, oprime as pessoas, as famílias, as
comunidades e os sistemas de assistência à saúde
no mundo todo. Muitas formas de violência contra
mulheres, crianças e idosos, por exemplo, podem
resultar em problemas físicos, psicológicos e sociais
que não necessariamente levam a lesões, invalidez
ou morte. Essas conseqüências podem ser
imediatas, bem como latentes, e podem perdurar por
anos após o abuso inicial. Portanto, definir os
resultados somente em termos de lesões ou mortes
limita a compreensão da totalidade do impacto da
violência sobre as pessoas, as comunidades e a
sociedade como um todo.
Intencionalidade
Um dos aspectos mais complexos da definição é
a questão da intencionalidade. Dois pontos
importantes devem ser observados aqui. Em primeiro
lugar, mesmo a violência sendo distinta de eventos
não intencionais que resultam em lesões, a presença
de uma intenção de usar a força não necessariamente
significa que houve uma intenção de causar dano.
Na verdade, pode haver uma grande disparidade entre
o comportamento pretendido e a conseqüência
pretendida. Um perpetrador pode cometer
intencionalmente um ato que, por padrões objetivos,
é considerado perigoso e com alta possibilidade de
resultar em efeitos adversos à saúde, mas o
perpetrador pode não perceber seu ato dessa forma.
Por exemplo, um jovem pode envolver-se em uma
briga com outro jovem. Dar um soco contra a cabeça
ou usar de uma arma na briga certamente aumentam o
risco de uma lesão grave ou morte, apesar de não
haver intenção de nenhum desses resultados. Um
pai ou uma mãe pode sacudir com violência uma
criança que esteja chorando tentando fazê-la calar.
Contudo, esse ato pode causar danos cerebrais. É
claro que a força foi usada, mas sem a intenção de
causar uma lesão.
Um segundo ponto relacionado à intencionalidade
reside na distinção entre a intenção de lesar e a
intenção de “usar a violência”. A violência, de acordo
com Walters & Parke (3), é determinada culturalmente.
Algumas pessoas tencionam ferir os outros, mas, com
base em seus antecedentes culturais e suas crenças,
não percebem seus atos como violentos. A definição
utilizada pela Organização Mundial da Saúde,
contudo, define a violência em relação à saúde ou ao
bem-estar das pessoas. Determinados
comportamentos, como bater na esposa, podem ser
considerados por algumas pessoas como práticas
culturais aceitáveis, mas são considerados atos
violentos, com importantes implicações para a saúde
da pessoa.
Outros aspectos da violência, apesar de não
estarem explicitamente colocados, também se
encaixam na definição. Por exemplo, a definição
implicitamente inclui todos os atos de violência, sejam
públicos ou privados, sejam reativos (em resposta a
eventos anteriores, como provocações) ou proativos
(instrumental para resultados em benefício próprio,
ou com intenção de tal benefício) (4), sejam atos
criminosos ou não criminosos. Cada um desses
aspectos é importante para se compreender as causas
da violência e elaborar programas de prevenção.
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 5
Tipologia da violência
Na resolução WHA49.25, de 1996, que declara a
violência como um dos principais problemas de
saúde pública, a World Health Assembly
[Assembléia Mundial da Saúde] solicitou à
Organização Mundial da Saúde que desenvolvesse
uma tipologia da violência que caracterizasse os
diferentes tipos de violência, bem como os vínculos
entre eles. Há poucas tipologias e nenhuma delas é
muito abrangente (5).
Tipos de violências
A tipologia proposta aqui divide a violência em
três grandes categorias, conforme as características
de quem comete o ato de violência:
— Violência dirigida a si mesmo (auto-infligida);
— Violência interpessoal;
— Violência coletiva.
Essa categorização inicial faz a distinção entre a
violência que uma pessoa inflige a si mesma, a
violência infligida por outra pessoa ou por um
pequeno grupo de pessoas, e a violência infligida
por grupos maiores como, por exemplo, Estados,
grupos políticos organizados, grupos de milícia e
organizações terroristas (ver Figura 1.1).
Cada uma dessas três grandes categorias
é posteriormente dividida para refletir tipos
mais específicos de violência.
Violência auto-infligida
A violência auto-infligida é subdividida em
comportamento suicida e auto-abuso. O primeiro
inclui pensamentos suicidas, tentativas de suicídio –
também chamados de “parassuicídio” ou “autolesão
deliberada” em alguns países – e suicídios
completados. O auto-abuso, por outro lado, inclui
atos como a automutilação.
Violência interpessoal
A violência interpessoal é dividida em duas
subcategorias:
· Violência da família e de parceiro(a) íntimo(a) –
ou seja, violência que ocorre em grande parte entre
os membros da família e parceiros íntimos,
normalmente, mas não exclusivamente, dentro de
casa.
· Violência comunitária – violência que ocorre
entre pessoas sem laços de parentesco
(consangüíneo ou não), e que podem conhecer-
6 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
se (conhecidos) ou não (estranhos), geralmente
fora de casa.
O primeiro grupo inclui formas de violência, tais
como abuso infantil, violência praticada por parceiro
íntimo e abuso contra os idosos. O segundo grupo
inclui violência juvenil, atos aleatórios de violência,
estupro ou ataque sexual por estranhos, bem como a
violência em grupos institucionais, tais como escolas,
locais de trabalho, prisões e asilos.
Violência coletiva
A violência coletiva é subdividida em violência
social, política e econômica. Diferentemente das
outras duas categorias, as subcategorias de violência
coletiva sugerem a existência de motivos possíveis
para a violência cometida pelos grandes grupos de
pessoas ou pelos Estados. A violência coletiva
cometida para seguir uma determinada agenda social
inclui, por exemplo, crimes de ódio cometidos por
grupos organizados, atos terroristas e violência de
multidões. A violência política inclui guerras e
conflitos de violência pertinentes, violência do
Estado e atos semelhantes realizados por grupos
maiores. A violência econômica inclui ataques de
grupos maiores motivados pelo ganho econômico,
tais como ataques realizados visando a interromper a
atividade econômica, negar acesso a serviços
essenciais ou criar segmentações e fragmentações
econômicas. É claro que os atos cometidos por
grupos maiores podem ter diversos motivos.
A natureza dos atos violentos
A Figura 1.1 ilustra a natureza dos atos violentos,
que pode ser:
— física;
— sexual;
— psicológica;
— envolvendo privação ou negligência.
O eixo horizontal na Figura 1.1 mostra quem é
afetado, e o eixo vertical descreve como são afetados.
Esses quatro tipos de atos violentos ocorrem
em cada uma das grandes categorias e de suas
subcategorias antes descritas, exceto a
violênciaauto-infligida. Por exemplo, a violência
contra crianças cometida dentro de casa pode
incluir abuso físico, sexual e psicológico, bem
como negligência. A violência comunitária pode
incluir agressões físicas entre jovens, violência
sexual no local de trabalho e negligência com os
idosos em asilos . A violência política pode incluir
atos como estupro durante conflitos e manobras
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 7
deguerra física e psicológica.
Essa tipologia, mesmo imperfeita e longe de
ser universalmente aceita, fornece uma estrutura
útil para se compreender os complexos padrões
de violência que ocorrem no mundo, bem como a
violência na vida diária das pessoas, das famílias
e das comunidades. Ao captar a natureza dos
atos violentos, a relevância do cenário, a relação
entre o perpetrador e a vítima, e, no caso da
violência coletiva, as prováveis motivações para
a violência, ela também supera muitas das
limitações de outras tipologias. Contudo, tanto
na pesquisa quanto na prática, as fronteiras entre
os diferentes tipos de violência nem sempre são
tão claras.
Medindo a violência e o seu impacto
Tipos de dados
São necessários diferentes tipos de dados para
diferentes fins, inclusive:
— a descrição da magnitude e do impacto da
violência;
— a compreensão de quais são os fatores que
aumentam o risco de vitimização e perpetração
violentas;
— o conhecimento dos programas de
prevenção contra a violência.
Alguns desses tipos de dados e fontes estão
descritos na Tabela 1.1.
Dados relacionado à mortalidade
Os dados de fatalidades, especialmente de
homicídio, e de suicídio e mortes relacionadas
a guerras podem fornecer um indicativo do
alcance da violência letal em uma determinada
comunidade ou em um dado país. Quando
comparados às estatísticas referentes a outras
mortes, esses dados são indicadores úteis da
carga imposta pelas lesões relacionadas à
violência. Esses dados também podem ser úteis
para o monitoramento das mudanças na
violência fatal no decorrer do tempo,
identificando os grupos e as comunidades sob
alto risco de violência e fazendo comparações
nos países e entre os países.
Outros Tipos de dados
Os números referentes à mortalidade, contudo,
são apenas um dos tipos de dados possíveis para
descrever a magnitude do problema. Uma vez que
os resultados não fatais são muito mais comuns
do que os fatais, e posto que certos tipos de
violência não estão totalmente representados pelos
dados de mortalidade, são necessários outros tipos
de informação. Essas informações podem ajudar
na compreensão das circunstâncias dos incidentes
específicos e na descrição de todo o impacto da
violência na saúde das pessoas e da comunidade.
Dentre esses tipos de dados podemos citar:
— dados sobre doenças, lesões e outros
problemas de saúde;
— dados auto-relatados pelas pessoas sobre
Uma tipologia da violência
FIGURA 1.1
8 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
atitudes, crenças, comportamentos, práticas
culturais, vitimização e exposição à violência;
— dados comunitários relativos a características
da população e níveis de renda, educação e
desemprego;
— dados criminais relativos a características e
circunstâncias de eventos violentos e de
criminosos violentos;
— dados econômicos relativos aos custos de
tratamentos e serviços sociais;
— dados que descrevem a carga econômica sobre
os sistemas de assistência à saúde e as possíveis
economias resultantes dos programas de
prevenção;
— dados sobre política e legislação.
Fontes de dados
Dentre as fontes potenciais dos diversos tipos
de informação podemos citar:
— pessoas;
— registros das agências ou instituições;
— programas locais;
— registros comunitários e governamentais;
— pesquisas populacionais e outras;
— estudos especiais.
Apesar de não constar da Tabela 1.1, quase
todas as fontes incluem informações demográficas
básicas, tal como a idade e o gênero (sexo) da
pessoa. Algumas fontes – inclusive registros
médicos, registros policiais, atestados de óbito e
relatórios funerários – incluem informações
específicas sobre o acontecimento violento ou a
lesão. Os dados obtidos a partir de departamentos
de emergência, por exemplo,
podem fornecer informações
sobre a natureza da lesão, a
maneira como a vítima foi
assistida, o local e o
momento em que o incidente
ocorreu. Os dados coletados
pela polícia podem incluir
informações sobre o
relacionamento entre a
vítima e o perpetrador, se
havia armas e outras
circunstâncias relativas ao
crime.
As pesquisas e os
estudos especiais podem
fornecer informações
detalhadas sobre a vítima ou o perpetrador, seus
antecedentes, suas atitudes, seus comportamentos
e possíveis envolvimentos anteriores com
violência. Essas fontes também podem ajudar a
revelar a violência que não é relatada para a polícia
ou para outras agências. Por exemplo, uma pesquisa
doméstica na África do Sul mostrou que, sem
relatar o incidente à polícia, de 50% a 80% das
vítimas de violência receberam tratamento médico
para uma lesão relacionada à violência (6). Em outro
estudo, realizado nos Estados Unidos, 46% das
vítimas que buscaram tratamento de emergência
não fizeram denúncia para a polícia (7).
Problemas na coleta de dados
Dentro dos países e entre eles, para comparar
os tipos de violência, variam bastante a
disponibilidade, qualidade e utilidade das
diferentes fontes de dados. No que diz respeito à
capacidade de coleta de dados, os países se
encontram em diferentes estágios.
Disponibilidades de dados
De todas as fontes, os dados relacionados à
mortalidade são os mais coletados e, dentre todos,
os mais disponíveis. Muitos países mantêm
certidões de nascimento e de óbito, bem como um
inventário básico dos homicídios e suicídios.
Contudo, nem sempre é possível calcular os índices
com base em tais inventários, principalmente
porque em geral não se tem dados populacionais
disponíveis, ou eles não são confiáveis. Isso
acontece especialmente onde as populações estão
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 9
em movimento – em áreas, por exemplo, que estejam
passando por conflitos ou movimentos contínuos
entre grupos populacionais – ou onde é difícil contar
as populações, como acontece em áreas densamente
povoadas ou muito distantes.
Na maioria dos países do mundo, normalmente
não há dados sistemáticos sobre resultados não
fatais, embora atualmente estejam sendo
desenvolvidos sistemas para coleta desses tipos de
dados. Nos últimos anos, foram publicados diversos
documentos com diretrizes para medir diferentes tipos
de violência em diversos cenários (8-14).
Qualidade dos dados
Mesmo quando há dados disponíveis, a
qualidade das informações pode não ser adequada
para fins de pesquisa e para identificar estratégias de
prevenção. Uma vez que as agências e as instituições
mantêm registros voltados para seus próprios
objetivos, seguindo seus procedimentos internos para
a manutenção dos registros, seus dados podem estar
incompletos ou pode não haver as informações
necessárias para proporcionar uma compreensão
adequada sobre a violência.
Os dados fornecidos pelos estabelecimentos de
saúde são coletados com o objetivo de oferecer um
excelente tratamento para o paciente. O registro
médico pode conter informações de diagnóstico sobre
a lesão e o tratamento, mas não conter as
circunstâncias relacionadas à lesão. Esses dados
podem, ainda, ser confidenciais e, portanto, não
estarem disponíveis para fins de pesquisa. Por outro
lado, as pesquisas contêm informações mais
detalhadas sobre a pessoa, seus antecedentes e seu
envolvimento com a violência. Contudo, essas
informações são limitadas até o ponto em que a pessoa
se lembra dos eventos e admite participar de
determinados comportamentos, e mesmo pela forma
como as perguntas são feitas e por quem são feitas,
assim como o momento, o local e a maneira como a
entrevista é conduzida.
Outros obstáculos
No que diz respeito à pesquisa sobre violência,
estabelecer o vínculo entre as informações de
diferentes fontes é o problema mais difícil. Em geral,
os dados relativos à violência vêm de diversas
organizações, que funcionam independes umas das
outras. Assim, dados fornecidos pela área médica
normalmente não podem ser cruzados com dados
coletados pela polícia. Além disso, há uma falta geral
de uniformidade na forma como os dados sobre
violência são coletados, o que dificulta a comparação
desses dados entre comunidades e países.
Apesar de estar além do âmbito desta discussão,
há diversos outros problemas na coleta de dados
relativos à violência que devem ser mencionados.
Dentre eles podemos citar:
– a dificuldade em desenvolver medidas que sejam
relevantes e específicas para grupos de
subpopulação e diferentes contextos culturais (8,
9, 11, 14);
– criar protocolos adequados para proteger a
confidencialidade das vítimas e garantir sua
segurança (15);
– uma série de outras considerações éticas
associadas à pesquisa sobre violência.
Um panorama geral sobre o
conhecimento atual
A prevenção contra a violência, de acordo com a
abordagem da saúde pública, começa com uma
descrição da magnitude e do impacto do problema.
Esta seção descreve o que se sabe atualmente sobre
os padrões globais da violência, utilizando dados
compilados para este relatório obtidos a partir do
banco de dados referente à mortalidade da
Organização Mundial da Saúde e a primeira versão
do projeto Carga Global de Doença (Global Burden
of Disease), da Organização Mundial da Saúde, de
2000, bem como dados de pesquisas e estudos
especiais sobre violência.
Estimativas de mortalidade
Em 2000, estima-se que morreram 1,6 milhões de
pessoas no mundo inteiro como resultado de
violência auto-infligida, interpessoal ou coletiva, para
um índice geral, ajustado por idade, de 28,8 para uma
população de 100 mil habitantes (ver Tabela 1.2).
A maior parte dessas mortes ocorreu em países
de renda baixa e renda média. Menos de 10% de
todas as mortes relacionadas à violência ocorreram
em países de renda alta.
Cerca de metade desses 1,6 milhões de mortes
relacionadas à violência foram suicídios, quase um
terço foi de homicídios e cerca de um quinto estava
relacionado a guerras.
Mortalidade segundo gênrero e idade
Como muitos outros problemas de saúde no
mundo, a violência não está distribuída igualmente
entre os gêneros ou faixas etárias. Em 2000, houve
aproximadamente 520 mil homicídios, para um
índice geral ajustado por idade de 8,8 para uma
população de 100 mil habitantes (ver Tabela 1.2).
Os homens foram responsáveis por 77% de todos os
homicídios e seus índices representaram mais de três
vezes o índice das mulheres (13,6 e 4,0
respectivamente, para cada 100 mil) (ver Tabela 1.3).
Os maiores índices de homicídio no mundo estão
entre os homens na faixa etária de 15 a 29 anos
(19,4 para cada 100 mil), seguido bem de perto pelos
homens na faixa etária de 30 a 44 anos (18,7 para
cada 100 mil).
No mundo todo, o suicídio levou a vida de
aproximadamente 815 mil pessoas em 2000, para
um índice geral ajustado por idade de 14,5 para
cada 100 mil (ver Tabela 1.2). Mais de 60% de todos
os suicídios ocorreram entre homens, mais da
metade deles na faixa etária de 15 a 44 anos. Tanto
para homens quanto para mulheres, o índice de
suicídio aumenta em proporção à idade e é mais
alto entre as pessoas que têm 60 anos ou mais (ver
Tabela 1.3). Contudo, de forma geral, os índices de
suicídio são maiores entre os homens do que entre
as mulheres (18,9 para cada 100 mil contra 10,6 para
cada 100 mil). Isso acontece principalmente entre
as faixas etárias mais altas onde, no mundo inteiro,
os índices de suicídio entre homens na faixa etária
de 60 anos é duas vezes maior do que os índices
de suicídio de mulheres na mesma faixa etária (44,9
para cada 100 mil contra 22,1 para cada 100 mil).
Mortalidade segundo o nível de renda
do país e região
Os índices de morte violenta variam conforme
10 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
os níveis de renda do país. Em 2000, o índice
de mortes violentas em países de renda baixa a
média foi de 32,1 para cada 100 mil habitantes,
mais do que o dobro do índice em países de
alta renda (14,4 para cada 100 mil) (ver Tabela
1.2).
Há também consideráveis diferenças
regionais nos índices de morte violenta. Essas
diferenças ficam evidentes, por exemplo, entre
as regiões da OMS (ver Figura 1.2). Nas regiões
da África e das Américas, os índices de
homicídio são quase três vezes maiores do que
os índices de suicídio. Contudo, nas regiões da
Europa e sudeste da Ásia, os índices de suicídio
são mais do que o dobro dos índices de homicídio
(19,1 para cada 100 mil contra 8,4 para cada 100 mil
na região européia, e 12,0 para cada 100 mil contra
5,8 para cada 100 mil para a região do sudeste da
Ásia), e na região do Pacífico Ocidental, os índices
de suicídio são cerca de seis vezes maiores do que
os índices de homicídio (20,8 para cada 100 mil
contra 3,4 para cada 100 mil).
Também há grandes diferenças entre os países
em cada região. Em 1994, por exemplo, o índice de
homicídio entre homens na Colômbia foi de 146,5
para cada 100 mil, enquanto os índices
correspondentes em Cuba e no México foram 12,6 e
32,3 para cada 100 mil respectivamente (16). Dentro
dos países há, ainda, enormes diferenças entre as
populações urbanas e rurais, entre grupos ricos e
pobres e entre diferentes grupos raciais e étnicos.
Por exemplo, nos Estados Unidos, em 1999, os jovens
afro-americanos na faixa etária de 15 a 24 anos
apresentaram um índice de homicídio (38,6 para cada
100 mil) acima de duas vezes maior do que o dos
hispânicos (17,3 para cada 100 mil), e mais de 12 vezes
o índice de suas contrapartes caucasianas e não
hispânicas (3,1 para cada 100 mil) (17).
Estimativa de violência não fatal
Os números supracitados relativos à mortalidade
certamente subestimam o verdadeiro ônus da
violência. No que diz respeito à violência, em todas
as partes do mundo as mortes representam a
“pontado iceberg”. Ataques físicos e sexuais ocorrem
todos os dias, apesar de não haver estimativas
nacionais e internacionais precisas sobre cada um
deles. Nem todos os ataques resultam em lesões
graves o bastante para necessitarem de assistência
médica e, mesmo entre os que resultam em lesões
graves, os sistemas de vigilância [surveillance] para
coletar dados relativos a essas lesões e preparar
relatórios sobre elas, inexistem ou ainda estão sendo
desenvolvidos em muitos países.
Muito do que se sabe sobre a violência não fatal
provém de pesquisas e estudos especiais em
diferentes grupos populacionais. Por exemplo, em
pesquisas nacionais, o percentual de mulheres que
relataram ter sofrido pelo menos uma vez uma
agressão física por parte de um parceiro íntimo variou
de 10% no Paraguai e nas Filipinas, para 22,1% nos
Estados Unidos, 29,0% no Canadá e 34,4% no Egito
(18-21). A proporção de mulheres de várias cidades
ou províncias ao redor do mundo que relataram ter
sido sexualmente agredidas (inclusive vítimas de
tentativa de agressão) variou de 15,3% em Toronto
no Canadá, a 21,7% em León na Nicarágua, 23,0% em
Londres na Inglaterra e 25,0% em uma província de
Zimbábue (21-25). No ano passado, entre
adolescentes do sexo masculino cursando o ensino
médio, o percentual de envolvimento em luta física
variou de 22,0% na Suécia e 44,0% nos Estados
Unidos para 76,0% em Jerusalém, Israel (26-28).
FIGURA 1.2
Índices de homicídio e suicídio por região da OMS, 2000
Um ponto importante, neste aspecto, é que esses
dados são fundamentados principalmente em
depoimentos dados pelas próprias pessoas. É difícil
saber se eles sobrestimam ou subestimam a real
abrangência das agressões físicas e sexuais entre
esses grupos populacionais. Certamente nos países
em que há pressões culturais mais fortes para manter
a violência “entre quatro paredes” ou simplesmente
para aceitá-la como “natural”, a violência não fatal
parece ser subestimada nos relatórios. As vítimas
podem relutar em discutir as experiências violentas,
não só devido à vergonha e aos tabus, mas também
por terem medo. Em alguns países, admitir que passou
por determinados eventos violentos, tais como
estupro, pode resultar em morte. Em certas culturas,
a preservação da honra da família é um motivo
tradicional para matar as mulheres que foram
estupradas (as chamadas “mortes pela honra”).
Os custos da violência
A violência impõe ônus humanos e econômicos
aos países, e custa anualmente muitos bilhões de
dólares em assistência à saúde, custos legais,
absenteísmo e produtividade perdida. Nos Estados
Unidos, um estudo realizado em 1992 estimou em
126 bilhões de dólares os custos anuais diretos e
indiretos devidos a ferimentos à bala. Ferimentos
por corte ou facadas custaram mais 51 bilhões de
dólares (29). Em um estudo realizado em 1996, na
província canadense de New Brunswick, o custo
total devido a morte por suicídio foi acima de 849 mil
dólares. Os custos totais diretos e indiretos,
inclusive os custos com serviços de assistência à
saúde, autópsias, investigações policiais e
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 11
12 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
produtividade perdida resultante de morte
prematura, totalizaram aproximadamente 80 milhões
de dólares (30).
O alto custo da violência não é exclusivo do
Canadá ou dos Estados Unidos. Entre 1996 e 1997, o
Banco Interamericano de Desenvolvimento
patrocinou estudos sobre a magnitude e o impacto
econômico da violência em seis países da América
Latina (31). Cada estudo avaliou os gastos
resultantes de violência, em serviços de assistência
à saúde, aplicação da lei e serviços judiciários, bem
como prejuízos intangíveis e prejuízos com a
transferência de bens. Expresso como um percentual
do produto interno bruto (PIB), em 1997, o custo dos
gastos com assistência à saúde, resultantes da
violência, foi de 1,9% do PIB no Brasil, 5,0% na
Colômbia, 4,3% em El Salvador, 1,3% no México, 1,5%
no Peru e 0,3% na Venezuela.
É difícil calcular precisamente a carga de todos os
tipos de violência sobre os sistemas de assistência à
saúde, ou seus efeitos sobre a produtividade
econômica no mundo todo. A evidência disponível
mostra que as vítimas de violência doméstica e sexual
têm mais problemas de saúde, custos com assistência
à saúde significativamente mais elevados e vão com
maior freqüência aos departamentos de emergência
do que as pessoas que não têm um histórico de abuso
(ver Capítulos 4 e 6). O mesmo é válido para as vítimas
de abuso e negligência na infância (ver Capítulo 3).
Esses custos contribuem substancialmente para os
gastos anuais com assistência à saúde.
Uma vez que, de forma geral, as estimativas de
custo nacional não levam em conta também outros
problemas de saúde, tais como depressão, tabagismo,
abuso de álcool e drogas, gravidez indesejada, vírus
de imunodeficiência adquirida/síntoma de
imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS/SIDA), outras
doenças sexualmente transmissíveis e outras
infeções (em estudos de pequena escala, todas
vinculadas à violência) (32 – 37), ainda não é possível
calcular a carga global econômica desses problemas,
uma vez relacionados à violência.
Analisando as raízes da violência: um
modelo ecológico
Não há um fator único que explique por que
algumas pessoas se comportam de forma violenta em
relação a outras, ou porque a violência ocorre maisem
algumas comunidades do que em outras. A violência
é o resultado da complexa interação de fatores
individuais, de relacionamento, sociais, culturais e
ambientais. Entender como esses fatores estão
relacionados à violência é um dos passos importantes
na abordagem de saúde pública para evitar a
violência.
Vários níveis
Os capítulos deste relatório aplicam um modelo
ecológico para ajudar a compreensão da natureza
multifacetada da violência. Introduzido pela primeira
vez ao final da década de 1970 (38, 39), este modelo
ecológico foi inicialmente aplicado ao abuso infantil
(38) e, posteriormente, à violência juvenil (40,41).
Mais recentemente, os pesquisadores têm usado esse
modelo para entender a violência praticada pelo
parceiro íntimo (42, 43) e o abuso contra os idosos
(44, 45). O modelo explora a relação entre fatores
individuais e contextuais e considera a violência como
o resultado de vários níveis de influência sobre o
comportamento (ver Figura 1.3).
Individual
O primeiro nível do modelo ecológico busca
identificar os fatores históricos – biológicos e
pessoais – que uma pessoa traz em seu
comportamento. Além dos fatores biológicos e
demográficos, são levadosem consideração outros
fatores tais como impulsividade, baixo rendimento
escolar, abuso de substâncias [tóxicas] e histórico
de agressão e abuso. Em outras palavras, este nível
do modelo ecológico se concentra nas características
da pessoa que aumentam a possibilidade de ela ser
uma vítima ou um perpetrador da violência.
Racional
O segundo nível do modelo econômico explora
como as relações sociais próximas – por exemplo,
relações com companheiros, parceiros íntimos e
membros da família – aumentam o risco para
vitimização violenta e perpetração da violência. Nos
casos de violência de parceiro e maus tratos à
criança, por exemplo, a interação quase diária ou o
convívio em uma casa com alguém que pratique
abuso podem aumentar a oportunidade de
confrontos violentos. Como as pessoas são
obrigadas a um relacionamento contínuo, é
provável que, nesses casos, a vítima sofra
repetidos abusos praticados pelo criminoso (46).
No caso de violência interpessoal entre jovens, as
pesquisas mostram que jovens têm maior
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 13
probabilidade de entrar em atividades negativas
quando tais comportamentos são incentivados e
aprovados pelos amigos (47, 48). Os companheiros,
parceiros íntimos e membros da família têm poder
para moldar o comportamento de uma pessoa e a
sua esfera de experiências.
Comunitário
O terceiro nível do modelo ecológico analisa
os contextos comunitários em que as relações
estão embutidas – como escolas, locais de trabalho
e vizinhança – e busca identificar as características
desses cenários que estão associadas ao fato de
a pessoa ser vítima ou perpetrador da violência.
Um alto nível de mobilidade residencial (em que
as pessoas não ficam por muito tempo em uma
mesma moradia e mudam-se muitas vezes), a
heterogeneidade (população muito diversa, com
pouco “vínculo” social que una as comunidades)
e alta densidade populacional são exemplos
dessas características e todas têm sido associadas
à violência. Da mesma forma, as comunidades
caracterizadas por problemas como tráfico de
drogas, altos níveis de desemprego ou grande
isolamento social (por exemplo, pessoas que não
conhecem seus vizinhos ou que não têm
envolvimento algum com sua comunidade)
também têm maior probabilidade de vivenciar a
violência. Pesquisas sobre violência mostram que
as oportunidades de que ela ocorra são maiores
em alguns contextos comunitários do que em
outros, por exemplo, em áreas de pobreza ou
deterioração física, ou onde há pouco apoio
institucional.
Social
O quarto e último nível do modelo ecológico
analisa os fatores sociais mais amplos que influenciam
FIGURA 1.3
Modelo ecológico para compreender a violência
os índices de violência. Aqui se incluem os fatores
que criam um clima favorável à violência, os que
reduzem as inibições contra violência e
aqueles que criam e sustentam lacunas
entre os diferentes segmentos da
sociedade – ou tensões entre diferentes
grupos ou países. Os principais fatores
sociais incluem:
– normas culturais que apoiam a
violência como uma forma aceitável para
solucionar conflitos;
– atitudes que consideram o suicídio como uma
questão de escolha individual em vez de um ato
de violência que pode ser evitado;
– normas que dão prioridade aos direitos dos pais
sobre o bem-estar da criança;
– normas que reafirmam o domínio masculino sobre
as mulheres e crianças;
– normas que validam o uso abusivo da força pela
polícia contra os cidadãos;
– normas que apoiam os conflitos políticos.
Os fatores sociais mais amplos incluem ainda as
políticas de saúde, educacionais, econômicas e
sociais que mantêm altos os níveis de desigualdade
econômica e social entre os grupos na sociedade
(ver Quadro 1.2).
A estrutura ecológica enfatiza as diversas causas
da violência e a interação dos fatores de risco dentro
da família e de contextos mais abrangentes, como o
comunitário, o social, o cultural e o
econômico.Colocado em um contexto de
desenvolvimento, o modelo ecológico também mostra
como a violência pode ser causada por diferentes
fatores em diferentes estágios da vida.
Vínculos complexos
Enquanto alguns fatores de risco podem ser
únicos para um determinado tipo de violência, os
vários tipos de violência normalmente compartilham
alguns fatores de risco. As normas culturais
predominantes, a pobreza, o isolamento social e
fatores como abuso de álcool, abuso de substâncias
e acesso a armas de fogo são fatores de risco ligados
a mais de um tipo de violência. Como conseqüência,
não é raro que algumas pessoas sob risco de violência
vivenciem mais de um tipo de violência. As mulheres
sob risco de violência física por parceiros íntimos,
por exemplo, também estão sob risco de violência
sexual (18).
Também não é raro detectar vínculos entre
14 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 1.2
Globalização: as implicações para a prevenção cintra a violência
A globalização corroeu as fronteiras funcionais e políticas que separavam as pessoas em Estados
soberanos com uma movimentação e uma troca de informações, idéias, serviços e produtos cada vez
mais rápidas e abrangentes. Por um lado, esse fato tem levado a uma enorme expansão no comércio
mundial acompanhada por uma demanda por maiores resultados econômicos, criando milhões de
empregos e aumentando os padrões de vida em alguns países, de uma forma nunca antes imaginada. Por
outro lado, os efeitos da globalização têm sido marcadamente desiguais. Em algumas partes do mundo,
a globalização tem levado a desigualdades maiores em termos de renda e ajudou a destruir fatores, como
a coesão social, que protegem contra a violência interpessoal.
Os benefícios e os obstáculos para se evitar a violência resultante da globalização podem ser resumidos
como segue.
Os efeitos positivos
O grande aumento no compartilhamento de informações provocado pela globalização tem produzido
novas redes e alianças internacionais que têm potencial para melhorar o alcance e a qualidade dos dados
coletados sobre violência. Nos locais onde a globalização aumentou os padrões de vida e ajudou a
reduzir as desigualdades, há uma maior possibilidade de que as intervenções econômicas que estão
sendo utilizadas diminuam as tensões e os conflitos, tanto dentro dos Estados quanto entre eles. Além
do mais, a globalização cria novas formas de se utilizar mecanismos globais:
Para realizar pesquisas sobre violência – especialmente sobre fatores sociais, econômicos e
políticos que transcendem as fronteiras nacionais.
Para incentivar atividades de prevenção contra a violência em escala regional ou global.
Para implementar leis internacionais e tratados elaborados para reduzir a violência.
Para apoiar esforços de prevenção contra a violência nos países, especialmente para aqueles
com capacidade limitada para realizar tais atividades.
Os efeitos negativos
As sociedades com níveis já elevados de desigualdade, que vivenciam um aumento do descompasso
entre ricos e pobres em conseqüência da globalização, provavelmente testemunharão um aumento na
violência interpessoal. A rápida mudança social em um país, como resposta às fortes pressões globais –
como aconteceu, por exemplo, em alguns Estados da antiga União Soviética -, pode sobrepujar os
controles sociais existentes para o comportamento e, assim, criar condições para um elevado nível de
violência. Além disso, como resultado da globalização, a remoção das restrições de mercado e incentivos
cada vez maiores para que se vise a lucros podem levar, por exemplo, a um acesso muito mais livre ao
álcool, às drogas e a armas de fogo, a despeito dos esforços para se reduzir o uso das armas em
incidentes violentos.
A necessidade de respostas globais
A violência não pode continuar sendo um assunto exclusivo das políticas nacionais, mas deve ser
tratada também em nível global – através do agrupamento de Estados, organismos internacionais e redes
internacionais de organizações governamentais e não governamentais. Esses esforços internacionais
devem visar à utilização dos aspectos positivos da globalização para um bem maior, enquanto lutam para
diminuir os aspectos negativos.
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 15
diferentes tipos de violência. As pesquisas têm
mostrado que a exposição à violência no lar está
associada ao fato de a pessoa ser uma vítima ou um
perpetrador da violência na adolescência ou na fase
adulta (49). A experiência de ser rejeitada,
negligenciada ou de sofrer indiferença por parte dos
pais, deixa a criança sob um risco maior de
comportamento agressivo e anti-social, inclusive de
comportamento abusivo quando adulto (50-52).
Foram encontradas associações entre o
comportamento suicida e os diversos tipos de
violência, inclusive maus tratos à criança (53, 54),
violência praticada por parceiro íntimo (33, 55),
agressão sexual (53) ou abuso contra idosos (56,
57). Em Sri Lanka, os índices de suicídio mostraram
uma queda durante o período de guerra e aumentaram
somente depois que o violento conflito terminou (58).
Em muitos países que passam por conflitos violentos,
os índices de violência interpessoal permanecem altos
mesmo depois do término das hostilidades – entre
outros motivos, porque a forma de violência tornouse
mais aceita socialmente e devido à disponibilidade
de armas.
Os vínculos entre os tipos de violência e a
interação entre os fatores individuais e os contextos
sociais, culturais e econômicos mais abrangentes
indicam que lidar com os fatores de risco nos diversos
níveis do modelo ecológico pode contribuir para
reduções em mais de um tipo de violência.
Como a violência pode ser evitada?
Os dois primeiros estágios do modelo de saúde
pública fornecem informações importantes sobre as
populações que necessitam de intervenções
preventivas, assim como sobre os fatores de risco e
de proteção que precisam ser tratados. Uma das
principais metas da saúde pública é colocar esse
conhecimento em prática.
Tipos de prevenção
As intervenções de saúde pública são,
tradicionalmente, caracterizadas em termos de níveis
de prevenção:
· Prevenção primária – abordagens que visam a
evitar a violência antes que ela ocorra.
· Prevenção secundária – abordagens que têm
como foco as respostas mais imediatas à violência,
tais como assistência pré-hospitalar, serviços de
emergência ou tratamento de doenças sexualmente
transmitidas após um estupro.
· Prevenção terciária – abordagens que visam à
assistência em longo prazo no caso de violência,
tais como reabilitação e reintegração, e tentam
diminuir o trauma ou reduzir a invalidez de longo
prazo associada à violência.
Esses três níveis de prevenção são definidos por
seu aspecto temporal, seja a prevenção anterior à
violência, imediatamente após a violência ou em longo
prazo. Apesar de tradicionalmente serem aplicados a
vítimas de violência e no âmbito da assistência à
saúde, os esforços de prevenção secundários e
terciários também são considerados relevantes para
os perpetradores da violência e são aplicados em
âmbito judiciário como resposta à violência.
Os pesquisadores no campo da prevenção contra
a violência têm cada vez mais se voltado para uma
definição de prevenção que visa a um grupo alvo de
interesse. Essa definição agrupa as intervenções da
seguinte forma (59):
· Intervenções universais – abordagens que visam
a grupos ou à população em geral, sem levar em
consideração o risco individual. Dentre os
exemplos, podemos citar os currículos de
prevenção contra a violência fornecidos a todos
os estudantes nas escolas ou a crianças de uma
determinada faixa etária, bem como campanhas de
mídia para a comunidade.
· Intervenções selecionadas – abordagens
voltadas para pessoas consideradas como estando
sob maior risco de violência (que apresentam um
ou mais fatores de risco de violência). Dentre os
exemplos desta intervenção está o treinamento
voltado para a criação de crianças oferecido a pais
de baixa renda ou pais solteiros.
· Intervenções indicadas – abordagens voltadas
àqueles que já demonstraram comportamento
violento, tais como tratamento para perpetradores
de violência doméstica.
Até hoje, muitos esforços em países
industrializados e emergentes têm enfatizado as
repostas secundárias e terciárias à violência. É
possível entender que normalmente seja dada
prioridade às conseqüências imediatas da violência,
dando apoio às vítimas e punindo os criminosos. Tais
respostas, mesmo sendo importantes e precisando
ser fortalecidas, devem ser acompanhadas por um
maior investimento na prevenção primária. Uma
resposta abrangente à violência é aquela que não só
protege e apoia as vítimas da violência, mas também
16 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
promove a não violência, reduz a perpetração da
violência e muda as circunstâncias e condições que
primordialmente dão origem à violência.
Respostas multifacetadas
Como a violência é um problema multifacetado,
com raízes biológicas, psicológicas, sociais e
ambientais, é necessário confrontá-la
simultaneamente em diversos níveis. Neste sentido,
o modelo ecológico serve a dois propósitos: cada
nível do modelo representa um nível de risco e cada
nível também pode ser encarado como um ponto
principal para a intervenção.
Para se lidar com a violência em diversos níveis é
necessário:
· Tratar de fatores de risco individuais e adotar
medidas para modificar os comportamentos
individuais de risco;
· Influenciar relacionamentos pessoais próximos
e trabalhar para criar ambientes familiares
saudáveis, assim como oferecer ajuda profissional
e apoio às famílias que apresentam disfunções;
· Monitorar locais públicos, como escolas, locais
de trabalho e bairros, e adotar medidas para tratar
de problemas que possam levar à violência;
· Lidar com a desigualdade de gênero e com as
atitudes e práticas culturais adversas;
· Lidar com os fatores culturais, sociais e
econômicos mais abrangentes, que contribuem
para a violência, e adotar medidas para mudá-los,
inclusive medidas para acabar com o
descompasso entre o rico e o pobre e para garantir
um acesso igual a bens, serviços e oportunidades.
Documentando respostas efetivas
Uma regra geral fundamental para a abordagem
da saúde pública em relação à violência é que todos
os esforços, sejam grandes ou pequenos, devem ser
rigorosamente avaliados. Documentar as respostas
existentes e estimular uma avaliação estritamente
científica das intervenções em diferentes cenários é
de grande valia para todos. Esses passos são
particularmente necessários para outras pessoas que
estejam tentando determinar respostas as mais
efetivas à violência e estratégias que podem fazer
diferença.
Reunir toda as evidências e experiências
disponíveis também é um fator extremamente útil para
a defesa da causa, uma vez que dá aos responsáveis
pela tomada de decisões a garantia necessária de
que algo pode ser feito. Ainda mais importante é o
fato de que, com isso, eles têm um valioso guia sobre
quais os esforços que provavelmente reduzirão a
violência.
Equilibrando a ação da saúde pública
Uma pesquisa rigorosa leva tempo para produzir
resultados. O impulso para investir apenas em
abordagens testadas não deve ser um obstáculo para
dar apoio a abordagens promissoras. Abordagens
promissoras são aquelas que foram avaliadas, mas
ainda precisam de maiores testes, em diversos
cenários e com grupos populacionais diferentes.
É também de bom alvitre testar diversos
programas e usar as iniciativas e as idéias das
comunidades locais. A violência é um problema que
exerce demasiada pressão, para postergar a ação da
saúde pública enquanto se espera pelo conhecimento
perfeito.
Lidando com as normas culturais
Em várias partes do mundo, algumas vezes, a
especificidade cultural e a tradição são usadas como
justificativas para determinadas práticas sociais que
perpetuam a violência. A opressão das mulheres é
um dos exemplos mais citados, mas também podemos
mencionar muitos outros.
As normas culturais devem ser tratadas com
sensibilidade e respeito em todos os esforços de
prevenção – com sensibilidade, porque as pessoas
normalmente têm ligações apaixonadas com as suas
tradições; e com respeito, porque a cultura
normalmente é uma fonte de proteção contra a
violência. A experiência provou que, por ocasião da
elaboração e da implementação dos programas, é
importante fazer consultas prévias e constantes com
os líderes religiosos e tradicionais, com grupos leigos
e figuras de destaque na comunidade, tal como
curandeiros.
Ações contra a violência em todos os
níveis
No longo prazo, o sucesso na prevenção contra a
violência dependerá cada vez mais de abordagens
abrangentes em todos os níveis.
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 17
Nível local
Em nível local, os parceiros poderão ser
provedores de assistência à saúde, polícia,
educadores, assistentes sociais, empregadores e
funcionários do governo. Muito pode ser feito para
promover a prevenção contra a violência. Programas
piloto em pequena escala e projetos de pesquisa
podem fornecer os meios para se testar as idéias e –
talvez igualmente importante – para que diversos
parceiros se acostumem a trabalhar juntos. Para o
sucesso desse tipo de cooperação, são essenciais
estruturas, tais como grupos ou comissões de
trabalho, que reúnem diferentes setores e mantêm
contatos formais e informais.
Nível nacional
Como no nível local, também em nível nacional as
parcerias multissetoriais são altamente
aconselháveis. Diversos ministérios do governo – e
não só os responsáveis pela aplicação da lei, pelos
serviços sociais e de saúde – têm importantes
contribuições para dar na prevenção contra a
violência. Os ministérios da educação são parceiros
óbvios, dada a importância da intervenção nas
escolas. Os ministérios do trabalho podem fazer muito
para reduzir a violência no local de trabalho,
especialmente em cooperação com sindicatos e
empregadores (ver Quadro 1.3). No que diz respeito à
violência, os ministérios da defesa podem moldar
positivamente as atitudes de vários jovens sob seu
controle, ao encorajar a disciplina, promover códigos
de honra e ao promover uma grande conscientização
a respeito da letalidade das armas de fogo. As
lideranças e as organizações religiosas têm um papel
a desempenhar em seu trabalho pastoral e, quando
cabível, ao oferecer seus bons préstimos para fazer a
mediação em problemas específicos.
Nível global
Como já foi mostrado, por exemplo, na resposta
internacional à AIDS e no campo de assistência a
desastres, em nível global, a cooperação e a troca de
informações entre as organizações podem produzir
significativos benefícios, da mesma forma que as
parcerias em nível nacional e local. Nesse sentido, a
Organização Mundial da Saúde tem um papel global
muito importante a desempenhar, uma vez que é a
agência das Nações Unidas responsável pela saúde.
Outras agências e órgãos internacionais, contudo,
também têm grandes contribuições a oferecer em seus
campos especializados. Dentre elas, podemos citar o
Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos
Humanos (no que diz respeito aos direitos humanos),
o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (refugiados), o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (o bem-estar das crianças), o Fundo
das Nações Unidas para Mulheres e o Fundo de
População das Nações Unidas (saúde da mulher), o
Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (desenvolvimento humano), o
Instituto Inter-regional das Nações Unidas para
Pesquisa em Crime e Justiça (crime) e o Banco Mundial
(financiamento e governança). Diversos doadores
internacionais, programas bilaterais, organizações não
governamentais e organizações religiosas já estão
envolvidos em atividades de prevenção contra a
violência no mundo todo.
Problemas para os resposáveis pela
tomada de decisões nacionais
Se a violência é altamente evitável, surge então a
questão: por que não há mais esforços para evitá-la,
especialmente em nível nacional, provincial e
estadual?
Um grande obstáculo é simplesmente a falta de
conhecimento. Para muitos responsáveis pela tomada
de decisões, a idéia de que a violência é um problema
de saúde pública é nova e, na verdade, bastante
contrária à crença de que a violência é um problema
criminal. Esse é o caso especialmente de formas
menos visíveis de violência, tais como abuso de
crianças, mulheres e idosos. A noção de que a
violência pode ser evitada também é nova ou
questionável para os responsáveis pela tomada de
decisões. Para muitas pessoas, uma sociedade livre
de violência parece ser inatingível; um nível
“aceitável” de violência, principalmente nas ruas onde
vivem, parece ser muito mais realista. Para outros,
paradoxalmente, o inverso é verdadeiro, uma vez que
grande parte da violência é ocultada, distante ou
esporádica. Para eles, a paz e a segurança parecem
ser o estado predominante. Da mesma forma que se
tem o ar puro como certo até que o céu se cubra de
poluição, a violência também deve ser tratada logo
que começa a dar sinais de existência. Não é de
surpreender que algumas das soluções mais
inovadoras tenham partido dos níveis comunitários
e municipais do governo, precisamente aqueles que,
diariamente, estão mais próximos do problema.
18 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Um segundo problema diz respeito à viabilidade das
opções políticas para combatê-la. Poucos
responsáveis pela tomada de decisões perceberam a
evidência de que muitas formas de violência podem
ser evitadas E demasiados consideram que as
abordagens tradicionais do sistema de justiça criminal
são as únicas que “funcionam”. Essa visão não
reconhece a extensão da violência na sociedade. Ela
perpetua o foco sobre certas formas bastante visíveis
de violência – especificamente a violência juvenil –
enquanto prestam muito menos atenção a outros
tipos, tais como a violência de parceiros íntimos e o
abuso infantil e de idosos, para os quais o sistema de
justiça criminal é menos responsivo e menos efetivo.
Um terceiro problema diz respeito à determinação.
A violência é uma questão extremamente emocional
e muitos países relutam em adotar iniciativas que
desafiem atitudes ou práticas estabelecidas há muito
tempo. Pode-se precisar de uma considerável coragem
política para tentar novas abordagens em áreas como
policiamento e segurança pública.
Com esses três problemas, há um forte papel a ser
desempenhado pelos profissionais da área de saúde
pública, pelas instituições acadêmicas, pelas
organizações não governamentais e pelas
organizações internacionais para ajudar os governos
a aumentarem seu conhecimento e sua confiança em
QUADRO 1.3
Em muitas partes do mundo, a violência no local de trabalho é um grande fator a contribuir para
mortes e lesões. Nos Estados Unidos, estatísticas oficiais colocaram o homicídio como a segunda
principal causa de morte no local de trabalho – depois de lesões no trânsito – para os homens e a primeira
para as mulheres. Na União Européia, aproximadamente três milhões de trabalhadores (2% da mão de
obra) têm sido sujeitos à violência física no trabalho. Estudos sobre trabalhadoras migrantes das Filipinas
mostraram que muitas, especialmente as que trabalham em serviços domésticos ou na indústria de lazer,
são desproporcionalmente afetadas pela violência em seus trabalhos.
A violência no trabalho envolve não somente o comportamento físico, mas também o psicológico.
Muitos trabalhadores são sujeitos a comportamentos prepotentes agressivos [bullying], assédio sexual,
ameaças, intimidações e outras formas de violência psicológica. Uma pesquisa realizada no Reino Unido
revelou que 53% dos empregados foram vítimas de comportamento agressivo no trabalho e 78%
testemunharam tal comportamento. Na África do Sul, as hostilidades no local de trabalho são consideradas
como “excepcionalmente elevadas” e um estudo recente mostrou que 78% dos pesquisados haviam
passado por comportamento prepotente agressivo em seu local de trabalho.
Repetidos atos de violência – desde comportamentos prepotentes agressivos, assédio sexual e
ameaças até humilhação e deterioração moral dos trabalhadores – também podem evoluir cumulativamente
para casos muito graves. Na Suécia, estima-se que, em 10 a 15% dos suicídios, um dos fatores tenha sido
tal comportamento.
Os custos
A violência no local de trabalho causa uma ruptura imediata e, muitas vezes, de longo prazo nos
relacionamentos interpessoais, bem como desagrega o ambiente de trabalho como um todo. Os custos dessa
violência incluem:
Custos diretos – efeitos colaterais de pontos como:
— acidentes;
— enfermidades;
— invalidez e morte;
— absenteísmo;
— rotatividade de funcionários.
Custos indiretos, inclusive:
— menor desempenho no trabalho;
— menor qualidade dos produtos ou do serviço, e produção mais lenta;
Uma abordagem abrangente para evitar a violência no trabalho
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 19
— diminuição na competitividade;
Custos mais intangíveis, inclusive:
— danos à imagem de uma organização;
— menor motivação e moral mais baixa;
— menor lealdade para com a organização;
— níveis mais baixos de criatividade;
— um ambiente menos condutivo ao trabalho.
As respostas
Ao lidar com a violência em outros cenários, é necessária uma abordagem abrangente. A violência no
trabalho não é simplesmente um problema individual, que acontece de tempos em tempos, mas sim um
problema estrutural com causas socioeconômicas, culturais e organizacionais muito mais amplas.
A resposta tradicional à violência no trabalho, fundamentada exclusivamente na disciplina regulamentar,
não atinge muitas situações no local de trabalho. Uma abordagem mais abrangente tem como foco as causas
da violência no local de trabalho. Ela visa a fazer com que a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores
sejam partes integrantes do desenvolvimento da organização.
O tipo de pacote sistemático e direcionado para se evitar a violência no trabalho que está sendo cada vez
mais adotado inclui:
— a colaboração ativa das organizações de empregados e de empregadores na formulação de políticas
e programas claros contra a violência no local de trabalho;
— apoio à legislação e às diretrizes do governo nacional e local;
— a divulgação de estudos de caso sobre práticas recomendadas na prevenção contra a violência no trabalho;
— melhorias no ambiente de trabalho, estilos de gerenciamento e organização do trabalho;
— maiores oportunidades de treinamento;
— aconselhamento e apoio às pessoas afetadas.
Ao fazer o vínculo direto da saúde e da segurança com o gerenciamento e desenvolvimento de uma
organização, essa abordagem abrangente oferece os meios para uma ação imediata e sustentável para eliminar
a violência no local de trabalho.
(continuação)
intervenções que podem funcionar. Parte deste
papel é a defesa, utilizando a educação e informações
científicas. A outra parte é um parceiro ou consultor
que ajude a desenvolver políticas e a elaborar ou
implementar as intervenções.
Conclusão
A saúde pública diz respeito à saúde e ao bemestar
das populações como um todo. A violência
impõe uma carga maior ao bem-estar. O objetivo da
saúde pública é criar comunidades seguras e
saudáveis no mundo todo. Uma grande prioridade
hoje em dia é persuadir os mais diversos setores –
nos níveis global, nacional e comunitário – a
comprometerem-se com este objetivo. Os
funcionários da área de saúde pública podem fazer
muito para criar planos e políticas nacionais para evitar
a violência, estabelecendo importantes parcerias entre
os setores e assegurando a devida alocação de
recursos para os esforços de prevenção.
Mesmo que não precise – e na verdade não possa
– dirigir todas as ações para evitar a violência e
responder a ela, a liderança da saúde pública tem um
significativo papel a desempenhar. Os dados
disponíveis para a saúde pública e para outras
agências, a compreensão e o entendimento
desenvolvidos por método científico e a dedicação
para descobrir respostas efetivas são importantes
instrumentos que o campo da saúde pública oferece
para a resposta global à violência.
Referências
1. Mercy JA et al. Public health policy for preventing
violence. Health Affairs, 1993, 12:7-29.
2. WHO Global Consultation on Violence and Health.
Violence: a public health priority. Geneva, World
20 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Health Organization, 1996 (document WHO/EHA/
SPI.POA.2).
3. Walters RH, Parke RD. Social motivation,
dependency, and susceptibility to social influence.
In: Berkowitz L, ed. Advances in experimental social
psychology. Vol. 1. New York, NY, Academic Press,
1964:231-276.
4. Dodge KA, Coie JD. Social information processing
factors in reactive and proactive aggression in
children’s peer groups. Journal of Personality and
Social Psychology, 1987, 53:1146-1158.
5. Foege WH, Rosenberg ML, Mercy JA. Public
health and violence prevention. Current Issues in
Public Health, 1995, 1:2-9.
6. Kruger J et al. A public health approach to violence
prevention in South Africa. In: van Eeden R, Wentzel
M, eds. The dynamics of aggression and violence in
South Africa. Pretoria, Human Sciences Research
Council, 1998:399-424.
7. Houry D et al. Emergency department
documentation in cases of intentional assault. Annals
of Emergency Medicine, 1999, 34:715-719.
8. WHO multi-country study on women’s health and
domestic violence . Geneva, World Health
Organization, 1999 (document WHO/FCH/GWH/
02.01).
9. Holder Y et al., eds. Injury surveillance guidelines.
Geneva, World Health Organization (published in
collaboration with the United States Centers for
Disease Control and Prevention), 2001 (document
WHO/NMH/VIP/01.02).
10. Sethi D, Krug E, eds. Guidance for surveillance
of injuries due to landmines and unexploded
ordnance. Geneva, World Health Organization, 2000
(document WHO/NMH/PVI/00.2).
11. Saltzman LE et al. Intimate partner surveillance:
uniform definitions and recommended data elements,
Version 1.0. Atlanta, GA, National Center for Injury
Prevention and Control, Centers for Disease Control
and Prevention, 1999.
12. Uniform data elements for the national fatal
firearm injury reporting system. Boston, MA,
Harvard Injury Control Research Center, Harvard
School of Public Health, 2000.
13. Data elements for emergency departments.
Atlanta, GA, National Center for Injury Prevention
and Control, Centers for Disease Control and
Prevention, 1997.
14. Dahlberg LL, Toal SB, Behrens CB. Measuring
violence-related attitudes, beliefs, and behaviors
among youths: a compendium of assessment tools.
Atlanta, GA, Centers for Disease Control and
Prevention, 1998.
15. Putting women first: ethical and safety
recommendations for research on domestic violence
against women. Geneva, World Health Organization,
2001 (document WHO/FCH/GWH/01.01).
16. World health statistics annual 1996. Geneva,
World Health Organization, 1998.
17. Anderson RN. Deaths: leading causes for 1999.
National Vital Statistics Reports, 2001, 49:1-87.
18. Heise LL, Ellsberg M, Gottemoeller M. Ending
violence against women. Baltimore, MD, Johns
Hopkins University School of Public Health, Center
for Communications Programs, 1999 (Population
Reports, Series L, No. 11).
19. Tjaden P, Thoennes N. Full report of the
prevalence, incidence, and consequences of violence
against women: findings from the National Violence
Against Women Survey. Washington, DC, National
Institute of Justice, Office of Justice Programs, United
States Department of Justice and Centers for Disease
Control and Prevention, 2000.
20. Rodgers K. Wife assault: the findings of a national
survey. Juristat Service Bulletin, 1994, 14:1-22.
21. El-Zanaty F et al. Egypt demographic and health
survey, 1995. Calverton, MD, Macro International,
1996.
22. Randall M et al. Sexual violence in women’s lives:
findings from the women’s safety project, a
community-based survey. Violence Against Women,
1995, 1:6-31.
23. Ellsberg MC et al. Candies in hell: women’s
experience of violence in Nicaragua. Social Science
and Medicine, 2000, 51:1595-1610.
24. Mooney J. The hidden figure: domestic violence
in north London. London, Middlesex University,
1993.
25. Watts C et al. Withholding sex and forced sex:
dimensions of violence against Zimbabwean women.
Reproductive Health Matters, 1998, 6:57-65.
26. Grufman M, Berg-Kelly K. Physical fighting and
associated health behaviours among Swedish
adolescents. Acta Paediatrica, 1997, 86:77-81.
27. Kann L et al. Youth risk behavior surveillance:
United States, 1999. Morbidity and Mortality Weekly
Report, 2000, 49:1-104 (CDC Surveillance Summaries,
SS-5).
28. Gofin R, Palti H, Mandel M. Fighting among
Jerusalem adolescents: personal and school-related
factors. Journal of Adolescent Health, 2000, 27:218-
223.
29. Miller TR, Cohen MA. Costs of gunshot and cut/
stab wounds in the United States, with some Canadian
CAPÍTULO 1. VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA · 21
comparisons. Accident Analysis and Prevention,
1997, 29:329-341.
30. Clayton D, Barcel A. The cost of suicide mortality
in New Brunswick, 1996. Chronic Diseases in
Canada, 1999, 20:89-95.
31. Buvinic M, Morrison A. Violence as an obstacle
to development. Washington, DC, Inter-American
Development Bank, 1999:1-8 (Technical Note 4:
Economic and social consequences of violence).
32. Kaplan SJ et al. Adolescent physical abuse: risk
for adolescent psychiatric disorders. American
Journal of Psychiatry, 1998, 155:954-959.
33. Kaslow NJ et al. Factors that mediate and moderate
the link between partner abuse and suicidal behavior
in African-American women. Journal of Consulting
and Clinical Psychology, 1998, 66:533-540.
34. Pederson W, Skrondal A. Alcohol and sexual
victimization: a longitudinal study of Norwegian girls.
Addiction, 1996, 91:565-581.
35. Holmes MM et al. Rape-related pregnancy:
estimates and descriptive characteristics from a
national sample of women. American Journal of
Obstetrics and Gynecology, 1996, 175:320-325.
36. Kakar F et al. The consequences of landmines on
public health. Prehospital Disaster Medicine, 1996,
11:41-45.
37. Toole MJ. Complex emergencies: refugee and
other populations. In: Noji E, ed. The public health
consequences of disasters. New York, NY, Oxford
University Press, 1997:419-442.
38. Garbarino J, Crouter A. Defining the community
context for parent-child relations: the correlates of
child maltreatment. Child Development, 1978, 49:604-
616.
39. Bronfenbrenner V. The ecology of human
development: experiments by nature and design.
Cambridge, MA, Harvard University Press, 1979.
40. Garbarino J. Adolescent development: an
ecological perspective. Columbus, OH, Charles E.
Merrill, 1985.
41. Tolan PH, Guerra NG. What works in reducing
adolescent violence: an empirical review of the field.
Boulder, CO, University of Colorado, Center for the
Study and Prevention of Violence, 1994.
42. Chaulk R, King PA. Violence in families: assessing
prevention and treatment programs. Washington,
DC, National Academy Press, 1998.
43. Heise LL. Violence against women: an integrated
ecological framework. Violence Against Women,
1998, 4:262-290.
44. Schiamberg LB, Gans D. An ecological framework
for contextual risk factors in elder abuse by adult
children. Journal of Elder Abuse and Neglect, 1999,
11:79-103.
45. Carp RM. Elder abuse in the family: an
interdisciplinary model for research. New York, NY,
Springer, 2000.
46. Reiss AJ, Roth JA, eds. Violence in families:
understanding and preventing violence. Panel on
the understanding and control of violent behavior.
Vol.1. Washington, DC, National Academy Press,
1993:221-245.
47. Thornberry TP, Huizinga D, Loeber R. The
prevention of serious delinquency and violence:
implications from the program of research on the
causes and correlates of delinquency. In: Howell JC
et al., eds. Sourcebook on serious, violent and
chronic juvenile offenders. Thousand Oaks, CA,
Sage, 1995:213-237.
48. Lipsey MW, Derzon JH. Predictors of serious
delinquency in adolescence and early adulthood: a
synthesis of longitudinal research. In: Loeber R,
Farrington DP, eds. Serious and violent juvenile
offenders: risk factors and successful interventions.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1998:86-105.
49. Maxfield MG, Widom CS. The cycle of violence:
revisited 6 years later. Archives of Pediatrics and
Adolescent Medicine, 1996, 150:390-395.
50. Farrington DP. The family backgrounds of
aggressive youths. In: Hersov LA, Berger M, Shaffer
D, eds. Aggression and antisocial behavior in
childhood and adolescence. Oxford, Pergamon Press,
1978:73-93.
51. McCord J. A forty-year perspective on the effects
of child abuse and neglect. Child Abuse & Neglect,
1983, 7:265-270.
52. Widom CS. Child abuse, neglect, and violent
criminal behavior. Criminology, 1989, 27:251-272.
53. Paolucci EO, Genuis ML, Violato C. A metaanalysis
of the published research on the effects of
child sexual abuse. Journal of Psychology, 2001,
135:17-36.
54. Brown J et al. Childhood abuse and neglect:
specificity of effects on adolescent and young adult
depression and suicidality. Journal of the American
Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 1999,
38:1490-1496.
55. Stark E, Flitcraft A. Killing the beast within: woman
battering and female suicidality. International
22 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Journal of Health Services, 1995, 25:43-64.
56. Bristowe E, Collins JB. Family-mediated abuse of
non-institutionalised elder men and women living in
British Columbia. Journal of Elder Abuse and
Neglect, 1989, 1:45-54.
57. Pillemer KA, Prescott D. Psychological effects of
elder abuse: a research note. Journal of Elder Abuse
and Neglect, 1989, 1:65-74.
58. Somasundaram DJ, Rajadurai S. War and suicide
in Northern Sri Lanka. Acta Psychiatrica
Scandinavica, 1995, 91:1-4.
59. Tolan PH, Guerra NG. Prevention of juvenile
delinquency: current status and issues. Journal of
Applied and Preventive Psychology, 1994, 3:251-273.
Violência juvenil
CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 25
Antecedentes
A violência praticada por pessoas jovens é uma
das formas mais visíveis de violência na sociedade.
Em todo o mundo, jornais e meios de comunicação
relatam diariamente a violência das gangues nas
escolas ou praticada por jovens nas ruas. Em quase
todos os lugares, as principais vítimas e perpetradores
desse tipo de violência são os próprios adolescentes
e jovens adultos (1). Os homicídios e as agressões
não fatais envolvendo jovens , contribuem muito para
a carga global de morte prematura, lesões e invalidez
(1, 2).
A violência juvenil prejudica profundamente não
apenas suas vítimas, mas também os familiares, os
amigos e as comunidades. Seus efeitos não são
observados apenas na morte, doença e invalidez, mas
também em termos de qualidade de vida. A violência
que envolve os jovens acarreta muitos custos aos
serviços de saúde e bem-estar social, reduz a
produtividade, diminui os valores de propriedade,
desintegra uma série de serviços essenciais e, em
geral, abala o arcabouço da sociedade.
O problema da violência juvenil, não pode ser
considerado isoladamente dos outros
comportamentos problema. Jovens violentos tendem
a cometer uma série de crimes. Normalmente também
apresentam outros problemas, tais como vadiagem e
abandono da escola, abuso de substâncias [tóxicas],
mentira compulsiva, direção imprudente e elevados
índices de doenças sexualmente transmissíveis.
Entretanto, nem todos os jovens violentos manifestam
problemas significativos que não sejam sua própria
violência e nem todos jovens com problemas são
necessariamente violentos (3).
Há ligações muito próximas entre: violência juvenil
e outras formas de violência. Testemunhar a violência
em casa, ser vítima de abuso físico ou sexual, por
exemplo, pode condicionar crianças ou adolescentes
a considerarem a violência como uma maneira
aceitável de resolver problemas (4, 5). A exposição
prolongada a conflitos armados também, pode
contribuir para uma cultura geral de terror, que
aumenta a incidência de violência juvenil (6–8). A
compreensão dos fatores que aumentam o risco dos
jovens serem vítimas ou perpetradores de violência é
essencial para o desenvolvimento de políticas e
programas eficazes para evitar a violência.
Para atender às finalidades deste relatório, os
jovens são definidos como pessoas entre 10 e 29
anos de idade. Os índices elevados de agressões e
vitimizações, entretanto, geralmente se estendem até
os 30 a 35 anos de idade, e este grupo de pessoas
mais velhas, jovens adultos, também deve ser levado
em consideração na tentativa de se compreender e
evitar a violência juvenil.
A extensão do problema
Índices de homicidio juvenil
Em 2000, ocorreram cerca de 199 mil homicídios
juvenis (9,2 para cada 100 mil pessoas) em todo o
mundo. Em outras palavras, uma média de 565
crianças, adolescentes e jovens adultos, entre 10 e
29 anos, morrem por dia como resultado da violência
interpessoal. Os índices de homicídio variam
consideravelmente de região para região, variando
de 0,9 para cada 100 mil nos países de renda alta da
Europa e partes da Ásia e do Pacífico, a 17,6 para 100
mil na África e 36,4 para 100 mil na América Latina
(ver Figura 2.1).
Há também grandes variações nos índices de
homicídio juvenil entre os países em si (ver Tabela
2.1). Entre os países cujos dados da OMS estão
disponíveis, os índices são mais levados na América
Latina (por exemplo, 84,4 para cada 100 mil na
Colômbia e 50,2 para cada 100 mil em El Salvador), no
Caribe (por exemplo, 41,8 para cada 100 mil em Porto
Rico), na Federação Russa (18,0 para cada 100 mil) e
em alguns países do sudeste da Europa (por exemplo,
28,2 para cada 100 mil na Albânia). Com exceção dos
Estados Unidos, onde os índices ficam em 11,0 para
cada 100 mil, a maior parte dos países com índices de
homicídio acima de 10,0 para cada 100 mil são países
emergentes ou países que passam por rápidas
mudanças sociais e econômicas.
Os países com baixos índices de homicídio juvenil
tendem a pertencer à Europa Ocidental – por exemplo,
França (0,6 para cada 100 mil), Alemanha (0,8 para
cada 100 mil) e Reino Unido (0,9 para cada 100 mil) –
ou à Ásia, como o Japão (0,4 para cada 100 mil). Vários
países apresentam menos de 20 homicídios juvenis
por ano.
Em quase todos os lugares, os índices de
homicídio juvenil são significativamente mais baixos
entre as mulheres do que entre os homens, indicando
que o fato de pertencer ao sexo masculino é um forte
fator de risco demográfico. A razão entre o índice de
homicídios juvenis entre homens e mulheres tende a
ser mais alta em países com índices elevados de
homicídios masculinos. Por exemplo, a razão é de
13,1:1 na Colômbia, 14,6:1 em El Salvador, 16,0:1 nas
26 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Filipinas e 16,5:1 na Venezuela.Em lugares em que os
índices de suicídios masculinos são mais baixos, a
razã, em geral , é mais baixa–como ocorre na Hungria
(0,9:1), Paizes baixos e Republica da Coréia
(1,6:1).Entre os países , em relação aos Índices de
homocídios entre mulheres e homens, a variação é
consideravelmente menor que a variação nos índices
de homicídiomasculinos
As descobertas epidemiológicas sobre homicídio
juvenil são muito escassas em países e regiões onde
não há dados de mortalidade da OMS ou os dados
estão incompletos. Onde existem dados adequados
sobre o homicídio juvenil, como em vários estudos
desenvolvidos em países da África (inclusive Nigéria,
África do Sul e República Unida da Tanzânia), da
Ásia e do Pacífico (tal como a China, inclusive a
Província de Taiwan, e o Fiji) (9-16), padrões
epidemiológicos semelhantes têm sido relatados, a
saber:
— uma acentuada preponderância de vítimas de
homicídio do sexo masculino em relação ao sexo
feminino;
— uma significativa variação nos índices entre
os países e as regiões
Tendências nos homicídios juvenis
Entre 1985 e 1994, os índices de homicídio juvenil
aumentaram em diversas partes do mundo
especialmente entre jovens na faixa de 10 a 24 anos
de idade. Houve também diferenças importantes entre
os sexos, os países e as regiões. Em geral, os índices
de homicídios entre jovens de 15 a 19 e de 20 a 24
aumentaram mais que os índices entre jovens de 10 a
14 anos. Os índices de homicídios masculinos
aumentaram mais que os femininos (ver Figura 2.2), e
os aumentos nos índices de homicídios juvenis foram
mais pronunciados em países emergentes e economias
em transição. Além disso, os aumentos nos índices
de homicídio juvenil geralmente estavam associados
a aumentos no uso de armas de fogo como métodos
de ataque (ver Figura 2.3).
Enquanto os índices de homicídio juvenil na
Europa Oriental e na antiga União Soviética
aumentaram dramaticamente após o colapso do
comunismo, no final dos anos 80 e início dos anos
90, os índices na Europa Ocidental, em geral,
permaneceram baixos e estáveis. Na Federação Russa,
no período de 1985 a 1994, os índices da faixa etária
Índices estimados de homicídio entre jovens com idade de 10 a 29 anos, 2000a
a
Os índices foram calculados pelo nível de renda da região da OMS e do país e, em seguida, agrupados de acordo com a
grandeza.
FIGURA 2.1
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIA JUVENIL· 27
de 10 a 24 anos de idade aumentaram mais de 150%, de
7,0 para cada 100 mil para 18,0 para cada 100 mil,
enquanto na Letônia houve um aumento de 125%, de
4,4 para cada 100 mil para 9,9 para cada 100 mil. No
mesmo período, em muitos destes países, houve um
aumento acentuado na proporção de mortes por
ferimentos à bala – mais que o dobro de que no
Azerbaidjão, Letônia e Federação Russa.
No Reino Unido, em comparação, os índices de
homicídio entre jovens na faixa etária de 10 a 24 anos
de idade, no mesmo período de 10 anos, aumentaram
37,5% (de 0,8 para cada 100 mil para 1,1 para cada 100
mil). Na França, os índices de homicídio juvenil
aumentaram 28,6% no mesmo período (de 0,7 para
cada 100 mil para 0,9 para cada 100 mil). Na Alemanha,
os índices de homicídio juvenil aumentaram 12,5%
entre 1990 e 1994 (de 0,8 para cada 100 mil para 0,9
para cada 100 mil). Enquanto os índices de homicídio
juvenil aumentaram nestes países nesse período, a
proporção de homicídios juvenis envolvendo armas
de fogo permaneceu em torno de 30%.
No período de 1985 a 1994, foram observadas
extraordinárias diferenças nas tendências de
homicídios juvenis no continente americano. No
Canadá, onde cerca de um terço dos homicídios
juvenis envolve armas de fogo, os índices caíram 9.5%,
de 2,1 para cada 100 mil para 1,9 para cada 100 mil.
Nos Estados Unidos, a tendência foi exatamente o
oposto, com mais de 70%
dos homicídios juvenis envolvendo armas de
fogo e um aumento nos homicídios de 77%, de 8,8
para cada 100 mil para 15,6 para cada 100 mil. No
Chile, os índices nesse período permaneceram baixos
e estáveis, cerca de 2,4 para cada 100 mil. No México,
onde as armas de fogo são responsáveis por cerca
de 50% de todos os homicídios juvenis, os índices
permaneceram elevados e estáveis, aumentando de
14,7 para cada 100 mil para 15,6 para cada 100 mil. Por
outro lado, na Colômbia, os homicídios juvenis
aumentaram 159%, de 36,7 para cada 100 mil para 95,0
para cada 100 mil (com 80% dos casos, no final desse
período, envolvendo armas de fogo), e na Venezuela
132%, de 10,4 para cada 100 mil para 24,1 para cada
100 mil.
Na Austrália, o índice de homicídio juvenil caiu
de 2,0 para cada 100 mil em 1985 para 1,5 para cada
100 mil em 1994, enquanto na vizinha Nova Zelândia,
no mesmo período, atingiu mais que o dobro, de 0,8
para cada 100 mil para 2,2 para cada 100 mil. No Japão,
os índices nesse período permaneceram baixos, cerca
de 0,4 para cada 100 mil.
Violência não fatal
Em alguns países, os dados sobre homicídio
juvenil podem ser analisados em comparação com
estudos sobre violência não fatal. Estas comparações
fornecem um quadro mais completo do problema da
FIGURA 2.2
Tendências globais nos índices de homicídio juvenil entre
homens e mulheres na faixa etária de 10 a 24 anos, 1985-
1994a
Ano
FIGURA 2.3
Tendências no método de ataque nos homicídios entre
jovens na faixa etária de 10 a 24 anos, 1985-1994a
Ano
28 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
violência juvenil. Estudos sobre violência não fatal
revelam que para cada homicídio juvenil há cerca de
20 a 40 vítimas de violência juvenil não fatal recebendo
tratamento hospitalar. Em alguns países, incluindo
Israel, Nova Zelândia e Nicarágua, a relação é ainda
maior (17-19). Em Israel, entre os jovens na faixa etária
de 18 anos, a incidência anual de lesões violentas
recebendo tratamento em pronto-socorros
emergência é de 196 para cada 100 mil, comparada
aos índices de homicídio juvenil de 1,3 para cada 100
mil entre os homens e 0,4 para cada 100 mil entre as
mulheres (19).
Assim como ocorre com a violência juvenil, a maior
parte das vítimas de violência não fatal tratadas em
hospitais são homens (20-26), embora a relação entre
casos envolvendo homens e casos envolvendo
mulheres seja um pouco menor do que para as
fatalidades. Um estudo realizado em Eldoret, no
Quênia, por exemplo, revelou que a relação de homens
e mulheres vítimas de violência não fatal é de 2,6:1
(22). Outra pesquisa revelou uma relação de cerca de
3:1 na Jamaica, e 4-5:1 na Noruega (23, 24).
Os índices de lesões violentas não fatais tendem
a aumentar dramaticamente no período que vai da
metade da adolescência ao início da fase adulta. Uma
pesquisa realizada em lares de Johannesburg, África
do Sul, revelou que 3,5% das vítimas de violência
tinham 13 anos de idade ou menos, comparados com
21,9% com 14 a 21 anos, e 52,3% com 22 a 35 anos
(27). Os estudos realizados na Jamaica, Quênia,
Moçambique e várias cidades do Brasil, Chile,
Colômbia, Costa Rica, El Salvador e Venezuela também
mostraram elevados índices de lesões não fatais
resultantes de violência entre adolescentes e jovens
adultos (22, 28, 29).
Comparadas à violência juvenil fatal, as lesões
não fatais resultantes de violência envolvem um
número bem menor de ataques com armas de fogo e
um uso correspondente maior dos punhos e pés, e
outras armas, tais como armas brancas [facas e
similares] ou bastões. Em Honduras, 52% dos ataques
não fatais a jovens envolviam outros tipos de armas,
exceto armas de fogo, e em um estudo realizado na
Colômbia, somente 5% das agressões não fatais
estavam relacionadas a armas de fogo (comparadas a
mais que 80% dos homicídios juvenis envolvendo
armas de fogo) (25, 30). Na África do Sul, os ferimentos
à bala são responsáveis por cerca de 16% de todas
as lesões violentas que chegam aos hospitais,
quando comparadas a 46% de todos os homicídios
(31). Entretanto, pode ser ilusória a comparação direta
entre países e subgrupos dentro dos países que
utilizam dados sobre violência não fatal registrados
nos serviços de saúde. As diferenças nos índices de
casos que chegam aos pronto-socorros por
ferimentos à bala, por exemplo, podem simplesmente
refletir o fato de que os cuidados médicos pré-
hospitalares e de emergência variam entre os
diferentes cenários.
Comportamentos de risco para a
violência juvenil
Participação em lutas físicas, comportamentos
agressivos e porte de armas são comportamentos de
risco importantes para a violência juvenil. A maior
parte dos estudos que examinam esses
comportamentos têm envolvido alunos do ensino
fundamental e médio, os quais diferem muitos das
crianças e adolescentes que deixaram ou
abandonaram a escola. Em conseqüência,
provavelmente é limitada a aplicabilidade dos
resultados destes estudos para jovens que não estão
mais freqüentando a escola.
Em muitas partes do mundo, entre crianças em
idade escolar, é muito comum o envolvimento em lutas
físicas (32-38). Cerca de um terço dos alunos relata
ter-se envolvido em brigas físicas, sendo que o fato
ocorre de 2 a 3 vezes mais com os homens do que
com as mulheres. Comportamentos agressivos
também ocorrem entre crianças em idade escolar (39,
40). Em estudo sobre comportamentos e saúde
realizado em 27 países entre crianças em idade escolar,
na maior parte dos países, a maioria das crianças com
13 anos de idade pelo menos algumas vezes já havia
se envolvido em comportamento agresivo (ver Tabela
2.2) (40). Independente de serem formas de agressão,
o comportamento agresivo e a luta física também
podem levar a formas sérias de violência (41).
O porte de armas é um comportamento de risco
importante e uma atividade predominantemente
masculina entre jovens em idade escolar. Há,
entretanto, muitas variações na ocorrência do porte
de armas, conforme relatado por adolescentes em
diferentes países. Na Cidade do Cabo, África do Sul,
9,8% dos meninos e 1,3% das meninas do ensino
médio relataram terem levado armas brancas para a
escola durante as quatro semanas anteriores à
entrevista (42). Na Escócia, 34,1% dos meninos e 8,6%
das meninas com idades entre 11 e 16 anos disseram
que carregavam armas pelo menos uma vez, sendo
que o fato ocorre com mais freqüência com usuários
de drogas do que com jovens que não usam drogas
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIA JUVENIL·29
.
(43). Nos Países Baixos, 21% dos alunos do ensino
médio admitiram possuir uma arma e 8% realmente
traziam armas para a escola (44). Nos Estados Unidos,
um levantamento nacional realizado com estudantes
realmente traziam armas para a escola (44). Nos
Estados Unidos, um levantamento nacional
realizado com estudantes da 9a à 12a série
revelou que 17,3% tinham portado uma arma nos
últimos 30 dias e 6,9% tinham portado uma arma nas
dependências da escola (32).
A dinâmica da violência juvenil
Os padrões de comportamento, incluindo a
violência, mudam no decorrer da vida de uma
pessoa. O período da adolescência e do início da
fase adulta é o momento em que a violência, bem
como outros tipos de comportamentos, geralmente
assumem uma expressão mais intensificada (45).
Quando uma pessoa se desenvolve, a compreensão
de quando e sob que condições o comportamento
tipicamente violento ocorre pode ajudar a formular
intervenções e políticas para prevenção que visam
aos grupos em idade mais crítica (3).
Como a violência juvenil se inicia?
A violência juvenil pode se desenvolver de
diversas maneiras. Algumas crianças apresentam
comportamentos problema na primeira infância, que
progressivamente aumentam para formas mais
graves de agressão antes da adolescência e durante
a mesma. De 20% a 45% dos meninos e 47% a 69%
das meninas, que são agressores violentos graves
na idade de 16 a 17 anos, encontram-se na chamada
“trajetória de desenvolvimento persistente ao longo
da vida” (3, 46-50). Pessoas jovens que se
enquadram nesta categoria cometem os atos
violentos mais graves e, em geral, mantêm este
comportamento violento até se tornarem adultos (51-
54).
Estudos longitudinais têm examinado de que
maneiras a agressão pode continuar da infância à
adolescência e da adolescência à fase adulta, criando
um padrão de agressão persistente por toda a vida
de uma pessoa. Vários estudos têm mostrado que a
agressão na infância é um bom prognóstico de
violência na adolescência e no início da fase adulta.
Em um estudo realizado em Örebro, na Suécia (55),
dois terços de uma amostra de cerca de mil jovens do
sexo masculino que apresentaram comportamento
violento até a idade de 26 anos já tinham revelado
índices extremamente elevados para agressividade
nas idades de 10 e 13 anos, comparados a
aproximadamente um terço de todos os meninos. Da
mesma forma, em um estudo de acompanhamento
da 9a à 12a série revelou que 17,3% tinham portado
uma arma nos últimos 30 dias e 6,9% tinham portado
uma arma nas dependências da escola (32).
O porte de armas é um comportamento de risco
importante e uma atividade predominantemente
masculina entre jovens em idade escolar. Há,
entretanto, muitas variações na ocorrência do porte
de armas, conforme relatado por adolescentes em
diferentes países. Na Cidade do Cabo, África do Sul,
9,8% dos meninos e 1,3% das meninas do ensino
médio relataram terem levado armas brancas para a
escola durante as quatro semanas anteriores à
entrevista (42). Na Escócia, 34,1% dos meninos e
8,6% das meninas com idades entre 11 e 16 anos
disseram que carregavam armas pelo menos uma vez,
sendo que o fato ocorre com mais freqüência com
usuários de drogas do que com jovens que não usam
drogas (43). Nos Países Baixos, 21% dos alunos do
ensino médio admitiram possuir uma arma e 8%
30 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
realizado em Jyväskylä, na Finlândia, com
aproximadamente 400 jovens (56), classificações por
semelhanças de agressão nas idades de 8 e 14 anos,
prognosticou-se significativamente a violência até
os 20 anos de idade.
Existem ainda evidências de uma continuidade
no comportamento agressivo da adolescência à fase
adulta. Em um estudo desenvolvido em Columbus,
OH, Estados Unidos, 59% dos jovens presos por
crimes violentos antes dos 18 anos de idade foram
presos novamente quando adultos, e 42% desses
infratores adultos foram acusados de pelo menos um
crime violento grave, como homicídio, agressão
agravada ou estupro (57). Verificou-se, ainda, que
uma parcela maior de jovens que foram presos por
crimes envolvendo violência grave foram presos
novamente quando adultos, em comparação a jovens
presos por crimes envolvendo violências menores.
Um estudo sobre o desenvolvimento da delinqüência
em Cambridge, Inglaterra, revelou que um terço dos
jovens do sexo masculino, que tinham sido
condenados por crimes envolvendo violência antes
dos 20 anos de idade, foram condenados novamente
entre os 21 e 40 anos de idade, comparados a apenas
8% daqueles que não foram condenados por crimes
violentos durante a adolescência (58).
A existência de uma trajetória de desenvolvimento
persistente ao longo da vida, ajuda a explicar a
continuidade do comportamento agressivo e violento
no decorrer do tempo, ou seja, há determinados
indivíduos que persistem em ter uma tendência
subjacente maior do que outros indivíduos, em
direção a comportamentos agressivos e violentos.
Em outras palavras, aqueles que são relativamente
mais agressivos em uma determinada idade também
tendem a ser relativamente mais agressivos mais tarde,
muito embora os níveis absolutos de violência
possam variar.
No decorrer do tempo, pode haver ainda
progressões de um tipo de agressão para outro. Por
exemplo, em um estudo longitudinal realizado em
Pittsburgh, PA, Estados Unidos, de cerca de 1.500
meninos analisados inicialmente com idades de 7, 10
e 13 anos, Loeber e outros relataram que a agressão
na infância tendia a se transformar em briga de
gangues e posteriormente em violência juvenil (59).
Agressores que se mantêm agressores durante a
vida toda, entretanto, representam apenas uma
pequena parcela daqueles que cometem a violência.
A maior parte dos jovens mais violentos se engajam
em comportamentos violentos por períodos de tempo
muito menores. Estas pessoas são chamadas
“agressores limitados à adolescência”. Os resultados
do National Youth Survey [Levantamento Nacional
de Jovens] conduzido nos Estados Unidos – baseado
em uma amostra nacional de jovens entre 11 e 17
anos de idade em 1976, que foram acompanhados até
a idade de 27 a 33 anos – mostram que, embora uma
pequena parcela de jovens tenha continuado a
cometer a violência na fase adulta, cerca de três
quartos dos jovens que praticam violência grave
abandonaram o comportamento violento após cerca
de 1 a 3 anos (3). A maioria dos jovens que se tornam
violentos são agressores limitados à adolescência
que, de fato, mostram pouca ou nenhuma evidência
de níveis elevados de agressão ou outros
comportamentos problema durante sua infância (3)
Fatores situacionais
Entre os agressores limitados à adolescência,
determinados fatores situacionais podem
desempenhar um importante papel na causa de
comportamentos violentos. Uma análise situacional
– explicando as interações entre o suposto
perpetrador e a vítima em uma determinada situação
– descreve como o potencial para a violência pode se
tornar violência real. Os fatores situacionais incluem:
— os motivos para comportamentos violentos;
— o local onde ocorre o comportamento;
— o fato de álcool ou armas estarem presentes;
— o fato de outras pessoas, além da vítima e do
agressor, estarem presentes;
— o fato de estarem envolvidas outras ações
(como arrombamentos), que possam conduzir à
violência.
Os motivos para a violência juvenil variam de
acordo com a idade dos participantes e com o fato de
outras pessoas estarem presentes ou não. Um estudo
sobre delinqüência realizado em Montreal, Canadá,
mostrou que, quando os perpetradores eram jovens
em fase de adolescência ou entrando na fase adulta,
cerca da metade dos ataques pessoais violentos
foram motivados pela busca de emoção,
freqüentemente com co-agressores, e metade por
objetivos racionais ou utilitários (60). Para todos os
crimes, entretanto, a motivação principal mudou – de
ser uma busca de emoção na fase de adolescência
dos perpetradores – para uma razão utilitária,
envolvendo planejamento prévio, intimidação
psicológica e uso de armas, no início da fase adulta
(61).
O National Youth Survey [Levantamento Nacional
de Jovens] conduzido nos Estados Unidos, revelou
que as agressões geralmente eram cometidas em
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 31
retaliação a ataques anteriores, por vingança, ou
devido à provocação ou raiva (61). No estudo
realizado em Cambridge, antes mencionado, os
motivos para as brigas físicas dependem do fato de o
jovem do sexo masculino ter brigado sozinho ou com
um grupo (62). Em brigas individuais, geralmente um
menino foi provocado, ficou nervoso e bateu para
machucar seu oponente ou liberar tensões internas.
Em brigas em grupo, os meninos normalmente se
envolvem para ajudar os amigos ou porque foram
atacados – raramente porque estavam nervosos. As
brigas em grupo, portanto, eram de um modo geral
mais sérias. Freqüentemente progrediam de incidentes
menores, ocorriam em bares ou nas ruas, estavam
mais propensas a envolverem armas, acarretavam
lesões e envolviam a polícia.
A embriaguez é um fator situacional imediato
importante que pode precipitar a violência. Em um
estudo realizado na Suécia, cerca de três quartos dos
agressores violentos e aproximadamente metade das
vítimas de violência estava embriagada no momento
do incidente; e, no estudo realizado em Cambridge,
muitos dos rapazes brigaram após terem bebido (62,
63).
Uma característica interessante dos agressores
violentos jovens, que pode torná-los mais propensos
a participar de situações que levam à violência, é a
tendência a se envolverem em uma ampla variedade
de crimes, assim como o fato de apresentarem uma
série de comportamentos problema. Em geral, os
agressores violentos jovens são versáteis, em vez de
especializados, nos tipos de crimes que cometem. Na
verdade, os jovens violentos normalmente cometem
mais crimes não violentos do que violentos (64-66).
No estudo realizado em Cambridge, delinqüentes
violentos condenados, com até 21 anos de idade,
tinham cerca de três vezes mais condenações para
crimes não violentos do que violentos (58).
Quais os fatores de risco para a
violência juvenil?
Fatores individuais
Em nível individual, os fatores que afetam o
potencial para o comportamento violento incluem
características biológicas, psicológicas e
comportamentais. Estes fatores podem aparecer ainda
na infância ou adolescência e, em graus variados,
podem ser influenciados por pessoas da família e
colegas, e outros fatores sociais e culturais.
Características biológicas
Entre os possíveis fatores biológicos, têm sido
realizados estudos sobre as lesões e complicações
associadas à gravidez e ao parto, devido à sugestão
de que estes poderiam produzir danos neurológicos,
que, por sua vez, poderiam levar à violência. Em um
estudo realizado em Copenhagen, Dinamarca, Kandel
e Mednick (67) acompanharam mais que 200 crianças
nascidas no período de 1959 a 1961. A pesquisa
mostrou que as complicações durante o parto eram
um prognóstico para prisões por violência até os 22
anos de idade. Oitenta por cento dos jovens presos
por cometerem crimes violentos apresentavam índices
elevados de complicações no parto, comparados a
30% daqueles presos por cometerem crimes
relacionados a propriedades e 47% dos jovens sem
nenhum registro criminal. As complicações na
gravidez, por outro lado, não prognosticavam
significativamente a violência.
O interessante é que as complicações no parto,
foram bastante associadas à violência futura, quando
os pais tinham um histórico de doenças psiquiátricas.
Nestes casos, 32% dos meninos com complicações
significativas no parto foram presos por violência,
comparados a 5% daqueles com apenas complicações
menores ou sem nenhuma complicação. Infelizmente,
estes resultados não se repetiram no estudo
Philadelphia Biosocial Project [Projeto Biossocial da
Filadélfia] (69) desenvolvido por Denno – um estudo
envolvendo aproximadamente mil crianças afroamericanas
realizado na Filadélfia, PA, Estados
Unidos, que foram acompanhadas do nascimento até
os 22 anos de idade. É possível, portanto, que as
complicações na gravidez ou no parto prognostiquem
a violência apenas, ou principalmente, quando tais
complicações ocorrem em combinação com outros
problemas dentro da família.
Freqüências cardíacas baixas – estudadas
principalmente entre os meninos – estão associadas
à busca de emoções e situações de risco, ambas
características que podem predispor os meninos à
agressão e violência na tentativa de aumentar os
níveis de estímulo e excitação (70-73). Freqüências
cardíacas elevadas, entretanto, especialmente em
bebês e crianças jovens, estão ligados a ansiedade,
medo e inibições (71).
Características psicológicas e
comportamentais
Entre os principais fatores relacionados à
32 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
personalidade e ao comportamento que podem
prognosticar a violência juvenil estão: hiperatividade,
impulsividade, controle comportamental deficiente e
problemas de atenção. O nervosismo e a ansiedade,
contudo, estão relacionados à violência de maneira
negativa. Em um estudo de acompanhamento
realizado com cerca de mil crianças em Dunedin, Nova
Zelândia, a probabilidade de meninos que
apresentaram condenações por violência até os 18
anos de idade apresentarem avaliações deficientes
em relação a controle de comportamento (por exemplo,
impulsividade e falta de persistência) na idade 3 a 5
anos era muito maior se comparados a meninos com
nenhuma convicção violenta ou com condenações
para crimes não violentos (74). No mesmo estudo,
os fatores de personalidade relativos à repressão
(como cautela e abstenção de excitação) e reações
emocionais negativas (como nervosismo e alienação)
aos 18 anos de idade estavam inversamente
relacionados a condenações por violência (75).
Estudos longitudinais conduzidos em
Copenhagen na Dinamarca (68), Örebro na Suécia
(76), Cambridge na Inglaterra (77) e Pittsburgh, PA,
nos Estados Unidos (77), revelaram também vínculos
entre esses traços de personalidade e as condenações
por violência e violência auto-infligida.
Hiperatividade, índices elevados de arrojo ou
comportamentos de alto risco, concentração
deficiente e dificuldades de atenção antes dos 13
anos de idade, todos prognosticaram
significativamente a violência no início da fase adulta.
Nos estudos realizados em Cambridge e nos Estados
Unidos, níveis elevados de ansiedade e nervosismo
foram associados de forma negativa à violência.
A baixa inteligência e os baixos níveis de
desempenho na escola têm sido associados à
violência juvenil de maneira consistente (78). No
projeto desenvolvido na Filadélfia (69), as
pontuações de coeficientes de inteligência medíocres
(QI) obtidas em testes de QI verbal e de desempenho
realizados entre crianças de 4 a 7 anos de idade, e as
baixas pontuações obtidas em testes padrão de
desempenho escolar entre jovens de 13 a 14 anos de
idade aumentaram a probabilidade de todos os
avaliados serem presos por violência até os 22 anos
de idade. Em um estudo realizado em Copenhagen,
Dinamarca, em mais de 12 mil meninos nascidos em
1953, o QI baixo aos 12 anos de idade
significativamente prognosticou violência registrada
pela polícia entre os 15 e 22 anos de idade. A ligação
entre QI baixo e violência foi mais forte entre meninos
de grupos socioeconômicos mais baixos.
Impulsividade, problemas de atenção, baixa
inteligência e baixo desempenho educacional são
fatores que podem estar ligados às deficiências nas
funções executivas do cérebro localizadas nos lobos
frontais. Essas funções executivas incluem:
capacidade de atenção e concentração, raciocínio
abstrato e elaboração de conceitos, formulação de
objetivos, antecipação e planejamento,
automonitoramento e autoconsciência eficaz de
comportamento, e inibições relacionadas a
comportamentos inadequados e impulsivos (79).
Curiosamente, em um outro estudo realizado em
Montreal – com mais de 1.100 crianças inicialmente
estudadas aos 6 anos de idade e acompanhadas
progressivamente a partir dos 10 anos de idade – as
funções executivas aos 14 anos de idade, avaliadas
com testes cognitivos neuropsicológicos, forneceram
um meio significativo de diferenciação entre meninos
violentos e não-violentos (80). Essa ligação se deu
independente dos fatores familiares, tais como status
socioeconômico, idade dos pais no nascimento do
primeiro filho, nível educacional dos mesmos,
separação ou divórcio na família
Fatores de relacionamento
Os fatores de risco individuais para a violência
juvenil, tais como os descritos acima, não existem
isolados de outros fatores de risco. Fatores
associados às relações interpessoais dos jovens –
com a sua família, amigos e colegas – também podem
afetar muito o comportamento agressivo e violento,
e podem moldar os traços da personalidade que, por
sua vez, podem contribuir para o comportamento
violento. Neste sentido, a influência das famílias
geralmente é o principal fator durante a infância,
enquanto que os amigos e colegas exercem um efeito
extremamente importante durante a adolescência
(81).
Influências da família
O comportamento dos pais e o ambiente familiar,
são os fatores centrais para o desenvolvimento do
comportamento violento nos jovens. O
monitoramento e a supervisão, deficientes em relação
à criança por parte dos pais, e o uso de punições
físicas severas para disciplinar as crianças são fortes
prognósticos de violência durante a adolescência e
fase adulta. Em seu estudo realizado com 250 meninos
em Boston, MA, Estados Unidos, McCord (82)
constatou que a supervisão deficiente dos pais, e a
agressão e disciplina severas dos mesmos na idade
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 33
de 10 anos aumenta muito o risco de futuras
condenações por violência até os 45 anos de idade.
Eron, Huesmann e Zelli (83) acompanharam cerca
de 900 crianças em Nova Iorque, NY, Estados Unidos.
Eles descobriram que a punição física severa aplicada
pelos pais na idade de 8 anos prognosticava não
apenas as prisões por violência até os 30 anos de
idade, mas também, no caso dos meninos, a gravidade
da punição de suas próprias crianças e suas histórias
de abuso para com a esposa. Em um estudo realizado
com mais de 900 crianças vítimas de abuso e cerca de
700 controles, Widom mostrou que o abuso físico e a
negligência, registrados quando criança,
prognosticavam prisões futuras devido à violência –
independente de outros fatores tais como sexo, etnia
e idade (84). Outros estudos registraram descobertas
semelhantes (77, 85, 86).
A violência na adolescência e fase adulta, também
tem sido muito associada a conflitos familiares na
primeira infância (77, 82), e à ligação afetiva deficiente
entre os pais e as crianças (87, 88). Outros fatores
incluem: grande número de crianças na família (65,
77); o fato de a mãe ter tido seu primeiro filho quando
era muito jovem, possivelmente na adolescência (77,
89, 90); e baixo nível de coesão familiar (91). Muitos
destes fatores, na ausência de outro apoio social,
podem afetar o funcionamento e o comportamento
social e emocional das crianças. McCord (87), por
exemplo, mostrou que a probabilidade de os
agressores violentos terem recebido afeição dos pais
e uma boa disciplina e supervisão era menor que a
probabilidade dos agressores não violentos.
A estrutura familiar também é um fator importante
em futuras agressões e violência. Descobertas feitas
a partir de estudos conduzidos na Nova Zelândia,
Reino Unido e Estados Unidos mostraram que as
crianças que crescem em lares formados por apenas
um dos pais, apresentam os maiores riscos para a
violência (74, 77, 92). Em um estudo realizado com
5.300 crianças da Inglaterra, Escócia e Gales, por
exemplo, a experiência da separação dos pais entre o
nascimento e os 10 anos de idade, aumentou a
probabilidade de condenações por violência até a
idade de 21 anos (92). Em um estudo desenvolvido
em Dunedin, Nova Zelândia, o fato de na idade de 13
anos, morar com um pai ou mãe solteiros
prognosticou condenações por violência até os 18
anos de idade (74). Nestas situações, as restrições
de acesso a apoio e prováveis recursos econômicos
deficientes podem ser as causas pelas quais as
relações com os pais freqüentemente sofrem e
aumenta o risco de os jovens se envolverem com a
violência.
Em geral, o baixo status socioeconômico da família
está associado à violência futura. Por exemplo, em
um levantamento nacional realizado com jovens nos
Estados Unidos, a ocorrência de relatos de agressões
e roubo entre os jovens de classes socioeconômicas
baixas era cerca de duas vezes maior que entre os
jovens de classe média (93). Em Lima, Peru, os
incipientes níveis de educação da mãe e a elevada
densidade nos lares estavam ambos associados à
violência juvenil (94). Um estudo realizado com
jovens adultos em São Paulo, Brasil, revelou que,
após o ajuste em relação a gênero e idade, o risco de
ser vítima da violência era significativamente maior
para jovens de classes socioeconômicas baixas
quando comparados àqueles de classes
socioeconômicas altas (95). Resultados semelhantes
foram obtidos a partir de estudos desenvolvidos na
Dinamarca (96), Nova Zelândia (74) e Suécia (97).
Dada a importância da supervisão dos pais, da
estrutura familiar e do status econômico na
determinação da ocorrência da violência juvenil, um
aumento na violência por parte dos jovens seria
esperado em locais onde as famílias tivessem se
desintegrado devido a guerras ou epidemias, ou por
causa de mudanças sociais rápidas. Considerandose
o caso de epidemias, por exemplo, cerca de 13
milhões de crianças em todo o mundo perderam um
ou ambos os pais devido a AIDS, mais de 90% delas
na África subsaariana, onde provavelmente muitos
outros milhões de crianças se tornarão órfãs nos
próximos anos (98). A investida violenta da AIDS
em pessoas na idade reprodutiva está produzindo
órfãos em uma taxa tão elevada que muitas
comunidades não podem mais confiar nas estruturas
tradicionais para cuidar destas crianças. A AIDS
epidêmica, portanto, provavelmente acarretará sérias
implicações adversas para a violência entre jovens,
particularmente na África, onde os índices de
violência juvenil já são extremamente elevados.
Influências dos colegas
As influências dos colegas durante a
adolescência são, em geral consideradas positivas e
importantes para a formação de relacionamentos
interpessoais, mas elas também podem ter efeitos
negativos. O fato de se ter amigos delinqüentes, por
exemplo, está associado à violência nas pessoas
jovens (88). Os resultados de estudos realizados em
países desenvolvidos (78, 88) são consistentes com
um estudo realizado em Lima, Peru (94), que revelou
34 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
uma correlação entre o comportamento violento e o
fato de ter amigos que usavam drogas. A orientação
causal nesta correlação – se vem antes ou depois de
ser um agressor violento o fato de ter amigos
delinqüentes – não está, portanto, clara (99). Em seu
estudo, Elliott e Menard concluíram que a
delinqüência acarretava a ligação com os colegas e,
ao mesmo tempo, esta ligação com colegas
delinqüentes causava a delinqüência (100).
Fatores relacionados à comunidade
As comunidades em que os jovens vivem, exercem
uma importante influência sobre suas famílias, a
natureza de seus grupos de colegas e a maneira como
eles podem ser expostos a situações que levam à
violência. Genericamente falando, os meninos de áreas
urbanas estão mais propensos a se envolverem em
comportamentos violentos, do que aqueles que vivem
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 35
QUADRO 2.1
Um perfil das gangues
Podemos encontrar gangues de jovens em todas as regiões do mundo. Apesar de poderem
variar muito em termos de tamanho e natureza – desde basicamente um agrupamento social até redes
criminosas especializadas, todas parecem responder à necessidade básica de fazer parte de um
grupo e de criar uma identidade própria.
Na região a oeste da cidade do Cabo, na África do Sul, há cerca de 90 mil membros de gangues,
enquanto em Guam, em 1993, foram registradas cerca de 110 gangues permanentes, das quais
aproximadamente 30 eram gangues radicais. Em Porto Moresby, Papua Nova Guiné, foram observadas
quatro grandes associações com diversos subgrupos. Estima-se que haja de 30 a 35 mil membros de
gangues em El Salvador e uma quantidade semelhante em Honduras, enquanto nos Estados Unidos,
em 1996, havia cerca de 31 mil gangues atuando em cerca de 4.800 cidades e municípios. Na Europa,
existem gangues de diferentes tamanhos no continente todo e são especialmente fortes nos países
em transição econômica, como a Federação Russa.
As gangues são um fenômeno basicamente masculino, apesar de, em países como os Estados
Unidos, as meninas estarem formando suas próprias gangues. A faixa etária dos membros de gangue
pode variar de 7 a 35 anos, mas normalmente são adolescentes ou estão no início da fase adulta.
Eles tendem a vir de áreas economicamente carentes e de ambientes urbanos e suburbanos de baixa
renda e da classe operária. Em geral, os membros das gangues podem ter abandonado a escola e ter
trabalhos que requerem pouca qualificação ou que são mal remunerados. Muitas gangues
encontradas em países de renda alta ou média são formadas por minorias étnicas ou raciais, que
podem ser muito marginalizadas socialmente.
As gangues estão associadas ao comportamento violento. Os estudos têm mostrado que quando
os jovens entram para as gangues, tornam-se mais violentos e começam a participar de atividades
de maior risco, geralmente ilegais. Em Guam, mais de 60% de todos os crimes violentos denunciados
à polícia são cometidos por jovens, muitos deles ligados às atividades das gangues radicais da ilha.
Em Bremen, na Alemanha, a violência cometida por membros de gangues é responsável por quase
metade dos crimes violentos denunciados. Em um estudo longitudinal com aproximadamente 100
jovens, em Rochester, Nova Iorque, Estados Unidos, cerca de 30% da amostra era de membros de
gangues, mas eles eram responsáveis por cerca de 70% dos crimes violentos relatados e 70% do
comércio de drogas.
Uma complexa interação de fatores leva os jovens a optarem pela vida em gangue. As gangues
parecem proliferar em locais onde a ordem social estabelecida foi quebrada e onde faltam formas
alternativas de comportamento cultural comum. Outros fatores socioeconômicos, comunitários e
interpessoais que estimulam os jovens a entrarem para gangues incluem:
— ausência de oportunidades de mobilidade social ou econômica, em uma sociedade que
agressivamente promove o consumo;
— declínio local na aplicação da lei e da ordem;
— escolaridade interrompida, associada a uma baixa remuneração por serviços não qualificados;-
ausência de orientação, supervisão e apoio dos pais e de outros membros da família;
— punições físicas severas ou vitimização em casa;
— associação a colegas que já estão envolvidos com gangues.
Tratar ativamente desses fatores subjacentes que incentivam as gangues juvenis e oferecer
saídas culturais alternativas mais seguras para seus potenciais membros, isso pode ajudar a eliminar
uma significativa parcela do crime violento cometido por gangues ou que, de alguma forma, envolve
jovens.
(continuação)
36 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
em áreas rurais (77, 88, 93). Nas áreas urbanas,
aqueles que moram em bairros com elevados índices
de criminalidade, têm maior probabilidade de se
envolverem em comportamentos violentos do que
os que vivem em outros locais (77, 88).
Gangues, armas e drogas
A presença de gangues (ver Quadro 2.1), armas e
drogas em um lugar é uma mistura potente, que
aumenta a probabilidade de ocorrer a violência. Em
bairros dos Estados Unidos, por exemplo, a presença
simultânea desses três itens parece ser um fator
importante para explicar o motivo de, entre 1984 e
1995, o índice de prisão juvenil por homicídio ter
aumentado em mais do que o dobro (de 5,4 para cada
100 mil, para 14,5 para cada 100 mil) (97, 101, 102).
Blumstein sugeriu que esse aumento, estava
relacionado aos aumentos que ocorreram no mesmo
período em relação ao porte de armas, ao número de
gangues e às batalhas pela venda de crack (103). No
estudo já mencionado, realizado em Pittsburg, a
iniciação no comércio de drogas coincidia com um
significativo aumento no porte de armas, em que 80%
dos jovens na faixa etária de 19 anos que vendiam
drogas pesadas (como cocaína) também portavam
uma arma de fogo (104). No Rio de Janeiro, Brasil,
onde a maioria das vítimas e dos perpetradores de
homicídios estão na faixa etária de 25 anos ou menos,
o comércio de drogas é responsável por grande parte
dos homicídios, dos conflitos e das lesões (105). Em
outras partes da América Latina e do Caribe, as
gangues de jovens envolvidas com o tráfico de drogas
mostram níveis mais elevados de violência do que as
gangues que não têm tal envolvimento (106).
Integração Social
O grau de integração social em uma comunidade
também afeta os índices de violência juvenil. O capital
social é um conceito que tenta mensurar essa
integração social. Falando de forma geral, o capital
social refere-se a regras, normas, obrigações,
reciprocidade e confiança existentes nas relações
sociais e instituições (107). Os jovens que moram em
locais onde, o capital social, está ausente tendem a
ter um baixo desempenho escolar e uma maior
probabilidade de abandonar tudo (108).
Moser e Holland (109), estudaram cinco
comunidades urbanas carentes na Jamaica. Eles
encontraram uma relação cíclica entre, violência e
destruição do capital social. Onde a violência
comunitária ocorria, a mobilidade física naquele local
era limitada, as oportunidades de emprego e educação
eram reduzidas, os comerciantes relutavam em investir
na área e a população local tinha menos probabilidade
de comprar casas novas ou de consertar e fazer
melhorias nas propriedades existentes. Essa redução
no capital social – a descrença cada vez maior,
resultante da destruição da infra-estrutura, do
conforto e das oportunidades – aumentava a
probabilidade de comportamentos violentos,
especialmente entre os jovens. Um estudo realizado
em diversos países de 1980 a 1994, sobre a relação
entre o capital social e os índices de criminalidade
revelou que o nível de confiança entre os membros
da comunidade tinha um forte efeito sobre a
incidência de crimes violentos (107). Wilkinson,
Kawachi e Kennedy (110) mostraram que os índices
de capital social, que revelam uma baixa coesão social
e altos níveis de falta de confiança interpessoal,
estavam vinculados tanto a índices mais elevados de
homicídio quanto a uma maior desigualdade
econômica.
Fatores sociais
Diversos fatores sociais, podem criar as
condições que levam à violência entre os jovens.
Muitas das evidências relativas a esses fatores,
contudo, têm como base estudos transversais ou
ecológicos e são mais úteis para identificar
associações importantes do que as causas diretas.
Mudanças demográficas e sociais
As rápidas mudanças demográficas na população
jovem, a modernização, a emigração, a urbanização e
as políticas sociais em transformação, têm sido
vinculadas a um aumento na violência juvenil (111).
Em locais que passaram por crises econômicas e
conseqüentes políticas de ajuste estrutural – como
aconteceu na África e em partes da América Latina –
os salários reais, no geral, caíram bastante, as leis
trabalhistas foram enfraquecidas ou descartadas e
houve uma significativa diminuição na infra-estrutura
básica e nos serviços sociais (112, 113). A pobreza,
ficou muito mais concentrada em cidades que
passaram por altos índices de crescimento
populacional entre os jovens (114).
Em sua análise demográfica de populações jovens
na África, Lauras-Locoh e Lopez-Escartin (113)
sugerem que a tensão entre um rápido inchamento
populacional de jovens e uma infra-estrutura em
deterioração tem resultado em revoltas nas escolas e
de estudantes. Diallo Co-Trung (115) observou uma
situação semelhante de greves e rebeliões estudantis
no Senegal, onde a população com idade abaixo de
20 anos duplicou entre 1970 e 1988, durante um
período de recessão econômica e implementação de
políticas de ajuste estrutural. Em uma pesquisa sobre
jovens realizada na Argélia, Rarrbo (116) verificou
que o rápido crescimento demográfico, somado à
acelerada urbanização, criava condições que incluíam
desemprego e habitações impróprias que, por sua
vez, levavam à frustração extrema, à raiva e a tensões
entre os jovens. Conseqüentemente, os jovens tinham
maior probabilidade de se voltar para pequenos crimes
e violência, especialmente sob influência de colegas.
Em Papua Nova Guiné, Dinnen (117) descreve a
evolução do “raskolism” (gangues criminosas) no
contexto mais amplo da descolonização e da
conseqüente mudança social e política, incluindo um
rápido crescimento populacional incoerente com o
crescimento econômico. Esse fenômeno também foi
citado como um motivo de preocupação em algumas
das antigas economias comunistas (118), onde – à
medida que o desemprego cresceu muito e o sistema
de assistência social sofreu cortes severos – os jovens
ficaram sem rendas e ocupações legítimas, bem como
sem o apoio social necessário no período
compreendido entre sair da escola e encontrar um
emprego. Na ausência de tal apoio, alguns se voltaram
para o crime e a violência.
Má distribuição de renda
A pesquisa tem mostrado a existência de vínculos
entre o crescimento econômico e a violência, bem
como entre a má distribuição de renda e a violência
(119). Gartner, em um estudo realizado em 18 países
industrializados, no período de 1950 a 1980 (6),
revelou que a má distribuição de renda, medida
segundo o coeficiente Gini, tinha um efeito
significativo e positivo sobre o índice de homicídio.
Fajnzylber, Lederman e Loayza (120) obtiveram os
mesmos resultados em uma investigação em 45 países
industrializados e emergentes, no período de 1965 a
1995. O índice de crescimento do PIB também teve
uma associação negativa significativa com o índice
de homicídios, mas em muitos casos esse efeito foi
desencadeado por aumento nos níveis de má
distribuição de renda. Unnithan e Whitt chegaram a
conclusões semelhantes em seu estudo transnacional
(121), ou seja, que a má distribuição de renda estava
fortemente vinculada aos índices de homicídio e que
esses índices também diminuíam à medida que o PIB
per capita aumentava.
Estruturas políticas
A qualidade da governança em um país, tanto em
termos de estrutura legal quanto das políticas de
proteção social, é um importante determinante de
violência. Em particular, a capacidade de uma
sociedade em aplicar as leis existentes sobre
violência, prendendo e condenando os criminosos,
pode funcionar como um agente de coibição da
violência. Fajnzylber, Lederman e Loayza (120)
perceberam que o índice de prisão por homicídio tinha
um efeito negativo significativo sobre o índice de
homicídio. Em seu estudo, as medidas objetivas de
governança (tais como os índices de prisão) tinham
uma correlação negativa com os índices de
criminalidade, enquanto as medidas subjetivas (tais
como a credibilidade do judiciário e a qualidade da
governança) tinham pouca relação com os índices de
criminalidade.
Portanto, a governança pode ter um impacto sobre
a violência, especialmente se afetar as pessoas
jovens. Noronha e outros (122), em seu estudo sobre
a violência que afeta diversos grupos étnicos em
Salvador, Bahia, Brasil, concluíram que a insatisfação
com a polícia, o sistema judiciário e as prisões
aumentavam o uso de formas não oficiais de justiça.
No Rio de Janeiro, Brasil, de Souza Minayo (105)
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 37
observou que a polícia estava dentre os principais
perpetradores de violência contra os jovens. As
ações policiais – especialmente contra jovens de
classes socioeconômicas mais baixas – envolviam
violência física, abuso sexual, estupro e suborno.
Sanjuán (123) sugeriu que, entre os jovens
marginalizados em Caracas, na Venezuela, era um fator
importante no surgimento de uma cultura de violência
o sentimento de que, a justiça dependia da classe
socioeconômica. De forma semelhante, Aitchinson
(124) concluiu que, na África do Sul, no período
após o apartheid, a impunidade em relação aos antigos
perpetradores de abuso contra os direitos humanos,
bem como a incapacidade da polícia em mudar
significativamente seus métodos, contribuíram para
um sentimento generalizado de insegurança e um
aumento no número de ações extrajudiciais
envolvendo violência.
A proteção social pelo Estado, um outro aspecto
da governança, também é importante. Em seu estudo,
Pampel e Gartner (125) utilizaram um indicador que
media o nível de desenvolvimento das instituições
nacionais responsáveis pela proteção social coletiva.
A questão que os interessava era por que os
diferentes países – cujos grupos etários de 15 a 29
anos tiveram o mesmo índice de crescimento em um
dado período – mostravam entretanto, diferentes
aumentos em seus índices de homicídio. Pampel e
Gartner concluíram que fortes instituições nacionais
de proteção social tinham um efeito negativo sobre o
índice de homicídio. Além disso, a existência de tais
instituições poderia agir contra os efeitos sobre os
índices de homicídio associados a aumentos na faixa
etária de 15 a 29 anos, o grupo que tradicionalmente
apresenta os índices mais altos de vítimas ou
perpetradores de homicídio.
Mesner e Rosenfeld (126) analisaram o impacto
dos esforços para proteção de populações
vulneráveis contra as forças do mercado, inclusive a
recessão econômica. Observou-se que gastos mais
elevados com o bem-estar, estavam associados a
diminuições nos índices de homicídio, sugerindo que
as sociedades que possuem redes de segurança
econômica têm menos homicídios. Briggs e Cutright
(7), em um estudo realizado em 21 países no período
de 1965 a 1988, observaram que o gasto com seguro
social, como uma proporção do PIB, tinha uma relação
negativa com os homicídios de crianças com até 14
anos de idade.
Influências culturais
A cultura, que se reflete nas normas e nos valores
herdados da sociedade, ajuda a determinar como as
pessoas respondem a um ambiente em mudança. Os
fatores culturais podem afetar a quantidade de
violência em uma sociedade – por exemplo, ao
endossar a violência como um método normal de
resolver conflitos e ao ensinar os jovens a adotarem
normas e valores que apóiam o comportamento
violento.
Um importante meio através do qual as imagens,
as normas e os valores da violência são propagados
é a mídia. A exposição das crianças e dos jovens a
várias formas de mídia tem aumentado drasticamente
nos últimos anos. Novas formas de mídia, tais como
jogos eletrônicos, fitas de vídeo e a Internet,
multiplicaram para os jovens as oportunidades de
serem expostos à violência. Diversos estudos
mostraram que a introdução da televisão nos países,
estava associada a aumentos nos níveis de violência
(127 – 131), apesar de normalmente, tais estudos
não levarem em consideração outros fatores que
podem ter simultaneamente influenciado os níveis
de violência (3). A grande maioria das evidências
atuais indica que a exposição à violência exibida na
televisão aumenta a probabilidade de um
comportamento agressivo e, em longo prazo, tem um
efeito desconhecido sobre a violência grave (3) (ver
Quadro 2.2). Não há evidências suficientes em relação
ao impacto de algumas das formas mais recentes de
mídia.
As culturas que não oferecem alternativas não
violentas para resolver conflitos, parecem ter índices
mais elevados de violência juvenil. No estudo sobre
gangues realizado em Medelin, na Colômbia, Bedoya
Marín e Jaramillo Martínez (136) descrevem como
os jovens de baixa renda são influenciados pela
cultura da violência, na sociedade em geral e em sua
comunidade em particular. Eles sugerem que, no nível
comunitário, uma cultura de violência é alimentada
pela crescente aceitação de “dinheiro fácil” (em grande
parte proveniente do tráfico de drogas), e de
quaisquer métodos que sejam necessários para obter
esse dinheiro, assim como através da corrupção da
polícia, do judiciário, dos militares e da administração
local.
As influências culturais além das fronteiras
nacionais, também têm sido vinculadas a aumentos
na violência juvenil. Em um levantamento sobre
gangues de jovens na América Latina e no Caribe,
Rodgers (106) mostrou que as gangues violentas,
38 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
espelhando-se nas gangues de Los Angeles,
Califórnia, Estados Unidos, têm surgido em cidades
no norte e sudeste do México, onde a imigração dos
Estados Unidos é mais alta. Um processo semelhante
foi observado em El Salvador, que desde 1992 vem
passando por um alto índice de deportações de
cidadãos salvadorenhos que moravam nos Estados
Unidos, sendo que muitos desses deportados eram
membros de gangues nos Estados Unidos.
O que pode ser feito para evitar a
violência juvenil?
Ao preparar os programas nacionais de prevenção
contra a violência juvenil, é importante ter em vista
não apenas os fatores individuais cognitivos, sociais
e comportamentais, mas também os sistemas sociais
que modelam tais fatores.
As Tabelas 2.3 e 2.4 mostram exemplos de
estratégias de prevenção contra a violência juvenil,
como matrizes que relacionam os sistemas ecológicos
através dos quais a violência pode ser evitada aos
estágios de desenvolvimento, da infância ao início
da fase adulta, onde o comportamento violento ou
os riscos de comportamento violento têm maior
possibilidade de vir a surgir. As estratégias de
prevenção apresentadas nas tabelas não são
exaustivas, tampouco representam necessariamente
estratégias que se mostraram efetivas. Algumas, na
verdade, têm-se mostrado ineficientes. Em vez disso,
as matrizes pretendem ilustrar o amplo espectro de
possíveis soluções para o problema de violência
juvenil e enfatizar a necessidade de uma série de
estratégias diferentes para diversos estágios de
desenvolvimento.
As Tabelas 2.3 e 2.4 mostram exemplos de
estratégias de prevenção contra a violência juvenil,
como matrizes que relacionam os sistemas
ecológicos através dos quais a violência pode ser
evitada aos estágios de desenvolvimento, da
infância ao início da fase adulta, onde o
comportamento violento ou os riscos de
comportamento violento têm maior possibilidade de
vir a surgir. As estratégias de prevenção
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 39
QUADRO 2.2
O impacto da mídia sobre a violência juvenil
As crianças e os jovens são importantes consumidores da mídia de massa, inclusive de
entretenimento e propaganda. Estudos realizados nos Estados Unidos, concluíram que as crianças
geralmente começam a ver televisão aos 2 anos de idade e que, em média, uma pessoa na faixa etária
entre 8 e 18 anos assiste cerca de 10 mil atos violentos por ano na televisão. Esses padrões de
exposição à mídia, não são necessariamente evidentes em outras partes do mundo, especialmente
onde há menos acesso à televisão e a filmes. De qualquer forma, há pouca dúvida de que em qualquer
lugar a exposição das crianças e dos jovens à mídia de massa é substancial e aumenta cada vez mais.
Portanto, é importante explorar a exposição à mídia como um possível fator de risco para a violência
interpessoal que envolve os jovens.
Há mais de 40 anos, os pesquisadores vêm analisando o impacto da mídia sobre o comportamento
agressivo e violento. Diversas metanálises de estudos sobre o impacto da mídia na violência e na
agressão, têm levado a concluir que a violência exibida pela mídia está verdadeiramente relacionada à
agressão a outras pessoas. Contudo, ainda faltam evidências para confirmar seu efeito sobre formas
graves de violência (como agressão e homicídio).
Uma metanálise realizada em 1991, envolvendo 28 estudos sobre crianças e adolescentes expostos
à violência exibida pela mídia e observados em interação social livre, concluiu que a exposição à
violência exibida pela mídia aumentava o comportamento agressivo em relação a amigos, colegas de
sala e estranhos (132). Uma outra metanálise, realizada em 1994, analisou 217 estudos publicados
entre 1957 e 1990, que diziam respeito ao impacto da violência exibida pela mídia sobre o comportamento
agressivo, com 85% da amostra na faixa etária de 6 a 21 anos. Os autores concluíram que, houve uma
significativa relação positiva entre a exposição à violência exibida pela mídia e o comportamento
agressivo, independentemente da idade (133).
Muitos dos estudos incluídos nessas análises críticas eram experimentos randomizados (em
continuação
laboratório e em campo) ou pesquisas transversais. Os resultados dos estudos experimentais, mostram
que, uma breve exposição à violência na televisão ou em um filme, especialmente apresentações
dramáticas da violência, produz aumentos de comportamento agressivo em curto prazo. Além disso,
os efeitos parecem ser maiores em crianças e adultos com tendências agressivas e dentre os que foram
estimulados ou provocados. Os resultados, contudo, podem não se estender a situações da vida real.
Na verdade, os cenários da vida real geralmente incluem influências que não podem ser “controladas”
como acontece nos experimentos – influências que poderiam mitigar o comportamento agressivo e
violento.
Os resultados dos estudos transversais, mostram ainda uma relação positiva entre, a violência
exibida pela mídia e as diversas medidas de agressão – por exemplo, atitudes e crenças, comportamentos
e sentimentos como a raiva. Os efeitos da violência exibida pela mídia sobre formas mais graves de
comportamento violento (como agressão e homicídio), contudo, são bastante pequenos (r = 0,06)
(133). Além disso, diferentemente dos estudos experimentais e longitudinais onde a causalidade pode
ser mais facilmente estabelecida, não é possível concluir a partir de estudos transversais que a exposição
à violência exibida pela mídia cause comportamento agressivo e violento.
Existem também estudos longitudinais que analisam o vínculo entre, o fato de assistir à televisão
e a agressão interpessoal cometida alguns anos depois. Um estudo longitudinal de 3 anos sobre
crianças na faixa etária de 7 a 9 anos, realizado na Austrália, na Finlândia, em Israel, na Polônia e nos
Estados Unidos produziu resultados inconsistentes (134), e um estudo de 1992 sobre crianças da
mesma faixa etária desenvolvido nos Países Baixos não conseguiu comprovar qualquer efeito sobre o
comportamento agressivo (135). Outros estudos que acompanharam crianças nos Estados Unidos
por longos períodos (10 a 15 anos), contudo, mostraram uma correlação positiva entre, o fato de
assistir à televisão na infância e a agressão nos primeiros anos da fase adulta (3).
Os estudos que analisam as relações entre os índices de homicídio e a introdução da televisão
(principalmente observando os índices de homicídio no país antes e depois da introdução da televisão)
também encontraram uma correlação positiva entre os dois (127 – 131). Contudo, esses estudos não
controlaram as variáveis de interferência tais como : diferenças econômicas, mudanças sociais e
políticas e diversas outras potenciais influências sobre os índices de homicídio.
As descobertas científicas sobre a relação entre a violência exibida pela mídia e a violência juvenil
são, portanto, conclusivas no tocante aos aumentos na agressão em curto prazo. Contudo, os resultados
não são conclusivos no que diz respeito aos efeitos em longo prazo e sobre as formas mais graves de
comportamento violento, indicando que ainda é necessário que se façam mais pesquisas.
Independentemente de analisar até que ponto a violência exibida pela mídia é uma causa direta de
violência física grave, também são necessárias pesquisas sobre a influência da mídia nas relações
interpessoais e nas características individuais, tais como hostilidade, frieza, indiferença, falta de
respeito e incapacidade de se identificar com os sentimentos das outras pessoas.
40 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
apresentadas nas tabelas não são exaustivas,
tampouco representam necessariamente estratégias
que se mostraram efetivas. Algumas, na verdade,
têm-se mostrado ineficientes. Em vez disso, as
matrizes pretendem ilustrar o amplo espectro de
possíveis soluções para o problema de violência
juvenil e enfatizar a necessidade de uma série de
estratégias diferentes para diversos estágios de
desenvolvimento.
Abordagens individuais
As intervenções mais comuns contra a violência
juvenil, buscam aumentar o nível de fatores de
proteção associados às capacidades, atitudes e
crenças individuais.
Uma estratégia de prevenção contra a violência
adequada para os primeiros anos da infância – apesar
de normalmente não ser considerada como tal – é a
adoção de programas de aprimoramento pré-escolar.
Esses programas, introduzem as crianças ainda bem
novas nas capacidades necessárias para serem bem
sucedidas na escola e, assim, aumentam a
possibilidade de futuro êxito acadêmico. Os
programas podem ainda fortalecer os vínculos de uma
criança com a escola e aumentar o desempenho e a
auto-estima (137). Estudos de acompanhamento em
longo prazo dos protótipos desses programas
revelaram benefícios positivos para as crianças,
inclusive menor envolvimento em comportamentos
violentos e outros comportamentos delinqüentes
(138 – 140).
Os programas de desenvolvimento social para
reduzir o comportamento anti-social e agressivo em
crianças e a violência entre os adolescentes, adotam
diversas estratégias. Essas estratégias normalmente
incluem melhorar a competência e as capacidades
sociais em relação aos colegas e promover, de forma
geral, um comportamento que seja positivo, amigável
e cooperativo (141). Esses programas podem ser
oferecidos globalmente ou apenas para grupos de
alto risco, sendo realizados com maior freqüência nos
cenários escolares (142, 143). Normalmente, eles têm
como foco um ou mais dos seguintes itens (143):
— administração da raiva;
— modificação do comportamento;
— adoção de uma perspectiva social;
— desenvolvimento moral;
— capacitação social;
— solução de problemas sociais;
— resolução de conflitos.
Há evidências de que esses programas de
desenvolvimento social podem ser efetivos na
redução da violência juvenil e na melhoria das
capacidades sociais (144 – 146). Os programas que
enfatizam as capacidades sociais e de competência,
parecem estar entre as estratégias mais eficazes de
prevenção contra a violência juvenil (3). Eles também
parecem ser mais efetivos quando são apresentados
às crianças em ambientes de pré-escola e escola
primária, do que quando são apresentados para
alunos do ensino médio.
Um exemplo de programa de desenvolvimento
social, que utiliza técnicas comportamentais em sala
de aula, é um programa para evitar o comportamento
prepotente agressivo [bullying]. Esse programa foi
introduzido nas escolas elementares e secundárias
em Bergen, na Noruega. Os incidentes de
comportamento agressivo foram reduzidos pela
metade dois anos após essa intervenção ter iniciado
(147). O programa tem sido reproduzido na Inglaterra,
na Alemanha e nos Estados Unidos com efeitos
semelhantes (3).
Outras intervenções que poderiam ser eficientes,
direcionadas a indivíduos, incluem os pontos listados
abaixo, embora ainda sejam necessárias mais
evidências para confirmar seus efeitos sobre o
comportamento violento e agressivo (137, 148):
— programas para evitar gravidez indesejada, de
forma a reduzir o maus tratos em relação a crianças
e o risco que eles representam para o
envolvimento posterior com comportamento
violento;
— por motivos semelhantes, programas para
aumentar o acesso à assistência pré-natal e pós
natal;
— programas de aprimoramento acadêmico;
— incentivos para que os jovens sob risco de
violência completem o grau médio e busquem a
educação superior;
— treinamento vocacional para jovens e jovens
adultos carentes.
Programas que não parecem eficientes na redução
da violência juvenil incluem (3):
— aconselhamento individual;
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 41
— treinamento para o uso seguro de armas;
— programas de provação e de condicional que
incluam reuniões com colegas de prisão que
descrevam a brutalidade da vida na prisão;
— julgamento de criminosos jovens em tribunais
de adultos;
— programas de internação em instituições
psiquiátricas ou correcionais;
— programas que dêem informações sobre abuso
de drogas.
Os programas para jovens delinqüentes
formulados em cima de treinamento militar básico
(“campos militares para treinamento”) têm mostrado,
em alguns casos, levar a um aumento na repetição do
crime (3).
Abordagens de relacionamento
Outro conjunto comum de estratégias de
prevenção, lida com a violência juvenil tentando
influenciar os tipos de relações que os jovens têm
com as pessoas com quem interagem regularmente.
Esses programas tratam de problemas tais como a
falta de relações emocionais entre pais e filhos, as
fortes pressões exercidas pelos colegas para o
envolvimento na violência e a falta de um
relacionamento forte com um adulto que cuide deles.
Visita domiciliar
Um tipo de abordagem familiar para evitar a
violência juvenil, é a visita domiciliar. Trata-se de uma
intervenção realizada na infância (de 0 a 3 anos), que
envolve visitas regulares por um(a) enfermeiro(a) ou
outro profissional de assistência à saúde, à casa da
criança. Esse tipo de programa pode ser observado
em muitas partes do mundo, inclusive na Austrália,
no Canadá, na China (Região Administrativa Especial
de Hong Kong), na Dinamarca, na Estônia, em Israel,
na África do Sul, na Tailândia e nos Estados Unidos.
O objetivo é oferecer treinamento, apoio,
aconselhamento e monitoramento para mães de baixa
renda, famílias que estão esperando ou tiveram
recentemente seu primeiro filho e famílias sob alto
risco de cometerem abuso contra os filhos ou com
outros problemas de saúde, e encaminhá-las para
agências externas (137, 146). Os programas de visitas
domiciliares mostraram ter significativos efeitos a
longo prazo na redução da violência e delinqüência
(138, 149 – 152). Quanto mais cedo os programas
forem introduzidos na vida da criança e quanto mais
eles durarem, maiores parecem ser os benefícios (3).
Treinamento para a maternidade e
paternidade
Os programas de treinamento de habilidades
específicas para a maternidade e paternidade visam
melhorar as relações familiares e as técnicas de criação
de filhos, reduzindo assim a violência juvenil. Dentre
seus objetivos, podemos citar a melhoria dos vínculos
emocionais entre pais e filhos, estimulando os pais a
utilizarem métodos consistentes para a criação dos
filhos e ajudando-os a desenvolverem o autocontrole
ao criarem seus filhos (146).
Um exemplo de um programa abrangente de
treinamento para os pais é o Triple-P-Positive
Parenting Programme [Programa 3 P – Programa de
Pais Positivos] na Austrália (153). Esse programa,
inclui uma campanha de mídia voltada para a
população, que pretende atingir todos os pais, bem
como um componente de assistência à saúde que
utiliza consultas com médicos de assistência básica
para melhorar as práticas da criação de filhos. Também
são oferecidas intervenções intensivas, para os pais
e as famílias com crianças sob risco de graves
problemas comportamentais. O programa – ou
elementos dele – foi ou está sendo implementado na
China (Região Administrativa Especial de Hong
Kong), na Alemanha, na Nova Zelândia, em Cingapura
e no Reino Unido (154).
Diversos estudos de avaliação revelaram que, o
treinamento para a maternidade e paternidade é bem
sucedido e há evidências de um efeito a longo prazo
na redução do comportamento anti-social (155 – 158).
Em um estudo realizado na Califórnia, Estados Unidos,
sobre a relação custo/benefício de intervenções
antecipadas para evitar formas graves de crime,
estima-se que o treinamento para os pais, cujos filhos
mostravam comportamentos agressivos tenha
evitado 157 crimes graves (tais como homicídio,
estupro, incêndios criminosos e roubos), para cada
milhão de dólares americanos gastos (159). Na
verdade, estima-se, que o treinamento para os pais
tenha uma relação custo/benefício três vezes melhor
do que a lei conhecida como “three-strikes” [três
ataques] da Califórnia – uma lei que estabelece
sentenças severas para criminosos reincidentes.
Programas de mentores
Imagina-se que um relacionamento caloroso e de
apoio, com um modelo de adulto positivo, seja um
fator de proteção contra a violência juvenil (3, 146).
Os programas de mentores, que têm como base essa
42 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
teoria, associam uma pessoa jovem – especialmente
uma que esteja sob risco de comportamento antisocial
ou que esteja crescendo em uma família só
com um dos pais – a um adulto que cuidará dela, um
mentor, de fora da família (160). Os mentores podem
ser colegas de classe mais velhos, professores,
conselheiros, policiais ou outros membros da
comunidade. Os objetivos desse tipo de programa
sã: ajudar os jovens a desenvolverem suas
capacidades e oferecer um relacionamento sustentado
com alguém que seja seu modelo e guia (143). Mesmo
que ainda não tenha sido tão amplamente avaliada
quanto algumas das outras estratégias para reduzir a
violência juvenil, há evidencias de que uma relação
positiva de aconselhamento por parte de um mentor,
possa melhorar significativamente a freqüência e o
desempenho na escola, diminuir a probabilidade do
uso de drogas, melhorar o relacionamento com os
pais e reduzir as formas de comportamento anti-social
relatadas (161).
Abordagens terapêuticas e outras
As abordagens terapêuticas, também têm sido
utilizadas junto às famílias para evitar a violência
juvenil. Há muitas formas desse tipo de terapia, mas
seus objetivos comuns são melhorar a comunicação
e as interações entre pais e filhos, e resolver os
problemas que venham a surgir (143). Alguns
programas, também tentam auxiliar as famílias a lidarem
com fatores ambientais que contribuem para o
comportamento anti-social, e a usarem melhor os
recursos da comunidade. Os programas de terapia
familiar normalmente são caros, mas há evidências
suficientes de que eles podem ser eficazes na melhoria
do funcionamento da família e na redução dos
problemas comportamentais em crianças (162 – 164).
A Functional Family Therapy [Terapia Familiar
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 43
Funcional] (165) e a Multisystemic Therapy [Terapia
Multissistêmica] (166) são duas abordagens
particulares utilizadas nos Estados Unidos, que têm
mostrado resultados positivos e duradouros na
redução do comportamento violento e delinqüente
de agressores juvenis, apresentando custos mais
baixos do que outros programas de tratamento (3).
Outras intervenções voltadas para os
relacionamentos dos jovens que podem ser eficientes
incluem (3):
— programas de parceria entre o lar e a escola
para promover o envolvimento dos pais;
— educação compensatória, como tutoria por
adultos.
Os programas que lidam com relacionamentos de
jovens e que parecem não ser eficientes na redução
da violência praticada por adolescentes incluem:
· Mediação dos colegas — o envolvimento de
alunos para ajudarem outros alunos a resolverem as
disputas.
· Aconselhamento de colegas.
· Redirecionamento do comportamento jovem e
mudanças nas normas do grupo de colegas — tanto
um como outro tentam redirecionar os jovens sob
risco de violência para atividades convencionais, mas
têm mostrado terem efeitos negativos sobre as
atitudes, as realizações e o comportamento (3).
Esforços comunitários
As intervenções que lidam com fatores
comunitários, são aquelas que tentam modificar os
ambientes, onde os jovens interagem uns com os
outros. Um exemplo simples é melhorar a iluminação
das ruas, onde áreas mal iluminadas podem aumentar
o risco de ocorrerem agressões violentas. Infelizmente,
sabe-se menos ainda sobre a efetividade das
estratégias comunitárias, no tocante à violência
juvenil do que sobre as estratégias que têm como
foco os fatores individuais ou os relacionamentos
que os jovens têm com os outros.
Policiamento comunitário
O policiamento comunitário, voltado para a
solução de problemas, tem se tornado uma importante
estratégia de aplicação da lei e para lidar com a
violência juvenil e outros problemas criminais (167).
Ele pode assumir diversas formas, mas seus
ingredientes principais são a construção de parcerias
comunitárias e a solução dos problemas comunitários
(168). Em alguns programas, por exemplo, a polícia
colabora com profissionais de saúde mental para
identificar e encaminhar os jovens que tenham
testemunhado, vivenciado ou cometido violência
(169). Esse tipo de programa faz com que a polícia
tenha contato diário com os jovens que são vítimas
ou perpetradores de violência. Em seguida, o
programa dá treinamento especial a esses jovens e
em um estágio inicial do desenvolvimento dos jovens
coloca-os em contato com os devidos profissionais
de saúde mental (168). A efetividade desse tipo de
programa ainda não foi determinada, apesar de parecer
ser uma abordagem útil.
Os programas de policiamento comunitário têm
sido implementados com algum sucesso no Rio de
Janeiro, Brasil, e em San José, na Costa Rica (170,
171). Na Costa Rica, uma avaliação do programa
revelou uma associação com um declínio tanto na
criminalidade quanto no sentimento de falta de
segurança pessoal (171). Esses programas precisam
ser avaliados com mais rigor, mas eles realmente
oferecem aos moradores locais maior proteção e
compensação para uma falta de serviços regulares
da polícia (170).
Disponibilidade de álcool
Outra estratégia comunitária para lidar com a
criminalidade e a violência é reduzir a disponibilidade
de álcool. Como já mencionado, o álcool é um
importante fator situacional que pode precipitar a
violência. O efeito da redução da disponibilidade de
álcool sobre os índices de criminalidade, foi
observado em um estudo longitudinal de quatro anos
realizado na região de uma província da Nova
Zelândia (172). Os índices de crimes graves
(homicídio e estupro) e outros crimes (relacionados a
propriedade e tráfico), foram comparados em duas
cidades experimentais e em quatro cidades de controle
durante o período do estudo. Enquanto os dois tipos
de crime diminuíram nas cidades experimentais e
aumentaram em relação às tendências nacionais nas
cidades de controle, os índices de criminalidade
caíram consideravelmente por dois anos em áreas
com reduzida disponibilidade de álcool. Contudo, não
está claro até que ponto a intervenção afetou o
comportamento violento entre os jovens ou quão
bem esse tipo de abordagem funcionaria em outros
cenários.
Atividades extracurriculares
As atividades extracurriculares – como esporte e
recreação, arte, música, drama e produção de boletins
informativos – podem oferecer aos adolescentes
44 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
oportunidades de participar e obter reconhecimento
por atividades de grupo construtivas (3). Contudo,
muitas comunidades não dispõem de tais atividades
ou de lugares onde as crianças possam ir com
segurança, fora do horário de aula, para praticá-las
(173). Os programas realizados fora do horário de
aula, oferecem essas instalações para as crianças e
para os jovens. O ideal seria que esses programas
fossem (174):
— abrangentes, lidando com toda a gama de
fatores de risco para violência e delinqüência
juvenis;
— adequados, em termos de desenvolvimento;
— de longa duração.
Essor, em Maputo, Moçambique (175) é um
exemplo de um programa comunitário elaborado para
lidar com a delinqüência de adolescentes em dois
bairros de baixa renda. O programa, que tem como
alvo adolescentes na faixa etária de 13 a 18 anos,
oferece atividades esportivas e de lazer para promover
a auto-expressão e a formação de equipes. O pessoal
do programa, também mantém contato com os jovens
por meio de visitas domiciliares regulares. Uma
avaliação do programa, mostrou melhoras
significativas no comportamento construtivo e na
comunicação com os pais por um período de 18 meses,
acompanhadas de uma queda significativa no
comportamento anti-social.
Acabando com a violência das
gangues
Os programas comunitários de prevenção contra
a violência das gangues, têm assumido várias formas.
As estratégias de prevenção incluem tentativas de
acabar com as gangues ou de organizar as
comunidades afetadas pela violência de gangues, de
maneira que as gangues de jovens funcionem de
forma diferente e com menos atividades criminosas
(106). Estratégias de reabilitação ou de correção
incluem programas de longo alcance e de
aconselhamento para membros de gangue, bem como
programas que buscam canalizar as atividades das
gangues para direções socialmente produtivas (106).
Há pouca evidência de que sejam efetivos os
programas para abolir as gangues, organizar as
comunidades ou oferecer serviços de longo alcance
e de aconselhamento. Na Nicarágua, em 1997, os
amplos esforços da polícia voltados para a eliminação
das atividades de gangues, obtiveram êxito apenas
temporário e, no final das contas, podem ter
exacerbado o problema (176). As tentativas de
organização da comunidade nos Estados Unidos, em
Boston, MA e Chicago, IL, também não obtiveram
sucesso na redução da violência de gangues,
possivelmente porque as comunidades afetadas não
estavam integradas ou coesas o bastante para
sustentar os esforços organizados (177). Os esforços
de longo alcance, e de aconselhamento têm tido a
conseqüência indesejada e inesperada de aumentar
a coesão das gangues (178). Em Medelin, na
Colômbia, os programas têm sido bem utilizados para
estimular os membros de gangues a se envolverem
em projetos de política local e de desenvolvimento
social (179), enquanto na Nicarágua e nos Estados
Unidos esses programas de “oportunidades” tiveram
um sucesso bem limitado (106).
Outras estratégias
Outras intervenções direcionadas às
comunidades que podem ser eficientes incluem (148,
180):
· Monitoramento dos níveis de chumbo e remoção
das toxinas do ambiente da casa, de forma a reduzir
o risco de dano cerebral nas crianças, que é um
fator que pode levar indiretamente à violência
juvenil.
· Aumento da disponibilidade, da qualidade dos
estabelecimentos de assistência infantil e dos
programas de aprimoramento pré-escolar, a fim
de promover um desenvolvimento saudável e
facilitar o êxito escolar.
· Tentativas para melhorar os cenários escolares;
inclusive mudar as práticas de ensino e as
políticas e regras das escolas, bem como
aumentar a segurança (por exemplo, instalando
detectores de metal ou câmeras de supervisão).
· Criação de rotas seguras para as crianças irem
e voltarem da escola ou de outras atividades
comunitárias.
Os sistemas de assistência à saúde, podem dar
uma considerável contribuição tanto para a resposta,
quanto para a prevenção contra a violência por meio
das seguintes medidas:
— melhorando a resposta e o desempenho dos
serviços de emergência;
— melhorando o acesso aos serviços de saúde;
— treinando os trabalhadores da área de
assistência à saúde, para que identifiquem e
encaminhem os jovens sob alto risco.
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 45
Um tipo de programa que parece ser ineficaz na
redução da violência juvenil, é oferecer dinheiro como
recompensa pela entrega de armas de fogo à polícia
ou a outras agências da comunidade -conhecido como
“programa para comprar as armas de volta”. Há
algumas evidências de que os tipos de armas
entregues não são os tipos normalmente utilizados
em homicídios de jovens (3).
Abordagens sociais
A estratégia que é menos empregada para evitar a
violência juvenil, é mudar o ambiente cultural e social
para reduzir a violência. Esse tipo de abordagem busca
reduzir as barreiras econômicas ou sociais para o
desenvolvimento – por exemplo, criando programas
de trabalho ou fortalecendo o sistema de justiça
criminal – ou modificar as normas e os valores culturais
embutidos que incentivam a violência.
Lidando com a pobreza
As políticas para reduzir a concentração da
pobreza nas áreas urbanas podem ser eficazes no
combate à violência juvenil. Essa afirmativa foi
comprovada em um experimento de habitação e
mobilidade, chamado “Moving to Opportunity”
[Mudando para a Oportunidade], realizado em
Maryland, nos Estados Unidos (181). Em um estudo
sobre o impacto desse programa, as famílias de bairros
extremamente pobres da cidade de Baltimore foram
divididas em três grupos:
— famílias que haviam recebido subsídios,
aconselhamento e outras assistências
especificamente para se mudarem para
comunidades com níveis menores de pobreza;
— famílias que haviam recebido apenas
subsídios, mas sem restrições sobre o local para
onde poderiam se mudar;
— famílias que não haviam recebido nenhuma
assistência especial.
O estudo concluiu que, oferecer às famílias a
oportunidade de se mudarem para bairros com níveis
menores de pobreza reduzia substancialmente o
comportamento violento dos adolescentes (181).
Para poder compreender completamente as
implicações desses resultados, é necessário um
melhor entendimento sobre, o mecanismo pelo qual a
vizinhança e os grupos de colegas influenciam a
violência juvenil.
Atacando o problema da violência
armada entre os jovens
Uma estratégia viável para reduzir o número de
mortes resultantes da violência juvenil seria mudar o
ambiente social, de modo a manter as armas de fogo
e outras armas mortais longe das mãos das crianças e
dos jovens que não têm supervisão. Jovens e outras
pessoas, que não deveriam ter armas inevitavelmente
conseguirão obtê-las. Algumas destas pessoas,
tentarão obtê-las para cometer crimes, enquanto
outras – cujos julgamentos estarão prejudicados pelo
álcool ou pelas drogas — não terão o cuidado e a
responsabilidade necessários, que deveriam
acompanhar a posse de armas de fogo.
Em muitos países, já são ilegais os meios pelos
quais os jovens conseguem as armas. Nesse caso,
um maior poder de aplicação das leis existentes que
regulam o repasse ilegal de armas, pode ter um alto
retorno na redução da violência relacionada a armas
de fogo entre os adolescentes (182). Contudo, pouco
de sabe sobre a eficácia desse tipo de abordagem.
Outra abordagem para o problema dos jovens
possuírem armas letais é legislar e aplicar a lei com
relação à armazenagem segura e protegida das armas
de fogo. Isso pode ter o efeito direto de limitar o
acesso inadequado, dificultando para os jovens a
retirada das armas de suas casas e, indiretamente,
reduzindo a capacidade das pessoas de roubar armas.
O roubo, é a principal fonte de armas para os mercados
ilegais, e o roubo e arrombamento são o último recurso
(embora não seja o mais recente) para os jovens
conseguirem as armas (182, 183). Uma estratégia a
longo prazo para a redução do acesso não autorizado
das crianças e dos adolescentes às armas seria
desenvolver armas “inteligentes” que não
funcionassem se outra pessoa, que não seu dono,
tentassem usá-las (184). Essas armas, poderiam
funcionar reconhecendo a impressão da palma da
mão do proprietário ou sendo necessário uma grande
proximidade a um coldre ou a um anel especial para
que funcionem.
Algumas outras intervenções elaboradas para
controlar o mau uso de armas foram avaliadas. Em
1977, foi introduzida em Washington, DC, Estados
Unidos, uma lei de licenciamento restritiva, que proibia
que qualquer pessoa possuísse um revólver, exceto
os agentes de polícia, os guardas de segurança e
quem já era dono de um. Conseqüentemente, a
incidência de homicídios e suicídios praticados com
armas de fogo diminuiu em 25% (185). Contudo, o
46 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
impacto dessa lei, sobre a redução da violência
relacionada a armas especificamente entre os jovens
é desconhecido. Durante a década de 1990, em Cali e
em Bogotá, na Colômbia, o porte de armas foi abolido
durante os períodos em que se sabia, com base em
experiências passadas, que os índices de homicídio
eram mais elevados (186). Esses períodos incluíam
os finais de semana após o dia de pagamento, finais
de semana emendados a feriados e dias de eleições.
Uma avaliação descobriu que a incidência de
homicídio era mais baixa durante os períodos nos
quais a proibição de porte de armas de fogo estava
em vigor (186). Os autores do estudo sugeriram que
os banimentos intermitentes de porte de armas em
toda a cidade poderiam ser úteis para evitar
homicídios, especialmente em regiões do mundo onde
há altos índices de homicídio.
Outras abordagens
Outras abordagens voltadas para fatores
socioeconômicos e culturais que podem se eficientes
na prevenção contra a violência juvenil, mas que ainda
não foram devidamente avaliadas, incluem (148,
170):
— campanhas de informação pública para mudar
as normas sociais e promover um comportamento
pró-social;
— esforços para reduzir a violência, exibida pela
mídia
— programas, para reduzir a má distribuição de
renda;
— atividades e políticas, para mitigar os efeitos
da rápida mudança social;
— esforços para fortalecer e melhorar a polícia e
os sistemas judiciários;
— reformas institucionais dos sistemas
educacionais.
A revisão dos fatores de risco e as estratégias de
prevenção, deixam evidente que a violência juvenil é
causada por uma complexa interação entre múltiplos
fatores e que os esforços para reduzir
substancialmente esse problema deverão ser plurais.
Conforme mostrado em discussões anteriores, há
diversos fatores — alguns pertinentes ao ambiente
individual, outros ao familiar e ao social — que
aumentam a probabilidade de agressão e violência
durante a infância, a adolescência e no início da fase
adulta. O ideal seria que os programas abordassem
os jovens, usando sistemas múltiplos de influência
(individual, familiar, comunitária e social), e
oferecessem um continuum de intervenções e
atividades, que passassem pelos vários estágios de
desenvolvimento. Tais programas, podem se voltar
para fatores de risco que ocorrem simultaneamente,
tais como, baixo desempenho educacional, gravidez
na adolescência, sexo inseguro e uso de drogas,
tratando assim das necessidades dos jovens em
muitas esferas de suas vidas.
Recomendações
As mortes e as lesões, resultantes da violência
juvenil, constituem um grande problema de saúde
pública em muitas partes do mundo. Há variações
significativas na magnitude do problema dentro dos
países e das regiões do mundo e entre eles. Existe
ainda, uma grande variedade de estratégias viáveis,
para evitar a violência juvenil, algumas das quais se
mostraram especialmente eficazes. Contudo, não há
uma única estratégia que seja capaz, por si só, de
reduzir a carga da violência juvenil sobre a saúde. Em
vez disso, serão necessárias múltiplas abordagens
simultâneas, que precisam ser relevantes para o lugar
específico onde serão implementadas. O que for bem
sucedido na prevenção contra a violência, na
Dinamarca, por exemplo, não será necessariamente
eficaz na Colômbia ou na África do Sul.
Nas últimas duas décadas, muito se aprendeu
sobre a natureza e as causas da violência juvenil e
como evitá-la. Esse conhecimento, apesar de ter como
base principalmente a pesquisa realizada em países
desenvolvidos, oferece um embasamento a partir do
qual é possível desenvolver programas bem
sucedidos de prevenção contra a violência juvenil.
Contudo, ainda há muito a ser aprendido sobre a
prevenção. Com base no estado atual do
conhecimento, as recomendações a seguir, se
implementadas, podem levar a uma maior
compreensão da violência juvenil e a uma prevenção
mais efetiva contra ela.
Criando sistemas de coleta de dados
O desenvolvimento de sistemas de dados, para o
monitoramento regular das tendências no
comportamento violento, nas lesões e nas mortes,
deveria ser a base dos esforços de prevenção. Esses
dados, fornecerão informações valiosas para a
formulação de políticas e programas públicos, para
evitar a violência juvenil e para avaliá-los. São
necessárias abordagens simples para a observação
da violência juvenil, que possam ser aplicadas em
uma vasta gama de cenários culturais. Nesse sentido,
os seguintes pontos devem ser priorizados:
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 47
· Devem ser desenvolvidos padrões uniformes,
para definir e mensurar a violência juvenil e
incorporá-los aos sistemas de vigilância de lesões
e violência. Esses padrões, devem incluir
categorias por idade, que realmente reflitam os
diferentes riscos existentes entre os jovens de
virem a ser vítimas ou perpetradores da violência
juvenil.
· Deve-se dar prioridade ao desenvolvimento de
sistemas para monitoramento de mortes,
resultantes de violência em regiões onde
atualmente os dados de homicídio são
inadequados ou inexistentes. Essas regiões
incluem a África, o sudeste da Ásia e o
Mediterrâneo Oriental, bem como partes das
Américas e do Pacífico Ocidental, especialmente
as áreas mais pobres dessas duas regiões.
· Paralelamente à vigilância, deve haver estudos
especiais para estabelecer a relação entre casos
fatais e não fatais de lesões relacionadas à
violência, classificados pelo método de ataque,
idade e sexo da vítima. Esses dados poderão ser
utilizados, então, para estimar a magnitude do
problema da violência juvenil onde apenas um
tipo de dados – como mortalidade ou morbidade –
está disponível.
· Todos os países e todas as regiões, devem ser
incentivados a criar centros onde as informações
de rotina disponibilizadas pelos serviços de saúde
(incluindo os departamentos de emergência), pela
polícia e por outras autoridades, relevantes para
a violência, possam ser categorizadas e
comparadas. Esse procedimento, ajudará muito a
formulação e a implementação de programas de
prevenção.
Mais pesquisas científicas
As evidências científicas a respeito dos padrões
e das causas da violência juvenil, tanto qualitativas
quanto quantitativas, são essenciais para o
desenvolvimento de repostas racionais e efetivas ao
problema. Ainda que o entendimento sobre o
fenômeno da violência tenha avançado bastante,
existem significativas lacunas que poderiam ser
preenchidas através da pesquisa nas seguintes áreas:
— fazer estudos interculturais, sobre as causas,
o desenvolvimento e a prevenção da violência
juvenil para explicar as grandes variações dos
níveis de violência juvenil no mundo todo;
— verificar a validade e as vantagens relativas da
utilização de registros oficiais, registros
hospitalares e relatórios preparados pelas
próprias pessoas para mensurar a violência
juvenil;
— comparar os jovens que cometeram crimes
violentos tanto com os jovens que cometeram
crimes não violentos quanto com aqueles que não
estão envolvidos em comportamentos violentos
ou delinqüentes;
— determinar fatores de risco que têm efeitos
diferenciais sobre a persistência, a escalada, a
queda e o término da perpetração de crimes
violentos em várias idades;
— identificar fatores de proteção contra a
violência juvenil;
— verificar o envolvimento das mulheres com a
violência juvenil;
— fazer estudos interculturais, sobre as
influências sociais e culturais relacionadas à
violência juvenil;
— fazer estudos longitudinais que medem uma
grande variedade de fatores de risco e de
proteção, para aumentar o conhecimento sobre
as trajetórias de desenvolvimento da violência
juvenil;
— melhorar a compreensão a respeito de como
os fatores sociais e macroeconômicos podem
efetivamente ser modificados para reduzir a
violência juvenil.
Além das necessidades de pesquisa listadas
acima, é necessário:
· Estimativas sobre o custo total da violência
juvenil para a sociedade, de modo a fazer uma
melhor avaliação da relação custo/benefício dos
programas de prevenção e de tratamento.
· Criar-se instituições para organizar, coordenar
e financiar a pesquisa global sobre a violência
juvenil.
Desenvolvendo estratégias de prevenção
Até agora, a maioria dos recursos destinados à
prevenção, foram utilizados em programas que ainda
não foram testados. Muitos desses programas
baseiam-se em hipóteses questionáveis, e são
apresentados com pouca consistência ou controle
de qualidade. A capacidade de efetivamente evitar e
controlar a violência juvenil requer, acima de tudo,
uma avaliação sistemática das intervenções.
Particularmente, os seguintes aspectos relativos aos
programas de prevenção contra a violência juvenil
ainda precisam de muito mais pesquisa:
— estudos longitudinais que avaliem o impacto
48 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
em longo prazo das intervenções realizadas nos
primeiros anos de vida e na infância;
— avaliações dos impactos das intervenções
sobre os fatores sociais associados à violência
juvenil, tais como má distribuição de renda e
concentração de pobreza;
— estudos sobre a relação custo/benefício dos
programas e das políticas de prevenção.
São necessários padrões consistentes para
estudos de avaliação que estimem a eficácia dos
programas e das políticas sobre violência juvenil.
Esses padrões devem incluir:
– aplicação de um projeto experimental;
– evidências de uma redução estatística
significativa na incidência de comportamento
violento, ou lesões relacionadas à violência;
– reprodução em diferentes locais e diferentes
contextos culturais;
– evidências de que o impacto, seja sustentado
no decorrer do tempo.
Disseminando o conhecimento
É necessário que sejam empreendidos grandes
esforços para aplicar o que foi aprendido sobre as
causas e a prevenção da violência juvenil.
Atualmente, o conhecimento sobre esse assunto é
disseminado com grande dificuldade para os
profissionais e as pessoas responsáveis por elaborar
as políticas no mundo todo, especialmente devido a
uma precária infra-estrutura de comunicação. As
seguintes áreas em especial devem receber mais
atenção:
· É necessária uma coordenação global, para
desenvolver redes de organizações voltadas para
o compartilhamento de informações, o
treinamento e a assistência técnica.
· Devem ser alocados recursos, para a utilização
de tecnologia de Internet. Em algumas partes do
mundo onde essa tecnologia apresenta
problemas, deveriam ser promovidas outras
formas não eletrônicas de compartilhar
informações.
· Devem ser criadas agências centrais
internacionais de compensação, para identificar
e traduzir as informações relevantes oriundas de
todas as partes do mundo, especialmente de
fontes menos conhecidas.
· É necessária, pesquisa sobre a melhor forma de
implementar estratégias e políticas de prevenção
contra a violência juvenil. Saber simplesmente que
estratégias se mostraram efetivas não é o bastante
para assegurar que elas tenham êxito quando
implementadas.
· Sempre que possível, os programas de
prevenção contra a violência juvenil, devem ser
integrados a programas para evitar o abuso infantil
e outras formas de violência dentro da família.
Conclusão
O volume de informações sobre as causas e a
prevenção contra a violência juvenil, está crescendo
rapidamente, assim como a demanda mundial por
essas informações. Para atender essa grande
demanda será necessário um investimento
substancial, a fim de melhorar os mecanismos para
conduzir a vigilância de saúde pública, realizar toda a
pesquisa científica necessária e criar a infra-estrutura
global para a disseminação e aplicação do que foi
aprendido. Se o mundo puder encarar o desafio e
fornecer os recursos necessários, a violência juvenil
pode, em um futuro próximo, começar a ser
considerada como um problema de saúde pública que
pode ser evitado
Referências
1. Reza A, Krug EG, Mercy JA. Epidemiology of violent
deaths in the world. Injury Prevention, 2001, 7:104-
111.
2. Ad Hoc Committee on Health Research Relating to
Future Intervention Options. Investing in health
research and development. Geneva, World Health
Organization, 1996 (document TDR/GEN/96.1).
3. Youth violence: a report of the Surgeon General.
Washington, DC, United States Department of Health
and Human Services, 2001.
4. Fagan J, Browne A. Violence between spouses and
intimates: physical aggression between women and
men in intimate relationships. In: Reiss AJ, Roth JA,
eds. Understanding and preventing violence: panel
on the understanding and control of violent
behavior. Vol. 3. Social influences. Washington, DC,
National Academy Press, 1994:114-292.
5. Widom CS. Child abuse, neglect, and violent
criminal behavior. Criminology, 1989, 244:160-166.
6. Gartner R. The victims of homicide: a temporal and
cross-national comparison. American Sociological
Review, 1990, 55:92-106.
7. Briggs CM, Cutright P. Structural and cultural
determinants of child homicide: a cross-national
analysis. Violence and Victims, 1994, 9:3-16.
8. Smutt M, Miranda JLE. El Salvador: socialización y
violencia juvenil [El Salvador: socialization and
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 49
juvenile violence]. In: Ramos CG, ed. América
Central en los noventa: problemas de juventud
[Central America in the 90s: youth problems]. San
Salvador, Latin American Faculty of Social Sciences,
1998:151-187.
9. Kahn K et al. Who dies from what? Determining
cause of death in South Africa’s rural north-east.
Tropical Medicine and International Health, 1999,
4:433-441.
10. Campbell NC et al. Review of 1198 cases of
penetrating trauma. British Journal of Surgery, 1997,
84:1737-1740.
11. Phillips R. The economic cost of homicide to a
South African city [Dissertation]. Cape Town,
University of Cape Town, 1999.
12. Wygton A. Firearm-related injuries and deaths
among children and adolescents in Cape Town, 1992-
1996. South African Medical Journal, 1999, 89:407-
410.
13. Amakiri CN et al. A prospective study of coroners’
autopsies in University College Hospital, Ibadan,
Nigeria. Medicine, Science and Law, 1997, 37:69-75.
14. Nwosu SE, Odesanmi WO. Pattern of homicides
in Nigeria: the Ile-Ife experience. West African Medical
Journal, 1998, 17:236-268.
15. Pridmore S, Ryan K, Blizzard L. Victims of violence
in Fiji. Australian and New Zealand Journal of
Psychiatry, 1995, 29:666-670.
16. Lu TH, Lee MC, Chou MC. Trends in injury
mortality among adolescents in Taiwan, 1965-94.
Injury Prevention, 1998, 4:111-115.
17. Chalmers DJ, Fanslow JL, Langley JD. Injury from
assault in New Zealand: an increasing public health
problem. Australian Journal of Public Health, 1995,
19:149-154.
18. Tercero F et al. On the epidemiology of injury in
developing countries: a one-year emergency
roombased surveillance experience from León,
Nicaragua. International Journal for Consumer and
Product Safety, 1999, 6:33-42.
19. Gofin R et al. Intentional injuries among the young:
presentation to emergency rooms, hospitalization,
and death in Israel. Journal of Adolescent Health,
2000, 27:434-442.
20. Lerer LB, Matzopoulos RG, Phillips R. Violence
and injury mortality in the Cape Town metropole.
South African Medical Journal, 1997, 87:298-301.
21. Zwi KJ et al. Patterns of injury in children and
adolescents presenting to a South African township
health centre. Injury Prevention, 1995, 1:26-30.
22. Odero WO, Kibosia JC. Incidence and
characteristics of injuries in Eldoret, Kenya. East
African Medical Journal, 1995, 72:706-760.
23. Mansingh A, Ramphal P. The nature of
interpersonal violence in Jamaica and its strain on
the national health system. West Indian Medical
Journal, 1993, 42:53-56.
24. Engeland A, Kopjar B. Injuries connected to
violence: an analysis of data from the injury registry.
Tidsskrift for den Norske Laegeforening, 2000,
120:714-717.
25. Tercero DM. Caracteristicas de los pacientes
con lesiones de origen violento, atendidos en
Hospital Mario Catarino Rivas [Characteristics of
patients with intentional injuries, attended to in the
Mario Catarino Rivas Hospital]. San Pedro Sula,
Honduras, Secretary of Health, 1999.
26. Kuhn F et al. Epidemiology of severe eye injuries.
United States Eye Injury Registry (USEIR) and
Hungarian Eye Injury Registry (HEIR).
Ophthalmologe, 1998, 95:332-343.
27. Butchart A, Kruger J, Nell V. Neighbourhood
safety: a township violence and injury profile. Crime
and Conflict, 1997, 9:11-15.
28. Neveis O, Bagus R, Bartolomeos K. Injury
surveillance at Maputo Central Hospital. Abstract
for XIth Day of Health, June 2001. Maputo, 2001.
29. Cruz JM. La victimización por violencia urbana:
niveles y factores asociados en ciudades de América
Latina y España [Victimization through violence:levels
and associated factors in Latin American and Spanish
towns]. Revista Panamericana de Salud Publica,
1999, 5:4-5.
30. National Referral Centre for Violence. Forensis
1999: datos para la vida. Herramienta para la
interpretación, intervención y prevención del hecho
violento en Colombia [Forensis 1999: data for life.
A tool for interpreting, acting against and
preventing violence in Colombia]. Santa Fe de
Bogotá, National Institute of Legal Medicine and
Forensic Science, 2000.
31. Peden M. Non-fatal violence: some results from
the pilot national injury surveillance system. Trauma
Review, 2000, 8:10-12.
32. Kann L et al. Youth risk behavior surveillance:
United States, 1999. Morbidity and Mortality Weekly
Report, 2000, 49:3-9 (CDC Surveillance Summaries,
SS-5).
33. Rossow I et al. Young, wet and wild? Associations
between alcohol intoxication and violent behaviour
in adolescence. Addiction, 1999, 94:1017-1031.
34. Clémense A. Violence and incivility at school: the
situation in Switzerland. In: Debarbieux E, Blaya C,
50 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
eds. Violence in schools: ten approaches in Europe.
Issy-les-Moulineaux, Elsevier, 2001:163-179.
35. Grufman M, Berg-Kelly K. Physical fighting and
associated health behaviours among Swedish
adolescents. Acta Paediatrica, 1997, 86:77-81.
36. Gofin R et al. Fighting among Jerusalem
adolescents: personal and school-related factors.
Journal of Adolescent Health, 2000, 27:218-223.
37. Youssef RM, Attia MS, Kamel MI. Violence among
schoolchildren in Alexandria. Eastern Mediterranean
Health Journal, 1999, 5:282-298.
38. Parrilla IC et al. Internal and external environment
of the Puerto Rican adolescent in the use of alcohol,
drugs and violence. Boletin Asociación Medica de
Puerto Rico, 1997, 89:146-149.
39. O’Moore AM et al. Bullying behaviour in Irish
schools: a nationwide study. Irish Journal of
Psychology, 1997, 18:141-169.
40. Currie C, ed. Health behaviour in school-aged
children: a WHO cross-national study. Bergen,
University of Bergen, 1998.
41. Loeber R et al. Developmental pathways in
disruptive child behavior. Development and
Psychopathology, 1993, 5:103-133.
42. Flisher AJ et al. Risk-taking behaviour of Cape
Peninsula high-school students. Part VII: violent
behaviour. South African Medical Journal, 1993,
83:490-494.
43. McKeganey N, Norrie J. Association between
illegal drugs and weapon carrying in young people
in Scotland: schools’ survey. British Medical Journal,
2000, 320:982-984.
44. Mooij T. Veilige scholen en (pro)sociaal gedrag:
evaluatie van de campaghne ‘De veilige school’ in
het voortgezet onderwijs [Safe schools and positive
social behaviour: an evaluation of the ”Safe schools”
campaign in continuing education]. Nijmegen,
Institute for Applied Social Sciences, University of
Nijmegen, 2001.
45. Dahlberg LL, Potter LB. Youth violence:
developmental pathways and prevention challenges.
American Journal of Preventive Medicine, 2001,
20(1S):3-14.
46. D’Unger AV et al. How many latent classes of
delinquent/criminal careers? Results from a mixed
Poisson regression analysis. American Sociological
Review, 1998, 103:1593-1620.
47. Huizinga D, Loeber R, Thornberry TP. Recent
findings from a program of research on the causes
and correlates of delinquency. Washington, DC,
United States Department of Justice, 1995.
48. Nagin D, Tremblay RE. Trajectories of boys’
physical aggression, opposition, and hyperactivity
on the path to physically violent and nonviolent
juvenile delinquency. Child Development, 1999,
70:1181-1196.
49. Patterson GR, Yoerger K. A developmental model
for late-onset delinquency. Nebraska Symposium on
Motivation, 1997, 44:119-177.
50. Stattin H, Magnusson M. Antisocial development:
a holistic approach. Development and
Psychopathology, 1996, 8:617-645.
51. Loeber R, Farrington DP, Waschbusch DA.
Serious and violent juvenile offenders. In: Loeber R,
Farrington DP, eds. Serious and violent juvenile
offenders: risk factors and successful interventions.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1998:13-29.
52. Moffitt TE. Adolescence-limited and life-course
persistent antisocial behavior: a developmental
taxonomy. Psychological Review, 1993, 100:674-701.
53. Tolan PH. Implications of onset for delinquency
risk identification. Journal of Abnormal Child
Psychology, 1987, 15:47-65.
54. Tolan PH, Gorman-Smith D. Development of
serious and violent offending careers. In: Loeber R,
Farrington DP, eds. Serious and violent juvenile
offenders: risk factors and successful interventions.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1998:68-85.
55. Stattin H, Magnusson D. The role of early
aggressive behavior in the frequency, seriousness,
and types of later crime. Journal of Consulting and
Clinical Psychology, 1989, 57:710-718.
56. Pulkkinen L. Offensive and defensive aggression
in humans: a longitudinal perspective. Aggressive
Behaviour, 1987, 13:197-212.
57. Hamparian DM et al. The young criminal years of
the violent few. Washington, DC, Office of Juvenile
Justice and Delinquency Prevention, 1985.
58. Farrington DP. Predicting adult official and
selfreported violence. In: Pinard GF, Pagani L, eds.
Clinical assessment of dangerousness: empirical
contributions. Cambridge, Cambridge University
Press, 2001:66-88.
59. Loeber R et al. Developmental pathways in
disruptive child behavior. Development and
Psychopathology, 1993, 5:103-133.
60. LeBlanc M, Frechette M. Male criminal activity
from childhood through youth. New York, NY,
Springer-Verlag, 1989.
61. Agnew R. The origins of delinquent events: an
examination of offender accounts. Journal of
Research in Crime and Delinquency, 1990, 27:267-
294.
62. Farrington DP. Motivations for conduct disorder
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 51
and delinquency. Development and
Psychopathology, 1993, 5:225-241.
63. Wikström POH. Everyday violence in
contemporary Sweden. Stockholm, National Council
for Crime Prevention, 1985.
64. Miczek KA et al. Alcohol, drugs of abuse,
aggression and violence. In: Reiss AJ, Roth JA, eds.
Understanding and preventing violence: panel on
the understanding and control of violent behavior.
Vol. 3. Social influences. Washington, DC, National
Academy Press, 1994:377-570.
65. Brennan P, Mednick S, John R. Specialization in
violence: evidence of a criminal subgroup.
Criminology, 1989, 27:437-453.
66. Hamparian DM et al. The violent few: a study of
dangerous juvenile offenders. Lexington, MA, DC
Heath, 1978.
67. Kandel E, Mednick SA. Perinatal complications
predict violent offending. Criminology, 1991, 29:519-
529.
68. Brennan PA, Mednick BR, Mednick SA. Parental
psychopathology, congenital factors, and violence.
In: Hodgins S, ed. Mental disorder and crime.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1993:244-261.
69. Denno DW. Biology and violence: from birth to
adulthood. Cambridge, Cambridge University Press,
1990.
70. Raine A. The psychopathology of crime: criminal
behavior as a clinical disorder. San Diego, CA,
Academic Press, 1993.
71. Kagan J. Temperamental contributions to social
behavior. A merican Psychologist, 1989, 44:668-674.
72. Wadsworth MEJ. Delinquency, pulse rates, and
early emotional deprivation. British Journal of
Criminology, 1976, 16:245-256.
73. Farrington DP. The relationship between low
resting heart rate and violence. In: Raine A et al., eds.
Biosocial bases of violence. New York, NY, Plenum,
1997:89-105.
74. Henry B et al. Temperamental and familial
predictors of violent and nonviolent criminal
convictions: age 3 to age 18. Developmental
Psychology, 1996, 32:614-623.
75. Caspi A et al. Are some people crime-prone?
Replications of the personality-crime relationship
across countries, genders, races, and methods.
Criminology, 1994, 32:163-195.
76. Klinteberg BA et al. Hyperactive behavior in
childhood as related to subsequent alcohol problems
and violent offending: a longitudinal study of male
subjects. Personality and Individual Differences,
1993, 15:381-388.
77. Farrington DP. Predictors, causes, and correlates
of male youth violence. In: Tonry M, Moore MH,
eds. Youth violence. Chicago, IL, University of
Chicago Press, 1998:421-475.
78. Lipsey MW, Derzon JH. Predictors of violent or
serious delinquency in adolescence and early
adulthood: a synthesis of longitudinal research. In:
Loeber R, Farrington DP, eds. Serious and violent
juvenile offenders: risk factors and successful
interventions. Thousand Oaks, CA, Sage, 1998:86-
105.
79. Moffitt TE, Henry B. Neuropsychological studies
of juvenile delinquency and juvenile violence. In:
Milner JS, ed. Neuropsychology of aggression.
Boston, MA, Kluwer, 1991:131-146.
80. Seguin J et al. Cognitive and neuropsychological
characteristics of physically aggressive boys.
Journal of Abnormal Psychology, 1995, 104:614-624.
81. Dahlberg L. Youth violence in the United States:
major trends, risk factors, and prevention approaches.
American Journal of Preventive Medicine, 1998,
14:259-272.
82. McCord J. Some child-rearing antecedents of
criminal behavior in adult men. Journal of Personality
and Social Psychology, 1979, 37:1477-1486.
83. Eron LD, Huesmann LR, Zelli A. The role of
parental variables in the learning of aggression. In:
Pepler DJ, Rubin KJ, eds. The development and
treatment of childhood aggression. Hillsdale, NJ,
Lawrence Erlbaum, 1991:169-188.
84. Widom CS. The cycle of violence. Science, 1989,
244:160-166.
85. Malinosky-Rummell R, Hansen DJ. Long-term
consequences of childhood physical abuse.
Psychological Bulletin, 1993, 114:68-79.
86. Smith C, Thornberry TP. The relationship between
childhood maltreatment and adolescent involvement
in delinquency. Criminology, 1995, 33:451-481.
87. McCord J. Family as crucible for violence:
comment on Gorman-Smith et al. (1996). Journal of
Family Psychology, 1996, 10:147-152.
88. Thornberry TP, Huizinga D, Loeber R. The
prevention of serious delinquency and violence:
implications from the program of research on the
causes and correlates of delinquency. In: Howell JC
et al., eds. Sourcebook on serious, violent, and
chronic juvenile offenders. Thousand Oaks, CA,
Sage, 1995:213-237.
89. Morash M, Rucker L. An exploratory study of the
connection of mother’s age at childbearing to her
children’s delinquency in four data sets. Crime and
Delinquency, 1989, 35:45-93.
52 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
90. Nagin DS, Pogarsky G, Farrington DP. Adolescent
mothers and the criminal behavior of their children.
Law and Society Review, 1997, 31:137-162.
91. Gorman-Smith D et al. The relation of family
functioning to violence among inner-city minority
youths. Journal of Family Psychology, 1996, 10:115-
129.
92. Wadsworth MEJ. Delinquency prediction and its
uses: the experience of a 21-year follow-up study.
International Journal of Mental Health, 1978, 7:43-
62.
93. Elliott DS, Huizinga D, Menard S. Multiple
problem youth: delinquency, substance use, and
mental health problems. New York, NY, SpringerVerlag,
1989.
94. Perales A, Sogi C. Conductas violentas en
adolescentes: identificación de factores de riesgo para
diseño de programa preventivo [Violent behaviour
among adolescents: identifying risk factors to design
prevention programmes]. In: Pimentel Sevilla C, ed.
Violencia, familia y niñez en los sectores urbanos
pobres [Violence, the family and childhood in poor
urban sectors]. Lima, Cecosam, 1995:135-154.
95. Gianini RJ, Litvoc J, Neto JE. Agressão física e
classe social. Revista de Saúde Pública, 1999, 33:180-
186.
96. Hogh E, Wolf P. Violent crime in a birth cohort:
Copenhagen 1953-1977. In: van Dusen KT, Mednick
SA, eds. Prospective studies of crime and
delinquency. Boston, Kluwer-Nijhoff, 1983:249-267.
97. Hawkins JD et al. A review of predictors of youth
violence. In: Loeber R, Farrington DP, eds. Serious
and violent juvenile offenders: risk factors and
successful interventions. Thousand Oaks, CA, Sage,
1998:106-146.
98. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS
(UNAIDS), UNICEF, National Black Leadership
Commission on AIDS. Call to action for ”children
left behind” by AIDS . Geneva, UNAIDS, 1999
(available on the Internet at http://www.unaids.org/
publications/documents/children/
index.html#young).
99. Reiss AJ, Farrington DP. Advancing knowledge
about co-offending: results from a prospective
longitudinal survey of London males. Journal of
Criminal Law and Criminology, 1991, 82:360-395.
100. Elliott DS, Menard S. Delinquent friends and
delinquent behavior: temporal and developmental
patterns. In: Hawkins JD, ed. Delinquency and crime:
current theories. Cambridge, Cambridge University
Press, 1996:28-67.
101. Howell JC. Juvenile justice and youth violence.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1997.
102. Farrington DP, Loeber R. Major aims of this book.
In: Loeber R, Farrington DP, eds. Serious and violent
juvenile offenders: risk factors and successful
interventions. Thousand Oaks, CA, Sage, 1998:1-9.
103. Blumstein A. Youth violence, guns and the illicitdrug
industry. Journal of Criminal Law and
Criminology, 1995, 86:10-36.
104. van Kammen WB, Loeber R. Are fluctuations in
delinquent activities related to the onset and offset
in juvenile illegal drug use and drug dealing? Journal
of Drug Issues, 1994, 24:9-24.
105. de Souza Minayo MC. Fala, galera: juventude,
violência e cidadania. Rio de Janeiro, Garamond,
1999.
106. Rodgers D. Youth gangs and violence in Latin
America and the Caribbean: a literature survey.
Washington, DC, World Bank, 1999 (LCR Sustainable
Development Working Paper, No. 4).
107. Lederman D, Loayza N, Menéndez AM. Violent
crime: does social capital matter? Washington, DC,
World Bank, 1999.
108. Ayres RL. Crime and violence as development
issues in Latin America and the Caribbean.
Washington, DC, World Bank, 1998.
109. Moser C, Holland J. Urban poverty and violence
in Jamaica. In: World Bank Latin American and
Caribbean studies: viewpoints. Washington, DC,
World Bank, 1997:1-53.
110. Wilkinson RG, Kawachi I, Kennedy BP. Mortality,
the social environment, crime and violence.
Sociology of Health and Illness, 1998, 20:578-597.
111. Ortega ST et al. Modernization, age structure,
and regional context: a cross-national study of crime.
Sociological Spectrum, 1992, 12:257-277.
112. Schneidman M. Targeting at-risk youth:
rationales, approaches to service delivery and
monitoring and evaluation issues. Washington, DC,
World Bank, 1996 (LAC Human and Social
Development Group Paper Series, No. 2).
113. Lauras-Loch T, Lopez-Escartin N. Jeunesse et
démographie en Afrique [Youth and demography in
Africa]. In: d’Almeida-Topor H et al. Les jeunes en
Afrique: évolution et rôle (XIXe-XXe siècles) [Youth
in Africa: its evolution and role (19th and 20th
centuries)]. Paris, L’Harmattan, 1992:66-82.
114. A picture of health? A review and annotated
bibliography of the health of young people in
developing countries. Geneva, World Health
Organization (in collaboration with the United Nations
Children’s Fund), 1995 (document WHO/FHE/ADH/
95.14).
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 53
115. Diallo Co-Trung M. La crise scolaire au Sénégal:
crise de l’école, crise de l’autorité? [The school crisis
in Senegal: a school crisis or a crisis of authority?] In:
d’Almeida-Topor H et al. Les jeunes en Afrique:
évolution et rôle (XIXe-XXe siècles) [Youth in Africa:
its evolution and role (19th and 20th centuries)].
Paris, L’Harmattan, 1992:407-439.
116. Rarrbo K. L’Algérie et sa jeunesse:
marginalisations sociales et désarroi culturel
[Algeria and its youth: social marginalization and
cultural confusion]. Paris, L’Harmattan, 1995.
117. Dinnen S. Urban raskolism and criminal groups
in Papua New Guinea. In: Hazlehurst K, Hazlehurst C,
eds. Gangs and youth subcultures: international
explorations. NewBrunswick, NJ, Transaction, 1998.
118. United Nations Children’s Fund. Children at risk
in Central and Eastern Europe: perils and promises.
Florence, International Child Development Centre,
1997 (The Monee Project, Regional Monitoring
Report, No. 4).
119. Messner SF. Research on cultural and
socioeconomic factors in criminal violence.
Psychiatric Clinics of North America, 1988, 11:511-
525.
120. Fajnzylber P, Lederman D, Loayza N. Inequality
and violent crime. Washington, DC, World Bank,
1999.
121. Unnithan NP, Whitt HP. Inequality, economic
development and lethal violence: a cross-national
analysis of suicide and homicide. International
Journal of Comparative Sociology, 1 992, 33:182-196.
122. Noronha CV et al. Violência, etnia e cor: um estudo
dos diferenciais na região metropolitana de Salvador,
Bahia, Brasil. Pan American Journal of Public
Health, 1999, 5:268-277.
123. Sanjuán AM. Juventude e violência em Caracas:
paradoxos de um processo de perda da cidadania. In:
Pinheiro PS, ed. São Paulo sem medo: um
diagnóstico da violência urbana. Rio de Janeiro,
Garamond, 1998:155-171.
124. Aitchinson J. Violência e juventude na África do
Sul: causas, lições e soluções para uma sociedade
violenta. In: Pinheiro PS, ed. São Paulo sem medo:
um diagnóstico da violência urbana. Rio de Janeiro,
Garamond, 1998:121-132.
125. Pampel FC, Gartner R. Age structure, sociopolitical
institutions, and national homicide rates.
European Sociological Review, 1995, 11:243-260.
126. Messner SF, Rosenfeld R. Political restraint of
the market and levels of criminal homicide: a
crossnational application of institutional-anomie
theory. Social Forces, 1997, 75:1393-1416.
127. Centerwall BS. Television and violence: the scale
of the problem and where to go from here. Journal of
the American Medical Association, 1992, 267:3059-
3063.
128. Centerwall BS. Exposure to television as a cause
of violence. Public Communication and Behaviour,
1989, 2:1-58.
129. Centerwall BS. Exposure to television as a risk
factor for violence. American Journal of
Epidemiology, 1989, 129:643-652.
130. Joy LA, Kimball MM, Zabrack ML. Television
and children’s aggressive behavior. In: Williams TM,
ed. The impact of television: a natural experiment
in three communities. New York, NY, Academic Press,
1986:303-360.
131. Williams TM. The impact of television: a natural
experiment in three communities. New York, NY,
Academic Press, 1986.
132. Wood W, Wong FY, Chachere G. Effects of media
violence on viewers’ aggression in unconstrained
social interaction. Psychological Bulletin, 1991,
109:307-326.
133. Paik H, Comstock G. The effects of television
violence on antisocial behavior: a meta-analysis.
Communication Research, 1994, 21:516-546.
134. Huesmann LR, Eron LD, eds. Television and the
aggressive child: a cross-national comparison.
Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum, 1986.
135. Wiegman O, Kuttschreuter M, Baarda B. A
longitudinal study of the effects of television viewing
on aggressive and antisocial behaviours. British
Journal of Social Psychology, 1992, 31:147-164.
136. Bedoya Marín DA, Jaramillo Martínez J. De la
barra a la banda. [From football supporter to gang
member.] Medellín, El Propio Bolsillo, 1991.
137. Kellermann AL et al. Preventing youth violence:
what works? Annual Review of Public Health, 1998,
19:271-292.
138. Johnson DL, Walker T. Primary prevention of
behavior problems in Mexican-American children.
American Journal of Community Psychology, 1987,
15:375-385.
139. Berrueta-Clement JR et al. Changed lives: the
effects of the Perry preschool program on youth
through age 19. Ypsilanti, MI, High/Scope, 1984.
140. Schweinhart LJ, Barnes HV, Weikart DP.
Significant benefits: the High/Scope Perry preschool
project study through age 27. Ypsilanti, MI, High/
Scope, 1993.
141. Tolan PH, Guerra NG. What works in reducing
adolescent violence: an empirical review of the field.
Boulder, CO, University of Colorado, Center for the
54 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Study and Prevention of Violence, 1994.
142. Richards BA, Dodge KA. Social maladjustment
and problem-solving in school-aged children. Journal
of Consulting and Clinical Psychology, 1982, 50:226-
233.
143. Guerra NG, Williams KR. A program planning
guide for youth violence prevention: a risk-focused
approach. Boulder, CO, University of Colorado,
Center for the Study and Prevention of Violence, 1996.
144. Hawkins JD et al. Preventing adolescent healthrisk
behaviors by strengthening protection during
childhood. Archives of Pediatrics & Adolescent
Medicine, 1999, 153:226-234.
145. Howell JC, Bilchick S, eds. Guide for
implementing the comprehensive strategy for serious
violent and chronic juvenile offenders. Washington,
DC, United States Department of Justice, Office of
Juvenile Justice and Delinquency Prevention, 1995.
146. Thornton TN et al. Best practices of youth
violence prevention: a sourcebook for community
action. Atlanta, GA, Centers for Disease Control and
Prevention, 2000.
147. Olweus D, Limber S, Mihalic S. Bullying
prevention program. Boulder, CO, University of
Colorado, Center for the Study and Prevention of
Violence, 1998 (Blueprints for Violence Prevention
Series, Book 9).
148. Williams KR, Guerra NG, Elliott DS. Human
development and violence prevention: a focus on
youth. Boulder, CO, University of Colorado, Center
for the Study and Prevention of Violence, 1997.
149. Lally JR, Mangione PL, Honig AS. The Syracuse
University Family Development Research Project:
long-range impact of an early intervention with lowincome
children and their families. In: Powell DR, ed.
Annual advances in applied developmental
psychology: parent education as an early childhood
intervention. Norwood, NJ, Ablex, 1988:79-104.
150. Seitz V, Rosenbaum LK, Apfel NH. Effects of a
family support intervention: a 10-year follow-up.
Child Development, 1985, 56:376-391.
151. Olds DL et al. Long-term effects of nurse home
visitation on children’s criminal and antisocial
behavior: 15-year follow-up of a randomized
controlled trial. Journal of the American Medical
Association, 1998, 280:1238-1244.
152. Farrington DP, Welsh BC. Delinquency
prevention using family-based interventions.
Children and Society, 1999, 13:287-303.
153. Sanders MR. Triple-P-Positive Parenting
Program: towards an empirically validated multilevel
parenting and family support strategy for the
prevention of behavior and emotional problems in
children. Clinical Child and Family Psychology
Review, 1999, 2:71-90.
154. Triple-P-Positive Parenting Program. Triple P
News, 2001, 4:1.
155. Patterson GR, Capaldi D, Bank L. An early starter
model for predicting delinquency. In: Pepler DJ, Rubin
KH, eds. The development and treatment of
childhood aggression. Hillsdale, NJ, Lawrence
Erlbaum, 1991:139-168.
156. Patterson GR, Reid JB, Dishion TJ. Antisocial
boys. Eugene, OR, Castalia, 1992.
157. Hawkins JD, Von Cleve E, Catalano RF. Reducing
early childhood aggression: results of a primary
prevention program. Journal of the American
Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 1991,
30:208-217.
158. Tremblay RE et al. Parent and child training to
prevent early onset of delinquency: the Montreal
longitudinal experimental study. In: McCord J,
Tremblay RE, eds. Preventing antisocial behavior:
interventions from birth through adolescence. New
York, NY, Guilford, 1992:117-138.
159. Greenwood PW et al. Diverting children from a
life of crime: measuring costs and benefits. Santa
Monica, CA, Rand, 1996.
160. Mihalic SF, Grotpeter JK. Big Brothers/Big
Sisters of America. Boulder, CO, University of
Colorado, Center for the Study and Prevention of
Violence, 1997 (Blueprints for Violence Prevention
Series, Book 2).
161. Grossman JB, Garry EM. Mentoring: a proven
delinquency prevention strategy. Washington, DC,
United States Department of Justice, Office of Justice
Programs, 1997 (Juvenile Justice Bulletin, No. NCJ
164386).
162. Shadish WR. Do family and marital
psychotherapies change what people do? A metaanalysis
of behavior outcomes. In: Cook TD et al.,
eds. Meta-analysis for explanation: a casebook. New
York, NY, Russell Sage Foundation, 1992:129-208.
163. Hazelrigg MD, Cooper HM, Borduin CM.
Evaluating the effectiveness of family therapies: an
integrative review and analysis. Psychological
Bulletin, 1987, 101:428-442.
164. Klein NC, Alexander JF, Parsons BV. Impact of
family systems intervention on recidivism and sibling
delinquency: a model of primary prevention and
program evaluation. Journal of Consulting and
Clinical Psychology, 1977, 45:469-474.
165. Aos S et al. The comparative costs and benefits
of programs to reduce crime: a review of national
CAPÍTULO 2. VIOLÊNCIAJUVENIL· 55
research findings with implications for Washington
state. Olympia, WA, Washington State Institute for
Public Policy, 1999 (Report No. 99-05-1202).
166. Henggler SW et al. Multisystemic treatment of
antisocial behavior in children and adolescents.
New York, NY, Guilford, 1998.
167. Goldstein H. Policing of a free society. Cambridge,
MA, Ballinger, 1977.
168. Office of Juvenile Justice and Delinquency
Prevention. Bridging the child welfare and juvenile
justice systems. Washington, DC, National Institute
of Justice, 1995.
169. Marens S, Schaefer M. Community policing,
schools, and mental health. In: Elliott DS, Hamburg
BA, Williams KR, eds. Violence in American schools.
Cambridge, Cambridge University Press, 1998:312-
347.
170. Buvinic M, Morrison A, Shifter M. Violence in
Latin America and the Caribbean: a framework for
action. Washington, DC, Inter-American
Development Bank, 1999.
171. Jarquin E, Carrillo F. La económica política de la
reforma judicial [The political economy of judicial
reform]. Washington, DC, Inter-American
Development Bank, 1997.
172. Kraushaar K, Alsop B. A naturalistic alcohol
availability experiment: effects on crime.
Washington, DC, Educational Resources Information
Center, 1995 (document CG 026 940).
173. Chaiken MR. Tailoring established after-school
programs to meet urban realities. In: Elliott DS,
Hamburg BA, Williams KR, eds. Violence in American
schools. Cambridge, Cambridge University Press,
1998:348-375.
174. Chaiken MR, Huizinga D. Early prevention of
and intervention for delinquency and related problem
behavior. The Criminologist, 1995, 20:4-5.
175. Babotim F et al. Avaliação 1998 do trabalho
realizado pela Essor com os adolescentes de dois
bairros de Maputo/Moçambique. Maputo, Essor,
1999.
176. Rodgers D. Living in the shadow of death:
violence, pandillas and social disorganization in
contemporary urban Nicaragua [Dissertation].
Cambridge, University of Cambridge, 1999.
177. Finestone H. Victims of change: juvenile
delinquency in American society. Westport, CT,
Greenwood, 1976.
178. Klein MW. A structural approach to gang
intervention: the Lincoln Heights project. San Diego,
CA, Youth Studies Center, 1967.
179. Salazar A. Young assassins in the drug trade.
North American Conference on Latin America, 1994,
27:24-28.
180. Painter KA, Farrington DP. Evaluating situational
crime prevention using a young people’s survey.
British Journal of Criminology, 2001, 41:266-284.
181. Ludwig J, Duncan GJ, Hirschfield P. Urban
poverty and juvenile crime: evidence from a
randomized housing-mobility experiment. Quarterly
Journal of Economics, 2001, 16:655-680.
182. Sheley JF, Wright JD. Gun acquisition and
possession in selected juvenile samples. Washington,
DC, United States Department of Justice, 1993.
183. Cook PJ, Moore MH. Guns, gun control, and
homicide. In: Smith MD, Zahn MA eds. Studying
and preventing homicide: issues and challenges.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1999:246-273.
184. Teret SP et al. Making guns safer. Issues in
Science and Technology, 1998, Summer:37-40.
185. Loftin C et al. Effects of restrictive licensing of
handguns on homicide and suicide in the District of
Columbia. New England Journal of Medicine, 1991,
325:1615-1620.
186. Villaveces A et al. Effect of a ban on carrying
firearms on homicide rates in two Colombian cities.
Journal of the American Medical Association, 2000,
283:1205-1209.
.
56 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Abuso infantil e negligência
por parte dos pais e
outros responsáveis
CAPÍTULO 3

Antecedentes
Há muito e em muitas partes do mundo, existem
registros de abuso infantil na literatura, arte e ciência.
Relatos de infanticídio, mutilação, abandono e outras
formas de violência contra as crianças datam de
antigas civilizações (1). Os registros históricos
também estão repletos de relatórios de crianças mal
cuidadas, fracas e desnutridas, expulsas pelas
famílias para se defenderem sozinhas e de crianças
que sofreram abuso sexual.
Também há muito, existem grupos beneficentes e
outros relacionados ao bem-estar da criança, que têm
defendido a proteção à criança. Contudo, a questão
não recebeu muita atenção por parte dos profissionais
da área médica ou do público em geral até 1962, com
a publicação de um trabalho embrionário, The
battered child syndrome [A síndrome da criança
espancada], de Kempe e outros (2).
A expressão “síndrome da criança espancada”
foi cunhada para caracterizar as manifestações
clínicas de abuso físico sério em crianças (2). Agora,
quatro décadas mais tarde, há uma clara evidência de
que o abuso infantil é um problema global. Ele ocorre
de diversas maneiras e está profundamente enraizado
nas práticas culturais, econômicas e sociais. A
solução para este problema global, entretanto, requer
uma melhor compreensão de sua ocorrência nos
diversos cenários, bem como de suas causas e
conseqüências nesses cenários.
Como se define o abuso e a negligência
em relação à criança?
Questão culturais
Qualquer abordagem global ao abuso infantil,
deve levar em consideração os diferentes padrões e
expectativas em relação ao comportamento parental
em uma variedade de culturas em todo o mundo. A
cultura é o fundo comum de crenças e
comportamentos de uma sociedade e seus conceitos
de como as pessoas devem se conduzir. Incluídas
nestes conceitos estão as idéias sobre que atos de
omissão ou acometimento podem constituir abuso e
negligência (3, 4). Em outras palavras, a cultura ajuda
a definir os princípios normalmente aceitos de criação
das crianças e cuidados com as mesmas.
Diferentes culturas têm diferentes normas que são
práticas aceitáveis de comportamento parental em
relação à criação dos filhos. Alguns pesquisadores
sugerem que, nas culturas, os pontos de vista
relacionados à criação dos filhos podem divergir
tanto, que se torna extremamente difícil chegar a um
acordo em relação a que práticas são abusivas ou
negligentes (5, 6). Entretanto, as diferenças na
maneira como as culturas definem o que é abusivo
têm mais a ver com a ênfase em determinados aspectos
do comportamento parental. Parece que, entre as
diversas culturas, há um consenso geral de que o
abuso infantil não deve ser permitido e, a esse
respeito, uma unanimidade virtual de que as práticas
disciplinares muito rígidas e o abuso sexual são
motivos de preocupação (7).
Tipos de abuso
A International Society for Prevention of Child
Abuse and Neglect [Sociedade Internacional de
Prevenção ao Abuso e à Negligência em Relação à
Criança] recentemente comparou definições de abuso
de 58 países e encontrou alguns pontos em comum
em relação ao que era considerado abusivo (7). Em
1999, o Consultation on Child Abuse Prevention
[Conselho de Prevenção contra o Abuso Infantil] da
Organização Mundial de Saúde esboçou a seguinte
definição (8):
“O abuso ou maus-tratos em relação à criança
constitui todas as formas de tratamento doentio
físico e/ou emocional, abuso sexual, negligência ou
tratamento negligente, exploração comercial ou outro
tipo de exploração, resultando em danos reais ou
potenciais para a saúde, sobrevivência,
desenvolvimento ou dignidade da criança no contexto
de uma relação de responsabilidade, confiança ou
poder”.
Algumas definições enfatizam comportamentos
ou ações dos adultos enquanto outras consideram
que ocorre o abuso quando há danos ou ameaça de
danos para a criança (8-13). Se a intenção dos pais
faz parte da definição, fica potencialmente confusa a
distinção entre comportamento – independente do
resultado – e impacto ou dano. Alguns especialistas
consideram como crianças que sofreram abuso
aquelas que tenham sido inadvertidamente
machucadas por meio de ações praticadas pelos pais,
enquanto outros, para que o ato seja definido como
abusivo, exigem que o dano causado à criança tenha
sido intencional. A literatura sobre abuso infantil inclui
explicitamente a violência contra crianças em
instituições ou escolas (14-17).
A definição acima (8) cobre um amplo espectro
de abuso. Este capítulo enfoca principalmente os atos
de acometimento e omissão por parte dos pais ou
responsáveis, que resultam em danos para a criança.
Em particular, ele explora a prevalência, as causas e
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 59
as conseqüências de quatro tipos de maus-tratos por
parte dos responsáveis pelos cuidados com as
crianças, a saber:
— abuso físico,
— abuso sexual,
— abuso emocional e
— negligência.
O abuso físico de uma criança é definido como
atos de acometimento, por parte da pessoa
responsável pelos cuidados com a criança, que
causam real dano físico ou apresentam a possibilidade
de um dano. O abuso sexual é definido como atos em
que esse responsável usa a criança para obter
gratificação sexual.
O abuso emocional inclui a falha, de um
responsável pelos cuidados com a criança, em
proporcionar um ambiente apropriado e de amparo, e
inclui atos que têm um efeito adverso sobre a saúde
e o desenvolvimento emocional de uma criança.
Dentre esses, destacam-se: restrição dos movimentos
de uma criança, atos denigridores, exposição ao
ridículo, ameaças e intimidações, discriminação,
rejeição e outras formas não físicas de tratamento
hostil.
A negligência diz respeito às falhas dos pais em
proporcionar – onde os pais estão na posição de fazer
isto – o desenvolvimento da criança em uma ou mais
das seguintes áreas: saúde, educação,
desenvolvimento emocional, nutrição, abrigo e
condições de vida seguras. A negligência distinguese,
portanto, das circunstâncias de pobreza, visto
que a primeira pode ocorrer apenas em casos onde
recursos razoáveis estejam disponíveis para a família
ou o responsável.
O Quadro 3.1. apresenta uma descrição mais
detalhada sobre as manifestações destes tipos de
abuso.
A extensão do problema
Abuso fatal
As informações sobre o número de crianças que
morrem a cada ano devido a abusos, provêm
inicialmente dos atestados de óbito ou dados
relacionados à mortalidade. Segundo a Organização
Mundial de Saúde, houve uma estimativa de 57 mil
mortes atribuídas a homicídios entre crianças com
idade inferior a 15 anos em 2000. As estimativas
globais de homicídios infantis sugerem que bebês e
crianças muito jovens estão na faixa de grande risco,
com índices para o grupo de crianças de 0 a 4 anos
duas vezes maior que para o grupo de crianças de 5 a
14 anos (ver anexo Estatísticas).
Para crianças, o risco de abuso fatal varia de
acordo com o nível de renda de um país e a região do
mundo. Para crianças abaixo de cinco anos de idade
que vivem em países de renda elevada, o índice de
homicídio é 2,2 para cada 100 mil meninos e 1,8 para
cada 100 mil meninas. Em países com renda baixa a
média, os índices são duas a três vezes maiores – 6,1
para cada 100 mil meninos e 5,1 para cada 100 mil
meninas. Os índices de homicídio mais altos para
crianças abaixo de cinco anos de idade são
encontrados na região africana da OMS – 17,9 para
cada 100 mil meninos e 12,7 para cada 100 mil meninas.
Os índices mais baixos são encontrados nos países
de renda alta localizados na região européia,
Mediterrâneo oriental e Pacífico Ocidental da OMS
(ver anexo Estatísticas).
Muitas mortes infantis, entretanto, não são
investigadas rotineiramente e também não são
realizadas autópsias, o que dificulta o estabelecimento
de um número preciso de fatalidades de abuso infantil
em um determinado país. Até mesmo em países ricos,
há problemas em relação ao reconhecimento
adequado de casos de infanticídio e à medição de
sua incidência. Níveis significantes de classificação
incorreta da causa da morte conforme relatada nas
certidões de óbito têm sido encontrados, por exemplo,
em vários estados dos Estados Unidos. Em
investigações reabertas, tem sido comprovado que
mortes atribuídas a outras causas – por exemplo,
síndrome da morte infantil súbita ou acidentes – são,
na verdade, homicídios (18, 19).
Apesar da classificação incorreta aparente, e
comum, há um consenso geral de que as fatalidades
provenientes de abuso infantil são mais freqüentes
do que os números oficiais sugerem em todos os
países em que têm sido realizados estudos sobre
mortes infantis (20-22). Entre as fatalidades
atribuídas a abuso infantil, a causa mais comum de
morte é ferimento na cabeça, seguida de ferimento no
abdome (18, 23, 24). A sufocação intencional também
tem sido muito relatada como causa mortis (19, 22).
Abuso não fatal
Os dados sobre abuso infantil e negligência,
provêm de uma variedade de fontes, inclusive
estatísticas oficiais, relatórios de casos e pesquisas
baseadas na população. Estas fontes, entretanto,
diferem no tocante à sua utilidade na descrição da
extensão completa do problema.
Estatísticas oficiais, em geral, revelam pouco sobre
60 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
QUADRO 3.1
Manifestações de abuso infantil e negligência
As lesões infligidas por uma pessoa que cuida de uma criança podem assumir várias formas. As
conseqüências mais freqüentes de uma lesão na cabeça ou nos órgãos internos são danos sérios ou
morte de crianças vítimas de abuso. A causa mais comum de morte entre crianças pequenas é o traumatismo
craniano como resultado de abuso, sendo que as crianças de até dois anos de idade são as mais
vulneráveis. Devido ao fato de a força aplicada ao corpo passar pela pele, os tipos de lesão encontrados
na pele podem fornecer sinais claros de abuso. As manifestações de abuso relativas ao esqueleto
incluem fraturas múltiplas em diferentes estágios de cicatrização, fraturas de ossos que muito raramente
se quebram sob circunstâncias normais e fraturas características de costelas e ossos longos.
A criança sacudida
O ato de sacudir a criança é uma forma corrente de abuso observada em crianças muito pequenas. A
maioria das crianças sacudidas têm menos de nove meses de idade. A maior parte dos perpetradores
deste tipo de abuso são homens, embora isto possa ser mais um reflexo do fato de que os homens, sendo
normalmente mais fortes que as mulheres, tendem a aplicar uma força maior, em vez de serem mais
propensos que as mulheres a sacudirem as crianças. Hemorragias intracranianas, hemorragias retinianas
e pequenas fraturas (trincas ou fissuras) na maior parte das articulações das extremidades do corpo da
criança podem ser resultado de sacudidas muito rápidas em uma criança. Elas também podem ser resultado
de uma combinação de sacudir e bater a cabeça em uma superfície. Há evidências de que aproximadamente
um terço das crianças sacudidas fortemente morrem e que a maioria dos sobreviventes apresentam
conseqüências em longo prazo, tais como retardamento mental, paralisia cerebral ou cegueira.
A criança espancada (battered child)
Um das síndromes do abuso infantil é a da criança espancada. Este termo geralmente é empregado
para crianças que apresentam lesões repetidas e muito graves na pele, sistema esquelético e sistema
nervoso. O termo inclui crianças com fraturas múltiplas de idades diferentes, traumatismo craniano e
traumatismo visceral grave, com evidências de inflicções repetidas. Felizmente, embora os casos sejam
trágicos, este padrão é raro.
Abuso sexual
As crianças podem ser encaminhadas à atenção profissional devido a preocupações físicas ou
comportamentais que em investigações posteriores se revelam como resultado de abuso sexual. É comum
crianças que foram vítimas de abuso sexual apresentarem sintomas de infecção, lesões genitais, dores
abdominais, constipação, infecções crônicas ou recorrentes do trato urinário ou problemas
comportamentais. Ser capaz de detectar o abuso sexual infantil requer muita habilidade e familiaridade
com indicadores verbais, comportamentais e físicos de abuso. Muitas crianças revelarão o abuso para as
pessoas que cuidam delas ou outros espontaneamente, embora também possa haver sinais físicos ou
comportamentais indiretos.
Negligência
Existem muitas manifestações de negligência em relação a crianças, incluindo-se o não cumprimento
de recomendações relacionadas aos cuidados com a saúde, falha na procura dos cuidados de saúde
apropriados, privação de alimentação resultando em fome e falha em proporcionar um desenvolvimento
físico à criança. Outros motivos para preocupação incluem exposição da criança às drogas e proteção
inadequada em relação aos perigos do meio ambiente. Além disso, o abandono, a supervisão inadequada,
a higiene precária e a privação da educação, todos têm sido considerados como evidências de negligência.
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 61
os padrões de abuso infantil. Em parte isso ocorre
porque em muitos países não há nenhum sistema
legal ou social com a responsabilidade específica de
fazer registros de abuso infantil e negligência, muito
menos de prestar contas a respeito (7). Além disso,
entre os países, em relação a abuso e negligência, há
definições legais e culturais diferentes. Há ainda
evidências de que somente uma pequena parcela de
casos de maus-tratos infantis são denunciados às
autoridades, mesmo onde a denúncia é obrigatória
(25).
Séries de casos têm sido publicadas em muitos
países. Tais publicações, são importantes para
orientar a ação local sobre o abuso infantil e despertar
a consciência e a preocupação entre o público e os
profissionais (26 – 32). Muitos casos, podem revelar
semelhanças entre as experiências em diferentes
países e sugerir novas hipóteses. Entretanto, não
são particularmente úteis no tocante à avaliação da
importância relativa de riscos possíveis ou fatores
de proteção nos diferentes contextos culturais (33).
As pesquisas baseadas na população constituem
elemento essencial para a determinação da verdadeira
extensão do abuso infantil não fatal. Pesquisas
recentes deste tipo, têm sido concluídas em um
grande número de países, incluindo África do Sul,
Austrália, Brasil, Canadá, Chile, China, Costa Rica,
Egito, Estados Unidos, Etiópia, Filipinas, Índia, Itália,
México, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia,
República da Coréia, Romênia e Zimbábue (12, 14-
17, 26, 34-43).
Abuso físico
As estimativas de abuso físico infantil
provenientes de pesquisas baseadas na população
variam consideravelmente. Uma pesquisa realizada
nos Estados Unidos em 1995 perguntava aos pais
como eles disciplinavam seus filhos (12). Um índice
estimado de abuso físico de 49 em cada mil crianças
foi obtido a partir dessa pesquisa, quando os
seguintes comportamentos foram incluídos: bater na
criança com um objeto em qualquer parte do corpo
que não as nádegas, chutar a criança, surrar a criança
e ameaçar a criança com uma faca ou arma. A pesquisa
disponível sugere que, para muitos outros países, os
índices não são mais baixos e podem, na verdade, ser
superiores às estimativas de abuso físico nos Estados
Unidos. Por todo o mundo, entre outras, as seguintes
descobertas são recentes:
· Em uma pesquisa realizada com crianças no
Egito, 37% das crianças relataram que foram surradas
ou amarradas pelos pais e 26% relataram ferimentos
físicos, tais como fraturas, perda de consciência ou
incapacidade permanente como resultado de
pancadas ou de terem sido amarradas (17).
· Em um estudo recente na República da Coréia,
os pais foram questionados sobre seu
comportamento em relação aos filhos. Dois terços
dos pais relataram ter castigado seus filhos e 45%
confirmaram que tinham batido, surrado ou dado
chutes nas crianças (26).
· Uma pesquisa nos lares na Romênia revelou
que 4,6% das crianças pesquisadas eram vítimas de
abuso físico grave e freqüente, inclusive por meio de
surra com algum objeto, queimaduras ou privação de
alimentação. Cerca da metade dos pais romenos
admitiram que batiam em seus filhos “regularmente”
e 16% que batiam em seus filhos com objetos (34).
· Na Etiópia, 21% das crianças de escolas urbanas
e 64% de escolas rurais relataram contusões ou
tumefações em seus corpos, resultantes de punições
por parte dos pais (14).
Dados mais comparáveis provêm do projeto
World Studies of Abuse in the Family Environment –
WorldSAFE [Estudos Mundiais do Abuso no
Ambiente Familiar], um estudo feito em cooperação
entre diferentes países. Pesquisadores do Chile, Egito,
Índia e Filipinas têm administrado um protocolo
central, comum para amostras baseadas na população
de mães em cada país, para estabelecer taxas de
incidência comparáveis para formas de disciplina
infantil severas e mais moderadas. Os pesquisadores
mediram especificamente a freqüência dos
comportamentos parentais disciplinares, utilizando
uma Escala de Táticas de Conflito entre Pais e Filhos
(Parent-Child Conflict Tactics Scale) (9-12, 40).
Nesses estudos também foram coletados de maneira
rotineira outros dados para determinar os fatores de
risco e de proteção.
A Tabela 3.1 apresenta as conclusões de quatro
países envolvidos no estudo sobre a incidência
relativa de comportamentos disciplinares parentais
relatados pelos próprios pais. Perguntas formuladas
de modo idêntico foram utilizadas em cada país. Os
resultados são comparados àqueles obtidos em uma
pesquisa nacional conduzida nos Estados Unidos
utilizando-se o mesmo instrumento (12). Está claro
que, a punição severa por parte dos pais não se
restringe a apenas alguns lugares ou a uma única
região do mundo. No Egito, em áreas rurais da Índia e
nas Filipinas, como punição, os pais com freqüência
relataram bater em suas crianças com um objeto em
uma parte do corpo que não sejam as nádegas, pelo
62 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
menos durante os seis meses anteriores. Este
comportamento também foi relatado no Chile e nos
Estados Unidos, embora em uma taxa muito inferior.
Formas mais severas de violência, tais como, asfixiar
as crianças, queimá-las ou ameaçá-las com uma faca
ou revólver, foram relatadas com menos freqüência.
Pais de outros países confirmaram, em
depoimentos semelhantes, que a punição física severa
de crianças por parte de seus pais existe em
quantidade significativa onde quer que seja
investigado. Na Itália, com base nas Escalas de
Táticas de Conflito, a incidência de violência grave
foi de 8% (39). Tang apresentou uma taxa anual de
violência grave contra crianças, conforme relatado
pelos pais, de 461 para cada 1 mil na China (Hong
Kong SAR*) (43).
Um outro estudo, comparando os índices de
violência contra crianças com idade escolar primária,
realizado na China e na República da Coréia, também
utilizou as Escalas de Táticas de Conflito embora
direcionando as perguntas para as crianças em vez
de seus pais (41). Na China, o índice de violência
grave relatada pelas crianças foi de 22,6%, enquanto
que na República da Coréia foi de 51,3%.
Dados extraídos a partir do estudo WorldSAFE
também são esclarecedores em relação aos padrões
de formas “moderadas” de disciplina física nos
diferentes países (ver Tabela 3.1). Não há um
consenso universal em relação à disciplina moderada
como abusiva, embora alguns profissionais e pais
considerem inaceitáveis essas formas de disciplina.
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 63
Nesta área, o estudo WorldSAFE
indicou uma divergência mais ampla
entre as sociedades e culturas. Surrar
as crianças nas nádegas, foi a medida
disciplinar mais comum relatada em
todos os países, com exceção do Egito,
onde outras medidas, tais como sacudir
as crianças, beliscá-las, ou estapeá-las
no rosto ou na cabeça eram mais
utilizadas como punição. Os pais das
áreas rurais da Índia, entretanto,
relataram que bater no rosto ou na
cabeça das crianças é quase tão normal
quanto bater nas nádegas, enquanto
que em outros países esta prática
ocorre com menos freqüência.
Formas graves e mais moderadas
de disciplina, não estão limitadas ao
ambiente familiar ou doméstico. Uma
quantidade significativa de punições
severas, ocorre em escolas e outras instituições
dirigidas por professores e outras pessoas
responsáveis pelo cuidado com as crianças (ver
Quadro 3.2).
Abuso sexual
As estimativas de prevalência de abuso sexual
variam muito, dependendo das definições utilizadas
e da maneira como as informações são coletadas.
Algumas pesquisas são conduzidas com crianças,
outras com adolescentes e adultos relatando sua
infância, enquanto outros questionam os pais sobre
as experiências pelas quais seus filhos têm passado.
Estes três métodos diferentes podem produzir
resultados muito diversos. Por exemplo, a pesquisa
anteriormente mencionada das famílias romenas
revelou que 0,1% dos pais admitiu ter abusado
sexualmente de seus filhos, enquanto 9,1% das
crianças relataram ter sofrido abuso sexual (34). Esta
discrepância pode ser explicada, em parte, pelo fato
de que foi solicitado às crianças que considerassem
também o abuso sexual cometido por outras pessoas
além de seus pais.
Entre os estudos publicados sobre adultos
relatando retrospectivamente sua própria infância,
prevalecem índices de abuso sexual na infância
variando, entre homens, de 1% (44) – utilizando-se
uma definição restrita de contato sexual envolvendo
pressão ou força – a 19% (38), onde uma definição
mais abrangente foi empregada. Os índices de
prevalência da vida toda para vitimização sexual na
Quadro 3.2
Punição corporal
A punição corporal de crianças – seja batendo, socando, chutando ou surrando – é social e legalmente
aceita em vários países. Em muitos, o fato é um fenômeno relevante nas escolas e sistemas penais para
jovens infratores.
A United Nations Convention on the Rights of the Child [Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos das Crianças] exige que os Estados protejam as crianças de “todas as formas de violência física e
mental” enquanto estiverem sob os cuidados parentais e outros responsáveis, e o United Nations Committee
on the Rights of the Child [Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças] tem enfatizado que
a punição corporal é incompatível com a Convenção.
Em 1979, a Suécia foi o primeiro país a proibir todas as formas de punição corporal de crianças. Desde
então, pelo menos mais 10 Estados adotaram a medida. Os julgamentos de cortes constitucionais ou
supremas condenando a punição nas escolas e nos sistemas penais também têm auxiliado, inclusive na
África do Sul, Namíbia e Zimbábue, e, em 2000, a corte suprema de Israel declarou ilegal todo tipo de
punição corporal. A Constituição de 1994 da Etiópia assegura o direito da criança de estar livre de punições
corporais nas escolas e instituições. A punição corporal nas escolas também foi banida na Nova Zelândia,
República da Coréia, Tailândia e Uganda.
Contudo, pesquisas indicam que a punição corporal para infratores jovens permanece legal em pelo
menos 60 países e, em pelo menos 65 países, nas escolas e outras instituições. A punição corporal de
crianças é aceita legalmente nos lares em todos os países, exceto 11. Onde tal prática não tem sido confrontada
de maneira persistente por reformas legais e educação pública, os poucos estudos existentes indicam que
ela continua sendo uma prática extremamente comum.
A punição corporal é perigosa para as crianças. Em curto prazo, ela mata milhares de crianças a cada
ano, lesa e provoca incapacidade física ou mental em muitas outras. Em longo prazo, um grande número
de pesquisas têm mostrado que a punição corporal é um fator importante no desenvolvimento de
comportamentos violentos e está associada a outros problemas na infância e fases posteriores da vida.
64 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
infância entre mulheres adultas variam de 0,9% (45),
sendo utilizado o estupro como definição de abuso,
a 45% (38) com uma definição mais abrangente. As
descobertas relatadas nos estudos internacionais
conduzidos desde 1980 revelam um índice médio de
prevalência da vida toda para vitimização sexual na
infância de 20% entre as mulheres e 5 a 10% entre os
homens (46, 47).
Estas grandes variações, encontradas nas
estimativas de prevalência publicadas podem resultar
de diferenças verdadeiras no risco que predomina
nas diferentes culturas ou de diferenças na maneira
como os estudos foram conduzidos (46). Incluindose
o abuso perpetrado por colegas na definição de
abuso sexual infantil, a prevalência resultante pode
aumentar 9% (48) e incluindo-se casos em que o
contato físico não ocorre, os índices podem aumentar
cerca de 16% (49).
Abuso emocional e psicológico
Em termos gerais, tem-se dado menos atenção ao
abuso psicológico contra crianças do que ao abuso
físico e sexual. Fatores culturais parecem influenciar
muito as técnicas não físicas que os pais escolhem
para disciplinar seus filhos – algumas das quais podem
ser consideradas por pessoas com outras formações
culturais como psicologicamente prejudiciais. Definir
abuso psicológico é, portanto, muito difícil. Além
disso, as conseqüências do abuso psicológico,
embora definidas, estão sujeitas a grandes variações
dependendo do contexto e da idade da criança.
Há evidências indicando que gritar com as
crianças é uma resposta comum dos pais em muitos
países. Existem também muitas variações no que diz
respeito a xingar e insultar as crianças. Em cinco países
do estudo WorldSAFE, a taxa de incidência mais baixa
em relação a xingar as crianças nos seis meses
anteriores foi de 15% (ver Tabela 3.2). As práticas de
ameaçar as crianças de serem
abandonadas ou trancadas fora de casa,
entretanto, variavam muito entre os
países. Nas Filipinas, por exemplo, as
ameaças de abandono eram em geral
relatadas pelas mães como uma medida
disciplinar. No Chile, o índice de
utilização de tais ameaças era muito mais
baixo, cerca de 8%.
São extremamente raros, os dados
sobre até que ponto os responsáveis
pelos cuidados com as crianças empregam métodos
disciplinares não violentos e não abusivos em
diferentes culturas e partes do mundo. Os dados
limitados do projeto World SAFE, indicam que a
maioria dos pais utiliza práticas disciplinares não
violentas. Essas práticas, incluem explicar para as
crianças porque seus comportamentos são
considerados errados e pedir que parem, retirar
privilégios e utilizar outros métodos não violentos
para mudar o comportamento problema (ver Tabela
3.3). Em outros lugares, como na Costa Rica, por
exemplo, os pais admitiram utilizar punições físicas
para disciplinar as crianças, mas relataram que este
era o método disciplinar menos preferido (50).
Negligência
Muitos pesquisadores incluem a negligência ou
os danos causados pela falta de cuidados parentais
ou de outros responsáveis como parte da definição
de abuso (29, 51-53). Condições como fome e
pobreza são algumas vezes incluídas na definição de
negligência. Devido ao fato de as definições variarem
e as leis relativas a depoimentos de abuso nem sempre
exigirem necessariamente o relato obrigatório da
negligência, é difícil estimar as dimensões globais do
problema ou comparar significativamente os índices
entre os países. Poucas pesquisas, por exemplo, têm
sido realizadas acerca da maneira como as crianças e
os pais, ou outros responsáveis pelo cuidado com as
crianças, podem diferir ao definir negligência.
No Quênia, quando os adultos da comunidade
foram questionados sobre o assunto, o abandono e
a negligência foram os aspectos mais comumente
citados de abuso (51). Nesse estudo, 21,9% das
crianças relataram que tinham sido negligenciadas
pelos pais. No Canadá, um estudo nacional de casos
relatados aos serviços de bem-estar das crianças
descobriu que, entre os casos comprovados de
negligência, 19% envolviam negligência física, 12%
abandono, 11% negligência educacional e 48% danos
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 65
físicos resultantes de falha dos pais em prover uma
supervisão apropriada (54).
Quais os fatores de risco para o abuso
infantil e a negligência?
Inúmeras teorias têm sido desenvolvidas para
explicar a ocorrência de abuso dentro das famílias. O
modelo explanatório mais adotado é o modelo
ecológico, descrito no Capítulo 1. Quando aplicado
ao abuso infantil e à negligência, o modelo ecológico
considera uma série de fatores, inclusive as
características individuais da criança e de sua família,
as características da pessoa responsável pelos
cuidados com a criança ou do perpetrador do abuso,
a natureza da comunidade local, o ambiente social,
econômico e cultural (55, 56).
A pesquisa limitada a esta área indica que, em vários
países, alguns fatores são bastante consistentes ao
se compararem os riscos. É importante notar,
entretanto, que os fatores listados a seguir podem
estar apenas estatisticamente associados e não
estarem necessariamente ligados devido a uma causa
específica (6).
Fatores que aumentam a
vulnerabilidade das crianças
Diversos estudos, provenientes principalmente
de países desenvolvidos, indicaram que determinadas
características das crianças aumentam o risco de
abuso.
Idade
A vulnerabilidade ao abuso – seja físico, sexual
ou por meio de negligência – depende em parte da
idade da criança (14, 17, 57, 58). Casos fatais de
abuso físico são muito encontrados entre crianças
muito novas (18, 20, 21, 28). Em revisões de mortes
infantis ocorridas na Alemanha, em Fiji, na Finlândia
e no Senegal, por exemplo, a maioria das vítimas tinha
menos de dois anos de idade (20, 24, 28, 59).
As crianças jovens também correm o risco de
serem vítimas de abuso físico não fatal, embora as
idades máximas para esse tipo de abuso variem de
país para país. Por exemplo, os índices de abuso físico
não fatal atingem níveis máximos para crianças entre
3 e 6 de idade na China, 6 e 12 anos nos Estados
Unidos (11, 40, 43), e 6 e 11 anos na Índia. Os índices
de abuso sexual, por outro lado, tendem a se elevar
após o início da puberdade, com as taxas mais altas
ocorrendo durante a adolescência (15, 47, 60).
Entretanto, o abuso sexual, também pode ser
direcionado a jovens crianças.
Sexo
Na maioria dos países, as meninas correm mais
riscos que os meninos em relação a infanticídio, abuso
sexual, negligência educacional e nutricional e
prostituição forçada (ver também o Capítulo 6). As
descobertas de vários estudos internacionais revelam
que, entre as meninas, os índices de abuso sexual
são de 1,5 a 3 vezes superiores aos de meninos (46).
Em termos mundiais, mais de 130 milhões de crianças
entre as idades de 6 e 11 anos não estão na escola,
60% das quais são meninas (61). Em alguns países,
as meninas são proibidas até mesmo de receber
educação escolar ou são mantidas em casa para
ajudar a cuidar de seus irmãos ou auxiliar
economicamente a família por meio do trabalho.
Em muitos países, as crianças do sexo masculino
parecem correr mais risco de receberem punições
físicas severas (6, 12, 16, 40, 62). Embora as meninas
estejam sob elevado risco de infanticídio em muitos
lugares, não está claro porque os meninos estão
sujeitos a punições físicas mais severas. É provável
que isso ocorra devido ao fato de tal tipo de punição
ser visto como uma preparação para os papéis e as
responsabilidades do adulto, ou ainda pelo fato de
se considerar que os meninos precisam de mais
disciplina física. Sem dúvida alguma, as grandes
defasagens culturais entre as diferentes sociedades
66 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
no que diz respeito ao papel das
mulheres e aos valores atribuídos às
crianças do sexo masculino e feminino
podem ser responsáveis por muitas
dessas diferenças.
Características especiais
As pesquisas têm revelado que
crianças prematuras, gêmeas e
portadoras de deficiências físicas correm mais risco
de serem vítimas de abuso físico e negligência (6, 53,
57, 63). Há descobertas conflitantes provenientes
de estudos sobre a importância do retardamento
mental como um fator de risco. Acredita-se que o
baixo peso ao nascer, a prematuridade, as doenças
ou as deficiências físicas ou mentais no bebê ou na
criança interferem na ligação e no vínculo, e podem
tornar a criança mais vulnerável ao abuso (6).
Entretanto, essas características não parecem ser os
fatores de maior risco para o abuso quando outros
fatores são considerados, tais como variáveis
relacionadas aos pais e à sociedade (6).
Características da família e do
responsável pelos cuidados com a
criança
Pesquisas têm associado ao abuso infantil e à
negligência determinadas características da pessoa
responsável pela criança, bem como características
do ambiente familiar. Enquanto alguns fatores,
inclusive características demográficas, estão
relacionados a variações no risco, outros estão
relacionados às características psicológicas e
comportamentais da pessoa que cuida da criança ou
a aspectos do ambiente familiar que podem
comprometer a paternidade/maternidade e levar aos
maus-tratos em relação à criança.
Sexo
O fato de as vítimas de abuso pertencerem mais
ao sexo feminino ou masculino, depende, em parte
do tipo de abuso. Pesquisas conduzidas na Chile,
China, Estados Unidos, Finlândia e Índia revelam que
as mulheres declaram utilizar mais disciplina do que
os homens (12, 40, 43, 64, 65). No Quênia, os
depoimentos de crianças também mostram que há
mais violência por parte das mães do que dos pais
(51). Entretanto, os homens são os perpetradores
mais comuns de lesões na cabeça que ameaçam a
vida, fraturas abusivas e outros ferimentos fatais (66-
68).
Em muitos países, os perpetradores de abuso
sexual contra crianças, nos casos em que as vítimas
são tanto do sexo feminino quanto do masculino,
são predominantemente homens (46, 69, 70). Os
estudos têm mostrado de forma consistente que, no
caso de vítimas de abuso sexual do sexo feminino,
acima de 90% dos perpetradores são homens, e no
caso de vítimas do sexo masculino, entre 63% e 86%
dos perpetradores são homens (46, 71, 72).
Estrutura e recursos da família
Há maior probabilidade de pais/mães que cometem
abusos físicos serem jovens, solteiros, pobres,
desempregados e terem um nível de educação inferior
ao de seus parceiros que não cometem abuso. Tanto
nos países desenvolvidos quanto nos
industrializados, as mães solteiras pobres e jovens
estão entre aquelas com mais risco de utilizar a
violência contra seus filhos (6, 12, 65, 73).
Nos Estados Unidos, por exemplo, a
probabilidade de mães solteiras relatarem que utilizam
disciplina física severa é três vezes maior do que de
mães pertencentes a famílias que têm ambos os pais
(12). Descobertas semelhantes foram relatadas na
Argentina (73).
Estudos realizados em Bangladesh, Colômbia,
Itália, Quênia, Reino Unido, Suécia e Tailândia
revelaram ainda que o baixo nível educacional e a
falta de renda para atender às necessidades família
aumentam o potencial de violência física em relação
às crianças (39, 52, 62, 67, 74–76), embora em alguns
lugares tenham sido observadas exceções a este
padrão (14). Em um estudo com famílias Palestinas, a
falta de dinheiro para atender às necessidades das
crianças foi uma das principais razões apresentadas
pelos pais para abusarem psicologicamente de seus
filhos (77).
Tamanho da família e composição do lar
O tamanho da família, também pode aumentar as
chances de abuso. Um estudo realizado com pais do
Chile, por exemplo, revelou que famílias com quatro
ou mais crianças estavam três vezes mais sujeitas à
violencia dos pais em relação aos filhos do que
famílias com menos filhos (78). Entretanto, nem
sempre é apenas o tamanho da família que importa.
Dados extraídos de diversos países indicam que em
lares superlotados os riscos de abuso infantil
aumentam (17, 41, 52, 57, 74, 79). Ambientes
familiares instáveis, em que a composição do lar muda
com freqüência, quando membros da família e outras
pessoas entram e saem, são uma característica
particularmente observada em casos de negligência
crônica (6, 57).
Característica da personalidade e do
comportamento
Em muitos estudos, diversas características de
personalidade e comportamento têm sido associadas
a abuso infantil e negligência. Os pais mais sujeitos a
praticarem abuso físico contra seus filhos tendem a
ter baixa auto-estima, controle deficiente de seus
impulsos, problemas de saúde mental e apresentar
comportamentos anti-sociais. (6, 67, 75, 76, 79). Pais
negligentes apresentam muitos destes problemas e
também podem ter dificuldades de planejar
acontecimentos importantes da vida, tais como
casamento, ter filhos ou procurar emprego.
Muitas dessas características comprometem a
paternidade/maternidade e estão associadas a
rompimento de relações sociais, falta de habilidade
para lidar com o estresse e dificuldade para alcançar
sistemas de apoio social (6).
Os pais que praticam o abuso também podem ser
despreparados e possuir expectativas não realistas
em relação ao desenvolvimento de seus filhos (6, 57,
67, 80). As pesquisas revelaram que pais que praticam
o abuso mostram irritação e perturbação maiores em
resposta aos estados de humor e comportamentos
de seus filhos, são menos dedicados, afetuosos,
brincalhões e compreensivos em relação a seus filhos,
e são mais controladores e hostis (6, 39).
Histórico anterior de abuso
Os estudos mostraram que pais que foram
maltratados quando crianças apresentam mais risco
de abusarem de seus próprios filhos (6, 58, 67, 81,
82). Todavia, a relação aqui é complexa (81-83) e
algumas investigações indicaram que a maioria dos
pais que praticam abusos não foi, na verdade, vítima
de abuso. Enquanto os dados empíricos indicam que
de fato há uma relação, a importância atribuída a este
fator de risco tem sido exagerada. Mais prognósticos
podem ser outros fatores associados ao abuso
infantil, tais como pouca idade dos pais, estresse,
isolamento, superpopulação dos lares, abuso de
substâncias [tóxicas] e pobreza.
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 67
Violência no lar
Uma atenção cada vez maior está sendo dada para
a violência perpetrada por parceiros íntimos e sua
relação com o abuso infantil. Dados obtidos a partir
de estudos realizados em países tanto geográfica
quanto culturalmente distintos, como África do Sul,
China, Colômbia, Egito, Estados Unidos, Filipinas,
Índia e México, têm todos revelado uma forte relação
entre estas duas formas de violência (6, 15, 17, 7, 40,
43, 67). Em um estudo recente realizado na Índia, a
ocorrência de violência doméstica nos lares era duas
vezes maior que o risco de abuso infantil (40). Entre
as vítimas conhecidas de abuso infantil, 40% ou mais
também relataram violência doméstica no lar (84). Na
verdade, a relação pode ser ainda maior, visto que
muitas agências encarregadas de proteger as crianças
não coletam rotineiramente os dados em relação a
outras formas de violência nas famílias.
Outras características
O estresse e o isolamento social dos pais também
foram associados ao abuso infantil e à negligência
(6, 39, 57, 73, 85). Acredita-se que o estresse
resultante das mudanças de emprego, perda de renda,
problemas de saúde ou outros aspectos do ambiente
familiar podem aumentar o nível de conflito em casa e
a habilidade dos membros em lidar com estes conflitos
ou encontrar apoio. Aqueles com mais condições de
encontrar apoio social estão menos sujeitos a
praticarem o abuso infantil, mesmo quando outros
fatores de risco conhecidos estão presentes. Em um
estudo de controle de casos desenvolvido em
Buenos Aires, Argentina, por exemplo, as crianças
que viviam com famílias constituídas por pais
solteiros corriam um risco significativamente superior
de abuso do que aquelas cujas famílias eram
constituídas por ambos os pais. O risco de abuso era
menor, entretanto, entre aqueles que estavam mais
capacitados para obter acesso a algum tipo de apoio
social (73).
Em muitos estudos, o abuso infantil também foi
associado ao abuso de substâncias (6, 37, 40, 67,
76), contudo mais pesquisas são necessárias para
destrinçar os efeitos independentes do abuso de
substâncias das questões relacionadas à pobreza,
superpopulação, distúrbios mentais e problemas de
saúde associados a esse comportamento.
Fatores comunitários
Pobreza
Estudos provenientes de diversos países têm
demonstrado uma forte associação entre a pobreza e
os maus-tratos em relação à criança (6, 37, 40, 62,
86-88). Os índices de abuso são superiores nas
comunidades com elevados níveis de desemprego e
concentração de pobreza (89-91). Essas
comunidades também se caracterizam pelos elevados
níveis de rotatividade da população e superpopulação
dos lares. A pesquisa mostra que a pobreza crônica
afeta as crianças de maneira distinta através de seu
impacto no comportamento parental e na
disponibilidade de recursos da comunidade (92). As
comunidades com elevados índices de pobreza
tendem a apresentar infra-estruturas físicas e sociais
deterioradas e menos recursos e atrativos do que os
encontrados em comunidades mais ricas.
Capital social
capital social representa o grau de coesão e
solidariedade que existe nas comunidades (85). As
crianças que vivem em áreas com menos “capital
social” ou investimento social na comunidade na
comunidade parecem correr mais riscos de abuso e
ter mais problemas psicológicos e comportamentais
(85). Por outro lado, as redes sociais e conexões com
a vizinhança têm se mostrado protetoras em relação
às crianças (4, 58, 93). Isto é verdade, até mesmo
para crianças sujeitas a muitos fatores de risco, tais
como pobreza, violência, abuso de substâncias e pais
com baixo nível de educação, que parecem estar
protegidas pelos elevados índices de capital social
(85).
Fatores sociais
Um grande número de fatores de nível social são
considerados importantes no que diz respeito a
influências para o bem-estar das crianças e famílias.
Estes fatores – até esta data não examinados na maioria
dos países como fatores de risco para o abuso infantil
– incluem:
· O papel dos valores culturais e das forças
econômicas com que as famílias se deparam na
formação de opções, e a elaboração de respostas
dessas famílias para tais forças.
· Desigualdades relacionadas a sexo e renda –
fatores presentes em outros tipos de violência e
provavelmente relacionados a maus-tratos em
68 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
relação às crianças.
· Normas culturais que circundam os papéis do
casal, as relações entre pais e filhos e a
privacidade da família.
· Políticas infantis e familiares, como as
relacionadas à licença maternidade/paternidade,
emprego materno e acordos para o cuidado dos
filhos.
· A natureza e extensão dos cuidados preventivos
da saúde para bebês e crianças, como uma ajuda
na identificação de casos de abuso contra
crianças.
· O fortalecimento do sistema de bem-estar social,
ou seja, as fontes de apoio que proporcionam
uma rede de segurança para as crianças e famílias.
· A natureza e extensão da proteção social e
receptividade do sistema de justiça criminal.
· Conflitos sociais mais graves e guerras.
Muitos destes fatores culturais e sociais mais
abrangentes podem afetar a capacidade parental em
relação aos cuidados com os filhos – aumentando ou
reduzindo o estresse associado à vida familiar e
influenciando os recursos disponíveis para as
famílias.
As conseqüências do abuso infantil
Carga para a saúde
A debilitação da saúde causada por abuso infantil
constitui uma parcela significativa da carga global de
doenças. Embora algumas das conseqüências para a
saúde tenham sido pesquisadas (21, 35, 72, 94-96),
apenas recentemente outras têm recebido atenção,
incluindo-se distúrbios psiquiátricos e
comportamento suicida (53, 97, 98). É importante
ressaltar que atualmente existem evidências de que a
maior parte das doenças encontradas nos adultos –
inclusive cardiopatia isquêmica, câncer, doença
pulmonar crônica, síndrome do intestino irritável e
fibromialgia – estão relacionadas a experiências de
abuso durante a infância (99-101). O mecanismo
aparente para explicar estes resultados é a adoção de
fatores de risco comportamentais como o ato de fumar,
o abuso de álcool, dieta alimentar deficiente e falta de
exercícios. As pesquisas também destacaram
importantes conseqüências agudas diretas e em longo
prazo (21, 23, 99-103) (ver Tabela 3.4).
Da mesma forma, há muitos estudos que
demonstram os danos psicológicos em curto e longo
prazo (35, 45, 53, 94, 97). Algumas crianças
apresentam alguns sintomas que não atingem os
níveis clínicos de preocupação ou, ainda, estão em
níveis clínicos, mas não tão elevados quanto os
observados em crianças que geralmente são
encontradas em consultórios clínicos. Outros
sobreviventes apresentam graves sintomas
psiquiátricos, como depressão, ansiedade, abuso de
substâncias, agressão, sentimento de vergonha ou
enfraquecimento cognitivo. Por fim, algumas crianças
preenchem todos os critérios para doença psiquiátricas
que incluem distúrbios de estresse pós-traumático,
forte depressão, distúrbios de ansiedade e distúrbios
de sono (53, 97, 98). Um estudo de coorte longitudinal
recente realizado em Christchurch, Nova Zelândia, por
exemplo, revelou significativas associações entre o
abuso sexual durante a infância e subseqüentes
problemas de saúde mental, tais como depressão,
distúrbios de ansiedade e pensamentos e
comportamentos suicidas (97).
As manifestações físicas, comportamentais e
emocionais do abuso variam entre as crianças,
dependendo do seu estágio de desenvolvimento
quando o abuso ocorre, da gravidade do abuso, da
relação entre o perpetrador e a criança, da duração
desse abuso, e de outros fatores presentes no ambiente
da criança (6, 23, 72, 95-101).
Carga financeira
Em curto e em longo prazos, os custos financeiros
associados aos cuidados com as vítimas constituem
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 69
uma parcela significativa do carga geral resultante
do abuso infantil e da negligência. Incluídos nesses
cálculos estão os custos diretos associados ao
tratamento, visitas ao hospital e ao médico e outros
serviços de saúde. Uma série de custos indiretos está
relacionada à perda de produtividade, invalidez,
redução da qualidade de vida e morte prematura. Há
ainda os custos de manutenção em relação ao sistema
de justiça criminal e outras instituições, incluindose:
— gastos relacionados à prisão dos ofensores e
conseqüentes processos;
— custos, para as organizações de saúde, com
relatórios de investigação dos maus-tratos e com a
proteção às crianças contra os abusos;
— custos associados ao fomento assistencial
[adoções, entre outros];
— custos do sistema educacional;
— custos para o setor de empregos provenientes
de absenteísmo e baixa produtividade.
Os dados disponíveis de alguns países
desenvolvidos ilustram o ônus financeiro potencial.
Em 1996, o custo financeiro associado ao abuso
infantil e à negligência nos Estados Unidos foi
estimado em cerca de 12,4 bilhões de dólares (8).
Estes números incluem as estimativas para perdas de
rendimentos futuros, custos educacionais e serviços
de saúde mental para adultos. No Reino Unido, um
custo estimado anual de aproximadamente 1,2 bilhão
de dólares vem sendo citado somente para serviços
para o bem-estar imediato e serviços legais (104).
Em curto e longo prazo, os custos com intervenções
preventivas provavelmente excedem em muito os
custos totais com abuso infantil e negligência no
tocante aos indivíduos, às famílias e à sociedade.
O que pode ser feito para se evitar o abuso
infantil e a negligência?
Embora quase que universalmente se proclame
que a prevenção do abuso infantil é uma importante
política social, surpreendentemente pouco se tem
feito para investigar a eficácia de intervenções
preventivas. Um trabalho cuidadoso, tem sido
desenvolvido em algumas intervenções, como a visita
aos lares (105-107), mas muitas outras intervenções
neste campo carecem de uma avaliação apropriada
(108).
A maioria dos programas se voltam para as vítimas
ou para os perpetradores de abuso infantil e
negligência. Muito poucos enfatizam em primeiro
70 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
plano as abordagens básicas de intervenção
objetivando a prevenção do abuso infantil e da
negligência. A seguir apresentamos as respostas mais
comuns.
Abordagens de apoio às famílias
Treinamento parental
Têm sido desenvolvidas várias intervenções para
melhorar as práticas atribuídas à paternidade e
maternidade e proporcionar apoio às famílias.
Programas desse, tipo geralmente educam os pais
sobre o desenvolvimento da criança, ajudando-os a
aperfeiçoar suas habilidades para lidar com o
comportamento das crianças. Enquanto a maioria dos
programas são voltados para famílias de alto risco ou
aquelas famílias em que já ocorreu abuso,
compreende-se cada vez mais que pode ser benéfico
proporcionar educação e treinamento nesta área para
todos os pais ou futuros pais. Em Cingapura, por
exemplo, a educação e o treinamento parental começa
no ensino médio, com aulas de “preparação para a
paternidade/maternidade”. Os alunos aprendem sobre
os cuidados com as crianças e como elas se
desenvolvem; e ganham experiência direta
trabalhando com crianças em pré-escolas e centros
de atendimento a crianças (8).
Para as famílias em que o abuso infantil já ocorreu,
o objetivo principal é evitar abusos futuros, bem
como outras conseqüências negativas para a criança,
tais como problemas emocionais ou atraso no
desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que as
avaliações de programas de educação e treinamento
parental têm mostrado resultados promissores em
relação à redução da violência juvenil, alguns estudos
examinam especificamente o impacto de tais
programas em relação aos índices de abuso infantil e
negligência. Por outro lado, em muitas intervenções,
para medir sua eficácia, têm sido utilizados os
resultados imediatos, como competência e habilidade
dos pais, conflitos entre pais e filhos e saúde mental
dos pais.
Como exemplo, Wolfe e outros avaliaram uma
intervenção comportamental, especificamente
projetada para famílias consideradas de risco, para
fornecer treinamento parental (109). Os pares mãefilho
foram atribuídos aleatoriamente para a
intervenção ou para um grupo de comparação. As
mães que receberam o treinamento parental relataram
menos problemas comportamentais com seus filhos
e poucos problemas de adaptação associados aos
maus-tratos em potencial comparadas às mães do
grupo de comparação. Além disso, a avaliação de
acompanhamento, realizada pelos assistentes sociais,
mostrou que houve risco mais baixo de maus-tratos
por parte das mães que receberam o treinamento
parental.
Visita aos lares e outros programas de
apoio a família
Os programas de visitação às famílias trazem os
recursos da comunidade para as famílias em seus
próprios lares. Este tipo de intervenção, tem sido
identificado como um dos mais promissores para a
prevenção de uma série de resultados negativos ,
inclusive a violência juvenil (ver o Capítulo 2) e o abuso
infantil (105-107). Durante a visita aos lares, são
oferecidas informações, apoio e outros serviços para
melhorar o funcionamento da família. Diversos
modelos diferentes de visita aos lares têm sido
desenvolvidos e estudados. Em alguns, as visitas
são voltadas para todas as famílias, independente do
status de risco em que se enquadrem, enquanto
outras se direcionam para famílias com risco de
violência, como famílias com pais pela primeira vez
ou pais solteiros e adolescentes que vivem em
comunidades com elevados índices de pobreza.
Em uma pesquisa realizada em mais de 1.900
programas de visita a lares, Wasik & Roberts (110)
identificaram 224 que basicamente forneceram
serviços para crianças vítimas de abuso e negligência.
Entre esses, o aprimoramento das habilidades e o
aumento do nível de tolerância parental foram
considerados os serviços mais importantes, seguidos
pelo apoio emocional. As famílias, em geral, eram
visitadas semanalmente ou a cada duas semanas,
sendo que os serviços foram fornecidos por um
período de 6 meses a 2 anos.
Um exemplo de programa desse tipo é o programa
desenvolvido pelo Parent Centre [Centro Parental],
em Cape Town, África do Sul. Visitadores de lares
são recrutados da comunidade, treinados pelo centro
e supervisionados por assistentes sociais
profissionais. As famílias são visitadas mensalmente
durante o período pré-natal, semanalmente nos dois
primeiros meses após o nascimento, depois a cada
duas semanas até a criança completar dois meses de
idade e, então, mensalmente até que o bebê complete
seis meses. Neste ponto, as visitas podem continuar
ou terminar dependendo da avaliação do supervisor.
As famílias podem recorrer a outros órgãos para obter
serviços onde estes sejam apropriados.
Um dos poucos estudos sobre os efeitos em longo
prazo, das visitas aos lares, em relação ao abuso
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 71
infantil e à negligência foi realizado por Olds e outros
autores. (106). Eles concluíram que, por todo um
período de 15 anos após o nascimento do primeiro
filho, as mulheres que foram visitadas pelas
enfermeiras durante a gravidez e durante a infância
de seus filhos estavam menos sujeitas a serem
identificadas como perpetradoras de abuso infantil
do que as mulheres que não foram visitadas.
Serviços intensivos de preservação da
família
Este tipo de serviço é elaborado para manter a
família junta e evitar que as crianças sejam
encaminhadas a cuidados substitutos. Voltada para
famílias em que tenham sido confirmados os maustratos
às crianças, a intervenção dura pouco (algumas
semanas ou meses) e é intensa, em geral 10 a 30 horas
por semana dedicadas a uma família em particular,
seja na casa ou em qualquer outro lugar familiar à
criança. Em geral, são oferecidos diversos serviços,
de acordo com as necessidades da família, inclusive
várias formas de terapia e serviços mais práticos, como
subsídios temporários para aluguel.
Um exemplo deste tipo de programa nos Estados
Unidos é o Homebuilders [Construtores de Lares],
um programa domiciliar intensivo de intervenção em
crises familiares e educação para superá-las (111).
As famílias que têm uma ou mais crianças em perigo
eminente de serem colocadas sob custódia são
encaminhadas para este programa pelos assistentes
estaduais. Por um período de quatro meses, as famílias
recebem serviços intensivos de terapeutas que ficam
de plantão 24 horas por dia. A ampla extensão dos
serviços oferecidos inclui auxílio em relação às
necessidades básicas, tais como alimentação e abrigo
e em relação à aquisição de novas habilidades.
As avaliações deste tipo de intervenção têm sido
limitadas e suas descobertas de certa forma não são
conclusivas, principalmente devido ao fato de os
programas oferecerem uma grande variedade de
serviços e relativamente poucos estudos terem
incluído um grupo de controle. Há algumas evidências
sugerindo que programas para preservar a unidade
familiar podem ajudar a evitar que as crianças sejam
colocadas sob custódia, pelo menos em curto prazo.
Entretanto, há pouco para se afirmar que a principal
disfunção familiar subjacente à raiz do problema
possa ser resolvida com serviços desse tipo,
intensivos e de pouca duração. Uma metanálise dos
vários e diferentes programas intensivos de
preservação da família revelou que aqueles que
apresentaram elevados índices de envolvimento dos
participantes, utilizando uma abordagem que
fundamentou as bases da família e envolveu um
elemento de apoio social, produziram resultados
melhores do que os programas sem tais componentes
(112).
Abordagens de serviços de saúde
Avaliação minuciosa por parte da área
da saúde
Os profissionais da área da saúde desempenham
um papel importantíssimo na identificação, tratamento
e encaminhamento de casos de abuso e negligência
e na denúncia de casos suspeitos de maus-tratos
para as autoridades apropriadas. É fundamental que,
os casos de maus-tratos às crianças sejam detectados
logo no início, para que assim seja possível minimizar
as conseqüências para a criança e iniciar o mais
rápido possível os serviços necessários.
Tradicionalmente, a avaliação minuciosa é a
identificação de um problema de saúde antes que
apareçam os sinais e sintomas. No caso de abuso
infantil e de negligência, tal avaliação poderia expor
os problemas, uma vez que seria necessário confiar
nas informações obtidas diretamente do perpetrador
ou dos observadores. Por essa razão, relativamente
poucas abordagens de avaliação minuciosa têm sido
descritas, e, para a maior parte delas, a ênfase tem se
voltado para a melhora do reconhecimento antecipado
por meio de provedores de assistência à saúde,
ligados a abuso infantil e negligência, principalmente
através de níveis mais elevados de treinamento e
educação.
Treinamento de profissionais da área de
assistência à saúde
Estudos realizados em vários países têm
destacado a necessidade de educação continuada,
para profissionais da área de assistência à saúde,
relacionada ao reconhecimento e relato de sinais e
sintomas antecipados de abuso infantil e negligência
(113-115). Conseqüentemente, um grande número
de organizações ligadas à área de assistência à saúde
tem desenvolvido programas de treinamento, de
maneira a melhorar tanto o reconhecimento quanto o
relato de abuso e negligência, e também o
conhecimento, entre os trabalhadores da saúde,
acerca dos serviços comunitários disponíveis. Nos
Estados Unidos, por exemplo, a American Medical
72 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Association [Associação Médica Americana] e a
American Academy of Pediatrics [Academia Americana
de Pediatria] produziram diretrizes de diagnóstico e
tratamento para maus-tratos às crianças (116) e para
abuso sexual (117). No estado de Nova York, os
profissionais da área da saúde são obrigados a fazer
um curso de duas horas sobre identificação e relato de
abuso infantil e negligência como pré-requisito para
obterem suas licenças (118). Em vários países europeus
e outros lugares também têm ocorrido movimentos para
aumentar este tipo de treinamento para os profissionais
da saúde (7, 119-121).
A detecção do abuso infantil e da negligência,
entretanto, nem sempre é direta (122-124). Em geral,
são necessárias técnicas apropriadas de entrevista e
tipos específicos de exames físicos. Os profissionais
da área médica devem estar alerta para a presença de
riscos familiares ou de outros fatores de risco que
podem sugerir o abuso infantil.
Para manter um processo de educação contínuo e
dinâmico, alguns pesquisadores sugerem um currículo
multidisciplinar estruturado para os profissionais da
saúde, de acordo com seu nível particular de
envolvimento com casos de abuso infantil (125). Com
base em tal proposta, cursos separados mas integrados
de treinamento seriam desenvolvidos para os
estudantes de medicina e médicos em treinamento, e
para aqueles com um interesse específico em abuso
infantil.
As avaliações dos programas de treinamento têm
se voltado, principalmente, para o conhecimento dos
profissionais da área de assistência à saúde relativo a
abuso e comportamento infantil. O impacto dos
programas de treinamento sob outros resultados, como
a melhora em relação aos cuidados e encaminhamento
das crianças, é desconhecido.
Abordagens terapeuticas
As respostas ao abuso infantil e à negligência
dependem de muitos fatores, inclusive a idade, o nível
de desenvolvimento da criança e a presença de fatores
de estresse do ambiente. Por esta razão, uma ampla
variedade de serviços terapêuticos foram elaborados
para serem utilizados com os indivíduos. Os programas
terapêuticos têm sido estabelecidos em todo o mundo,
inclusive Argentina, China (Hong Kong SAR),
Eslováquia, Federação Russa, Grécia, Panamá e
Senegal (7).
Serviços para as vítimas
Uma revisão dos programas de tratamento para
crianças vítimas de abuso físico revelou que a
abordagem mais popular foi o cuidado
terapêuticodiário, com ênfase no aperfeiçoamento das
habilidades cognitivas e de desenvolvimento (126).
O cuidado terapêutico diário tem sido defendido para
uma série de condições relacionadas a abuso, tais
como problemas emocionais, comportamentais ou
problemas relacionados à afetividade e a atrasos
cognitivos ou no desenvolvimento. A abordagem
incorpora métodos específicos de terapia e de
tratamento no decorrer das atividades diárias da
criança, desenvolvidos em uma instituição para
cuidados com as crianças. A maioria dos programas
deste tipo incluem ainda terapia e educação parental.
Um exemplo de método de tratamento específico
para crianças socialmente retraídas e vítimas de abuso
foi descrito por Fantuzzo e outros autores (127).
Crianças maltratadas na fase pré-escolar que eram
bastante retraídas socialmente foram colocadas em
grupos de diversão junto com crianças com níveis
superiores de entrosamento social. As crianças com
melhor entrosamento social foram orientadas para
agirem como modelos para as crianças retraídas e
encorajá-las a participarem das sessões de
brincadeiras. Suas tarefas incluíam fazer propostas
verbais e físicas apropriadas para as crianças
retraídas, por exemplo, oferecer um brinquedo.
Observaram-se melhoras no comportamento social
das crianças retraídas, embora não tenham sido
avaliados os efeitos em longo prazo desta estratégia.
A maior parte dos demais programas de tratamento
descritos na revisão mencionada acima também
tiveram pouca ou nenhuma avaliação (126).
Assim como ocorre com o abuso físico, as
manifestações de abuso sexual podem variar muito,
dependendo de uma série de fatores, tais como
características individuais da vítima, relação do
perpetrador com a vítima e circunstâncias em que
ocorreu o abuso. Por conseguinte, diversas
abordagens de intervenção e métodos de tratamento
têm sido adotados para tratar crianças vítimas de
abuso sexual, inclusive a terapia individual, em grupo
e em família (128-131). Embora a pesquisa limitada
sugira que a saúde mental das vítimas melhora como
um resultado de tais intervenções, a informação em
relação a outros benefícios é consideravelmente
menor.
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 73
Serviços para crianças que
testemunham a violência
Uma das aquisições mais recentes para a coleção
de estratégias de intervenção são os serviços para
crianças que testemunham violência doméstica (132-
134). Pesquisas têm mostrado que esse tipo de
exposição pode acarretar inúmeras conseqüências
negativas. Por exemplo, as crianças que testemunham
a violência estão mais sujeitas a reproduzir, quando
adultas, relações disfuncionais dentro de suas
próprias famílias.
Assim como ocorre com os casos de agressão
física direta ou sexual, as crianças que testemunham
a violência podem apresentar uma série de sintomas,
inclusive problemas comportamentais, emocionais ou
sociais, e atrasos no desenvolvimento cognitivo ou
físico, embora algumas possam não desenvolver
nenhum tipo de problema. Dada esta variabilidade,
diferentes estratégias de intervenção e métodos de
tratamento têm sido desenvolvidos, considerandose
a idade de desenvolvimento da criança. Até o
momento, evidências em relação à eficácia destes
programas são limitadas e, em geral, contraditórias.
Por exemplo, resultados diferentes foram produzidas
por duas avaliações do mesmo programa – com
duração de 10 semanas – de aconselhamento em
grupo. Em uma, as crianças do grupo de intervenção
foram capazes de descrever mais habilidades e
estratégias para evitar se envolverem em conflitos
violentos entre seus pais e procurar apoio do que as
crianças pertencentes ao grupo de comparação,
enquanto que, na outra, não foram observadas
diferenças entre os grupos de tratamento e de
comparação (135, 136).
Serviços para adultos que foram vítimas
de abuso quando crianças
Vários estudos revelaram uma ligação entre um
histórico de abuso infantil e uma série de condições,
inclusive abuso de substâncias, problemas de saúde
mental e dependência alcoólica (96-99, 137). Além
disso, as vítimas de abuso infantil podem não ser
identificadas como tal até muitos anos mais tarde e
podem não apresentar os sintomas até muito tempo
depois de ter ocorrido o abuso. Por tais razões, houve
um aumento crescente nos serviços voltados para
adultos que foram vítimas de abuso quando crianças,
e particularmente em relação a serviços de saúde
mental. Infelizmente, poucas avaliações foram
publicadassobre o impacto das intervenções para
adultos que foram vítimas de abuso na infância. A
maioria dos estudos realizados tem se voltado
principalmente para as meninas que foram vítimas de
abuso por parte de seus pais (138).
Recursos legais e relacionados
Denúncias obrigatórias e voluntárias
A denúncia por parte dos profissionais da saúde
de suspeitas de abuso infantil e negligência é
obrigatória por lei em vários países, inclusive
Argentina, Espanha, Estados Unidos, Finlândia,
Israel, Quirguistão, República da Coréia, Ruanda e
Sri Lanka. Mesmo assim, relativamente poucos países
possuem leis obrigatórias de denúncia de abuso
infantil e negligência. Uma pesquisa mundial recente
revelou que, dos 58 países que responderam à
pesquisa, 33 possuíam leis apropriadas obrigatórias
de denúncia e 20 possuíam leis de denúncia voluntária
(7). A argumentação por detrás da adoção de leis de
denúncia obrigatória foi que a detecção precoce do
abuso ajudaria a impedir a ocorrência de lesões
graves, aumentar a segurança das vítimas eximindoas
da necessidade de fazerem as denúncias e fomentar
a coordenação entre respostas legais e respostas
provenientes dos serviços de saúde.
No Brasil, a denúncia é obrigatória e deve ser
feita para um “Conselho de Guardiões” composto de
cinco membros (8). Os membros do conselho, eleitos
por um período de dois anos, têm a obrigação de
proteger as vítimas de abuso infantil e negligência
utilizando-se de todos os meios sociais, inclusive
cuidados de adoção provisória e hospitalização. Não
são da competência do Conselho os aspectos legais
do abuso infantil e da negligência, tais como
processos contra os perpetradores e revogação dos
direitos parentais.
As leis obrigatórias são úteis principalmente para
a coleta de dados, mas não se sabe o quão eficazes
são para a prevenção de casos de abuso e
negligência. As críticas a essa abordagem têm
suscitado várias dúvidas e preocupações, entre elas
se as instituições sociais com poucos recursos
financeiros estão em posição para beneficiar a criança
e sua família ou se, ao contrário, podem causar mais
danos do que benefícios levantando falsas
esperanças (139).
Existem vários tipos de sistemas de denúncia
voluntária em todo o mundo, como por exemplo,
Barbados, Camarões, Croácia, Japão, República Unida
da Tanzânia e Romênia (7). Nos Países Baixos, casos
suspeitos de abuso infantil podem ser denunciados
voluntariamente para um dos dois órgãos públicos –
o Child Care and Protection Board e o Confidential
Doctor’s Office. Ambos existem para proteger as
crianças de abuso e negligência, e os dois agem no
sentido de investigar denúncias de suspeitas de maustratos.
Nenhum dos órgãos fornece serviços diretos
para a criança ou a família; em vez disso, encaminham
as crianças e os membros da família para outras
instituições, para que recebam os serviços
apropriados (140).
Serviços de protenção a criança
Os órgãos de proteção à criança, investigam e
tentam comprovar as denúncias de suspeita de abuso
infantil. As denúncias iniciais podem vir de diversas
fontes, inclusive de pessoal da área da saúde,
policiais, professores e vizinhos.
Caso as denúncias sejam comprovadas, o pessoal
encarregado dos serviços de proteção à criança terá
de decidir tratamentos e encaminhamentos
apropriados. Em geral tais decisões são difíceis, visto
que é necessário encontrar um equilíbrio entre várias
exigências potencialmente conflitantes – como a
necessidade de proteger a criança e o desejo de manter
a família intacta. Variam muito, portanto, os serviços
oferecidos às crianças e famílias. Embora tenham sido
publicadas algumas pesquisas a respeito do processo
de tomada de decisão em relação ao tratamento
apropriado, bem como das atuais deficiências – como
a necessidade de critérios específicos e padronizados
para identificar as famílias e as crianças que correm
risco de abuso infantil -, houve pouca investigação
em relação à eficácia dos serviços de proteção à
criança no tocante à redução dos índices de abuso.
Equipes de revisão das fatalidades
ocorridas com crianças
Nos Estados Unidos, o aumento da
conscientização de violências graves contra as
crianças levou a estabelecerem-se equipes em muitos
estados para revisar as fatalidades ocorridas com
crianças (141). Essas equipes multidisciplinares
analisam as mortes ocorridas entre crianças, extraindo
dados e recursos entes de fontes como a polícia,
promotores públicos, profissionais da área da saúde,
serviços de proteção à criança e médicos legistas ou
peritos. As pesquisas constataram que tais equipes
especializadas de revisão estão mais aptas a
74 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
detectarem sinais de abuso infantil e negligência do
que as pessoas sem treinamento relevante. Um dos
objetivos deste tipo de intervenção, portanto, é
aprimorar a exatidão das classificações de mortes de
crianças.
Este aperfeiçoamento, por sua vez, poderá
contribuir para maior sucesso dos trabalhos de
promotoria, com a coleta de melhores evidências. Em
uma análise de dados coletados a partir de revisões
de fatalidades ocorridas entre crianças no estado da
Geórgia, Estados Unidos, (142), os pesquisadores
constataram que as revisões das fatalidades ocorridas
entre crianças eram mais produtivas ao se investigar
morte por maus-tratos e síndrome da morte infantil
súbita. Após as investigações realizadas pela equipe,
2% das mortes investigadas durante o ano do estudo,
não classificadas inicialmente como relacionadas a
abuso ou negligência, foram posteriormente
reclassificadas como mortes devidas a maus-tratos.
Outros objetivos da equipe de inspeção incluem:
prevenção de futuras mortes infantis por maus-tratos,
análise e implantação de ações corretivas e promoção
de uma melhor coordenação entre os diversos órgãos
e disciplinas envolvidas.
Políticas de detenção e processuais
As políticas da justiça criminal variam muito,
refletindo diferentes visões sobre o papel do sistema
judiciário em relação aos maus-tratos à criança. A
decisão de processar ou não pretensos perpetradores
de abuso depende de vários fatores, inclusive a
gravidade do abuso, a força das evidências, o fato de
a criança ser ou não uma testemunha competente e
se há quaquer alternativa viável para a execução do
processo (143). Uma revisão dos processos criminais
envolvendo casos de abuso sexual infantil (144)
revelou que 72% das 451 alegações registradas
durante um período de dois anos foram consideradas
prováveis casos de abuso sexual. Entretanto em
pouco mais da metade destes casos foram registradas
acusações formais. Em outro estudo de alegações de
abuso sexual infantil, os promotores aceitaram 60%
dos casos que lhes foram encaminhados.
Tratamento obrigatório para os
ofensores
O tratamento obrigatório, determinado pelos
tribunais, para os agressores que praticaram abuso
infantil é uma abordagem recomendada em muitos
países. Entretanto, há uma polêmica entre os
pesquisadores, a respeito de o tratamento
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 75
determinado pelo sistema judiciário ser preferível ou
não ao comparecimento voluntário em programas de
tratamento. O tratamento obrigatório parte da crença
de que, na ausência de repercussões legais, alguns
agressores recusar-se-ão a submeter-se ao tratamento.
Contra esta afirmação existe a visão de que o
tratamento imposto pela justiça pode realmente criar
resistência ao tratamento por parte dos agressores e
que a participação voluntária do agressor é essencial
para o sucesso do tratamento.
Esforços baseados na comunidade
Em geral, as intervenções baseadas na comunidade
concentram-se em um grupo selecionado da população
ou são implementadas em um local específico, tal como
escolas. Elas também podem ser conduzidas em uma
escala mais ampla – para uma série de segmentos da
população, por exemplo, ou até mesmo para toda a
comunidade -, com o envolvimento de muitos s etores.
Programas escolares
Os programas escolares para evitar o abuso sexual
infantil, são uma das estratégias preventivas mais
utilizadas e têm sido incorporados ao currículo escolar
regular em vários países. Na Irlanda, por exemplo, o
programa de prevenção básica Stay Safe [Fique
Seguro] atualmente está implantado em quase todas
as escolas primárias, contando com o apoio total do
Departamento de Educação e de líderes religiosos
(146).
Esses programas, em geral, são projetados para
ensinar as crianças a reconhecerem situações de
ameaça e provê-las de habilidades para se protegem
contra abusos. Os conceitos subjacentes aos
programas são que a criança possui o controle e
acesso ao seu corpo, e que há tipos diferentes de
contato físico. As crianças aprendem o que dizer a um
adulto, se este lhe solicitar que faça alguma coisa que
lhe dê sensação de desconforto. Os programas
escolares variam muito em relação ao seu conteúdo e
apresentação, e muitos também podem envolver os
pais ou outros responsáveis pelos cuidados com as
crianças.
Embora entre os pesquisadores haja um consenso
de que as crianças podem desenvolver conhecimento
e adquirir habilidades para se protegerem contra
abusos, tem-se questionado se estas habilidades são
mantidas com o decorrer do tempo e se protegeriam
uma criança em uma situação de abuso, particularmente
se o perpetrador for alguém conhecido e em quem a
criança confia. Em uma avaliação do programa irlandês
Stay Safe antes mencionado, por exemplo, as crianças
que participavam do programa mostraram
significativas melhoras em relação ao conhecimento
e às habilidades (146). As habilidades foram mantidas
em um acompanhamento após três meses.
Uma metanálise recente (147) conclui que os
programas preventivos de vitimização eram bem
eficientes, no que diz respeito ao ensino de conceitos
e habilidades relacionados à proteção contra abuso
sexual. Os autores constataram, ainda, que a retenção
de tais informações era satisfatória. Entretanto,
concluíram que a prova da eficácia definitiva destes
programas exigiria mostrar que as habilidades
aprendidas tinham sido transferidas de maneira bem
sucedida para situações da vida real.
Campanha de prevenção e educação
Uma outra abordagem muito difundida para
reduzir os casos de abuso infantil e negligência, são
as campanhas de prevenção e educação. Essas
intervenções, provêm da crença de que um aumento
da conscientização e da compreensão do fenômeno
na população em geral resultará em índices inferiores
de abuso. Isto pode ocorrer diretamente, com os
perpetradores reconhecendo seus próprios
comportamentos como abusivos e errados e
procurando tratamento, ou indiretamente, por meio
do reconhecimento e da denúncia de abusos por parte
das vítimas ou de terceiros.
No período de 1991 a 1992, foi conduzida nos
Países Baixos uma campanha multimídia (148, 149). O
objetivo era aumentar a divulgação do abuso infantil,
tanto pelas vítimas quanto por aqueles que
estivessem em um contato próximo com as crianças,
como os professores. A campanha incluiu um
documentário televisivo, pequenos filmes e
comerciais, um programa de rádio e materiais
impressos, tais como pôsteres, adesivos, livretos e
artigos em jornais. Foram oferecidas sessões regionais
de treinamento aos professores. Em uma das
avaliações desta intervenção, Hoefnagels e Baartman
(149) concluíram que a campanha nos meios de
comunicação em massa aumentou o nível de
divulgação, conforme comprovado pelos índices de
telefonemas para o serviço National Child Line [Linha
Nacional para a Criança] antes e depois da campanha.
O efeito do aumento da divulgação nos índices de
abuso infantil e na saúde mental das vítimas,
entretanto, precisa ser estudado posteriormente.
76 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Intervenções para mudar as atitudes e
o comportamento da comunidade
Uma outra abordagem para se evitar o abuso
infantil e a negligência é desenvolver intervenções
coordenadas, eficazes nos diversos setores, com o
intuito de mudar as atitudes e o comportamento das
comunidades. Um exemplo deste tipo de programa é
a resposta abrangente ao abuso infantil e à negligência
obtida no Quênia (ver Quadro 3.3).
No Zimbábue, o Training and Research Support
Centre [Centro de Treinamento e Apoio a Pesquisas]
elaborou um programa participativo multissetorial
direcionado a questões relativas ao abuso sexual
infantil (8). O Centro reuniu um grupo diversificado
de indivíduos, incluindo alguns profissionais das
áreas rurais e urbanas de todo o país. Sessões para
dramatização de papéis, pintura e discussão foram
utilizadas para trazer à luz experiências e percepções
de abuso sexual infantil e analisar o que poderia ser
feito para prevenir e detectar o problema.
Em seguida a esse primeiro estágio, o grupo de
participantes elaborou e implementou dois programas
de ação. O primeiro, um programa escolar
desenvolvido em colaboração com os Ministérios da
Educação e Cultura, cobriu o treinamento, a
construção de aptidões e o desenvolvimento de
materiais para psicólogos, professores, pessoal da
área administrativa e crianças da escola. O segundo,
constitui-se em um programa de âmbito legal,
desenvolvido em conjunto com o Ministério de
Assuntos Judiciários, Legais e Parlamentares. Tal
programa – elaborado para enfermeiros, funcionários
de organizações não governamentais, policiais e
outros oficiais vinculados ao cumprimento de leis –
estabeleceu cursos de treinamento, sobre a maneira
de proceder com os agressores sexuais jovens. O
treinamento também, abordou a questão da criação
de tribunais amigáveis em relação a vítimas e
testemunhas vulneráveis. Desenvolveram-se ainda
as diretrizes referentes às denúncias.
Abordagens sociais
Programas e políticas nacionais
A maior parte dos esforços de prevenção de maustratos
às crianças centram-se nas vítimas e nos
perpetradores sem necessariamente se voltarem para
as raízes do problema. Acredita-se, contudo, que
atacando a pobreza de maneira satisfatória,
melhorando os níveis educacionais e as
oportunidades de emprego, e aumentando a
disponibilidade e qualidade dos cuidados com a
criança, os índices de abuso infantil e negligência
podem ser reduzidos significativamente. Pesquisas
realizadas em vários países da Europa Ocidental, bem
como Canadá, Colômbia, partes da Ásia e do Pacífico
indicam que a disponibilidade de programas de alta
qualidade para a primeira infância podem compensar
as desigualdades econômicas e melhorar os
resultados para as crianças (150). Contudo, faltam
evidências que associem diretamente a
disponibilidade de tais programas a uma diminuição
dos maus-tratos às crianças. Estudos relacionados a
estes programas, em geral, têm medido os resultados,
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 77
QUADRO 3.3
Prevenção contra o abuso infantil e a negligência no Quênia
Em 1996, formou-se uma coalizão no Quênia com o objetivo de aumentar a conscientização
pública em relação ao abuso infantil e à negligência, e de melhorar a provisão de serviços às vítimas.
Um estudo anterior, realizado em quatro áreas do Quênia, tinha mostrado que o abuso infantil e a
negligência eram relativamente prevalentes no país, embora não existisse nenhum sistema organizado
de resposta ao problema. Membros da coalizão vieram inicialmente dos principais ministérios do
governo, bem como de organizações não governamentais com programas voltados para a
comunidade. A eles se juntaram, posteriormente, representantes do setor privado, do sistema policial
e judiciário e dos principais hospitais.
Todos os membros da coalizão, receberam treinamento sobre abuso infantil e negligência. Foram
estabelecidos três grupos de trabalho, um para lidar com o treinamento, outro com a defesa e o
terceiro com a proteção à criança. Cada grupo colaborou com órgãos governamentais e não
governamentais específicos. O grupo de trabalho encarregado do treinamento, por exemplo, trabalhou
em conjunto com os Ministérios da Educação, Saúde, Interior e Trabalho, realizando workshops
para funcionários de escolas, profissionais da área da saúde, advogados, assistentes sociais e
policiais. O grupo encarregado da defesa, trabalhou com o Ministério da Informação e Divulgação
e várias organizações não governamentais, produzindo programas de rádio e televisão, e também
colaborou com a imprensa em áreas rurais.
Notavelmente, as próprias crianças se envolveram no projeto, por meio de competições de
dramatização, música e monografias. Tais atividades foram realizadas inicialmente em nível local e
posteriormente em nível distrital, provincial e nacional. Atualmente, essas competições fazem parte
das atividades regulares do sistema escola queniano.
A coalizão, também trabalhou para fortalecer as denúncias e o gerenciamento de casos de abuso
infantil e negligência. Ela assistiu o Departamento para Crianças, do Ministério do Interior, na
elaboração de um banco de dados sobre abuso infantil e negligência e ajudou a criar uma rede legal
para crianças vítimas de abuso, a “Children Legal Action Network” [“Rede de Ação Legal para
Crianças”]. Em 1998 e 1999, a coalizão organizou conferências nacionais e regionais para reunir
pesquisadores e especialistas no campo de abuso infantil e negligência.
Como um dos resultados desses esforços, atualmente mais quenianos estão cientes do problema
de abuso infantil e negligência, e foi estabelecido um sistema para atender as necessidades das
vítimas e de seus familiares.
como o desenvolvimento da criança e o bom
desempenho escolar.
Outras políticas que podem afetar indiretamente
os níveis de abuso infantil e negligência são aquelas
relacionadas à saúde reprodutiva. Afirma-se que as
políticas liberais sobre saúde reprodutiva
proporcionam às famílias uma noção maior de controle
do tamanho de suas famílias e que isto, por sua vez,
beneficia mulheres e crianças. Essas políticas, por
exemplo, têm permitido maior flexibilidade nos acordos
referentes a emprego para as mães e cuidados com
os filhos.
Portanto, a natureza e o alcance dessas políticas
também são importantes. Alguns pesquisadores
alegam que as políticas que limitam o tamanho das
famílias, como a política de “uma só criança” na
China, têm exercido um efeito indireto de redução
dos índices de abuso infantil e negligência (151),
embora outros chamem atenção para o aumento do
número de meninas abandonadas na China como uma
evidência de que tais políticas podem na verdade
aumentar a incidência de abuso.
Tratados internacionais
Em novembro de 1989, a Assembléia Geral das
Nações Unidas (United Nations General Assembly)
adotou a Convenção sobre os Direitos das Crianças
(Convention on the Rights of the Children). Um
princípio norteador da convenção é que as crianças
são indivíduos com direitos iguais aos dos adultos.
Contudo, visto que as crianças são dependentes
dos adultos, seus pontos de vista raramente são
levados em consideração quando os governos
estabelecem políticas. Ao mesmo tempo, geralmente
as crianças são o grupo mais vulnerável no que diz
respeito às atividades patrocinadas pelo governo
relacionadas ao meio ambiente, condições de vida,
cuidados com a saúde e nutrição. A Convenção sobre
os Direitos das Crianças fornece padrões e
obrigações claros relacionados à proteção das
crianças para todas as nações signatárias.
A Convenção sobre os Direitos das Crianças, é
um dos mais amplamente ratificados de todos os
tratados e convenções internacionais. Seu impacto,
entretanto, com respeito à proteção da criança contra
o abuso e a negligência ainda precisa ser
compreendido na íntegra (ver Quadro 3.4).
Recomendações
Há várias áreas importantes de ação que
precisam ser consideradas pelos governos,
pesquisadores, profissionais da saúde e assistentes
sociais, profissões da área da educação e do direito,
organizações não governamentais e outros grupos
com interesse na prevenção do abuso infantil e da
negligência.
Melhor avaliação e monitoramento
Os governos devem monitorar os casos de abuso
infantil e negligência, e os danos por eles causados.
Esse monitoramento, pode consistir em coleta de
denúncias de casos, condução periódica de
pesquisas ou utilização de outros métodos
apropriados, e pode ser assistido por instituições
78 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
acadêmicas, pelo sistema de assistência à saúde e
por organizações não governamentais. Devido ao
fato de, em muitos países, os profissionais não serem
treinados para essa questão e não haver programas
do governo na maioria dos lugares, a confiança nas
denúncias oficiais provavelmente não será suficiente
para aumentar o interesse público em relação ao abuso
infantil e à negligência. Em vez disso, serão
necessárias pesquisas populacionais periódicas
realizadas junto ao público.
Melhores sistemas de respostas
É essencial que os sistemas que respondem ao
abuso infantil e à negligência sejam apropriados e
operacionais. Nas Filipinas, por exemplo, os hospitais
públicos e privados fornecem a primeira linha de
resposta ao abuso infantil, seguidos pelo sistema
nacional de justiça (152). Sem dúvida alguma, é vital
que as crianças recebam serviços especializados e
conduzidos adequadamente em todos os estágios.
As investigações, as avaliações médicas, os cuidados
com a saúde mental, as intervenções da família e os
serviços legais precisam ser totalmente seguros para
as crianças e famílias envolvidas. Nos países onde
há uma tradição de sociedades privadas de ajuda às
crianças fornecendo estes serviços, será necessário
monitorar apenas os cuidados com as crianças.
Contudo, é importante que, caso não haja nenhum
outro provedor disponível, os governos garantam a
qualidade e a disponibilidade dos serviços e
proporcionem recursos para esses serviços.
Desenvolvimento de políticas
Os governos devem assistir aos órgãos locais
para a implementação de serviços de proteção
eficientes para as crianças. Novas políticas podem
ser necessárias:
–assegurar uma força de trabalho bem treinada;
–desenvolver respostas utilizando uma gama de
disciplinas;
–fornecer locais alternativos de assistência às
crianças;
–assegurar o acesso aos recursos de saúde;
–fornecer recursos para as famílias.
Uma importante área política que precisa ser
considerada, é a maneira como o sistema judiciário
opera com respeito às vítimas de abuso infantil e
negligência. Alguns países, têm investido recursos
para melhorar os tribunais juvenis, encontrar maneiras
de diminuir a necessidade de depoimentos das
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 79
QUADRO 3.4
A Convenção sobre os Direitos da Criança (Convention on the Rights of
the Child)
A Convenção sobre os Direitos da Criança, reconhece e advoga seriamente o respeito pelos direitos
humanos das crianças. O Artigo 19, em particular, exige ações legislativas, administrativas, sociais e
educacionais para proteger as crianças de todas as formas de violência, inclusive o abuso e a negligência.
É difícil, entretanto, avaliar o impacto preciso da Convenção nos níveis de abuso infantil. A maioria
dos países incluem a proteção à criança contra a violência dentro das leis relacionadas à família, o que
dificulta a extração de informações detalhadas sobre o progresso que signatários à Convenção têm
obtido na prevenção do abuso infantil. Ademais, nenhum estudo global tentou determinar especificamente
o impacto da Convenção no tocante à prevenção do abuso.
Ao mesmo tempo, a Convenção estimulou reformas legais e o estabelecimento de organismos
estatutários para supervisionar as questões que afetam as crianças. Na América Latina, pioneira no
processo global de ratificação da Convenção e reforma apropriada da legislação, os parlamentos nacionais
aprovaram leis estipulando que as crianças devem ser protegidas de situações de risco, inclusive
negligência, violência e exploração. A incorporação da Convenção à lei nacional levou ao reconhecimento
oficial do papel nuclear da família nos cuidados e desenvolvimento da criança. No caso de abuso infantil,
a Convenção resultou em uma mudança da institucionalização das crianças vítimas de abuso para
políticas de maior apoio à família e de remoção dos perpetradores do abuso do ambiente familiar.
Na Europa, a Polônia é um dos países que integrou as estipulações da Convenção às suas leis
nacionais. Os órgãos governamentais locais deste país têm agora a responsabilidade de proporcionar
ajuda social, psiquiátrica e legal às crianças. Na África, Gana também fez emendas em seu código penal,
elevou as penas para estupro e molestamento, e aboliu a opção de multas para delitos que envolvem
violência sexual. O governo conduziu ainda campanhas educacionais sobre questões relacionadas aos
direitos das crianças, inclusive abuso infantil.
Apenas alguns países, entretanto, possuem provisões legais que cobrem todas as formas de violência
contra a criança. Além disso, a falta de coordenação entre os diferentes departamentos governamentais
e entre as autoridades em nível nacional e local, bem como outros fatores, tem resultado em freqüente
implementação fragmentária destas medidas que são ratificadas. No Equador, por exemplo, foi estabelecido
um órgão nacional de proteção aos menores, mas é necessária uma reforma do sistema de proteção à
criança antes que o cumprimento adequado dos direitos das crianças seja possível. Em Gana, as reformas
legais tiveram apenas efeitos limitados, visto que faltam fundos para disseminar as informações e fornecer
o treinamento necessário.
Organizações não governamentais, têm despendido esforços consideráveis em nome dos direitos
das crianças e têm feito campanhas para que a Convenção seja bastante apoiada. Em vários países,
inclusive Gâmbia, Paquistão e Peru, os órgãos de proteção à criança, têm utilizado a Convenção para
exigir maior investimento do Estado na proteção à criança e para aumentar o envolvimento governamental
e não governamental na prevenção do abuso infantil. No Paquistão, por exemplo, a Coalizão para os
Direitos da Criança trabalha na Província da Fronteira Noroeste, treinando ativistas da comunidade em
direitos das crianças e realizando pesquisas sobre questões como o abuso infantil. Utilizando suas
próprias descobertas e a estrutura legal da Convenção, ela tenta sensibilizar outras organizações
comunitárias para a questão do abuso.
É necessário que mais países, incorporem os direitos das crianças em suas políticas sociais e
exijam que as instituições governamentais locais implementem esses direitos. Dados específicos
sobre violência contra crianças e sobre as intervenções voltadas para a questão ainda são
necessários para que os programas existentes possam ser monitorados e novos programas
implementados de maneira eficaz.
crianças, e assegurar a presença de pessoal de apoio
quando a criança precisa testemunhar no tribunal.
Melhores dados
A falta de bons dados relacionados à extensão e
às conseqüências do abuso e da negligência, tem
impedido os progressos no desenvolvimento de
respostas apropriadas na maior parte do mundo. A
falta de bons dados locais, também dificulta o
desenvolvimento de um conhecimento apropriado
em relação ao abuso infantil e à negligência e de
grupos de peritos no direcionamento do problema
dentro das profissões das áreas de saúde, jurídica e
assistência social. Visto que, em todos os países, é
essencial um estudo sistemático sobre abuso infantil
e negligência, os pesquisadores devem ser
encorajados a utilizar técnicas de avaliação já
empregadas de maneira satisfatória em outros lugares,
para que as comparações entre as culturas possam
ser feitas de maneira significativa e possam ser
examinadas as razões por detrás das variações entre
os países.
Mais pesquisas
Práticas disciplinares
São necessárias mais pesquisas para explorar as
variações entre as culturas na definição de
comportamentos disciplinares aceitáveis. Os padrões
de variações culturais na disciplina das crianças
podem ajudar todos os países a desenvolverem
definições viáveis de abuso e atender às questões
de variações culturais dentro dos países. Essas
variações culturais podem, na verdade, ser a razão
subjacente para algumas das manifestações incomuns
de abuso infantil relatadas na literatura médica (153).
Alguns dos dados anteriormente citados, sugerem
que pode haver um consenso mais geral do que o
anteriormente contemplado entre as culturas sobre
que práticas disciplinares são consideradas
inaceitáveis e abusivas. A pesquisa é necessária,
portanto, para explorar a fundo se é possível chegarse
a um consenso mais amplo em relação a disciplinas
muito severas.
Negligência
Há também uma grande necessidade de mais
estudo sobre o problema da negligência, em relação
às crianças. Devido ao fato, de a negligência estar
muito associada à pouca educação e à baixa renda, é
importante descobrir a melhor maneira de diferenciar
a negligência dos pais de privação decorrente da
pobreza.
Fatores de risco
Muitos fatores de risco parecem operar de maneira
semelhante em todas as sociedades, embora haja
alguns, exigindo mais pesquisas, que parecem
depender da cultura. Embora pareça claro haver uma
associação entre o risco de abuso e a idade da criança,
os índices mais elevados de abuso físico ocorrem em
idades diferentes nos diversos países. Este fenômeno
requer uma investigação mais detalhada. Em
particular, é necessária uma maior compreensão a
respeito de como variam as expectativas parentais
em relação ao comportamento das crianças entre as
culturas, bem como, quando ocorre um abuso, qual o
papel desempenhado pelas características da criança.
Outros fatores que têm sido sugeridos como
fatores de risco ou fatores de proteção no abuso
infantil – inclusive estresse, capital social, apoio social,
disponibilidade de uma outra família para ajudar com
os cuidados das crianças, violência doméstica e
abuso de substâncias – também precisam de mais
pesquisas.
É igualmente necessária uma melhor compreensão
de como os fatores sociais, culturais e econômicos
mais amplos influenciam a vida familiar. Acredita-se
que essas forças interagem com os fatores individuais
e familiares para produzir padrões de comportamento
coercivos e violentos. A maior parte deles, entretanto,
tem sido muito negligenciada em estudos sobre maustratos
a crianças.
Documentação de respostas eficazes
Têm sido realizados relativamente poucos
estudos acerca da eficácia de respostas para a
prevenção do abuso infantil e da negligência. Há,
portanto, uma necessidade urgente, tanto nos países
industrializados quanto nos emergentes, de uma
avaliação rigorosa de muitas das respostas
preventivas acima descritas. Outras intervenções
existentes também deveriam ser avaliadas no tocante
ao seu potencial para a prevenção do abuso, por
exemplo, os pagamentos para apoio às crianças,
80 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
licença paternidade e maternidade remuneradas e
programas para a primeira infância. Por fim, novas
abordagens deveriam ser desenvolvidas e testadas,
especialmente aquelas voltadas para a prevenção
básica.
Treinamento e educação aperfeiçoados
para os profissionais
Os profissionais das áreas de saúde e educação
têm uma responsabilidade especial. Os pesquisadores
nos campos da medicina e saúde pública devem ter
habilidades para elaborar e conduzir investigações
de abuso. Currículos para alunos de medicina e
enfermagem, programas de treinamento graduado em
ciências sociais e comportamentais, programas de
treinamento de professores deveriam todos incluir o
tema abuso infantil e o desenvolvimento dentro das
organizações de respostas para esse problema. Os
profissionais que dirigem todos estes campos
deveriam trabalhar ativamente para atrair recursos
que possibilitem a implementação apropriada deste
currículo.
Conclusão
O abuso infantil, é um problema sério de saúde
mundial. Embora a maior parte dos estudos relativos
ao assunto tenha sido conduzida em países
desenvolvidos, há uma forte evidência de que o
fenômeno é algo comum em todo o mundo.
Muito mais pode e deve ser feito em relação ao
problema. Em muitos países, o reconhecimento do
abuso infantil entre os profissionais da área pública
ou da saúde é muito restrito. O reconhecimento e a
conscientização, embora sejam elementos essenciais
para uma prevenção eficaz, são apenas parte da
solução. Os esforços e as políticas de prevenção
devem voltar-se diretamente para as crianças, para
as pessoas responsáveis pelas mesmas e para o meio
ambiente em que vivem, a fim de evitar que ocorram
abusos futuros e lidar de maneira eficaz com casos
de abuso e negligência que tenham ocorrido. Nesse
caso, são necessários esforços combinados e
coordenados de uma série de setores, e os
pesquisadores e especialistas da saúde pública
podem desempenhar um papel extremamente
importante no que toca à liderança e facilitação do
processo.
Referências
1. Ten Bensel RW, Rheinberger MM, Radbill SX.
Children in a world of violence: the roots of child
maltreatment. In: Helfer ME, Kempe RS, Krugman RD,
eds. The battered child. Chicago, IL, University of
Chicago Press, 1997:3-28.
2. Kempe CH et al. The battered child syndrome.
Journal of the American Medical Association, 1962,
181:17-24.
3. Estroff SE. A cultural perspective of experiences of
illness, disability, and deviance. In: Henderson GE et
al., eds. The social medicine reader. Durham, NC,
Duke University Press, 1997:6-11.
4. Korbin JE. Cross-cultural perspectives and research
directions for the 21st century. Child Abuse &
Neglect, 1991, 15:67-77.
5. Facchin P et al. European strategies on child
protection: preliminary report. Padua, Epidemiology
and Community Medicine Unit, University of Padua,
1998.
6. National Research Council. Understanding child
abuse and neglect. Washington, DC, National
Academy of Sciences Press, 1993.
7. Bross DC et al. World perspectives on child abuse:
the fourth international resource book. Denver, CO,
Kempe Children’s Center, University of Colorado
School of Medicine, 2000.
8. Report of the Consultation on Child Abuse
Prevention, 29-31 March 1999, WHO, Geneva.
Geneva, World Health Organization, 1999 (document
WHO/HSC/PVI/99.1).
9. Straus MA. Manual for the Conflict Tactics Scales.
Durham, NH, Family Research Laboratory, University
of New Hampshire, 1995.
10. Straus MA. Measuring intrafamily conflict and
violence: the Conflict Tactics (CT) Scales. Journal of
Marriage and the Family, 1979, 41:75-88.
11. Straus MA, Hamby SL. Measuring physical and
psychological maltreatment of children with the
Conflict Tactics Scales. In: Kantor K et al., eds. Out
of the darkness: contemporary perspectives on
family violence. Thousand Oaks, CA, Sage, 1997:119-
135.
12. Straus MA et al. Identification of child
maltreatment with the Parent-Child Conflict Tactics
Scales: development and psychometric data for a
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 81
national sample of American parents. Child Abuse &
Neglect, 1998, 22:249-270.
13. Straus MA, Gelles RJ, eds. Physical violence in
American families: risk factors and adaptations to
violence in 8,145 families. New Brunswick, NJ,
Transaction Publishers, 1990.
14. Ketsela T, Kedebe D. Physical punishment of
elementary school children in urban and rural
communities in Ethiopia. Ethiopian Medical Journal,
1997, 35:23-33.
15. Madu SN, Peltzer K. Risk factors and child sexual
abuse among secondary students in the Northern
Province (South Africa). Child Abuse & Neglect,
2000, 24:259-268.
16. Shumba A. Epidemiology and etiology of reported
cases of child physical abuse in Zimbabwean primary
schools. Child Abuse & Neglect, 2001, 25:265-277.
17. Youssef RM, Attia MS, Kamel MI. Children
experiencing violence: parental use of corporal
punishment. Child Abuse & Neglect, 1998, 22:959-
973.
18. Kirschner RH. Wilson H. Pathology of fatal child
abuse. In: Reece RM, Ludwig S, eds. Child abuse:
medical diagnosis and management, 2nd ed.
Philadelphia, PA, Lippincott Williams & Wilkins,
2001:467-516.
19. Reece RM, Krous HF. Fatal child abuse and
sudden infant death syndrome. In: Reece RM, Ludwig
S, eds. Child abuse: medical diagnosis and
management, 2nd ed. Philadelphia, PA, Lippincott
Williams & Wilkins, 2001:517-543.
20. Adinkrah M. Maternal infanticides in Fiji. Child
Abuse & Neglect, 2000, 24:1543-1555.
21. Kotch JB et al. Morbidity and death due to child
abuse in New Zealand. Child Abuse & Neglect, 1993,
17:233-247.
22. Meadow R. Unnatural sudden infant death.
Archives of Disease in Childhood, 1999, 80:7-14.
23. Alexander RC, Levitt CJ, Smith WL. Abusive head
trauma. In: Reece RM, Ludwig S, eds. Child abuse:
medical diagnosis and management , 2nd ed.
Philadelphia, PA, Lippincott Williams & Wilkins,
2001:47-80.
24. Vock R et al. Lethal child abuse through the use of
physical force in the German Democratic Republic (1
January 1985 to 2 October 1990): results of a
multicentre study. Archiv für Kriminologie, 1999,
204:75-87.
25. Theodore AD, Runyan DK. A medical research
agenda for child maltreatment: negotiating the next
steps. Pediatrics, 1999, 104:168-177.
26. Hahm H, Guterman N. The emerging problem of
physical child abuse in South Korea. Child
Maltreatment, 2001, 6:169-179.
27. Larner M, Halpren B, Harkavy O. Fair start for
children: lessons learned from seven demonstrations.
New Haven, CT, Yale University Press, 1992.
28. Menick DM. Les contours psychosociaux de
l’infanticide en Afrique noire: le cas du Sénégal [The
psychosocial features of infanticide in black Africa:
the case of Senegal]. Child Abuse & Neglect, 2000,
24:1557-1565.
29. Menick DM. La problématique des enfants
victimes d’abus sexuels en Afrique ou l’imbroglio d’un
double paradoxe: l’exemple du Cameroun [The
problems of sexually abused children in Africa, or the
imbroglio of a twin paradox: the example of
Cameroon]. Child Abuse & Neglect, 2001, 25:109-
121.
30. Oral R et al. Child abuse in Turkey: an experience
in overcoming denial and description of 50 cases.
Child Abuse & Neglect, 2001, 25:279-290.
31. Schein M et al. The prevalence of a history of
sexual abuse among adults visiting family
practitioners in Israel. Child Abuse & Neglect, 2000,
24:667-675.
32. Shalhoub-Kevrkian N. The politics of disclosing
female sexual abuse: a case study of Palestinian
society. Child Abuse & Neglect, 1999, 23:1275-1293.
33. Runyan DK. Prevalence, risk, sensitivity and
specificity: a commentary on the epidemiology of
child sexual abuse and the development of a research
agenda. Child Abuse & Neglect, 1998, 22:493-498.
34. Browne K et al. Child abuse and neglect in
Romanian families: a national prevalence study 2000.
Copenhagen, WHO Regional Office for Europe, 2002.
35. Bendixen M, Muss KM, Schei B. The impact of
child sexual abuse: a study of a random sample of
Norwegian students. Child Abuse & Neglect, 1994,
18:837-847.
36. Fergusson DM, Lynskey MT, Horwood LJ.
Childhood sexual abuse and psychiatric disorder in
young adulthood. I: Prevalence of sexual abuse and
factors associated with sexual abuse. Journal of the
American Academy of Child and Adolescent
Psychiatry, 1996, 35:1355-1364.
37. Frias-Armenta M, McCloskey LA. Determinants
of harsh parenting in Mexico. Journal of Abnormal
Child Psychology, 1998, 26:129-139.
38. Goldman JD, Padayachi UK. The prevalence and
nature of child sexual abuse in Queensland, Australia.
Child Abuse & Neglect, 1997, 21:489-498.
82 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
39. Bardi M, Borgognini-Tari SM. A survey of parentchild
conflict resolution: intrafamily violence in Italy.
Child Abuse & Neglect, 2001, 25:839-853.
40. Hunter WM et al. Risk factors for severe child
discipline practices in rural India. Journal of Pediatric
Psychology, 2000, 25:435-447.
41. Kim DH et al. Children’s experience of violence in
China and Korea: a transcultural study. Child Abuse
& Neglect, 2000, 24:1163-1173.
42. Krugman S, Mata L, Krugman R. Sexual abuse
and corporal punishment during childhood: a pilot
retrospective survey of university students in Costa
Rica. Pediatrics, 1992, 90:157-161.
43. Tang CS. The rate of child abuse in Chinese
families: a community survey in Hong Kong. Child
Abuse & Neglect, 1998, 22:381-391.
44. Pederson W, Skrondal A. Alcohol and sexual
victimization: a longitudinal study of Norwegian girls.
Addiction, 1996, 91:565-581.
45. Choquet M et al. Self-reported health and
behavioral problems among adolescent victims of rape
in France: results of a cross-sectional survey. Child
Abuse & Neglect, 1997, 21:823-832.
46. Finkelhor D. The international epidemiology of
child sexual abuse. Child Abuse & Neglect, 1994,
18:409-417.
47. Finkelhor D. Current information on the scope
and nature of child sexual abuse. The Future of
Children, 1994, 4:31-53.
48. Fergusson DM, Mullen PE. Childhood sexual
abuse: an evidence-based perspective. Thousand
Oaks, CA, Sage, 1999.
49. Russell DEH. The secret trauma: incest in the
lives of girls and women. New York, NY, Basic Books,
1986.
50. Lopez SC et al. Parenting and physical
punishment: primary care interventions in Latin
America. Revista Panamericana de Salud Pública,
2000, 8:257-267.
51. Awareness and views regarding child abuse and
child rights in selected communities in Kenya.
Nairobi, African Network for the Prevention and
Protection against Child Abuse and Neglect, 2000.
52. Sumba RO, Bwibo NO. Child battering in Nairobi,
Kenya. East African Medical Journal, 1993, 70: 688-
692.
53. Wolfe DA. Child abuse: implications for child
development and psychopathology , 2nd ed.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1999.
54. Troemé NH, Wolfe D. Child maltreatment in
Canada: selected results from the Canadian
Incidence Study of Reported Child Abuse and Neglect.
Ottawa, Minister of Public Works and Government
Services Canada, 2001.
55. Garbarino J, Crouter A. Defining the community
context for parent-child relations: the correlates of child
maltreatment. Child Development, 1978, 49:604-616.
56. Belsky J. Child maltreatment: an ecological
integration. American Psychologist, 1980, 35:320-335.
57. Dubowitz H, Black MB. Child neglect. In: Reece
RM, Ludwig S, eds. Child abuse: medical diagnosis
and management, 2nd ed. Philadelphia, PA, Lippincott
Williams & Wilkins, 2001:339-362.
58. Hunter RS et al. Antecedents of child abuse and
neglect in premature infants: a prospective study in a
newborn intensive care unit. Pediatrics, 1978, 61:629-
635.
59. Haapasalo J, Petäjä S. Mothers who killed or
attempted to kill their child: life circumstance, childhood
abuse, and types of killings. Violence and Victims, 1999,
14:219-239.
60. Olsson A et al. Sexual abuse during childhood and
adolescence among Nicaraguan men and women: a
population-based anonymous survey. Child Abuse &
Neglect, 2000, 24:1579-1589.
61. Equality, development and peace. New York, NY,
United Nations Children’s Fund, 2000.
62. Hadi A. Child abuse among working children in
rural Bangladesh: prevalence and determinants. Public
Health, 2000, 114:380-384.
63. Leventhal JM. Twenty years later: we do know how
to prevent child abuse and neglect. Child Abuse &
Neglect, 1996, 20:647-653.
64. Vargas NA et al. Parental attitude and practice
regarding physical punishment of schoolchildren in
Santiago de Chile. Child Abuse & Neglect, 1995, 19:1077-
1082.
65. Sariola H, Uutela A. The prevalence and context of
family violence against children in Finland. Child Abuse
& Neglect, 1992, 16:823-832.
66. Jenny C et al. Analysis of missed cases of abusive
head trauma. Journal of the American Medical
Association, 1999, 281:621-626.
67. Klevens J, Bayón MC, Sierra M. Risk factors and
the context of men who physically abuse in Bogotá,
Colombia. Child Abuse & Neglect, 2000, 24:323-332.
68. Starling SP, Holden JR. Perpetrators of abusive head
trauma: comparison of two geographic populations.
Southern Medical Journal, 2000, 93:463-465.
69. Levesque RJR. Sexual abuse of children: a human
rights perspective. Bloomington, IN, Indiana University
Press, 1999.
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 83
70. MacIntyre D, Carr A. The epidemiology of child
sexual abuse. Journal of Child Centred Practice,
1999:57-86.
71. Finkelhor D. A sourcebook on child sexual abuse.
London, Sage, 1986.
72. Briere JN, Elliott DM. Immediate and long-term
impacts of child sexual abuse. The Future of Children,
1994, 4:54-69.
73. Zununegui MV, Morales JM, Martínez V. Child
abuse: socioeconomic factors and health status.
Anales Españoles de Pediatria, 1997, 47:33-41.
74. Isaranurug S et al. Factors relating to the
aggressive behavior of primary caregiver toward a
child. Journal of the Medical Association of
Thailand, 2001, 84:1481-1489.
75. Sidebotham P, Golding J. Child maltreatment in
the ”Children of the Nineties”: a longitudinal study of
parental risk factors. Child Abuse & Neglect, 2001,
25:1177-1200.
76. Lindell C, Svedin CG. Physical abuse in Sweden: a
study of police reports between 1986 and 1996. Social
Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 2001,
36:150-157.
77. Khamis V. Child psychological maltreatment in
Palestinian families. Child Abuse & Neglect, 2000,
24:1047-1059.
78. Larrain S, Vega J, Delgado I. Relaciones familiares
y maltrato infantil [Family relations and child
abuse]. Santiago, United Nations Children’s Fund,
1997.
79. Tadele G, Tefera D, Nasir E. Family violence
against children in Addis Ababa. Addis Ababa,
African Network for the Prevention of and Protection
against Child Abuse and Neglect, 1999.
80. Helfer ME, Kempe RS, Krugman RD, eds. The
battered child. Chicago, IL, University of Chicago
Press, 1997.
81. Egeland B. A history of abuse is a major risk factor
for abusing the next generation. In: Gelles RJ, Loseke
DR, eds. Current controversies on family violence.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1993:197-208.
82. Ertem IO, Leventhal JM, Dobbs S.
Intergenerational continuity of child physical abuse:
how good is the evidence? Lancet, 2000, 356:814-
819.
83. Widom CS. Does violence beget violence? A
critical examination of the literature. Psychological
Bulletin, 1989, 106:3-28.
84. Children’s Bureau. The national child abuse and
neglect data system 1998. Washington, DC, United
States Department of Health and Human Services,
1999.
85. Runyan DK et al. Children who prosper in
unfavorable environments: the relationship to social
capital. Pediatrics, 1998, 101:12-18.
86. Cawson P et al. The prevalence of child
maltreatment in the UK. London, National Society
for the Prevention of Cruelty to Children, 2000.
87. De Paul J, Milner JS, Mugica P. Childhood
maltreatment, childhood social support and child
abuse potential in a Basque sample. Child Abuse &
Neglect, 1995, 19:907-920.
88. Bagley C, Mallick K. Prediction of sexual, emotional
and physical maltreatment and mental health
outcomes in a longitudinal study of 290 adolescent
women. Child Maltreatment, 2000, 5:218-226.
89. Gillham B et al. Unemployment rates, single parent
density, and indices of child poverty: their
relationship to different categories of child abuse and
neglect. Child Abuse & Neglect, 1998, 22:79-90.
90. Coulton CJ et al. Community-level factors and
child maltreatment rates. Child Development, 1995,
66:1262-1276.
91. Coulton CJ, Korbin JE, Su M. Neighborhoods
and child maltreatment: a multi-level study. Child
Abuse & Neglect, 1999, 23:1019-1040.
92. McLloyd VC. The impact of economic hardship
on black families and children: psychological distress,
parenting, and socioeconomic development. Child
Development, 1990, 61:311-346.
93. Korbin JE et al. Neighborhood views on the
definition and etiology of child maltreatment. Child
Abuse & Neglect, 2000, 12:1509-1527.
94. Bifulco A, Moran A. Wednesday’s child: research
into women’s experience of neglect and abuse in
childhood, and adult depression . London,
Routledge, 1998.
95. Briere JN. Child abuse trauma: theory and
treatment of lasting effects. London, Sage, 1992.
96. Lau JT et al. Prevalence and correlates of physical
abuse in Hong Kong Chinese adolescents: a
population-based approach. Child Abuse & Neglect,
1999, 23:549-557.
97. Fergusson DM, Horwood MT, Lynskey LJ.
Childhood sexual abuse and psychiatric disorder in
young adulthood. II: Psychiatric outcomes of
childhood sexual abuse. Journal of the American
Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 1996;
35:1365-1374.
98. Trowell J et al. Behavioural psychopathology of
child sexual abuse in schoolgirls referred to a tertiary
centre: a North London study. European Child and
84 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Adolescent Psychiatry, 1999, 8:107-116.
99. Anda R et al. Adverse childhood experiences and
smoking during adolescence and adulthood. Journal
of the American Medical Association, 1999, 282:1652-
1658.
100. Felitti V et al. Relationship of childhood abuse
and household dysfunction to many of the leading
causes of death in adults. American Journal of
Preventive Medicine, 1998, 14:245-258.
101. McBeth J et al. The association between tender
points, psychological distress, and adverse
childhood experiences. Arthritis and Rheumatism,
1999, 42:1397-1404.
102. Cooperman DR, Merten DF. Skeletal
manifestations of child abuse. In: Reece RM, Ludwig
S, eds. Child abuse: medical diagnosis and
management, 2nd ed. Philadelphia, PA, Lippincott
Williams & Wilkins, 2001:123-156.
103. Wattam C, Woodward C. ”… And do I abuse my
children? No!” Learning about prevention from people
who have experienced child abuse. In: Childhood
matters: the report of the National Commission of
Inquiry into the Prevention of Child Abuse. Vol. 2.
London, Her Majesty’s Stationery Office, 1996.
104. National Commission of Inquiry into the
Prevention of Child Abuse. Childhood matters: the
report of the National Commission of Inquiry into
the Prevention of Child Abuse. Vol. 1. London, Her
Majesty’s Stationery Office, 1996.
105. Olds D et al. Preventing child abuse and neglect:
a randomized trial of nurse home visitation. Pediatrics,
1986, 78:65-78.
106. Olds D et al. Long-term effects of home visitation
on maternal life course and child abuse and neglect:
fifteen-year follow-up of a randomized trial. Journal
of the American Medical Association, 1997, 278:637-
643.
107. The David and Lucile Packard Foundation. Home
visiting: recent program evaluations. The Future of
Children, 1999, 9:1-223.
108. MacMillan HL. Preventive health care, 2000
update: prevention of child maltreatment. Canadian
Medical Association Journal, 2000, 163:1451-1458.
109. Wolfe DA et al. Early intervention for parents at
risk of child abuse and neglect. Journal of Consulting
and Clinical Psychology, 1988, 56:40-47.
110. Wasik BH, Roberts RN. Survey of home visiting
programs for abused and neglected children and their
families. Child Abuse & Neglect, 1994, 18:271-283.
111. Kinney J et al. The homebuilder’s model. In:
Whittaker JK et al. Reaching high-risk families:
intensive family preservation in human services.
Modern applications of social work. New York, NY,
Aldine de Gruyter, 1990:31-64.
112. MacLeod J, Nelson G. Programs for the promotion
of family wellness and the prevention of child
maltreatment: a meta-analytic review. Child Abuse &
Neglect, 2000, 24:1127-1149.
113. Alpert EJ et al. Family violence curricula in US
medical schools. American Journal of Preventive
Medicine, 1998, 14:273-278.
114. Van Haeringen AR, Dadds M, Armstrong KL.
The child abuse lottery: will the doctor suspect and
report? Physician attitudes towards and reporting of
suspected child abuse and neglect. Child Abuse &
Neglect, 1998, 22:159-169.
115. Vulliamy AP, Sullivan R. Reporting child abuse:
pediatricians’ experiences with the child protection
system. Child Abuse & Neglect, 2000, 24:1461-1470.
116. Child maltreatment. Washington, DC, American
Medical Association, updated periodically (available
on the Internet at http://www. ama-assn.org/ama/ pub/
category/4663.html).
117. American Academy of Pediatrics. Guidelines
for the evaluation of sexual abuse of children: subject
review. Pediatrics, 1999, 103:186-191.
118. Reiniger A, Robison E, McHugh M. Mandated
training of professionals: a means for improving the
reporting of suspected child abuse. Child Abuse &
Neglect, 1995, 19:63-69.
119. Kutlesic V. The McColgan case: increasing the
public awareness of professional responsibility for
protecting children from physical and sexual abuse
in the Republic of Ireland: a commentary. Journal of
Child Sexual Abuse, 1999, 8:105-108.
120. LeBihan C et al. The role of the national education
physician in the management of child abuse. Santé
Publique, 1998, 10:305-310.
121. Díaz Huertes JA et al. Abused children: role of
the pediatrician. Anales Españoles de Pediatria, 2000,
52:548-553.
122. Finkel MA, DeJong AR. Medical findings in child
sexual abuse. In: Reece RM, Ludwig S, eds. Child
abuse: medical diagnosis and management, 2nd ed.
Philadelphia, PA, Lippincott Williams & Wilkins,
2001:207-286.
123. Jenny C. Cutaneous manifestations of child
abuse. In: Reece RM, Ludwig S, eds. Child abuse:
medical diagnosis and management, 2nd ed.
Philadelphia, PA, Lippincott Williams & Wilkins,
2001:23-45.
124. Leventhal JM. Epidemiology of sexual abuse of
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 85
children: old problems, new directions. Child Abuse
& Neglect, 1998, 22:481-491.
125. Giardino AP, Brayden RM, Sugarman JM.
Residency training in child sexual abuse evaluation.
Child Abuse & Neglect, 1998, 22:331-336.
126. Oates RK, Bross DC. What we have learned about
treating child physical abuse: a literature review of
the last decade. Child Abuse & Neglect, 1995,19:463-
473.
127. Fantuzzo JW et al. Effects of adult and peer social
initiations on the social behavior of withdrawn,
maltreated preschool children. Journal of Consulting
and Clinical Psychology, 1988, 56:34-39.
128. Finkelhor D, Berliner L. Research on the treatment
of sexually abused children: a review and
recommendations. Journal of the Academy of Child
Adolescent Psychiatry, 1995, 34:1408-1423.
129. O’Donohue WT, Elliott AN. Treatment of the
sexually abused child: a review. Journal of Clinical
Child Psychology, 1992, 21:218-228.
130. Vargo B et al. Child sexual abuse: its impact and
treatment. Canadian Journal of Psychiatry, 1988,
33:468-473.
131. Beutler LE, Williams RE, Zetzer HA. Efficacy of
treatment for victims of child sexual abuse. The Future
of Children, 1994, 4:156-175.
132. Groves BM. Mental health services for children
who witness domestic violence. The Future of
Children, 1999, 9:122-132.
133. Pelcovitz D, Kaplan SJ. Child witnesses of
violence between parents: psychosocial correlates
and implications for treatment. Child and Adolescent
Psychiatric Clinics of North America, 1994, 3:745-
758.
134. Pynoos RS, Eth S. Special intervention programs
for child witnesses to violence. In: Lystad M, ed.
Violence in the home: interdisciplinary perspectives.
Philadelphia, PA, Brunner/Mazel, 1986:193-216.
135. Jaffe P, Wilson S, Wolfe D. Promoting changes
in attitudes and understanding of conflict among child
witnesses of family violence. Canadian Journal of
Behavioural Science, 1986, 18:356-380.
136. Wagar JM, Rodway MR. An evaluation of a group
treatment approach for children who have witnessed
wife abuse. Journal of Family Violence, 1995, 10:295-
306.
137. Dube SR et al. Childhood abuse, household
dysfunction, and the risk of attempted suicide
throughout the lifespan. Journal of the American
Medical Association, 2001, 286:3089-3096.
138. Cahill C, Llewelyn SP, Pearson C. Treatment of
sexual abuse which occurred in childhood: a review.
British Journal of Clinical Psychology, 1991, 30:1-
12.
139. Hyman A, Schillinger D, Lo B. Laws mandating
reporting of domestic violence: do they promote
patient well-being? Journal of the American Medical
Association, 1995, 273:1781-1787.
140. Roelofs MAS, Baartman HEM. The Netherlands.
Responding to abuse: compassion or control? In:
Gilbert N, ed. Combatting child abuse: international
perspectives and trends. New York, NY, Oxford
University Press, 1997:192-211.
141. Durfee MJ, Gellert GA, Tilton-Durfee D. Origins
and clinical relevance of child death review teams.
Journal of the American Medical Association, 1992,
267:3172-3175.
142. Luallen JJ et al. Child fatality review in Georgia: a
young system demonstrates its potential for
identifying preventable childhood deaths. Southern
Medical Journal, 1998, 91:414-419.
143. Myers JEB. Legal issues in child abuse and
neglect practice. Thousand Oaks, CA, Sage, 1998.
144. Martone M, Jaudes PK, Cavins MK. Criminal
prosecution of child sexual abuse cases. Child Abuse
& Neglect, 1996, 20:457-464.
145. Cross TP, Whitcomb D, DeVos E. Criminal justice
outcomes of prosecution of child sexual abuse: a case
flow analysis. Child Abuse & Neglect, 1995, 19:1431-
1442.
146. MacIntyre D, Carr A. Evaluation of the
effectiveness of the Stay Safe primary prevention
programme for child sexual abuse. Child Abuse &
Neglect, 1999, 23:1307-1325.
147. Rispens J, Aleman A, Goudena PP. Prevention of
child sexual abuse victimization: a meta-analysis of
school programs. Child Abuse & Neglect, 1997,
21:975-987.
148. Hoefnagels C, Mudde A. Mass media and
disclosures of child abuse in the perspective of
secondary prevention: putting ideas into practice.
Child Abuse & Neglect, 2000, 24:1091-1101.
149. Hoefnagels C, Baartman H. On the threshold of
disclosure: the effects of a mass media field
experiment. Child Abuse & Neglect, 1997, 21:557-
573.
150. Boocock SS. Early childhood programs in other
nations: goals and outcomes. The Future of Children,
1995, 5:94-114.
151. Hesketh T, Zhu WX. Health in China. The onechild
family policy: the good, the bad, and the ugly.
86 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
CAPÍTULO 3. ABUSO INFANTIL E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DOS PAIS E OUTROS RESPONSÁVEIS · 87
British Medical Journal, 1997, 314:1685-1689.
152. Ramiro L, Madrid B, Amarillo M. The Philippines
WorldSAFE Study (Final report). Manila,
International Clinical Epidemiology Network, 2000.
153. Socolar RRS, Runyan DK. Unusual
manifestations of child abuse. In: Reece RM, Ludwig
S, eds. Child abuse: medical diagnosis and
management, 2nd ed. Philadelphia, PA, Lippincott

Violência perpetrada
por parceiros
íntimos
CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 91
Antecedentes
Uma das formas mais comuns de violência contra
as mulheres é a praticada por um marido ou um
parceiro íntimo. A situação em relação aos homens é
radicalmente diferente, pois geralmente o mais
provável é que eles sejam atacados por um estranho
ou mero conhecido do que por alguém que faça parte
de seu círculo íntimo de amizades (1-5). O fato de as
mulheres em geral estarem emocionalmente
envolvidas com quem as vitimiza, e dependerem
economicamente deles, tem grandes implicações tanto
para a dinâmica do abuso quanto para as abordagens
para se lidar com isso.
A violência perpetrada por parceiro íntimo ocorre
em todos os países, independentemente do grupo
social, econômico, religioso ou cultural. E apesar de
mulheres poderem ser violentas em seus
relacionamentos com homens e, às vezes, também
encontrarmos violência em relacionamentos com
parceiros do mesmo sexo, a grande carga da violência
de gênero [masculino/feminino] recai sobre as
mulheres nas mãos dos homens (6, 7). Por esse
motivo, este capítulo lidará com a questão da violência
praticada por homens contra suas parceiras.
Há muito, as organizações de mulheres no mundo
todo vêm chamando a atenção para a violência contra
as mulheres, especialmente para a violência de
gênero. Pelos esforços dessas organizações é que a
violência contra as mulheres atualmente se tornou
uma questão internacional. Inicialmente vista, em
grande parte, como uma questão de direitos humanos,
atualmente a violência de gênero é cada vez mais
encarada como um importante problema de saúde
pública.
A extensão do problema
Em uma relação íntima, a violência de gênero referese
a qualquer comportamento que cause dano físico,
psicológico ou sexual àqueles que fazem parte da
relação. Esse comportamento inclui:
· Atos de agressão física – tais como estapear,
socar, chutar e surrar.
· Abuso psicológico – tais como intimidação,
constante desvalorização e humilhação.
· Relações sexuais forçadas e outras formas de
coação sexual.
· Vários comportamentos controladores – tais
como isolar a pessoa de sua família e amigos,
monitorar seus movimentos e restringir seu
acesso às informações ou à assistência.
Quando o abuso ocorre repetidamente no mesmo
relacionamento, o fenômeno é freqüentemente
chamado de “espancamento” [battering].
Em 48 pesquisas realizadas com populações do
mundo todo, de 10% a 69% das mulheres relataram
ter sofrido agressão física por um parceiro íntimo em
alguma ocasião de suas vidas (ver Tabela 4.1). O
percentual de mulheres que foram agredidas por um
parceiro nos 12 meses anteriores variou de 3% ou
menos na Austrália, no Canadá e nos Estados
Unidos, a 27% das mulheres que algum dia já tiveram
um parceiro sexual em León na Nicarágua, 38% das
mulheres que estão casadas na República da Coréia,
e 52% das mulheres palestinas atualmente casadas
na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Para muitas dessas
mulheres, a agressão física não foi um evento isolado,
mas sim parte de um padrão contínuo de
comportamento abusivo.
As pesquisas indicam que a violência física nos
relacionamentos íntimos normalmente é
acompanhada por abuso psicológico e, de um terço a
mais da metade dos casos, por abuso sexual (3, 8-
10). Dentre 613 mulheres no Japão que alguma vez
sofreram abuso, por exemplo, 57% sofreram todos os
três tipos de abuso – físico, psicológico e sexual.
Menos de 10% dessas mulheres vivenciaram apenas
o abuso físico (8). Da mesma forma em Monterrey,
México, 52% das mulheres agredidas fisicamente
também sofreram abuso sexual praticado por seus
parceiros (11). A Figura 4.1 ilustra graficamente a
sobreposição dos tipos de abuso entre as mulheres
que já tiveram algum parceiro em León, na Nicarágua
(9).
A maioria das mulheres que são alvo da agressão
física geralmente passam por múltiplos atos de
agressão no decorrer do tempo. No estudo realizado
em León, por exemplo, 60% das mulheres que sofreram
abuso durante os anos anteriores, tinham sido
agredidas mais de uma vez, e 20% já haviam sofrido
violência grave mais de seis vezes. Dentre as
mulheres que relataram agressão física, 70% relataram
abuso grave (12). De acordo com uma pesquisa
realizada em Londres na Inglaterra, o número médio
de agressões físicas durante os anos anteriores, entre
as mulheres que atualmente sofrem abuso, foi sete
(13), enquanto nos Estados Unidos, em um estudo
nacional realizado em 1996, esse número foi de três
(5).
Em geral, diferentes tipos de abuso coexistem no
mesmo relacionamento. Contudo, os estudos de
predominância da violência doméstica são uma área
nova de pesquisa e, de forma geral, ainda não há
92 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
FIGURA 4.1
Sobreposição entre o abuso sexual, físico e psicológico
vividos por mulheres em León, na Nicarágua (N = 360
mulheres que alguma vez tiveram parceiros)
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 93
dados disponíveis sobre os diversos tipos de
violência de gênero, exceto por abuso físico. Os
números na Tabela 4.1, portanto, referem-se
exclusivamente à agressão física. Mesmo assim,
devido a diferenças metodológicas, os dados desses
estudos bem elaborados não são passíveis de
comparação direta. As estimativas relatadas de abuso
são altamente sensíveis às definições particulares
utilizadas, à forma como foram feitas as perguntas,
ao grau de privacidade nas entrevistas e à natureza
da população que está sendo estudada (14) (ver
Quadro 4.1). Portanto, as diferenças entre os países –
especialmente diferenças bem pequenas – poderiam
estar refletindo variações metodológicas em vez das
reais diferenças nas taxas de predominância.
Medindo a violência de gênero
Em pesquisas sobre a violência de gênero,
normalmente se pergunta às mulheres se elas
vivenciaram algum abuso, com base em uma lista de
atos específicos de agressão, inclusive ser estapeada
ou socada, chutada, surrada ou ser ameaçada com
uma arma. A pesquisa mostrou que questões
específicas de comportamento, tais como “Alguma
vez você foi forçada a ter relações sexuais contra a
sua vontade?” produzem maiores índices de resposta
positiva do que as questões que perguntam se a
mulher já foi “vítima de abuso” ou “estuprada” (17).
Essas perguntas específicas acerca de comportamento
permitem ainda que os pesquisadores meçam a
gravidade relativa e a freqüência do abuso sofrido. Os
atos físicos que são mais graves do que estapear,
empurrar ou jogar um objeto em uma pessoa,
normalmente, são definidos nos estudos como
“violência grave”, apesar de alguns observadores
fazerem objeção a definir a gravidade somente
conforme o ato (18).
Um enfoque voltado somente para os atos também
pode ocultar a atmosfera de terror que às vezes
permeia relacionamentos violentos. Por exemplo, em
uma pesquisa nacional relativa a violência contra
mulheres, realizada no Canadá, um terço das mulheres
que haviam sido fisicamente agredidas por um parceiro
disseram que, em algum ponto do relacionamento,
temeram por suas vidas (19). Apesar de, por ela ser
mais facilmente conceituada e mensurada, os estudos
internacionais terem se concentrado na violência
física, estudos qualitativos indicam que algumas
mulheres consideram o abuso psicológico e a
degradação ainda mais intoleráveis do que a violência
física (1, 20, 21).
Violência de gênero e assassinato
Os dados provenientes de uma grande variedade
de países indicam que a violência de gênero é
responsável por um significativo número de mortes
por assassinato entre as mulheres. Estudos realizados
na África do Sul, na Austrália, no Canadá, nos Estados
Unidos e em Israel mostram que, das mulheres vítimas
de assassinato, de 40 a 70% foram mortas por seus
maridos ou namorados, normalmente no contexto de
um relacionamento de abusos constantes (22 – 25).
Esse fato contrasta totalmente com a situação dos
homens vítimas de assassinato. Nos Estados Unidos,
por exemplo, apenas 4% dos homens assassinados
entre 1976 e 1996 foram mortos por suas esposas, exesposas
ou namoradas (26). Na Austrália, no período
de 1989 a 1996, o percentual foi de 8,6% (27).
Em diferentes países, os fatores culturais e a
disponibilidade de armas definem os perfis dos
assassinos de parceiros íntimos. Nos Estados Unidos,
os assassinatos de mulheres são cometidos mais com
revólveres do que com todos os outros tipos de armas
combinados (28). Na Índia, os revólveres são raros,
mas são comuns as mortes por surras e por
queimaduras. Um estratagema freqüente é encharcar
uma mulher com querosene e depois dizer que ela
morreu em um “acidente na cozinha”. As autoridades
de saúde pública na Índia desconfiam que muitos
assassinatos de mulheres são classificados nas
estatísticas oficiais como “queimaduras acidentais”.
Um estudo realizado em meados da década de 1980
concluiu que entre as mulheres na faixa etária de 15 a
Jamais
Abusado
97
Pissicologicamente
Abusado
71
Sexualidade
Abusado
1
Físico
Abusado
5
109
74
3
Referência: 9
QUADRO 4.1
Tornando os dados sobre violência de gênero mais comparáveis.
Diversos fatores afetam a qualidade e a comparabilidade dos dados sobre violência de gênero,
inclusive:
— inconsistências na forma como se definem violência e abuso;
— variações nos critérios de seleção para os participantes do estudo;
— diferenças resultantes das fontes de dados;
— a disponibilidade dos entrevistados em falar aberta e honestamente sobre as
experiências com violência.
Devido a esses fatores, a maioria dos números predominantes acerca da violência de gênero, extraídos
de estudos diferentes, não pode ser comparada diretamente. Por exemplo, nem todos os estudos separam
diferentes tipos de violência, portanto nem sempre é possível diferenciar os atos de violência física,
sexual e psicológica. Alguns estudos analisam apenas atos violentos ocorridos nos últimos 12 meses ou
5 anos, enquanto outros medem as experiências de toda a vida.
Há também uma variação considerável nas populações de estudos utilizadas na pesquisa. Muitos
estudos relativos a violência de gênero incluem todas as mulheres de uma determinada faixa etária,
enquanto outros entrevistam apenas as mulheres que atualmente estão casadas ou que foram casadas.
Tanto a idade quanto o estado civil estão associados ao risco de uma mulher ser vítima de abuso por
parte do parceiro. Os critérios de seleção para os participantes podem, assim, afetar consideravelmente
as estimativas sobre a predominância de abuso em uma população.As estimativas de predominância
também podem variar segundo a fonte dos dados. Diversos estudos nacionais produziram estimativas
sobre a predominância de violência de gênero – estimativas essas que geralmente estão abaixo daquelas
obtidas em estudos menores e em profundidade acerca das experiências das mulheres com relação à
violência. Os estudos menores e em profundidade tendem a se concentrar mais na interação entre os
entrevistadores e os entrevistados. Esses estudos também tendem a cobrir o assunto muito mais
detalhadamente do que a maioria das pesquisas nacionais.
As estimativas de predominância entre os dois tipos de estudos também podem variar devido a
alguns fatores anteriormente mencionados, inclusive diferenças nas populações do estudo e nas
definições de violência.
Melhorando o fornecimento das informações
Todos os estudos sobre assuntos delicados, como a violência, enfrentam o problema de como
conseguir que as pessoas se abram sobre aspectos íntimos de suas vidas. Em parte, o sucesso vai
depender da forma como as questões são preparadas e apresentadas, e de quão confortáveis os
entrevistados se sentem durante a entrevista. Esse último aspecto depende de fatores como o sexo do
entrevistador, a duração da entrevista, a presença ou não de outras pessoas e o quanto o entrevistado
parece estar interessado e não estar fazendo juízo de valor.
Diversas estratégias podem melhorar o fornecimento de informações dentre elas:
ß Durante uma entrevista, dar ao entrevistado várias oportunidades de poder revelar a
violência.
ß Utilizar perguntas específicas acerca de comportamentos, ao invés de perguntas subjetivas
como “Você já sofreu abuso?”.
ß Selecionar cuidadosamente os entrevistadores e treiná-los para que desenvolvam uma
boa conversa com os entrevistados.
ß Dar apoio aos entrevistados para ajudar a evitar a retaliação por parte de um parceiro ou
um membro da família que comete abusos
94 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 95
Continuação:
Em todas as estratégias para melhorar a pesquisa sobre violência, a segurança dos entrevistados e
dos entrevistadores deve ser sempre levada em consideração.
Recentemente, a Organização Mundial de Saúde publicou as diretrizes que lidam com questões
éticas e de segurança na pesquisa sobre violência contra as mulheres (15). As diretrizes para definir e
medir a violência de gênero e a agressão sexual estão sendo desenvolvidas para ajudar a melhorar a
comparabilidade dos dados. Algumas dessas diretrizes já estão disponíveis (16) (ver também Recursos).
44 anos na grande Bombaim e em outras áreas urbanas
do estado de Maharashtra, uma de cada cinco mortes
era atribuída a “queimaduras acidentais”. (29).
Noções tradicionais de honra masculina
Em muitos lugares, as noções de honra masculina
e castidade feminina colocam as mulheres em risco
(ver também o Capítulo 6). Por exemplo, em algumas
partes do Mediterrâneo Oriental, a honra de um
homem muitas vezes está ligada à “pureza” sexual
das mulheres de sua família. Se uma mulher tem sua
castidade “violada” – seja por estupro ou por
envolver-se voluntariamente em relação sexo fora do
casamento – ela é considerada uma desgraça para a
honra da família. Em algumas sociedades, a única
forma de limpar a honra da família é matar a
“criminosa”, seja ela uma mulher ou uma menina. Um
estudo sobre mortes de mulheres por assassinato,
realizado em Alexandria, no Egito, concluiu que 47%
das mulheres foram assassinadas por um parente,
depois de terem sido estupradas por alguém (30).
A dinâmica da violência de gênero
Pesquisas recentes em países industrializados
indicam que as formas de violência de gênero que
ocorrem não são as mesmas para todos os casais que
vivenciam conflitos violentos. Parece haver pelo
menos dois padrões (31, 32):
· Uma forma grave e crescente de violência,
caracterizada por diversas formas de abuso, terror
e ameaças, e um comportamento cada vez mais
possessivo e controlador por parte de quem pratica
o abuso.
· Uma forma mais moderada de violência no
relacionamento, onde a frustração constante e a
raiva ocasionalmente irrompem em agressão
física.
Os pesquisadores acreditam que as pesquisas em
comunidade são mais adequadas para detectar o
segundo padrão, ou seja, uma forma mais moderada
de violência – também conhecida como “violência
comum de casal” – do que o tipo grave de abuso
nomeada como “espancamento” (battering). Isso
pode ajudar a explicar porque as pesquisas sobre
violência feitas em comunidades de países
industrializados, normalmente, encontram evidências
substanciais de agressão física praticada por
mulheres, apesar de serem mulheres a grande maioria
das vítimas que procuram os provedores de serviços
(em abrigos, por exemplo), a polícia ou os tribunais.
Apesar de nos países industrializados haver
evidências de que as mulheres participam da violência
comum de casal, há poucos indícios de que as
mulheres sujeitem os homens ao mesmo tipo de
violência grave e crescente freqüentemente vista em
exemplos clínicos de mulheres vítimas de agressões
constantes (32, 33).
Da mesma forma, a pesquisa indica que as
conseqüências da violência de gênero são diferentes
para homens e mulheres, bem como os motivos que
levam as pessoas a praticá-la. Estudos realizados no
Canadá e nos Estados Unidos mostraram que as
mulheres têm muito mais probabilidade de serem
machucadas durante as agressões por parceiros
íntimos do que os homens, e que as mulheres sofrem
formas mais graves de violência (5, 34 – 36). No
Canadá, as vítimas femininas da violência de gênero
estão três vezes mais sujeitas a lesões, cinco vezes
mais sujeitas a receber assistência médica e cinco
vezes mais sujeitas a temer por suas vidas do que as
vítimas masculinas (36). Em situações em que ocorre
a violência praticada por mulheres é mais provável
que ela seja uma forma de autodefesa (32, 37, 38).
Em sociedades mais tradicionais, surrar a esposa
é, em grande parte, considerado como uma
conseqüência do direito do homem de infligir
punições físicas à sua esposa – dado obtido a partir
de estudos em países tão diversos como Bangladesh,
Camboja, Índia, México, Nigéria, Papua Nova Guiné,
Paquistão, República Unida da Tanzânia e Zimbábue
96 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
(39 – 47). As justificativas culturais para a violência
geralmente decorrem de noções tradicionais dos
papéis característicos dos homens e das mulheres.
Em muitos cenários, as mulheres devem cuidar dos
filhos e de seus lares, mostrar obediência a seu marido
e também respeito. Se um homem achar que a mulher
não cumpriu seu papel ou ultrapassou os limites –
mesmo, por exemplo, ao pedir dinheiro para casa ou
ao enfatizar as necessidades das crianças – então a
violência pode ser a resposta dele. Como observa o
autor do estudo no Paquistão, “Bater na esposa para
castigá-la ou discipliná-la é encarado como sendo
justificável em termos culturais e religiosos […] Como
os homens são vistos como os ‘donos’ de suas
esposas, é necessário mostrar a elas quem manda
para desestimular futuras transgressões”.
Uma grande variedade de estudos, tanto em
países industrializados quanto em países emergentes,
produziram uma lista consistente de eventos que,
dizem, disparam o gatilho da violência de gênero (39
– 44). Dentre esses eventos, podemos citar:
— não obedecer ao homem;
— retrucar;
— não estar com a comida preparada na hora;
— não cuidar de forma adequada das crianças
ou da casa;
— questionar o homem sobre dinheiro ou
namoradas;
— ir a algum lugar sem a permissão do homem;
— recusar sexo ao homem;
— o homem suspeitar da infidelidade da mulher.
Em muitos países emergentes, as mulheres em
geral concordam com a idéia de que os homens têm
direito a disciplinar suas esposas, até pela força se
for necessário (ver Tabela 4.2). No Egito, mais de
80% das mulheres rurais são da opinião de que as
surras são justificadas em determinadas
circunstâncias (48). É significativo o fato de que uma
das razões que as mulheres citam com maior
freqüência como causa para apanhar é a mulher negar
sexo ao homem (48 – 51). Não é de surpreender que
negar sexo seja uma das razões que as mulheres citam
com maior freqüência como um gatilho para surras
(40, 52 – 54). Obviamente, isso traz implicações para
a capacidade das mulheres de se protegerem contra
gravidez indesejada e contra infecções sexualmente
transmitidas.
As sociedades normalmente fazem a distinção
entre motivos “justos” e “injustos” para o abuso,
bem como entre níveis “aceitáveis” e “inaceitáveis”
de violência. Desta forma, algumas pessoas –
geralmente maridos ou membros mais velhos da família
– têm o direito de punir uma mulher fisicamente, sem
limites, por determinadas transgressões. Somente se
o homem ultrapassar essas fronteiras – por exemplo,
tornando-se muito violento ou espancando uma
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 97
Geralmente a resposta de uma mulher ao abuso é
limitada pelas opções que lhe são disponíveis (60).
Estudos qualitativos profundos sobre as mulheres
nos Estados Unidos, na África, na América Latina,
na Ásia e na Europa mostram que diversos fatores
podem manter a mulher em relacionamentos
econômicos, preocupação com as crianças,
dependência emocional, falta de apoio da família e de
amigos e uma esperança de que o homem vá mudar
(9, 40, 42, 62, 63). Em países emergentes, as mulheres
citam ainda a estigmatização associada ao fato de
não ser casada como uma barreira adicional para
abandonar o relacionamento abusivo (40, 56, 64).
A negação e o medo de ser socilmente jogada ao
ostracismo normalmente evitam que as mulheres
busquem ajuda. Estudos mostraram que cerca de 20
a 70 % das mulheres que sofreram abuso nunca
falaram com outra pessoa sobre o abuso até terem
sido entrevistadas para o estudo (ver Tabela 4.3).
Aquelas que buscam ajuda, buscam-na
principalmente nos familiares e amigos, de preferência
às instituições. Apenas uma pequena minoria procura
a polícia.
Apesar dos obstáculos, muitas mulheres que
sofreram abuso eventualmente largam seus parceiros
violentos, às vezes só depois de muitos anos, de
terem crescido os filhoos. No estudo realizado em
Leon, na Nicarágua, por exemplo, 70% das mulheres
eventualmente largaram seus par4ceiros que
cometiam abusos (65). O tempo médio que uma
mulher gastava em uma relação violenta era de cerca
de seis anos, apesar de ser mais provável que as
mulher sem uma causa aceitável
– os outros interferirão (39, 43,
55, 56).
Essa noção de “motivo justo”
é encontrada em muitos dos
dados qualitativos sobre
violência no mundo em
desenvolvimento. Uma mulher
indígena no México comentou,
“Eu acho que se a mulher é
culpada, o marido tem o direito
de bater nela […] Se eu tiver feito
alguma coisa errada […] ninguém
deve me defender. Mas, se eu não
tiver feito alguma coisa errada,
eu tenho o direito de ser
defendida” (43). No norte e no
sul da Índia são encontrados
sentimentos semelhantes entre
grupos-alvo participantes. “Se
for um grande erro”, comentou uma mulher em Tâmil
Nadu, “então o marido tem razão em bater na esposa
dele. Por que não? Uma vaca não vai obedecer sem
apanhar” (47).
Mesmo quando a própria cultura garante ao
homem um significativo controle sobre o
comportamento feminino, os homens abusivos
geralmente ultrapassam a norma (49, 57, 58).
Estatísticas da Pesquisa Demográfica e de Saúde
realizada na Nicarágua, por exemplo, mostram que
entre as mulheres que sofreram abuso físico, 32%
tinham maridos com alto “controle marital”, em
comparação a apenas 2% entre mulheres que não
sofriam abuso físico. A escala incluía diversos
comportamentos por parte do marido, inclusive
acusações contínuas de que a mulher estaria sendo
infiel e restringindo o acesso dela à família e aos
amigos (49).
Como as mulheres reagem ao abuso?
Estudos qualitativos confirmaram que a maioria
das mulheres que sofreram abusos não são vítimas
passivas, mas, ao contrário, adortaram estratégias
ativas para maximizar sua segurança e a segurança
de seus filhos. Algumas mulheres residem, outras
fogem, enquanto outras tentam manter a paz cedendo
às demandas do marido (3, 59-61). O que ao
observador externo pode parecer uma falta de
resposta positiva por parte da mulher pode, na
verdade, ser uma avaliação calculada do que é
necessário para sobreviver no casamento e proteger
a si mesma e aos filhos .
mulheres mais jovens abandonassem
esse tipo de relacionamento mais
cedo (9). Os estudos indicam que há
um conjunto consistente de fatores
que levam as mulheres a se
separarem definitivamente de
parceiros que cometem abuso.
Normalmente, isso ocorre quando a
violência se torna grave o bastante
para despertar a consciência de que
o parceiro nãp mudará, ou quando a
situação começa a afetar visivelmente
as crianças. As mulheres também mencionaram o
apoio emocional e logístico da família ou dos amigos
como sendo fundamental na decisão de terminar o
relacionamento (61, 63, 66 – 68).
De acordo com a pesquisa, deixar um
relacionamento abusivo é um processo e não um
evento “definitivo”. A maioria das mulheres deixa e
retorna várias vezes ao relacionamento antes de
finalmente decidir dar um fim à relação. O processo
inclui períodos de negação, de culpar a si mesma e de
sofrimento antes de a mulher chegar a reconhecer a
realidade do abuso e identificar-se com outras
mulheres em situações semelhantes. Neste ponto,
ela começa a desvincular-se e recuperar-se do
relacionamento de abuso (69). O reconhecimento da
existência desse processo pode ajudar as pessoas a
entenderem mais e julgarem menos as mulheres que
voltam para situações de abuso.
Infelizmente, deixar um relacionamento de abuso,
por si só, nem sempre garante a segurança. Às vezes,
a violência pode continuar e pode até mesmo
aumentar depois que uma mulher larga o seu parceiro
(70). Na verdade, na Austrália, no Canadá e nos
Estados Unidos, uma significativa parcela de
homicídios de parceiros íntimos envolvendo mulheres
ocorre mais ou menos quando a mulher está tentando
deixar um parceiro que comete abuso (22, 27, 71,
72).
Quais os fatores de risco para a
violência praticada por parceiros
íntimos?
Só recentemente os pesquisadores começaram a
buscar os fatores individuais e comunitários que
podem afetar o índice de violência de gênero. Apesar
de a violência contra mulheres existir na maioria dos
lugares, há exemplos de sociedades pré-industriais
onde a violência praticamente inexiste (73, 74). Essas
sociedades servem de testemunho de que as relações
sociais podem ser organizadas de forma a minimizar a
violência contra as mulheres.
Em muitos países, o predomínio da violência
doméstica varia substancialmente entre áreas
vizinhas. Essas diferenças locais, em geral, são
maiores do que as diferenças entre fronteiras
nacionais. Por exemplo, no estado de Uttar Pradesh,
na Índia, o percentual de homens que admitem que
batem em suas esposas variou de 18% no município
de Naintal para 45% no município de Banda. A
proporção de homens que forçava fisicamente suas
esposas a fazerem sexo variou de 14% a 36% entre os
municípios (ver Tabela 4.4). Essas variações levantam
uma questão interessante e instigante: o que acontece
com esses cenários, que pode ser responsável pelas
grandes diferenças em relação à agressão física e
sexual?
Recentemente, aumentou o interesse dos
pesquisadores em explorar essas questões, embora a
base de pesquisa atual não seja adequada para a
tarefa. Nossa atual compreensão acerca dos fatores
que afetam o predomínio da violência de gênero
baseia-se, em grande parte, em estudos realizados na
América do Norte, que podem não ser
necessariamente relevantes para outros cenários. Há
diversos estudos de população realizados em países
emergentes, mas a utilidade desses estudos para
investigar fatores de risco e de proteção é limitada,
por seu projeto transversal e pelo limitado número de
fatores de prognóstico que exploram. De forma geral,
a base atual da pesquisa é direcionada muito mais à
investigação de fatores individuais do que aos fatores
comunitários ou sociais que podem afetar a
probabilidade de abuso.
Na verdade, mesmo havendo um consenso
emergente de que há uma interação de fatores
pessoais, situacionais, sociais e culturais que se
combinam para causar o abuso (55, 75), ainda é
limitada a informação sobre quais são os fatores mais
98 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
importantes. A Tabela 4.5 resume os fatores que foram
colocados como estando relacionados ao risco de
perpetrar violência contra um parceiro íntimo.
Contudo, essas informações devem ser vistas como
incompletas e altamente experimentais. Vários fatores
importantes podem estar faltando, porque nenhum
estudo avaliou seu significado, enquanto outros
fatores podem se mostrar simplesmente
correlacionados à agressão praticada pelo parceiro,
ao invés de verdadeiros fatores causais.
Fatores individuais
Black e outros reviram recentemente a literatura
de ciência social produzida na América do Norte, que
versa sobre os fatores de risco na agressão física a
um parceiro íntimo (76). Eles analisaram apenas os
estudos que consideraram metodologicamente
consistentes e que utilizaram uma amostra
comunitária representativa ou uma amostra clínica
com um grupo de controle adequado. Diversos
fatores demográficos, de histórico pessoal e de
personalidade surgiram a partir dessa análise,
freqüentemente vinculados à probabilidade de um
homem agredir fisicamente uma parceira íntima.
Dentre os fatores demográficos, pouca idade e baixa
renda foram freqüentemente descritos como fatores
vinculados à probabilidade de um homem cometer
violência física contra uma parceira.
Alguns estudos revelaram uma relação entre a
agressão física e as medidas combinadas de caráter
socioeconômico e nível educacional, apesar de os
dados não serem totalmente consistentes. O Estudo
sobre Saúde e Desenvolvimento realizado em
Dunedin, Nova Zelândia – um dos poucos estudos
longitudinais, de coorte de nascimento para explorar
a violência de gênero – concluiu que a pobreza familiar
na infância e na adolescência, o baixo rendimento
acadêmico e a delinqüência agressiva na faixa etária
de 15 anos dão um forte indício de abuso físico de
parceiras, praticado por homens na idade de 21 anos
(77). Esse estudo foi um dos poucos que avaliou se
os mesmos fatores de risco dão um prognóstico de
agressão a um(a) parceiro(a), tanto por parte dos
homens quanto das mulheres.
Histórico de violência na família
Entre os fatores de história pessoal, a violência
na família de origem apareceu como um fator de risco
particularmente importante para a agressão à parceira
cometida pelos homens. Estudos realizados no Brasil,
no Camboja, no Canadá, no Chile, na Colômbia, na
Costa Rica, em El Salvador, na Indonésia, na
Nicarágua, na Espanha, nos Estados Unidos e na
Venezuela chegaram à conclusão de que os índices
de abuso eram muito mais altos entre as mulheres
cujos maridos ou apanharam quando criança ou viram
suas mães apanhar (12, 57, 76, 78 – 81). Apesar de
os homens que abusam fisicamente de suas esposas
normalmente apresentarem um histórico de violência,
nem todos os meninos que testemunham violência
ou sofrem abuso tornam-se perpetradores de abusos
quando crescem (82). Uma importante questão
teórica neste caso é: o que diferencia os homens que,
apesar das adversidades que enfrentaram na infância,
conseguem criar relacionamentos saudáveis e não
violentos, daqueles que se tornam perpetradores de
abusos?
Uso do álcool pelos homens
Outro indicador de risco para a violência de gênero
que aparece consistente em diferentes cenários é o
uso de bebida alcoólica pelos homens (81, 83 – 85).
Na metanálise supracitada, realizada por Black e
outros, qualquer estudo que tenha analisado o uso
de álcool ou o excesso de bebida como um fator de
risco para violência de gênero descobriu uma
significativa associação, com coeficientes de
correlação que variam de r = 0,21 a r = 0,57. Pesquisas
baseadas na população realizadas no Brasil, no
Camboja, no Canadá, no Chile, na Colômbia, na Costa
Rica, em El Salvador, na Índia, na Indonésia, na
Nicarágua, na África do Sul, na Espanha e na
Venezuela também encontraram uma relação entre o
risco de uma mulher sofrer violência e os hábitos de
beber de seu parceiro (9, 19, 79 – 81, 86, 87).
Contudo, há controvérsias sobre a natureza da
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 99
relação entre o uso de álcool e a violência, bem como
se tal relação é realmente causal. Muitos
pesquisadores acreditam que o álcool funciona como
um fator situacional, aumentando a probabilidade de
violência, ao reduzir as inibições, anuviar o julgamento
e coibir a capacidade da pessoa de interpretar os
sinais (88). O excesso de bebida também pode
aumentar a violência de gênero ao estimular as brigas
entre os casais. Outros argumentam que o vínculo
entre a violência e o álcool depende da cultura e existe
apenas em cenários onde a expectativa coletiva é de
que a bebida causa ou justifica determinados
comportamentos (89, 90). Na África do Sul, por
exemplo, os homens falam de usar o álcool de forma
premeditada, para ganhar a coragem necessária para
bater em suas parceiras, como acham que é
socialmente esperado deles (9).
Apesar das opiniões conflitantes acerca do papel
causal desempenhado pelo abuso de álcool, a
evidência é de que as mulheres que vivem com
homens que bebem correm um risco muito maior de
sofrer violência por parte de seus parceiros, e que os
homens que bebem são muito mais violentos na hora
da agressão (57). De acordo com a pesquisa sobre
violência contra as mulheres, realizada no Canadá,
por exemplo, a probabilidade das mulheres que viviam
com parceiros que bebiam demais serem agredidas
por eles era cinco vezes maior do que a probabilidade
das mulheres que viviam com homens que não
bebiam (19).
Distúrbios da personalidade
Diversos estudos tentaram identificar se
determinados fatores ou distúrbios da personalidade
estão consistentemente relacionados à violência de
gênero. Estudos realizados no Canadá e nos Estados
Unidos mostraram que há uma maior probabilidade
de que os homens que agridem suas esposas sejam
emocionalmente dependentes, inseguros e tenham
baixa auto-estima e, assim, é mais provável que
tenham dificuldades em controlar seus impulsos (33).
Também é mais provável que, em relação a suas
contrapartes não violentas, eles mostrem maior raiva
e hostilidade, que sejam depressivos e obtenham alta
pontuação em determinadas escalas de distúrbios da
personalidade, inclusive distúrbios da personalidade
anti-social, agressiva e de limites. Apesar de os
índices de psicopatologia normalmente serem maiores
entre os homens que abusam de suas esposas, nem
todos os homens que praticam o abuso físico mostram
esses tipos de distúrbio psicológico. A proporção
de agressões praticadas por parceiro que têm algum
vínculo com uma psicopatologia parece ser
relativamente baixa em cenários onde a violência de
gênero é comum.
Fatores de relacionamento
Em um nível interpessoal, o fator mais consistente
para o aparecimento da violência de gênero é o conflito
ou a discórdia no relacionamento. Nos estudos
analisados por Black e outros, o conflito marital tem
uma relação de moderada a forte com a agressão à
parceira, praticada pelos homens (76). Também se
observou que esse conflito é indicativo da violência
de gênero em um estudo de população entre homens
e mulheres realizado na África do Sul (87) e em uma
amostra representativa de homens casados em
Bancoc, na Tailândia (92). No estudo realizado na
Tailândia, o conflito marital verbal mostrou estar
significativamente relacionado à agressão física da
esposa, mesmo depois de controlar a situação
socioeconômica, o nível de estresse do marido e
outros aspectos relacionados ao casamento, tal como
companheirismo e estabilidade (92).
Fatores comunitários
Uma situação socioeconômica elevada
normalmente parece oferecer uma certa proteção
contra o risco de violência física contra um parceiro
íntimo, apesar de haver exceções (39). Estudos
realizados em diversos cenários mostram que, mesmo
que a violência física contra parceiros esteja presente
em todos os grupos socioeconômicos, as mulheres
que vivem em pobreza são muitíssimo mais afetadas
(12, 19, 49, 78, 79, 81, 92 – 96).
Ainda não está claro por que a pobreza aumenta
o risco de violência – se é por causa da baixa renda
por si só ou devido a outros fatores que acompanham
a pobreza, tal como superpopulação ou falta de
esperança. Para alguns homens, viver na pobreza
pode gerar estresse, frustração e uma sensação de
inadequação por não ter conseguido cumprir seu
papel de provedor, como é culturalmente esperado.
A pobreza também pode ser fonte de material para
brigas no casamento ou fazer com que seja mais difícil
que as mulheres abandonem seus relacionamentos
violentos ou, de alguma outra forma, insatisfatórios.
Quaisquer que sejam os mecanismos exatos, é
provável que a pobreza atue como um “marco” para
diversas condições sociais que se combinam para
aumentar o risco enfrentado pelas mulheres (55).
A maneira como uma comunidade responde à
violência de gênero pode afetar todos os níveis de
abuso naquela comunidade. Em um estudo
100 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
comparativo de 16 sociedades com altos ou baixos
índices de violência de gênero, Counts, Brown e
Campbell descobriram que as sociedades com os
níveis mais baixos de violência de gênero eram as
que tinham sanções comunitárias contra violência
de gênero e aquelas onde as mulheres que sofreram
abuso tinham acesso a um refúgio, na forma de
abrigos ou de apoio da família (73). As sanções
comunitárias, ou proibições, podem tomar a forma de
sanções legais formais ou de pressão moral dos
vizinhos para intervir se uma mulher estiver
apanhando. Essa estrutura de “sanções e refúgios”
sugere a hipótese de que a violência contra parceiro
íntimo será maior em sociedades onde a posição da
mulher está em um estado de transição. Nos cenários
em que as mulheres ocupam uma posição muito baixa,
a violência não é “necessária” para impor a autoridade
masculina. Por outro lado, onde as mulheres
desfrutam de uma posição elevada, provavelmente
elas conseguiram coletivamente um poder suficiente
para mudar os papéis tradicionais dos gêneros. Assim
sendo, a violência de gênero normalmente é maior
quando as mulheres começam a assumir papéis não
tradicionais ou começam a ser parte da mão de obra.
Vários outros fatores comunitários têm sido
sugeridos como prováveis fatores que afetam a
incidência geral de violência de gênero, mas poucos
deles foram testados empiricamente. Um estudo que
está sendo realizado em vários países, patrocinado
pela Organização Mundial de Saúde em oito países
(Bangladesh, Brasil, Japão, Namíbia, Peru, Samoa,
Tailândia e República Unida da Tanzânia) está
coletando dados sobre diversos fatores em nível de
comunidade para analisar a possível relação com a
violência de gênero. Esses fatores incluem:
· Índices de outro crime violento.
· Capital social (ver Capítulo 2).
· Normas sociais que tenham a ver com
privacidade familiar.
· Normas comunitárias relativas à autoridade do
homem sobre a mulher.
O estudo lançará uma luz sobre as contribuições
relativas dos fatores individuais e comunitários para
os índices de violência de gênero.
Fatores sociais
Estudos de pesquisa entre culturas trouxeram à
tona diversos fatores sociais e culturais que podem
dar origem a níveis mais elevados de violência.
Levinson, por exemplo – explorando os fatores que
freqüentemente diferenciam as sociedades onde o
espancamento da esposa é comum daquelas onde tal
prática é rara ou inexiste -, usou a análise estatística
de dados etnográficos codificados de 90 sociedades
para analisar os padrões culturais do espancamento
da esposa (74). A análise de Levinson indica que o
espancamento da esposa ocorre com maior freqüência
em sociedades onde os homens têm poder econômico
e de decisão no lar, onde as mulheres não têm acesso
fácil ao divórcio e onde os adultos normalmente
recorrem à violência para resolver seus conflitos.
Nesse estudo, o segundo maior indicador da
freqüência de espancamento da esposa foi a
inexistência de grupos de trabalho compostos
totalmente por mulheres. Levinson desenvolve a
hipótese de que a presença de grupos de trabalho
femininos oferece proteção contra o espancamento
de esposas, porque garantem às mulheres uma fonte
estável de apoio social, assim como independência
econômica de seus maridos e de suas famílias.
Diversos pesquisadores propuseram uma série
de fatores adicionais que podem contribuir para
índices mais elevados de violência de gênero. Por
exemplo, tem-se argumentado que a violência de
gênero é mais comum em lugares onde guerras ou
outros tipos de conflitos ou rebeliões sociais estejam
ocorrendo, ou ocorreram recentemente. Nos lugares
onde a violência se tornou um lugar comum e as
pessoas têm fácil acesso a armas, as relações sociais
– inclusive os papéis dos homens e das mulheres –
freqüentemente são rompidas. Durante esses
períodos de rompimento econômico e social, as
mulheres normalmente se tornam mais independentes
e assumem maior responsabilidade econômica,
enquanto os homens podem se tornar menos capazes
de desempenhar seus papéis socialmente esperados
de protetores e provedores. Esses fatores bem podem
aumentar a violência de gênero, mas as evidências
nesse sentido ainda são bastante empíricas.
Outros sugeriram que a desigualdade estrutural
entre homens e mulheres, os rígidos papéis dos
gêneros e as noções de virilidade ligadas ao domínio,
à honra masculina e à agressão servem para aumentar
o risco de violência de gênero (55). Mais uma vez,
embora essas hipóteses pareçam razoáveis, elas ainda
precisam ser comprovadas por sólidas evidências.
As conseqüências da violência
praticada por parceiros íntimos
As conseqüências do abuso são profundas, indo
além da saúde e da felicidade das pessoas, chegando
até mesmo a afetar o bem-estar de comunidades
inteiras. Viver em um relacionamento violento afeta o
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 101
senso de auto-estima de uma mulher e sua capacidade
de participar no mundo. Estudos mostraram que
mulheres que sofreram abuso são rotineiramente
restringidas em suas formas de ter acesso a
informações e serviços, participar da vida pública e
receber apoio emocional de amigos e parentes. Não é
de surpreender que, freqüentemente, essas mulheres
não consigam cuidar de si mesmas e de suas crianças,
tampouco consigam procurar empregos e seguir
carreiras.
Impacto na saúde
Um ramo crescente da pesquisa está mostrando
que viver com um parceiro que comete abusos pode
causar um profundo impacto na saúde de uma mulher.
A violência tem sido vinculada a uma série de
diferentes resultados em saúde, tanto imediatos
quanto em longo prazo. A Tabela 4.6 se baseia na
literatura científica para resumir as conseqüências
que têm sido associadas à violência praticada por
parceiros íntimos. Apesar da violência poder ter
conseqüências diretas na saúde, tais como lesões,
ser uma vítima da violência também aumenta o risco
de uma mulher vir a ter uma saúde precária no futuro.
Assim como as conseqüências do uso do tabaco e
do álcool, ser uma vítima de violência pode ser
102 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
considerado como um fator de risco para diversas
doenças e problemas de saúde.
Estudos mostram que as mulheres que sofreram
abuso físico ou sexual na infância ou na fase adulta
têm mais problemas de saúde do que as outras
mulheres – em relação ao funcionamento físico, ao
bem-estar psicológico e à adoção de futuros
comportamentos de risco, inclusive fumar, inatividade
física e abuso de álcool e drogas (85, 97 – 103). O
fato de ter um histórico de ser alvo de violência coloca
a mulher em risco crescente de:
— depressão;
— tentativas de suicídio;
— síndromes de dor crônica;
— distúrbios psicossomáticos;
— lesão física;
— distúrbios gastrintestinais;
— síndrome de intestino irritável;
— diversas conseqüências na saúde reprodutiva
(ver adiante).
De forma geral, as conclusões resultantes da
pesquisa atual sobre as conseqüências do abuso
sobre a saúde são as seguintes:
· A influência do abuso pode durar muito tempo
mesmo depois do abuso ter cessado (103, 104).
· Quanto mais grave o abuso, maior é o impacto
sobre a saúde física e mental da mulher (98).
O impacto de diferentes tipos de abuso e
múltiplos episódios de abuso parece ser
cumulativo ao longo do tempo (85, 99, 100,
103, 105).
Saúde reprodutiva
As mulheres que vivem com parceiros violentos
passam por dificuldades para se proteger contra
gravidez indesejada ou doenças. A violência pode
levar diretamente à gravidez indesejada ou a infecções
sexualmente transmitidas, inclusive infecção por HIV,
através do sexo forçado, ou ainda indiretamente, ao
interferir na possibilidade de uma mulher usar
contraceptivos, inclusive preservativos (6, 106). Os
estudos mostram de maneira consistente que a
violência doméstica é mais comum em famílias com
muitos filhos (5, 47, 49, 50, 78, 93, 107). Portanto,
os pesquisadores acreditaram por muito tempo que o
estresse de ter muitos filhos aumentava o risco de
violência, porém dados recentes levantados na
Nicarágua, na verdade, indicam que a relação pode
ser oposta. Na Nicarágua, o surgimento da violência
é muito anterior ao fato de se ter muitos filhos (80%
da violência começa nos quatro primeiros anos de
casamento), sugerindo que a violência pode ser um
fator de risco para se ter muitos filhos (9).
A violência também ocorre durante a gravidez,
com conseqüências não só para a mulher, mas também
para o desenvolvimento do feto. Estudos de
população realizados no Canadá, Chile, Egito e na
Nicarágua concluíram que de 6% a 15% das mulheres
com parceiros constantes sofreram abuso físico ou
sexual durante a gravidez, normalmente praticado por
seus parceiros (9, 48, 49, 57, 78). Nos Estados
Unidos, as estimativas acerca de abuso durante a
gravidez variam de 3% a 11% entre mulheres adultas,
e até 38% entre mães adolescentes de baixa renda
(108 – 112).
A violência durante a gravidez tem sido associada
a (6, 110, 113 – 117):
aborto espontâneo;
— entrada tardia em cuidado pré-natal;
— natimortos;
— parto e nascimento prematuros;
— lesão fetal;
— baixo peso ao nascer, uma das principais
causas de morte infantil nos países emergentes.
A violência praticada por parceiros íntimos é
responsável por uma grande, porém não reconhecida,
parcela da mortalidade materna. Um estudo recente
realizado entre 400 vilas e sete hospitais em Pune, na
Índia, revelou que 16% de todas as mortes durante a
gravidez eram resultado da violência praticada pelo
parceiro (118). O estudo mostrou ainda que cerca de
70% das mortes maternas naquela região em geral
não eram registradas e que 41% das mortes
registradas foram mal classificadas. O fato de ser
morta por um parceiro também tem sido identificado
como uma importante causa de mortes maternas em
Bangladesh (119) e nos Estados Unidos (120, 121).
A violência de gênero também tem muito a ver
com a crescente epidemia de AIDS. Em seis países da
África, por exemplo, o medo do ostracismo e a
conseqüente violência no lar foram um importante
motivo para as mulheres grávidas se recusarem a fazer
o teste de HIV, ou então não voltarem para pegar os
resultados (122). Da mesma forma, em um estudo
recente sobre a transmissão de HIV entre
heterossexuais em Uganda rural, as mulheres que
relataram terem sido forçadas a fazer sexo contra sua
vontade nos anos anteriores tiveram um risco oito
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 103
vezes maior de se infectar com HIV (123).
Saúde física
Obviamente, a violência pode levar a lesões, que
vão desde cortes e hematomas até invalidez
permanente e morte. Estudos de população indicam
que de 40% a 72% de todas as mulheres que sofreram
abuso físico de um parceiro são feridas, em algum
momento de sua vida (5, 9, 19, 62, 79, 124). No
Canadá, 43% das mulheres feridas dessa forma
receberam cuidados médicos e 50% delas precisou
de licença no trabalho (19).
O ferimento, contudo, não é o resultado físico
mais comum do abuso praticado pelo parceiro. Os
mais comuns são os “distúrbios funcionais” – diversos
distúrbios que freqüentemente não apresentam uma
causa médica identificável, tais como síndrome de
intestino irritável, fibromialgia, distúrbios
gastrintestinais e diversas síndromes de dor crônica.
Em geral, os estudos vinculam essas desordens a um
histórico de abuso físico ou sexual (98, 125 – 127).
As mulheres que sofreram abuso também têm um
funcionamento físico reduzido, mais sintomas físicos
e passam mais dias de cama do que as mulheres que
não sofreram abuso (97, 98, 101, 124, 125, 128).
Saúde mental
As mulheres que são vítimas de abuso por parte
de seus parceiros têm mais depressão, ansiedade e
fobias do que as mulheres que não sofrem nenhum
tipo de abuso, conforme estudos realizados na
Austrália, nos Estados Unidos, na Nicarágua e no
Paquistão (129 – 132). A pesquisa indica ainda que
as mulheres que foram vítimas de abuso praticado
por seus parceiros estão sob risco muito maior de
suicídio e tentativas de suicídio (25, 49, 133 – 136).
Utilização dos serviços de saúde
Dado o impacto em longo prazo da violência sobre
a saúde da mulher, as mulheres que sofreram abuso
têm maior probabilidade de serem usuárias dos
serviços de saúde por períodos maiores, aumentando
assim os custos da assistência à saúde. Estudos
realizados na Nicarágua, nos Estados Unidos e no
Zimbábue mostram que as mulheres que sofreram
agressão física ou sexual, seja na infância ou na fase
adulta, usam os serviços de saúde com maior
freqüência do que as que não sofreram abusos (98,
100, 137 – 140). Em média, as vítimas de abuso passam
por mais cirurgias, consultas médicas, internações
em hospitais, idas a farmácias e consultas de saúde
mental durante sua vida do que as que não são
vítimas, mesmo depois de controlar os potenciais
fatores de frustração.
Impacto econômico da violência
Além dos custos humanos, a violência representa
uma imensa carga econômica para as sociedades em
termos de produtividade perdida e aumento no uso
de serviços sociais. Entre as mulheres pesquisadas
em Nagpur, Índia, por exemplo, 13% precisaram largar
um trabalho remunerado por causa de abuso, faltando
uma média de sete dias úteis por incidente, e 11%
não conseguiram desempenhar tarefas domésticas
por causa de um incidente de violência (141).
Embora a violência de gênero não afete
constantemente a probabilidade geral de uma mulher
de conseguir um emprego, parece que ela influencia
no salário da mulher e em sua capacidade de manter
um emprego (139, 142, 143). Um estudo realizado
em Chicago, IL, Estados Unidos, concluiu que
mulheres com um histórico de violência de gênero
tinham maior probabilidade de haver passado por
períodos de desemprego, de ter tido grande
rotatividade de empregos e de ter sofrido mais
problemas físicos e mentais que poderiam afetar seu
desempenho no trabalho. Elas também tinham menor
renda pessoal e tinham muito mais possibilidade de
receber assistência social do que as mulheres que
não tinham um histórico de violência de gênero (143).
Da mesma forma, em um estudo realizado em Manágua
na Nicarágua, as mulheres que sofreram abuso
ganhavam 46% a menos do que as mulheres sem
histórico de abuso, mesmo depois de controlar outros
fatores que poderiam afetar os rendimentos (139).
Impacto sobre as crianças
As crianças geralmente estão presentes durante
altercações domésticas. Em um estudo realizado na
Irlanda (62), 64% das mulheres que sofreram abuso
disseram que seus filhos costumavam testemunhar a
violência, e 50% das mulheres que sofreram abuso
em Monterrey, no México relataram o mesmo (11).
As crianças que testemunham violência marital
estão sob risco maior de diversos problemas
emocionais e de comportamento, inclusive ansiedade,
depressão, baixo rendimento escolar, baixa autoestima,
desobediência, pesadelos e reclamações de
saúde física (9, 144 – 146). Na verdade, estudos
realizados na América do Norte indicam que as
crianças que testemunham violência entre seus pais
freqüentemente mostram muitos dos distúrbios
comportamentais e psicológicos apresentados pelas
crianças que são vítimas de abusos (145, 147).
Evidências recentes indicam que a violência
também pode afetar, direta ou indiretamente, a
mortalidade infantil (148, 149). Pesquisas realizadas
em León, na Nicarágua, concluíram que, depois de
controlar outros possíveis fatores de confusão, os
filhos de mulheres que sofriam abuso físico e sexual
praticado por um parceiro tinham seis vezes mais
probabilidade de morrer antes de ter cinco anos do
que os filhos de mulheres que não haviam sofrido
abuso. O abuso praticado por parceiro era responsável
por cerca de um terço das mortes entre crianças
naquela região (149). Um outro estudo realizado nos
Estados indianos de Tâmil Nadu e Uttar Pradesh
concluiu que as mulheres que haviam apanhado
tinham muito mais probabilidade do que as mulheres
que não sofreram abuso de ter passado por uma perda
de gravidez ou uma morte infantil (aborto provocado,
aborto espontâneo e filho natimorto), mesmo depois
de controlar indicadores bem estabelecidos de
mortalidade infantil, tais como a idade da mulher, o
nível de educação e o número de gravidezes anteriores
que resultaram em um filho vivo (148).
O que pode ser feito para evitar a
violência praticada por parceiros
íntimos?
A maioria dos trabalhos realizados até hoje sobre
violência de gênero têm sido liderados por
organizações de mulheres, com ocasional
financiamento e assistência dos governos. Nos
lugares em que o governo se envolveu – como na
Austrália, América Latina, América do Norte e em
partes da Europa – geralmente o fez em resposta a
demandas da sociedade civil por uma ação
construtiva. A primeira onda de atividades, em geral,
envolve elementos de reforma legal, treinamento da
polícia e criação de serviços especializados para
atendimento às vítimas. Vários países já aprovaram
leis sobre violência doméstica, apesar de muitos
funcionários ainda não estarem cientes das novas
leis, ou não terem vontade de implementá-las.
Aqueles que estão dentro do sistema (na polícia ou
no sistema legal, por exemplo) freqüentemente
104 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
compartilham os mesmos preconceitos que
predominam na sociedade como um todo.
Repetidamente a experiência tem mostrado que, sem
esforços sustentados para mudar a cultura e a prática
institucionais, a maioria das reformas legais e políticas
têm pouca valia.
Apesar de o ativismo no campo da violência
contra mulheres já ter mais de 20 anos, pouquíssimas
intervenções foram rigorosamente avaliadas. Na
verdade, a recente revisão de programas para evitar a
violência em família nos Estados Unidos, realizada
pelo National Research Council [Conselho Nacional
de Pesquisa] encontrou apenas 34 estudos que
tentaram avaliar as intervenções relativas a abuso de
gênero. Desses, 19 tinham como foco a aplicação da
lei, refletindo a grande preferência entre os agentes
do governo por usar o sistema da justiça criminal
para lidar com a violência (150). A pesquisa sobre
intervenções em países emergentes é ainda mais
limitada. Existem apenas alguns poucos estudos que
tentam fazer uma análise crítica das intervenções
atuais. Dentre esses estudos, há uma revisão dos
programas sobre violência contra mulheres em quatro
Estados da Índia. Além disso, o Fundo das Nações
Unidas para o Desenvolvimento das Mulheres
analisou sete projetos em cinco regiões, financiados
pelo Fundo Fiduciário de Apoio a Ações para
Eliminação da Violência contra a Mulher, visando a
disseminação das lições aprendidas com esses
projetos (151).
Apoio às vítimas
Nos países desenvolvidos, os centros para
mulheres em crise e abrigos para mulheres espancadas
têm sido a base dos programas para vítimas de
violência doméstica. Em 1995, havia aproximadamente
1800 programas desse tipo nos Estados Unidos,
sendo que 1200 deles ofereciam abrigo de emergência
além de apoio emocional, legal e material para as
mulheres e para seus filhos (152). Normalmente, esses
centros oferecem grupos de apoio e aconselhamento
individual, capacitação, programas para as crianças,
assistência para lidar com serviços sociais e assuntos
legais, bem como indicações para tratamento de
abuso de droga e álcool. A maioria dos abrigos e
centros de apoio a crises na Europa e nos Estados
Unidos foram criados originalmente por mulheres
ativistas, apesar de atualmente muitos deles serem
dirigidos por profissionais e receberem financiamento
do governo.
Desde o início da década de 1980, os abrigos para
mulheres e os centros de apoio a crises também se
espalharam em muitos países emergentes. A maioria
dos países tem pelo menos algumas organizações
não governamentais que oferecem serviços
especializados para as vítimas de abuso e fazem
campanha em nome delas. Alguns países têm
centenas de organizações assim. Contudo, a
manutenção do abrigo é cara e muitos países
emergentes têm evitado esse modelo, preferindo criar
linhas diretas ou centros de apoio a crises não
residenciais que oferecem alguns dos serviços
oferecidos pelos residenciais.
Quando não é possível recorrer a um abrigo formal,
as mulheres têm encontrado outras formas de lidar
com as emergências ligadas ao abuso doméstico. Uma
estratégia é criar uma rede informal de “lares seguros”,
onde a mulher que está com problemas pode buscar
abrigo temporário em casas na vizinhança. Algumas
comunidades determinaram alguns lugares sagrados
– um templo ou uma igreja, por exemplo – como abrigos
onde as mulheres podem ficar com seus filhos durante
a noite para fugir de parceiros alcoolizados ou
violentos.
Medidas legais e reformas jurídicas
Criminalizar o abuso
As décadas de 1980 e 1990 viram uma onda de
reformas legais relativas ao abuso físico e sexual
praticado por um parceiro íntimo (153, 154). Nos
últimos 10 anos, por exemplo, 24 países da América
Latina e do Caribe aprovaram legislação específica
sobre violência doméstica (154). As reformas mais
comuns envolvem a criminalização do abuso físico,
sexual e psicológico praticado por parceiros íntimos,
tanto por meio de novas leis sobre violência
doméstica quanto por emendas aos códigos penais.
A mensagem subjacente a tal legislação é que a
violência de gênero é um crime e não será tolerada na
sociedade. Trazer essa mensagem à tona também é
uma forma de acabar com a idéia de que a violência é
um assunto particular, da família. Além de introduzir
novas leis ou expandir as leis existentes, alguns países
emergentes têm experimentado introduzir tribunais
especiais de violência doméstica, treinar a polícia, os
agentes dos tribunais e a defensoria, bem como
oferecer assessores especiais para ajudarem a mulher
a lidar com o sistema judiciário criminal. Apesar de
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 105
106 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
até agora haver poucas avaliações rigorosas dessas
medidas, a recente revisão das intervenções em
violência familiar, feita pela United States National
Academy of Sciences [Academia Nacional de
Ciências dos Estados Unidos] concluiu: “As
evidências empíricas indicam que as unidades
especializadas e as grandes reformas nos
departamentos de polícia, nas procuradorias e nos
tribunais especializados melhoraram a experiência de
crianças e mulheres vítimas de abuso” (150).
Há experimentos semelhantes sendo realizados
em vários outros lugares. Na Índia, por exemplo, os
governos estaduais criaram postos de assistência
legal, tribunais de família, lok adalat (tribunais
populares) e mahilla lok adalat (tribunais de
mulheres). Uma avaliação recente observa que esses
órgãos são basicamente mecanismos de conciliação,
que contam exclusivamente com a mediação e o
aconselhamento para promover a reconciliação da
família. Contudo, há indícios de que, mesmo como
mecanismos de conciliação, essas instituições são
menos do que satisfatórias, e que os mediadores
tendem a colocar o bem-estar das mulheres abaixo do
interesse do Estado em manter as famílias unidas
(155).
Leis e políticas referentes à detenção
Depois dos serviços de apoio às vítimas, a próxima
forma de intervenção contra violência doméstica
normalmente são os esforços para reformar a prática
policial. No começo, a ênfase era sobre o treinamento
da polícia, mas quando sozinho o treinamento
mostrou-se bastante ineficiente para mudar o
comportamento da polícia, os esforços passaram a
ser direcionados à busca de leis que exijam a detenção
obrigatória em casos de violência doméstica e
políticas que obriguem os agentes da polícia a
adotarem uma postura mais ativa.
O apoio para a detenção como uma forma de
reduzir a violência doméstica foi impulsionado em
1984 por um experimento em Minneapolis, MN,
Estados Unidos, que indicou que a detenção diminuiu
pela metade o risco de novas agressões em um período
de seis meses, em comparação às estratégias de
separar os casais ou aconselhá-los a procurar ajuda
(156). Esses resultados foram amplamente
divulgados e levaram a uma drástica mudança nas
políticas da polícia em relação à violência doméstica
em todo o território dos Estados Unidos.
Os esforços para reproduzir os resultados de
Minneapolis em outras cinco áreas dos Estados
Unidos, contudo, não conseguiram confirmar o valor
de inibição da detenção. Esses novos estudos
descobriram que, em média, a detenção não tinha
maiores efeitos na redução da violência do que outras
respostas da polícia, como reprimendas e citações,
aconselhamento para os casais ou separação dos
casais (157, 158). Uma análise detalhada desses
estudos também produziu algumas conclusões
interessantes. Quando o perpetrador da violência era
casado, tinha emprego ou ambos, a detenção reduzia
a repetição da agressão, mas para os homens
desempregados ou que não tinham compromisso com
a parceira, na verdade a detenção levou a um aumento
do abuso em algumas cidades. O impacto da detenção
também variou conforme a comunidade. Os homens
que moravam em comunidades com pouco
desemprego foram reprimidos devido à detenção,
independentemente de sua situação pessoal de
emprego; os suspeitos que moram em áreas com altos
índices de desemprego, contudo, ficaram mais
violentos depois de serem detidos do que ficavam
depois de simplesmente receber uma reprimenda
(159). Essas conclusões levaram a questionar a
validade das leis de detenção obrigatória em áreas de
pobreza concentrada (160).
Sanções alternativas
Como alternativa à detenção, algumas
comunidades estão fazendo experiências com outros
métodos de reprimir o comportamento violento. Uma
abordagem da lei civil é emitir medidas cautelares
que proíbam um homem de entrar em contato ou
cometer abuso contra sua parceira, emitir mandados
judiciais para que ele saia de casa, ordenar a ele que
pague pensão, ou exigir que ele busque
aconselhamento ou tratamento para abuso de
substância.
Os pesquisadores descobriram que apesar de as
vítimas geralmente acharem que as ordens de
proteção são úteis, a prova de sua eficiência na
redução da violência é mista (161, 162). Em um estudo
realizado nas cidades de Denver e Boulder, CO,
Estados Unidos, Harrel e Smith (163) chegaram à
conclusão de que as ordens de proteção eram
eficientes, pelo menos por um ano, para evitar a
recorrência de violência doméstica, em comparação a
situações similares onde não havia ordem de
proteção. Contudo, os estudos têm mostrado que
são raras as detenções por violação de uma ordem de
proteção, o que tende a acabar com a efetividade
delas na prevenção contra a violência (164). Outra
pesquisa mostra que as ordens de proteção podem
melhorar a auto-estima de uma mulher, mas têm pouco
efeito sobre homens com sérios antecedentes
criminais (165, 166).
Em outros lugares, a comunidade tem explorado
técnicas como execração pública, piquetes em frente
à casa ou ao trabalho de quem cometeu o abuso, ou
solicitar serviços comunitários como punição por
comportamento abusivo. Ativistas na Índia
freqüentemente fazem o dharna, uma forma de
execração pública e protesto, em frente às casas ou
ao local de trabalho dos homens que praticam abuso
(155).
Delegacias de polícia de mulheres
Alguns países têm experimentado as delegacias
de polícia de mulheres, uma inovação que começou
no Brasil e agora se espalhou por toda a América
Latina e partes da Ásia (167, 168). Apesar de ser
teoricamente recomendável, as avaliações mostram
que, até o momento, essa iniciativa tem passado por
muitos problemas (155, 168 – 172). Mesmo que a
presença de uma delegacia de polícia com todo o
quadro de pessoal composto por mulheres aumente
a busca por ajuda por parte das mulheres que sofreram
abuso, freqüentemente os serviços que são
necessários a essas mulheres, como assistência
jurídica e aconselhamento, não estão disponíveis na
delegacia. Além disso, a premissa de que as agentes
de polícia serão mais solidárias com as vítimas nem
sempre se mostra verdadeira e, em alguns lugares, a
criação de postos policiais especiais para crimes
contra as mulheres fez com que ficasse mais fácil
para as outras delegacias desconsiderarem as queixas
feitas por mulheres. Uma análise das delegacias de
mulheres na Índia observa que “as mulheres vítimas
são forçadas a viajar grandes distâncias para registrar
suas queixas em delegacias de mulheres e não têm
assegurada a rapidez da proteção da polícia da
vizinhança”. Para tornar-se viável, a estratégia deve
ser acompanhada por um treinamento para sensibilizar
os agentes de polícia, incentivos para estimular esse
tipo de trabalho e o fornecimento de uma maior
variedade de serviços (155, 168, 170).
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 107
Tratamento para os perpetradores de
abuso
Os programas de tratamento para os
perpetradores de violência de gênero são uma
inovação que tem estado se espalhando dos Estados
Unidos para a Austrália, Canadá, Europa e diversos
países emergentes (173- 175). A maioria dos
programas utiliza um formato de grupo para discutir
os papéis dos gêneros e ensinar algumas habilidades,
inclusive como lidar com estresse e raiva, assumir a
responsabilidade pelas ações de alguém e mostrar
sentimentos pelas pessoas.
Nos últimos anos, houve diferentes esforços para
avaliar esses trabalhos, apesar de eles terem sido
impedidos por dificuldades metodológicas, que
continuam a criar problemas para a interpretação dos
resultados. Uma pesquisa realizada nos Estados
Unidos indica que a maioria dos homens (53% a 85%)
que terminam os programas de tratamento continuam
fisicamente não violentos por até dois anos, com taxas
mais baixas para períodos subseqüentes mais longos
(176, 177). Esses índices de sucesso, contudo,
devem ser vistos sob a ótica do alto índice de
abandono que há nesses programas; de forma geral,
de um terço à metade de todos os homens que entram
nesses programas não o terminam (176) e muitos dos
que são encaminhados aos programas nunca se
matricularam formalmente (178). Uma avaliação feita
pelo Programa de Prevenção contra a Violência, do
Reino Unido, por exemplo, mostrou que 65% dos
homens não apareceram na primeira sessão, 33%
compareceram a menos do que seis sessões, e apenas
33% prosseguiram até o segundo estágio (179).
Uma avaliação recente dos programas em quatro
cidades dos Estados Unidos concluiu que a maioria
das mulheres vítimas de abuso se sentiram
“melhores” e “mais seguras” depois que seus
parceiros começaram a fazer o tratamento (177).
Contudo, esse estudo descobriu que, depois de 30
meses, quase metade dos homens tinha usado da
violência uma vez, e 23% dos homens haviam sido
repetidamente violentos e continuavam a infligir
sérias lesões, enquanto que 21% dos homens não
praticavam abuso físico nem verbal. Um total de 60%
dos casais havia se separado e 24% não tinham mais
contato.
De acordo com uma recente análise internacional
realizada por pesquisadores na Universidade de
North London, Inglaterra (179), as avaliações no geral
indicam que os programas de tratamento funcionam
melhor se:
— forem de longa e não de curta duração;
— mudarem as atitudes dos homens o suficiente
para que discutam seu comportamento;
— trabalharem em conjunto com um sistema de
justiça criminal que aja estritamente quando há
quebras das condições do programa.
Em Pittsburgh, PA, Estados Unidos, por exemplo,
a taxa de não comparecimento caiu de 36% para 6%
de 1994 a 1997, quando o sistema judiciário começou
a emitir mandados de prisão para quem não
comparecesse à sessão de entrevista inicial do
programa (179).
Intervenções dos serviços de saúde
Nos últimos anos, a atenção tem-se voltado para
a reforma da resposta às vítimas de abuso dos
provedores de assistência à saúde. A maioria das
mulheres tem contato com o sistema de saúde em
algum estágio de sua vida – por exemplo, quando
buscam por contraceptivos, têm filhos ou buscam
assistência para seus filhos. Isso coloca o cenário de
assistência à saúde em um lugar de destaque, onde
as mulheres que sofrem abuso podem ser
identificadas, receber apoio e, se necessário, ser
encaminhadas a serviços especializados.
Infelizmente, os estudos mostram que na maioria dos
países, os médicos e enfermeiros raramente buscam
saber das mulheres se elas sofreram abuso, se estão
sofrendo abuso, ou buscam por sinais evidentes de
violência (180 – 186).
As intervenções existentes têm enfatizado a
sensibilização dos provedores de assistência à saúde,
estimulando exames de rotina para abuso e
preparando protocolos para a forma adequada de lidar
com o abuso. Um número cada vez maior de países –
inclusive a África do Sul, o Brasil, as Filipinas, a
Irlanda, a Malásia, o México e a Nicarágua – deram
início a projetos piloto em treinamento de
trabalhadores de saúde para identificar e responder
ao abuso (187 – 189). Diversos países da América
Latina também incorporaram diretrizes sobre violência
doméstica às suas políticas do setor de saúde. (190).
Pesquisas indicam que mudanças de processo
na assistência ao paciente – tal como um lembrete
para o provedor na carteira do paciente ou incorporar
questões sobre abuso aos formulários de admissão –
têm maior efeito sobre o comportamento dos
108 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
provedores de assistência à saúde (191, 192).
Também é importante confrontar crenças e
atitudes que estão bastante enraizadas. Na África do
Sul, o projeto Agisanang Domestic Abuse Prevention
and Training e seu parceiro, a Health Systems
Development Unit of the University of Witwatersrand
[Unidade de Desenvolvimento de Sistemas de Saúde
da Universidade de Witwatersrand], têm
desenvolvido um curso para enfermeiros sobre saúde
reprodutiva e gênero, contendo um forte componente
relativo à violência doméstica. Nesses cursos, ditos
populares, canções de casamento e peças são usadas
em um exercício para dissecar noções comuns sobre
violência e os papéis que se espera dos homens e
das mulheres. Depois do exercício, há uma discussão
sobre a responsabilidade dos enfermeiros como
profissionais de saúde. Uma análise de uma pesquisa
realizada depois de um desses cursos descobriu que
os participantes não mais acreditavam ser justificável
bater em uma mulher e a maioria reconhecia que uma
mulher poderia ter sido estuprada por seu marido.
Em geral, uma busca contínua por abuso –
perguntando aos pacientes sobre seu possível
histórico de violência praticada por parceiro íntimo –
é considerada como uma boa prática neste campo.
Contudo, mesmo os estudos mostrando
repetidamente que as mulheres aceitam bem serem
questionadas sobre a violência, de uma forma isenta
de julgamentos (181, 182, 193), poucas avaliações
sistemáticas foram realizadas para verificar se a
pesquisa sobre abuso pode aumentar a segurança
das mulheres ou seu comportamento de busca por
saúde e, se o fizer, sob quais condições o faz (194).
Esforços baseados nas comunidades
Trabalho de superação
O trabalho de superação tem sido uma importante
peça na resposta à violência de gênero por parte de
organizações não governamentais. As pessoas que
trabalham com superação – que normalmente são
duplas de educadores – visitam as vítimas de violência
em seus lares e suas comunidades. As organizações
não governamentais normalmente recrutam e treinam
trabalhadores que são antigos clientes e, portanto, já
foram vítimas de violência.
Tanto os projetos governamentais quanto os não
governamentais são conhecidos por empregar
“defensores” – pessoas que dão informação e
assistência às mulheres que sofreram abuso,
especialmente ajudando a negociar os pormenores
do sistema legal e do bem-estar da família e outros
benefícios. Essas pessoas têm como foco os direitos
das vítimas de violência e desempenham seu trabalho
em instituições diversas como delegacias,
procuradorias e hospitais.
Diversos planos de superação foram avaliados.
O projeto Domestic Violence Matters [Questões de
Violência Doméstica] em Islington, Londres,
Inglaterra, colocou defensores civis em delegacias
locais, com a tarefa de entrar em contato com todas
as vítimas de violência de gênero no prazo de 24
horas depois de elas entrarem em contato com a
polícia. Outra iniciativa em Londres, o projeto
Domestic Violence Intervention [Intervenção em
Violência Doméstica] em Hammersmith e Fulham,
associou um programa educacional para homens
violentos às devidas intervenções para suas
parceiras. Uma recente análise desses programas
descobriu que o projeto de Islington reduziu o
número de repetições de chamadas para a polícia e,
por inferência, reduziu a recorrência de violência
doméstica. Ao mesmo tempo, o projeto aumentou a
utilização de novos serviços pelas mulheres, inclusive
de abrigos, assessoria legal e grupos de apoio. O
segundo projeto conseguiu alcançar maiores
quantidades de mulheres pertencentes a grupos de
minoria étnica e mulheres profissionais do que outros
serviços para vítimas de violência doméstica (195).
Intervenções comunitárias
coordenadas
A coordenação de conselhos ou fóruns
interagências é uma forma cada vez mais popular de
monitorar e aprimorar, em nível comunitário, as
respostas à violência praticada por parceiros íntimos
(166). O objetivo é:
— trocar informações;
— identificar e lidar com problemas na prestação
de serviços;
— promover a boa prática através de treinamento
e elaboração de diretrizes;
— rastrear casos e realizar auditorias
institucionais para avaliar a prática de diversas
agências;
— promover a conscientização comunitária e o
trabalho de prevenção.
Adaptado dos programas-piloto originais na
Califórnia, em Massachusetts e em Minnesota nos
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 109
Estados Unidos, esse tipo de intervenção espalhouse
pelo resto dos Estados Unidos, Canadá, Reino
Unido e partes da América Latina.
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS –
Pan American Health Organization [PAHO]), por
exemplo, criou projetos-piloto em 16 países latinoamericanos
para testar essa abordagem tanto no
cenário urbano quanto no rural. Em cenários rurais,
os conselhos de coordenação incluem pessoas como
o padre local, o prefeito, promotores de saúde
comunitária, magistrados e representantes de grupos
de mulheres. O projeto da OPAS começou com um
estudo qualitativo, conhecido como La Ruta Crítica,
para verificar o que acontece com as mulheres nas
comunidades rurais quando elas buscam por ajuda.
Os resultados estão resumidos no Quadro 4.2.
Raramente esses tipos de intervenções
comunitárias foram avaliados. Um estudo descobriu
um aumento estatístico significativo na proporção
de chamadas para a polícia que resultaram em
detenções, assim como na proporção de detenções
que resultaram em processos, depois da
implementação de um projeto de intervenção
comunitária (196). O estudo revelou ainda um
significativo aumento na proporção de homens que
foram enviados a aconselhamentos obrigatórios em
cada comunidade, apesar de ainda não estar claro
qual o impacto, se é que há algum, que essas ações
tiveram sobre os índices de abuso.
As avaliações qualitativas observaram que muitas
dessas intervenções têm como foco principalmente a
coordenação entre os refúgios e o sistema de justiça
criminal, às custas de um maior envolvimento das
comunidades religiosas, das escolas, do sistema de
saúde ou de outras agências de serviço social. Uma
análise recente de fóruns interagências no Reino
Unido concluiu que, ao mesmo tempo em que os
conselhos coordenadores podem melhorar a
qualidade dos serviços prestados às mulheres e às
crianças, o trabalho realizado entre as agências pode
funcionar como uma cortina de fumaça, escondendo
o fato de que pouca coisa realmente muda. A análise
sugeriu que as organizações deveriam identificar
critérios firmes para a auto-avaliação, que
abrangessem a satisfação do usuário e as verdadeiras
mudanças nas políticas e nas práticas (197).
Campanhas de prevenção
Há tempos que, na tentativa de aumentar a
110 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
conscientização sobre violência de gênero e mudar o
comportamento, as organizações de mulheres utilizam
campanhas de divulgação, mídia em pequena escala
e outros eventos. Há evidências de que tais
campanhas atingem um grande número de pessoas,
apesar de apenas algumas poucas campanhas terem
sido avaliadas em relação à sua eficiência em mudar
as atitudes ou os comportamentos. Na década de
1990, por exemplo, uma rede de grupos de mulheres
na Nicarágua montou uma campanha anual de mídia
de massa para conscientização acerca do impacto da
violência sobre as mulheres (198). Usando slogans
como “Quiero vivir sin violencia” (Quero viver sem
violência), as campanhas mobilizaram as comunidades
contra o abuso. De forma semelhante, o Fundo das
Nações Unidas para Desenvolvimento da Mulher,
junto com várias outras agências das Nações Unidas,
QUADRO 4.2
Promovendo a não violência: alguns exemplos de programas de prevenção
primária
A seguir, temos alguns dos muitos exemplos de programas inovadores de prevenção contra a violência
entre parceiros íntimos que foram realizados no mundo todo.
Em Calabar, na Nigéria, a Girl’s Power Initiative é direcionada a jovens. As meninas se encontram
semanalmente há três anos para discutir, de forma aberta, diversas questões relacionadas à sexualidade,
à saúde e aos direitos das mulheres, relacionamentos e violência doméstica. Tópicos específicos do
programa, elaborado para criar auto-estima e ensinar autoproteção, incluíram atitudes sociais que colocam
as mulheres em risco de estupro e fizeram a distinção entre amor e paixão.
O Education Wife Assault em Toronto, no Canadá, trabalha com mulheres imigrantes e refugiadas,
ajudando-as a desenvolver campanhas de prevenção contra a violência que sejam culturalmente
adequadas para sua comunidade. Para tanto, o projeto promove “oficinas especiais de habilidades
específicas”. Ao mesmo tempo, o projeto oferece ainda apoio emocional às organizadoras, para ajudá-las
a superar a discriminação normalmente dirigida às mulheres que fazem campanhas contra a violência
doméstica, uma vez que essas mulheres são vistas como uma ameaça à coesão da comunidade.
No México, a organização não governamental Instituto Mexicano de Investigación de Familia y
Población preparou uma oficina de trabalho para adolescentes, visando a ajudar a evitar a violência nos
namoros e em relacionamentos entre amigos. Denominado de “Faces and Masks of Violence” [“Faces e
Máscaras da Violência”], o projeto utiliza técnicas participativas para ajudar os jovens a explorarem as
expectativas e os sentimentos em relação a amor, desejo e sexo, e a entenderem como os papéis tradicionais
dos gêneros podem inibir o comportamento, tanto nos homens quanto nas mulheres.
Em Trinidad e Tobago, a organização não governamental SERVOL ( Services Volunteered for All
[Serviços Voluntários para Todos] ) realiza oficinas de trabalho para adolescentes, com duração de 14
semanas, com o intuito de ajudá-los a desenvolverem relacionamentos saudáveis e a aprenderem a ser
pais. O projeto ajuda esses jovens a compreenderem como sua própria maneira de serem pais contribui
para formar o que eles são e ensina a eles como não repetir os erros que seus pais e outros parentes
possam ter cometido ao criarem suas famílias. Conseqüentemente, os alunos descobrem como reconhecer
e lidar com suas emoções e se tornam mais sensíveis em relação a como os traumas físicos e psicológicos
no começo da vida podem levar a um comportamento destrutivo mais tarde.
tem patrocinado diversas campanhas regionais contra
violência de gênero, usando o slogan: “Uma vida
sem violência: é nosso direito” (199). Um projeto
que tem sido avaliado é o projeto de multimídia em
saúde, conhecido como Soul City, na África do Sul –
um projeto que combina séries de televisão e rádio
com outras atividades educativas. Um componente é
dedicado especificamente à violência doméstica (ver
Quadro 9.1 do Capítulo 9). A avaliação revelou um
maior conhecimento e maior conscientização em
relação à violência doméstica, mudança nas atitudes
e nas normas, e uma grande vontade por parte do
público do projeto em agir adequadamente.
Programas escolares
Apesar do crescente número de iniciativas
direcionadas a jovens para evitar a violência, apenas
algumas lidam especificamente com o problema da
violência em relacionamentos íntimos. Contudo, nos
programas existentes para reduzir a violência na
escola, o assédio moral, a delinqüência e outros
comportamentos problemáticos, bem como nos
programas de saúde reprodutiva e sexual, há um
cenário para integrar materiais que explorem
relacionamentos, papéis de gênero incluindo coação
e controle.
Os programas juvenis que tratam explicitamente
do abuso em relacionamentos íntimos tendem a ser
iniciativas independentes patrocinadas por órgãos
que trabalham para acabar com a violência contra as
mulheres (ver Quadro 4.3). Apenas alguns desses
programas foram avaliados, inclusive um no Canadá
(200) e dois nos Estados Unidos (201, 202).
Utilizando modelos experimentais, essas avaliações
revelaram mudanças positivas em termos de
conhecimento e atitudes no que diz respeito à
violência no relacionamento (203). Um dos
programas dos Estados Unidos demonstrou uma
redução na perpetração da violência em um mês.
Apesar de o efeito sobre o comportamento violento
ter desaparecido em um ano, mantiveram-se seus
efeitos sobre as normas de violência em um
relacionamento íntimo, sobre a capacidade de resolver
conflitos e sobre o conhecimento (201).
Princípios de boa prática
Um volume crescente de conhecimento sobre a
violência de gênero, acumulado durante muitos anos
por vários provedores de serviços, defensores e
pesquisadores, sugere um conjunto de princípios para
ajudar a orientar as “boas práticas” nesta área. Dentre
os princípios podemos citar:
· As ações para lidar com a violência devem
ocorrer tanto em nível nacional quanto local.
· O envolvimento das mulheres, no
desenvolvimento e na implantação dos projetos,
e a segurança das mulheres devem ser o princípio
norteador de todas as decisões relativas às
intervenções.
· Os esforços para reformar as respostas das
instituições – inclusive da polícia, dos
funcionários da área de assistência à saúde e do
judiciário – devem ir além do treinamento para
mudar as culturas institucionais.
· As intervenções devem cobrir uma série de
diferentes setores e serem coordenadas entre eles.
Ação em todos os níveis
Uma lição importante, que surge dos esforços
para evitar a violência, é que as ações devem acontecer
tanto em nível nacional quanto local. No nível
nacional, as prioridades incluem melhoria da situação
da mulher, criação de normas, políticas e leis
adequadas sobre abuso, bem como criar um ambiente
social que seja condutivo a relacionamentos não
violentos.
Muitos países, tanto industrializados quanto
emergentes, acharam útil estabelecer um mecanismo
formal para desenvolver e implementar planos
nacionais de ação. Tais planos devem incluir
objetivos claros, linhas de responsabilidade e
cronogramas, recebendo os recursos necessários.
Contudo, a experiência mostra que os esforços
nacionais, por si só, não são suficientes para
transformar a paisagem da violência íntima. Mesmo
nos países industrializados onde os movimentos
nacionais contra a violência de gênero já existem há
mais de 25 anos, as opções disponíveis para ajudar
uma mulher que sofreu abuso, assim como as reações
que ela provavelmente verá em instituições como a
polícia, ainda variam muito dependendo da localidade.
Onde houve esforços na comunidade para evitar a
violência, e onde há grupos estabelecidos para realizar
treinamentos e monitorar as atividades das
instituições formais, as vítimas de abuso passam
muito melhor do que nos locais onde tais esforços
não ocorrem.
Envolvimento das mulheres
As intervenções devem ser elaboradas para
trabalhar com as mulheres – que normalmente são as
melhores juízas de sua situação – e para respeitar
suas decisões. Análises recentes de diversos
programas sobre violência doméstica realizados nos
estados indianos de Gujarat, Karnataka, Madhya,
Pradesh e Maharashtra, por exemplo, têm
constantemente demonstrado que o sucesso ou o
insucesso dos projetos foi, em grande parte,
determinado pelas atitudes dos organizadores em
relação à violência de gênero e suas prioridades para
incluir os interesses das mulheres nas fases de
planejamento e implementação das intervenções
(205).
A segurança das mulheres também deve ser
cuidadosamente levada em consideração durante o
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 111
planejamento e a implementação das intervenções.
As intervenções que podem priorizar a segurança e a
autonomia das mulheres geralmente se mostraram
mais bem sucedidas do que as que não dão essa
prioridade. Por exemplo, há uma certa preocupação
em relação às leis que exigem que os funcionários da
área de assistência à saúde relatem para a polícia os
casos de suspeita de abuso. Esses tipos de
intervenção retiram o controle das mãos das mulheres
e, no geral, mostraram-se contraproducentes. Eles
bem podem colocar a segurança da mulher em risco e
diminuir a possibilidade de ela ser encaminhada à
assistência (206 – 208). Essas leis também
transformam os funcionários da área de saúde em
braços do sistema judiciário e trabalham contra a
proteção emocional que o ambiente da clínica deve
oferecer (150).
Mudando as culturas institucionais
Normalmente, os esforços em curto prazo rendem
poucas mudanças duradouras no sentido de
sensibilizar os atores institucionais, a menos que
também haja esforços reais para envolver toda a
instituição. A natureza da liderança da organização, a
forma como o desempenho é avaliado e
recompensado, e os desvios e as crenças culturais
embutidas são de primordial importância nesse caso
(209, 210). No caso de reformar a prática da assistência
à saúde, dificilmente o treinamento por si só é o
bastante para mudar o comportamento institucional
em relação às vítimas da violência (211, 212). Embora
o treinamento possa melhorar o conhecimento e a
prática em curto prazo, seu impacto normalmente se
desfaz rapidamente, a menos que ele seja
acompanhado de mudanças institucionais nas
políticas e no desempenho (211, 213).
Uma abordagem multissetorial
Diversos setores, tais como a polícia, os serviços
de saúde, o judiciário e os serviços de apoio social,
devem trabalhar juntos para alinhavar o problema da
violência praticada por parceiro íntimo.
Historicamente, a tendência dos programas tem sido
concentrar-se em um único setor, o que a experiência
tem mostrado que, geralmente, produz pouquíssimos
resultados (155).
Recomendações
As evidências disponíveis mostram que a
violência contra as mulheres, praticada por parceiros
íntimos, é um problema sério e abrangente em todas
as partes do mundo. Há também cada vez mais
documentos sobre o impacto danoso da violência
sobre a saúde física e mental das mulheres, bem como
sobre o bem estar delas de forma geral. As principais
recomendações para ação são as seguintes:
· Na próxima década, os governos e outros
doadores devem ser incentivados a investir muito
mais em pesquisa sobre a violência praticada por
parceiros íntimos.
· Os programas devem dar maior ênfase à
capacitação das famílias, dos círculos de amigos
e dos grupos comunitários, inclusive das
comunidades religiosas, para lidarem com o
problema da violência de gênero.
· Os programas sobre violência de gênero devem
ser integrados a outros programas, tais como os
que lidam com violência juvenil, gravidez na
adolescência, abuso de substância e os de outras
formas de violência familiar.
· Os programas devem voltar-se mais para a
prevenção primária contra a violência praticada
por parceiro íntimo.
Pesquisas sobre a violência praticada
por parceiros íntimos
A falta de uma clara compreensão teórica sobre
as causas da violência praticada por parceiros
íntimos, e sua relação com outros tipos de violência
interpessoal, tem frustrado os esforços para construir
uma resposta global eficiente. Os estudos para
desenvolver o entendimento da violência são
necessários para diversos frontes, inclusive:
· Estudos que analisem a predominância, as
conseqüências e os fatores de risco e de proteção
relativos à violência praticada por parceiros
íntimos em diferentes cenários culturais, utilizando
metodologias padronizadas.
· Pesquisa longitudinal acerca da trajetória do
comportamento violento por parte dos parceiros
íntimos no decorrer do tempo, examinando se ele
difere do desenvolvimento de outros
comportamentos violentos e como isso ocorre.
· Estudos que explorem o impacto da violência
durante a vida de uma pessoa, investigando o
impacto relativo de diferentes tipos de violência
112 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
sobre a saúde e o bem-estar, e se os efeitos são
cumulativos.
· Estudos que analisem o histórico dos adultos
que estão em relacionamentos saudáveis, não
violentos, a despeito das experiências que
comprovadamente aumentam o risco de violência
de gênero.
Além disso, muito mais pesquisas ainda são
necessárias sobre as intervenções, tanto para fazer
lobby entre os responsáveis pela tomada de decisões
visando a maiores investimentos, como para melhorar
a elaboração e a implementação dos programas. Na
próxima década, deve-se priorizar:
· A documentação sobre as diversas estratégias
e intervenções para o combate à violência de
gênero no mundo todo.
· Estudos que avaliem os custos econômicos da
violência praticada por parceiros íntimos.
· Avaliação dos efeitos em curto e longo prazo
dos programas para evitar a violência de gênero,
bem como para responder a ela – inclusive
programas de educação na escola, mudanças
legais e políticas, serviços para vítimas da
violência, programas que tenham como alvo o
perpetrador da violência e campanhas para mudar
as atitudes e os comportamentos sociais.
Fortalecendo as fontes informais de
apoio
Muitas mulheres não buscam assistência em
serviços ou sistemas oficiais disponíveis para elas.
Portanto, é crucial que se expandam as fontes
informais de apoio através de redes de vizinhança e
redes de amigos, de grupos religiosos e outros grupos
comunitários, bem como de redes em locais de trabalho
(6, 61, 183, 214). A maneira como esses grupos
informais e essas pessoas responderão determinará
se uma vítima de violência de gênero entrará em ação,
ou em isolamento e terá vergonha de si mesma (214).
Há muito espaço para programas que possam criar
respostas construtivas por parte da família e dos
amigos. Um programa inovador em Iztacalco, México,
por exemplo, usou eventos comunitários, mídia de
pequena escala (tal como cartazes, panfletos e fitas
cassete) e oficinas de trabalho para ajudar as vítimas
de violência a discutirem o abuso que haviam sofrido
e a mostrar aos amigos e a outros membros da família
como lidar melhor com tais situações (215).
Criando uma causa comum com
outros programas sociais
Há uma grande sobreposição entre os fatores que
aumentam o risco de diversos comportamentos
problemáticos (216). Parece também que há uma
significativa continuidade entre o comportamento
agressivo na infância e os diversos comportamentos
problemáticos na juventude e no início da fase adulta
(ver Capítulo 2). As novas visões baseadas em
pesquisas sobre esses tipos de violência também se
sobrepõem. Há necessidade evidente de uma
intervenção precoce nas famílias de alto risco, bem
como de oferecer apoio e outros serviços antes que
padrões de disfunção de comportamento sejam
criados na família, preparando o estágio para o
comportamento de abuso na adolescência ou na fase
adulta.
Infelizmente, hoje em dia há pouca coordenação
entre as agendas dos programas ou das pesquisas
sobre violência juvenil, abuso infantil, abuso de
substância e violência de gênero, apesar do fato de
todos esses problemas geralmente coexistirem nas
famílias. Caso se deseje um verdadeiro progresso,
deve-se dar atenção ao desenvolvimento de padrões
de comportamento agressivo, padrões estes que em
geral começam na infância. Respostas integradas de
prevenção que tratem dos vínculos entre os diferentes
tipos de violência têm potencial para reduzir algumas
dessas formas de violência.
Investindo na prevenção primária
Em geral, importância da prevenção primária
contra a violência praticada por parceiros íntimos é
obscurecida pela importância de diversos programas
que, compreensivelmente, procuram lidar com as
conseqüências imediatas e inúmeras da violência.
Tanto os responsáveis pela elaboração de
políticas quanto os ativistas nesta área devem dar
maior prioridade à tarefa reconhecidamente imensa
de criar um ambiente social que permita e promova
relacionamentos pessoais justos e não violentos. A
base para esse ambiente deve ser a nova geração das
crianças que devem crescer com melhores
capacidades do que tiveram seus pais, de forma geral,
em lidar com os relacionamentos e resolver seus
conflitos internos, com maiores oportunidades para
seu futuro e com noções mais adequadas sobre como
os homens e as mulheres podem se relacionar e
compartilhar o poder.
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 113
Conclusão
A violência praticada por parceiros íntimos é um
importante problema de saúde pública. Para resolver
esse problema é necessário o envolvimento de
diversos setores trabalhando em conjunto nos níveis
comunitário, nacional e internacional. Em cada nível,
as respostas devem incluir dar poder às mulheres e
às jovens, conseguir envolver os homens, dar
assistência às necessidades das vítimas e aumentar
as sanções para quem pratica o abuso. É crucial que
as respostas envolvam crianças e jovens e tenham
como foco a mudança das normas comunitárias e
sociais. O progresso feito em cada uma dessas áreas
será a chave para se conseguir reduções mundiais na
violência contra parceiros íntimos.
Referências
1. Crowell N, Burgess AW. Understanding
violence against women. Washington, DC,
National Academy Press, 1996.
2. Heise L, Pitanguy J, Germain A. Violence
against women: the hidden health burden.
Washington, DC, World Bank, 1994 (Discussion
Paper No. 255).
3. Koss MP et al. No safe haven: male violence
against women at home, at work, and in the
community. Washington, DC, American
Psychological Association, 1994.
4. Butchart A, Brown D. Non-fatal injuries due to
interpersonal violence in Johannesburg-Soweto:
incidence, determinants and consequences.
Forensic Science International, 1991, 52:35-51.
5. Tjaden P, Thoennes N. Full report of the
prevalence, incidence, and consequences of
violence against women: findings from the
National Violence Against Women Survey.
Washington, DC, National Institute of Justice,
Office of Justice Programs, United States
Department of Justice and Centers for Disease
Control and Prevention, 2000 (NCJ 183781).
6. Heise LL, Ellsberg M, Gottemoeller M. Ending
violence against women. Baltimore, MD, Johns
Hopkins University School of Public Health,
Center for Communications Programs, 1999
(Population Reports, Series L, No. 11).
7. Violence against women: a priority health issue.
Geneva, World Health Organization, 1997
(document WHO/FRH/WHD/97.8).
8. Yoshihama M, Sorenson SB. Physical, sexual,
and emotional abuse by male intimates:
experiences of women in Japan. Violence and
Victims, 1994, 9:63-77.
9. Ellsberg MC et al. Candies in hell: women’s
experience of violence in Nicaragua. Social
Science and Medicine, 2000, 51:1595-1610.
10. Leibrich J, Paulin J, Ransom R. Hitting home:
men speak about domestic abuse of women
partners. Wellington, New Zealand Department
of Justice and AGB McNair, 1995.
11. Granados Shiroma M. Salud reproductiva y
violencia contra la mujer: un análisis desde la
perspectiva de género [Reproductive health and
violence against women: a gender perspective].
Nuevo León, Asociación Mexicana de Población,
Consejo Estatal de Población, 1996.
12. Ellsberg MC et al. Wife abuse among women
of childbearing age in Nicaragua. American
Journal of Public Health, 1999, 89:241-244.
13. Mooney J. The hidden figure: domestic
violence in north London. London, Middlesex
University, 1993.
14. Ellsberg M et al. Researching domestic
violence against women: methodological and
ethical considerations. Studies in Family
Planning, 2001, 32:1-16.
15. Putting women first: ethical and safety
recommendations for research on domestic violence
against women. Geneva, World Health Organization,
2001 (document WHO/FCH/GWH/01.01).
16. Saltzman LE et al. Intimate partner
surveillance: uniform definitions and
recommended data elements, Version 1.0. Atlanta,
GA, National Center for Injury Prevention and
Control, Centers for Disease Control and
Prevention, 1999.
17. Ellsberg M, Heise L, Shrader E. Researching
violence against women: a practical guide for
researchers and advocates. Washington, DC,
Center for Health and Gender Equity, 1999.
18. Smith PH, Smith JB, Earp JAL. Beyond the
measurement trap: a reconstructed
conceptualization and measurement of battering.
Psychology of Women Quarterly, 1999, 23:177-193.
19. Rodgers K. Wife assault: the findings of a national
survey. Juristat Service Bulletin, 1994, 14:1-22.
20. Cabaraban M, Morales B. Social and
economic consequences for family planning use
in southern Philippines. Cagayan de Oro,
114 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Research Institute for Mindanao Culture, Xavier
University, 1998.
21. Cabrejos MEB et al. Los caminos de las
mujeres que rompieron el silencio: un estudio
cualitativo sobre la ruta crítica que siguen las
mujeres afectadas por la violencia intrafamiliar
[Paths of women who broke the silence: a
qualitative study of help-seeking by women
affected by family violence] . Lima, Proyecto
Violencia Contra las Mujeres y las Niñas and
World Health Organization, 1998.
22. Mouzos J. Femicide: the killing of women in
Australia 1989-1998. Canberra, Australian
Institute of Criminology, 1999.
23. Juristat. Homicide in Canada. Ottawa,
Statistics Canada, 1998.
24. Gilbert L. Urban violence and health: South
Africa 1995. Social Science and Medicine, 1996,
43:873-886.
25. Bailey JE et al. Risk factors for violent death
of women in the home. Archives of Internal
Medicine, 1997, 157:777-782.
26. Fox JA, Zawitz MW. Homicide trends in the
United States. Washington, DC, Bureau of Justice
Statistics, United States Department of Justice, 1999.
27. Carcach C, James M. Homicide between
intimate partners in Australia. Canberra,
Australian Institute of Criminology, 1998.
28. When men murder women: an analysis of 1996
homicide data. Washington, DC, Violence Policy
Center, 2000.
29. Karkal M. How the other half dies in Bombay.
Economic and Political Weekly, 24 August
1985:1424.
30. Mercy JA et al. Intentional injuries. In: Mashaly
AY, Graitcer PL, Youssef ZM, eds. Injury in Egypt:
an analysis of injuries as a health problem. Cairo,
Rose El Youssef New Presses, 1993.
31. Johnson MP. Patriarchal terrorism and common
couple violence: two forms of violence against
women. Journal of Marriage and the Family,
1995, 57:283-294.
32. Johnson MP, Ferraro KJ. Research on
domestic violence in the 1990s: making
distinctions. Journal of Marriage and the Family,
2000, 62:948-963.
33. Kantor GK, Jasinski JL. Dynamics and risk
factors in partner violence. In: Jasinski JL,
Williams LM, eds. Partner violence: a
comprehensive review of 20 years of research.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1998.
34. Morse BJ. Beyond the conflict tactics scale:
assessing gender differences in partner violence.
Violence and Victims, 1995, 10:251-272.
35. Brush LD. Violent acts and injurious outcomes
in married couples: methodological issues in the
national survey of family and households. Gender
and Society, 1990, 4:56-67.
36. Canadian Centre for Justice Statistics. Family
violence in Canada: a statistical profile. Ottawa,
Statistics Canada, 2000.
37. Saunders DG. When battered women use
violence: husband-abuse or self-defense?
Violence and Victims, 1986, 1:47-60.
38. DeKeseredy WS et al. The meanings and
motives for women’s use of violence in Canadian
college dating relationships: results from a
national survey. Sociological Spectrum, 1997,
17:199-222.
39. Schuler SR et al. Credit programs, patriarchy
and men’s violence against women in rural
Bangladesh. Social Science and Medicine, 1996,
43:1729-1742.
40. Zimmerman K. Plates in a basket will rattle:
domestic violence in Cambodia. A summary. Phnom
Penh, Project Against Domestic Violence, 1995.
41. Michau L. Community-based research for social
change in Mwanza, Tanzania. In: Third Annual
Meeting of the International Research Network
on Violence Against Women, Washington, DC, 9-
11 January 1998. Takoma Park, MD, Center for
Health and Gender Equity, 1998:4-9.
42. Armstrong A. Culture and choice: lessons
from survivors of gender violence in Zimbabwe.
Harare, Violence Against Women in Zimbabwe
Research Project, 1998.
43. Gonzalez Montes S. Domestic violence in
Cuetzalan, Mexico: some research questions and
results. In: Third Annual Meeting of the
International Research Network on Violence
Against Women, Washington, DC, 9-11 January
1998. Takoma Park, MD, Center for Health and
Gender Equity, 1998:36-41.
44. Osakue G, Hilber AM. Women’s sexuality and
fertility in Nigeria. In: Petchesky R, Judd K, eds.
Negotiating reproductive rights. London, Zed
Books, 1998:180-216.
45. Hassan Y. The haven becomes hell: a study of
domestic violence in Pakistan. Lahore, Shirkat
Gah Women’s Resource Centre, 1995.
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 115
46. Bradley CS. Attitudes and practices relating
to marital violence among the Tolai of East New
Britain. In: Domestic violence in Papua New
Guinea. Boroko, Papua New Guinea Law Reform
Commission, 1985:32-71.
47. Jejeebhoy SJ. Wife-beating in rural India: a
husband’s right? Economic and Political Weekly,
1998, 33:855-862.
48. El-Zanaty F et al. Egypt demographic and
health survey 1995. Calverton, MD, Macro
International, 1996.
49. Rosales J et al. Encuesta Nicaraguense de
demografía y salud, 1998 [1998 Nicaraguan
demographic and health survey]. Managua,
Instituto Nacional de Estadisticas y Censos, 1999.
50. David F, Chin F. Economic and psychosocial
influences of family planning on the lives of
women in Western Visayas. Iloilo City, Central
Philippines University and Family Health
International, 1998.
51. Bawah AA et al. Women’s fears and men’s
anxieties: the impact of family planning on gender
relations in northern Ghana. Studies in Family
Planning, 1999, 30:54–66.
52. Wood K, Jewkes R. Violence, rape, and sexual
coercion: everyday love in a South African
township. Gender and Development, 1997, 5:41-46.
53. Khan ME et al. Sexual violence within marriage.
Seminar (New Delhi), 1996:32-35.
54. Jenkins C (for the National Sex and
Reproduction Research Team). National study of
sexual and reproductive knowledge and
behaviour in Papua New Guinea. Goroka, Papua
New Guinea Institute of Medical Research, 1994.
55. Heise L. Violence against women: an
integrated ecological framework. Violence
Against Women 1998, 4:262-290.
56. Rao V. Wife-beating in rural South India: a
qualitative and econometric analysis. Social
Science and Medicine, 1997, 44:1169-1179.
57. Johnson H. Dangerous domains: violence
against women in Canada. Ontario, International
Thomson Publishing, 1996.
58. Romero M. Violencia sexual y domestica:
informe de la fase cuantitativa realizada en el
centro de atención a adolescentes de San Miguel
de Allende [Sexual and domestic violence: report
from the qualitative phase from an adolescent
center in San Miguel de Allende]. Mexico City,
Population Council, 1994.
59. Campbell J et al. Voices of strength and
resistance: a contextual and longitudinal analysis
of women’s responses to battering. Journal of
Interpersonal Violence, 1999, 13:743-762.
60. Dutton MA. Battered women’s strategic
response to violence: the role of context. In:
Edelson JL, Eisikovits ZC, eds. Future
interventions with battered women and their
families. London, Sage, 1996:105-124.
61. Sagot M. Ruta crítica de las mujeres afectadas
por la violencia intrafamiliar en América Latina:
estudios de caso de diez países [The critical path
followed by women victims of domestic violence
in Latin America: case studies from ten countries]
Washington, DC, Pan American Health
Organization, 2000.
62. O’Conner M. Making the links: towards an
integrated strategy for the elimination of violence
against women in intimate relationships with men.
Dublin, Women’s Aid, 1995.
63. Short L. Survivor’s identification of protective
factors and early warning signs in intimate partner
violence. In: Third Annual Meeting of the
International Research Network on Violence
Against Women, Washington, DC, 9-11 January
1998. Takoma Park, MD, Center for Health and
Gender Equity, 1998:27-31.
64. George A. Differential perspectives of men and
women in Mumbai, India on sexual relations and
negotiations within marriage. Reproductive
Health Matters, 1998, 6:87-95.
65. Ellsberg M et al. Women’s strategic responses
to violence in Nicaragua. Journal of
Epidemiology and Community Health, 2001,
55:547-555.
66. Bunge VP, Levett A. Family violence in
Canada: a statistical profile. Ottawa, Statistics
Canada, 1998.
67. Campbell JC, Soeken KL. Women’s responses
to battering: a test of the model. Research in
Nursing and Health, 1999, 22:49-58.
68. Campbell JC. Abuse during pregnancy:
progress, policy, and potential. American Journal
of Public Health, 1998, 88:185-187.
69. Landenburger KM. The dynamics of leaving
and recovering from an abusive relationship.
Journal of Obstetric, Gynecologic, and Neonatal
Nursing, 1998, 27:700-706.
70. Jacobson NS et al. Psychological factors in
the longitudinal course of battering: when do the
116 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
couples split up? When does the abuse decrease?
Violence and Victims, 1996, 11:371-392.
71. Campbell J. Assessing dangerousness:
violence by sexual offenders, batterers, and child
abusers. Thousand Oaks, CA, Sage, 1995.
72. Wilson M, Daly M. Spousal homicide. Juristat
Service Bulletin, 1994, 14:1-15.
73. Counts DA, Brown J, Campbell J. Sanctions
and sanctuary: cultural perspectives on the
beating of wives. Boulder, CO, Westview Press, 1992.
74. Levinson D. Family violence in cross-cultural
perspective. Thousand Oaks, CA, Sage, 1989.
75. Dutton DG. The domestic assault of women:
psychological and criminal justice perspectives.
Vancouver, University of British Colombia Press, 1995.
76. Black DA et al. Partner, child abuse risk factors
literature review. National Network of Family Resiliency,
National Network for Health, 1999 (available on the
Internet at http://www.nnh.org/risk ).
77. Moffitt TE, Caspi A. Findings about partner
violence from the Dunedin multi-disciplinary health
and development study, New Zealand. Washington,
DC, National Institutes of Justice, 1999.
78. Larrain SH. Violencia puertas adentro: la
mujer golpeada [Violence behind closed doors:
the battered women]. Santiago, Editorial
Universitaria, 1994.
79. Nelson E, Zimmerman C. Household survey
on domestic violence in Cambodia. Phnom Penh,
Ministry of Women’s Affairs and Project Against
Domestic Violence, 1996.
80. Hakimi M et al. Silence for the sake of
harmony: domestic violence and women’s health
in Central Java, Indonesia. Yogyakarta, Gadjah
Mada University, 2001.
81. Moreno Martín F. La violencia en la pareja
[Intimate partner violence]. Revista
Panamericana de Salud Pública, 1999, 5:245-258.
82. Caeser P. Exposure to violence in the families of
origin among wife abusers and maritally nonviolent
men. Violence and Victims, 1998, 3:49-63.
83. Parry C et al. Alcohol attributable fractions for
trauma in South Africa. Curationis, 1996, 19:2-5.
84. Kyriacou DN et al. Emergency departmentbased
study of risk factors for acute injury from
domestic violence against women. Annals of
Emergency Medicine, 1998, 31:502-506.
85. McCauley J et al. The “battering syndrome”:
prevalence and clinical characteristics of domestic
violence in primary health care internal medicine
practices. Annals of Internal Medicine , 1995,
123:737-746.
86. International Clinical Epidemiologists Network
(INCLEN). Domestic violence in India.
Washington, DC, International Center for Research
on Women and Centre for Development and
Population Activities, 2000.
87. Jewkes R et al. The prevalence of physical,
sexual and emotional violence against women in
three South African provinces. South African
Medical Journal, 2001, 91:421-428.
88. Flanzer JP. Alcohol and other drugs are key
causal agents of violence. In: Gelles RJ, Loseke
DR, eds. Current controversies on family violence.
Thousand Oaks, CA, Sage, 1993:171-181.
89. Gelles R. Alcohol and other drugs are
associated with violence – they are not its cause.
In: Gelles RJ, Loseke DR, eds. Current
controversies on family violence . Thousand
Oaks, CA, Sage, 1993:182-196.
90. MacAndrew D, Edgerton RB. Drunken
comportment: a social explanation. Chicago, IL,
Aldine, 1969.
91. Abrahams N, Jewkes R, Laubsher R. I do not
believe in democracy in the home: men’s
relationships with and abuse of women.
Tyberberg, Centre for Epidemiological Research
in South Africa, Medical Research Council, 1999.
92. Hoffman KL, Demo DH, Edwards JN. Physical
wife abuse in a non-Western society: an integrated
theoretical approach. Journal of Marriage and
the Family, 1994, 56:131-146.
93. Martin SL et al. Domestic violence in northern
India. American Journal of Epidemiology, 1999,
150:417-426.
94. Gonzales de Olarte E, Gavilano Llosa P. Does
poverty cause domestic violence? Some answers
from Lima. In: Morrison AR, Biehl ML, eds. Too
close to home: domestic violence in the Americas.
Washington, DC, Inter-American Development
Bank, 1999:35-49.
95. Straus M et al. Societal change and change in
family violence from 1975 to 1985 as revealed by
two national surveys. Journal of Marriage and
the Family, 1986, 48:465-479.
96. Byrne CA et al. The socioeconomic impact of
interpersonal violence on women. Journal of
Consulting and Clinical Psycholo gy, 1999,
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 117
67:362-366.
97. Golding JM. Sexual assault history and
limitations in physical functioning in two general
population samples. Research in Nursing and
Health, 1996, 19:33-44.
98. Leserman J et al. Sexual and physical abuse
history in gastroenterology practice: how types
of abuse impact health status. Psychosomatic
Medicine, 1996, 58:4-15.
99. Koss MP, Koss PG, Woodruff WJ. Deleterious
effects of criminal victimization on women’s health
and medical utilization. Archives of Internal
Medicine, 1991, 151:342-347.
100.Walker E et al. Adult health status of women
HMO members with histories of childhood abuse
and neglect. American Journal of Medicine, 1999,
107:332-339.
101.McCauley J et al. Clinical characteristics of
women with a history of childhood abuse:
unhealed wounds. Journal of the American
Medical Association, 1997, 277:1362-1368.
102.Dickinson LM et al. Health-related quality of
life and symptom profiles of female survivors of
sexual abuse. Archives of Family Medicine, 1999,
8:35-43.
103. Felitti VJ et al. Relationship of childhood
abuse and household dysfunction to many of the
leading causes of death in adults: the Adverse
Childhood Experiences (ACE) study. American
Journal of Preventive Medicine, 1998, 14:245-258.
104.Koss MP, Woodruff WJ, Koss PG. Criminal
victimization among primary care medical patients:
prevalence, incidence, and physician usage.
Behavioral Science and Law, 1991, 9:85-96.
105. Follette V et al. Cumulative trauma: the impact
of child sexual abuse, adult sexual assault, and
spouse abuse. Journal of Traumatic Stress, 1996,
9:25-35.
106.Heise L, Moore K, Toubia N. Sexual coercion
and women’s reproductive health: a focus on
research. New York, NY, Population Council, 1995.
107.Najera TP, Gutierrez M, Bailey P. Bolivia:
follow-up to the 1994 Demographic and Health
Survey, and women’s economic activities, fertility
and contraceptive use. Research Triangle Park,
NC, Family Health International, 1998.
108.Ballard TJ et al. Violence during pregnancy:
measurement issues. American Journal of Public
Health, 1998, 88:274-276.
109.Campbell JC. Addressing battering during
pregnancy: reducing low birth weight and
ongoing abuse. Seminars in Perinatology, 1995,
19:301-306.
110.Curry MA, Perrin N, Wall E. Effects of abuse
on maternal complications and birth weight in
adult and adolescent women. Obstetrics and
Gynecology, 1998, 92:530-534.
111.Gazmararian JA et al. Prevalence of violence
against pregnant women. Journal of the American
Medical Association, 1996, 275:1915-1920.
112.Newberger EH et al. Abuse of pregnant
women and adverse birth outcome: current
knowledge and implications for practice. Journal
of the American Medical Association, 1992,
267:2370-2372.
113.Bullock LF, McFarlane J. The birth-weight/
battering connection. American Journal of
Nursing, 1989, 89:1153-1155.
114.Murphy C et al. Abuse: a risk factor for low
birth weight? A systematic review and metaanalysis.
Canadian Medical Association
Journal, 2001, 164:1567-1572.
115. Parker B, McFarlane J, Soeken K. Abuse
during pregnancy: effects on maternal
complications and birth weight in adult and
teenage women. Obstetrics and Gynecology, 1994,
84:323-328.
116.Valdez-Santiago R, Sanin-Aguirre LH.
Domestic violence during pregnancy and its
relationship with birth weight. Salud Publica
Mexicana, 1996, 38:352-362.
117.Valladares E et al. Physical abuse during
pregnancy: a risk factor for low birth weight
[Dissertation]. Umeå, Department of
Epidemiology and Public Health, Umeå
University, 1999.
118.Ganatra BR, Coyaji KJ, Rao VN. Too far, too
little, too late: a community-based case-control
study of maternal mortality in rural west
Maharashtra, India. Bulletin of the World Health
Organization, 1998, 76:591-598.
119. Fauveau V et al. Causes of maternal mortality
in rural Bangladesh, 1976-85. Bulletin of the World
Health Organization, 1988, 66:643-651.
120.Dannenberg AL et al. Homicide and other
injuries as causes of maternal death in New York
City, 1987 through 1991. American Journal of
Obstetrics and Gynecology, 1995, 172:1557-1564.
118 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
121.Harper M, Parsons L. Maternal deaths due to
homicide and other injuries in North Carolina:
1992-1994. Obstetrics and Gynecology, 1997,
90:920-923.
122.Brown D. In Africa, fear makes HIV an
inheritance. Washington Post, 30 June 1998,
Section A:28.
123.Quigley M et al. Case-control study of risk
factors for incident HIV infection in rural Uganda.
Journal of Acquired Immune Deficiency
Syndrome, 2000, 5:418-425.
124.Romkens R. Prevalence of wife abuse in the
Netherlands: combining quantitative and
qualitative methods in survey research. Journal
of Interpersonal Violence, 1997, 12:99-125.
125. Walker EA et al. Psychosocial factors in
fibromyalgia compared with rheumatoid arthritis: II.
Sexual, physical, and emotional abuse and neglect.
Psychosomatic Medicine, 1997, 59:572-577.
126.Walker EA et al. Histories of sexual
victimization in patients with irritable bowel
syndrome or inflammatory bowel disease. American
Journal of Psychiatry, 1993, 150:1502-1506.
127.Delvaux M, Denis P, Allemand H. Sexual
abuse is more frequently reported by IBS patients
than by patients with organic digestive diseases
or controls: results of a multicentre inquiry.
European Journal of Gastroenterology and
Hepatology, 1997, 9:345-352.
128. Sutherland C, Bybee D, Sullivan C. The longterm
effects of battering on women’s health.
Women’s Health, 1998, 4:41-70.
129.Roberts GL et al. How does domestic violence
affect women’s mental health? Women’s Health,
1998, 28:117-129.
130.Ellsberg M et al. Domestic violence and
emotional distress among Nicaraguan women.
American Psychologist, 1999, 54:30-36.
131. Fikree FF, Bhatti LI. Domestic violence and
health of Pakistani women. International Journal
of Gynaecology and Obstetrics, 1999, 65:195-201.
132.Danielson KK et al. Comorbidity between
abuse of an adult and DSM-III-R mental disorders:
evidence from an epidemiological study. American
Journal of Psychiatry, 1998, 155:131-133.
133.Bergman B et al. Suicide attempts by battered
wives. Acta Psychiatrica Scandinavica, 1991,
83:380-384.
134.Kaslow NJ et al. Factors that mediate and
moderate the link between partner abuse and
suicidal behavior in African-American women.
Journal of Consulting and Clinical Psychology,
1998, 66:533-540.
135.Abbott J et al. Domestic violence against
women: incidence and prevalence in an emergency
department population. Journal of the American
Medical Association, 1995, 273:1763-1767.
136.Amaro H et al. Violence during pregnancy and
substance use. American Journal of Public
Health, 1990, 80:575-579.
137. Felitti VJ. Long-term medical consequences
of incest, rape, and molestation. Southern
Medical Journal, 1991, 84:328-331.
138.Koss M. The impact of crime victimization on
women’s medical use. Journal of Women’s Health,
1993, 2:67-72.
139.Morrison AR, Orlando MB. Social and
economic costs of domestic violence: Chile and
Nicaragua. In: Morrison AR, Biehl ML, eds. Too
close to home: domestic violence in the Americas.
Washington, DC, Inter-American Development
Bank, 1999:51-80.
140. Sansone RA, Wiederman MW, Sansone LA.
Health care utilization and history of trauma
among women in a primary care setting. Violence
and Victims, 1997, 12:165-172.
141.IndiaSAFE Steering Committee. IndiaSAFE
final report. Washington, DC, International
Center for Research on Women, 1999.
142.Browne A, Salomon A, Bassuk SS. The impact
of recent partner violence on poor women’s
capacity to maintain work. Violence Against
Women, 1999, 5:393-426.
143.Lloyd S, Taluc N. The effects of male violence
on female employment. Violence Against Women,
1999, 5:370-392.
144. McCloskey LA, Figueredo AJ, Koss MP. The
effects of systemic family violence on children’s mental
health. Child Development, 1995, 66:1239-1261.
145.Edleson JL. Children’s witnessing of adult
domestic violence. Journal of Interpersonal
Violence, 1999, 14:839-870.
146.Jouriles EN, Murphy CM, O’Leary KD.
Interspousal aggression, marital discord, and child
problems. Journal of Consulting and Clinical
Psychology, 1989, 57:453-455.
147.Jaffe PG, Wolfe DA, Wilson SK. Children of
battered women. Thousand Oaks, CA, Sage, 1990.
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 119
148.Jejeebhoy SJ. Associations between wifebeating
and fetal and infant death: impressions
from a survey in rural India. Studies in Family
Planning, 1998, 29:300-308.
149. Åsling-Monemi K et al. Violence against women
increases the risk of infant and child mortality: a
case-referent study in Nicaragua. Bulletin of the
World Health Organization, in press.
150.Chalk R, King PA. Violence in families:
assessing prevention and treatment programs.
Washington, DC, National Academy Press, 1998.
151. Spindel C, Levy E, Connor M. With an end in
sight: strategies from the UNIFEM trust fund to
eliminate violence against women. New York, NY,
United Nations Development Fund for Women, 2000.
152. Plichta SB. Identifying characteristics of
programs for battered women. In: Leinman JM et
al., eds. Addressing domestic violence and its
consequences: a policy report of the
Commonwealth Fund Commission on Women’s
Health. New York, NY, The Commonwealth Fund,
1998:45.
153.Ramos-Jimenez P. Philippine strategies to
combat domestic violence against women.
Manila, Task Force on Social Science and
Reproductive Health, Social Development
Research Center, and De La Salle University, 1996.
154.Mehrotra A. Gender and legislation in Latin
America and the Caribbean. New York, United
Nations Development Programme Regional
Bureau for Latin America and the Caribbean, 1998.
155.Mitra N. Best practices among response to
domestic violence: a study of government and nongovernment
response in Madhya Pradesh and
Maharashtra [draft]. Washington, DC,
International Center for Research on Women, 1998.
156. Sherman LW, Berk RA. The specific deterrent
effects of arrest for domestic assault. American
Sociological Review, 1984, 49:261-272.
157.Garner J, Fagan J, Maxwell C. Published
findings from the spouse assault replication
program: a critical review. Journal of Quantitative
Criminology, 1995, 11:3-28.
158. Fagan J, Browne A. Violence between
spouses and intimates: physical aggression
between women and men in intimate relationships.
In: Reiss AJ, Roth JA, eds. Understanding and
preventing violence: panel on the understanding
and control of violent behavior. Vol. 3. Social
influences. Washington, DC, National Academy
Press, 1994:115-292.
159.Marciniak E. Community policing of domestic
violence: neighborhood differences in the effect
of arrest. College Park, MD, University of
Maryland, 1994.
160. Sherman LW. The influence of criminology
on criminal law: evaluating arrests for
misdemeanor domestic violence. Journal of
Criminal Law and Criminology, 1992, 83:1-45.
161.National Institute of Justice and American Bar
Association. Legal interventions in family
violence: research findings and policy
implications. Washington, DC, United States
Department of Justice, 1998.
162.Grau J, Fagan J, Wexler S. Restraining orders
for battered women: issues of access and efficacy.
Women and Politics, 1984, 4:13-28.
163.Harrell A, Smith B. Effects of restraining
orders on domestic violence victims. In: Buzawa
ES, Buzawa CG, eds. Do arrests and restraining
orders work? Thousand Oaks, CA, Sage, 1996.
164.Buzawa ES, Buzawa CG. Domestic violence:
the criminal justice response. Thousand Oaks,
CA, Sage, 1990.
165.Keilitz S et al. Civil protection orders:
victims’ views on effectiveness. Washington, DC,
National Institute of Justice, 1998.
166.Littel K et al. Assessing the justice system
response to violence against women: a tool for
communities to develop coordinated responses.
Pennsylvania, Pennsylvania Coalition Against
Domestic Violence, 1998 (available on the Internet
http://www.vaw.umn.edu/Promise/PP3.htm).
167.Larrain S. Curbing domestic violence: two
decades of activism. In: Morrison AR, Biehl ML,
eds. Too close to home: domestic violence in the
Americas. Washington, DC, Inter-American
Development Bank, 1999:105-130.
168. Poonacha V, Pandey D. Response to domestic
violence in Karnataka and Gujurat. In: Duvvury
N, ed. Domestic violence in India. Washington,
DC, International Center for Research on Women,
1999:28-41.
169.Estremadoyro J. Violencia en la pareja:
comisarías de mujeres en el Perú [Violence in
couples: police stations for women in Peru]. Lima,
Ediciones Flora Tristan, 1993.
170.Hautzinger S. Machos and policewomen,
120 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
battered women and anti-victims: combating
violence against women in Brazil. Baltimore, MD,
Johns Hopkins University, 1998.
171.Mesquita da Rocha M. Dealing with crimes
against women in Brazil. In: Morrison AR, Biehl
L, eds. Too close to home: domestic violence in
the Americas. Washington, DC, Inter-American
Development Bank, 1999:151-154.
172.Thomas DQ. In search of solutions: women’s
police stations in Brazil. In: Davies M, ed. Women
and violence: realities and responses worldwide.
London, Zed Books, 1994:32-43.
173. Corsi J. Treatment for men who batter women in
Latin America. American Psychologist, 1999, 54:64.
174.Cervantes Islas F. Helping men overcome
violent behavior toward women. In: Morrison AR,
Biehl ML, eds. Too close to home: domestic
violence in the Americas. Washington, DC, InterAmerican
Development Bank, 1999:143-147.
175.Axelson BL. Violence against women: a male
issue. Choices, 1997, 26:9-14.
176.Edleson JL. Intervention for men who batter:
a review of research. In: Stith SR, Staus MA, eds.
Understanding partner violence: prevalence,
causes, consequences and solutions.
Minneapolis, MN, National Council on Family
Relations, 1995:262-273.
177.Gondolf E. A 30-month follow-up of court
mandated batterers in four cities. Indiana, PA,
Mid-Atlantic Addiction Training Institute, Indiana
University of Pennsylvania, 1999 (available on
the Internet http://www.iup.edu/maati/
publications/30MonthFollowup.shtm).
178.Gondolf EW. Batterer programs: what we
know and need to know. Journal of Interpersonal
Violence, 1997, 12:83-98.
179.Mullender A, Burton S. Reducing domestic
violence: what works? Perpetrator programmes.
London, Policing and Crime Reduction Unit,
Home Office, 2000.
180. Sugg NK et al. Domestic violence and primary
care: attitudes, practices, and beliefs. Archives of
Family Medicine, 1999, 8:301-306.
181.Caralis PV, Musialowski R. Women’s
experiences with domestic violence and their
attitudes and expectations regarding medical care
of abuse victims. Southern Medical Journal,
1997, 90:1075-1080.
182. Friedman LS et al. Inquiry about victimization
experiences: a survey of patient preferences and
physician practices. Archives of Internal
Medicine, 1992, 152:1186-1190.
183.Ruta crítica que siguen las mujeres víctimas
de violencia intrafamiliar: análisis y resultados
de investigación [Help-seeking by victims of family
violence: analysis and research results]. Panama
City, Pan American Health Organization, 1998.
184.Cohen S, De Vos E, Newberger E. Barriers to
physician identification and treatment of family
violence: lessons from five communities.
Academic Medicine, 1997, 72 (1 Suppl.):S19-S25.
185. Fawcett G et al. Detección y manejo de mujeres
víctimas de violencia doméstica: desarrollo y
evaluación de un programa dirigido al personal
de salud [Detecting and dealing with women
victims of domestic violence: the development and
evaluation of a programme for health workers].
Mexico City, Population Council, 1998.
186.Watts C, Ndlovu M. Addressing violence in
Zimbabwe: strengthening the health sector
response. In: Violence against women in
Zimbabwe: strategies for action. Harare, Musasa
Project, 1997:31-35.
187. d’Oliviera AFL, Schraiber L. Violence against
women: a physician’s concern? In: Fifteenth FIGO
World Congress of Gynaecology and Obstetrics,
Copenhagen, Denmark, 3-8 August 1997. London,
International Federation of Gynaecology and
Obstetrics, 1997:157-163.
188.Leye E, Githaniga A, Temmerman M. Health
care strategies for combating violence against
women in developing countries. Ghent,
International Centre for Reproductive Health, 1999.
189.Como atender a las mujeres que viven
situationes de violencia doméstica?
Orientaciones básicas para el personal de salud
[Care of women living with domestic violence:
orientation for health care personnel]. Managua,
Red de Mujeres Contra la Violencia, 1999.
190.Achievements of project “Toward a
comprehensive model approach to domestic
violence: expansion and consolidation of
interventions coordinated by the state and civil
society”. Washington, DC, Pan American Health
Organization, 1999.
191.Olson L et al. Increasing emergency physician
recognition of domestic violence. Annals of
Emergency Medicine, 1996, 27:741-746.
CAPÍTULO 4. VIOLÊNCIA PERPETRADA POR PARCEIROS ÍNTIMOS · 121
192. Freund KM, Bak SM, Blackhall L. Identifying
domestic violence in primary care practice.
Journal of General Internal Medicine , 1996,
11:44-46.
193.Kim J. Health sector initiatives to address
domestic violence against women in Africa. In:
Health care strategies for combating violence
against women in developing countries. Ghent,
International Centre for Reproductive Health,
1999:101-107.
194.Davison L et al. Reducing domestic violence:
what works? Health services. London, Policing
and Crime Reduction Unit, Home Office, 2000.
195.Kelly L, Humphreys C. Reducing domestic
violence: what works? Outreach and advocacy
approaches. London, Policing and Crime
Reduction Unit, Home Office, 2000.
196.Gamache DJ, Edleson JS, Schock MD.
Coordinated police, judicial, and social service
response to woman battering: a multiple baseline
evaluation across three communities. In: Hotaling
GT et al., eds. Coping with family violence:
research and policy perspectives. Thousand
Oaks, CA, Sage, 1988:193-209.
197.Hague G. Reducing domestic violence: what
works? Multi-agency fora. London, Policing and
Crime Reduction Unit, Home Office, 2000.
198.Ellsberg M, Liljestrand J, Winkvist A. The
Nicaraguan Network of Women Against Violence:
using research and action for change.
Reproductive Health Matters, 1997, 10:82-92.
199.Mehrotra A et al. A life free of violence: it’s
our right. New York, NY, United Nations
Development Fund for Women, 2000.
200.Jaffe PG et al. An evaluation of a secondary
school primary prevention program on violence
in intimate relationships. Violence and Victims,
1992, 7:129-146.
201. Foshee VA et al. The Safe Dates program:
one-year follow-up results. American Journal of
Public Health, 2000, 90:1619-1622.
202.Krajewski SS et al. Results of a curriculum
intervention with seventh graders regarding
violence in relationships. Journal of Family
Violence, 1996, 11:93-112.
203. Lavoie F et al. Evaluation of a prevention
program for violence in teen dating relationships.
Journal of Interpersonal Violence, 1995, 10:516-524.
204.Heise L. Violence against women: global
organizing for change. In: Edleson JL, Eisikovits
ZC, eds. Future interventions with battered women
and their families. Thousand Oaks, CA, Sage ,
1996:7-33.
205.Domestic violence in India. Washington, DC,
International Center for Research on Women, 1999.
206.American College of Obstetricians and
Gynecologists. ACOG committee opinion:
mandatory reporting of domestic violence.
International Journal of Gynecology and
Obstetrics, 1998, 62:93-95.
207.Hyman A, Schillinger D, Lo B. Laws mandating
reporting of domestic violence: do they promote
patient well-being? Journal of the American
Medical Association, 1995, 273:1781-1787.
208.Jezierski MB, Eickholt T, McGee J.
Disadvantages to mandatory reporting of domestic
violence. Journal of Emergency Nursing , 1999,
25:79-80.
209.Bradley J et al. Whole-site training: a new
approach to the organization of training. New
York, NY, AVSC International, 1998.
210.Cole TB. Case management for domestic
violence. Journal of the American Medical
Association, 1999, 282:513-514.
211.McLeer SV et al. Education is not enough: a
systems failure in protecting battered women.
Annals of Emergency Medicine, 1989, 18:651-653.
212.Tilden VP, Shepherd P. Increasing the rate of
identification of battered women in an emergency
department: use of a nursing protocol. Research in
Nursing Health, 1987, 10:209-215.
213.Harwell TS et al. Results of a domestic violence
training program offered to the staff of urban
community health centers. American Journal of
Preventive Medicine, 1998, 15:235-242.
214.Kelly L. Tensions and possibilities: enhancing
informal responses to domestic violence. In:
Edelson JL, Eisidovits ZC, eds. Future
interventions with battered women and their
families. Thousand Oaks, CA, Sage, 1996:67-86.
215. Fawcett GM et al. Changing community
responses to wife abuse: a research and
demonstration project in Iztacalco, Mexico.
American Psychologist, 1999, 54:41-49.
216.Carter J. Domestic violence, child abuse, and
youth violence: strategies for prevention and early
intervention. San Francisco, CA, Family Violence
Prevention Fund, 2000.
122 · RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SAÚDE
Abuso de idosos
CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 5. ABUSOS DE IDOSOS · 125
Antecedentes
O abuso de idosos por membros da família remonta
a tempos antigos. Até o aparecimento de iniciativas
para tratar do abuso infantil e da violência doméstica,
nas últimas duas décadas e meia do século XX, este
assunto permaneceu reservado e escondido do
público.

VEJA A PARTE 2 AQUI >>

RECEBA NOSSAS ATUALIZAÇÕES
Receba nossos novos artigos em seu e-mail e fique sempre informado, é grátis!

Deixe uma resposta